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Ação civil pública para viabilização, pelo Município, das
condições para entrega domiciliar de correspondência
Karina Gomes Cherubini *
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL E DOS FEITOS
DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE ILHÉUS-BA
"É simples ser consumidor ou usuário de
qualquer serviço público; difícil é ser considerado cidadão e ser tratado como
tal". [01]
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA, por intermédio de
sua Promotora de Justiça que esta subscreve, lotada na 8ª Promotoria de Justiça
de Ilhéus, com endereço para intimações pessoais na Avenida Lomanto Júnior,
324, Pontal, Ilhéus, no uso de suas atribuições constitucionais e legais,
legitimada pelos artigos 129, inciso III, da Constituição Federal, 25, inciso
IV, letra a, da Lei nº 8.625/93, 5º, caput, da Lei 7.347/85 e 82,
inciso I, da Lei nº 8.078/90, vem perante Vossa Excelência ajuizar a presente
AÇÃO CIVIL PÚBLICA,
Com pedido de tutela antecipada,
Pelo rito ordinário, contra
MUNICÍPIO DE ILHÉUS, pessoa jurídica de direito público
interno, CNPJ nº xxxxxx, representado por seu Prefeito, Sua Excelência xxxx,
brasileiro, natural de xxxx, nascido em xx-xx-xx, casado, filho de xxxx e xxxx,
advogado, RG xxxx, CPF xxxx, residente na Rua xxx, s/nº, xxxxx, Ilhéus, com
domicílio legal na Prefeitura Municipal, sita na Praça J.J. Seabra, s/nº,
Centro, Ilhéus.
Pelas razões fáticas e jurídicas que passa a expor, para
adiante requerer:
I- DOS FATOS
Foi instaurado pela 8ª Promotoria de Justiça de Ilhéus,
mediante ato inaugural de portaria, o procedimento administrativo n.º
003/02-Con, o qual segue
Afirmaram os subscritores do documento, juntado às fls.
02/30, que o referido bairro conta com, aproximadamente, quatorze mil
moradores, com comércio crescente, onde a comunidade tem prejuízos diários e
constantes pela falta de entrega de correspondências, sobretudo se forem do
tipo duplicatas, promissórias e contas diversas.
Para receberem suas correspondências, os moradores do
bairro Nossa Senhora da Vitória fornecem o endereço de conhecidos seus, que
moram em outros bairros ou retiram suas correspondências diretamente na agência
de Correio (fl. 32).
Segundo a testemunha José Oliveira dos Santos (fl. 33), os
comerciantes recebem os títulos fora do prazo, tendo de pagar multa. Os
moradores têm gastos ao se deslocarem até a agência do correio, para verificar
se existe alguma correspondência para eles.
Já Jorge Farias (fl. 35), presidente da Associação de Moradores
daquele bairro, colocou a situação de desconhecimento, pelo destinatário, de
chegada de correspondência. Com isso surgiria a situação da correspondência ser
devolvida ao remetente, após determinado lapso de tempo, sem sequer seu
destinatário saber de sua chegada. Destacou, ainda, o tempo que o morador
aguarda no balcão do Correio para retirada de suas correspondências.
A Empresa de Correios e telégrafos (ECT), em informações
prestadas às fls. 40/41, esclareceu que a entrega domiciliar de correspondências
no bairro Nossa Senhora da Vitória não ocorre porque tal imediação não possui
todos os itens descritos no artigo 4º da Portaria 311/98 do Ministério das
Comunicações, quais sejam:
- Logradouros oficializados junto à prefeitura municipal,
possuindo placas identificadoras;
- Imóveis com numeração idêntica oficializada pela
prefeitura municipal e caixa receptora de correspondência, localizada na
entrada;
- Numeração dos imóveis obedecendo a critérios de
ordenamento crescente, sendo um lado do logradouro par e outro ímpar;
- Locais com condições de acesso e de segurança de modo a
garantir a integridade física do carteiro e dos objetos postais a serem
distribuídos.
Instado a se manifestar acerca da inexistência de
nomenclatura de ruas e numeração de casas no Bairro Nossa Senhora da Vitória, o
Secretário Municipal de Planejamento asseverou, à fl. 44, que o Município de
Ilhéus estava contratando serviço terceirizado para elaboração do cadastro
técnico da sede municipal, a fim de regularizar a indicação e numeração dos
logradouros de Ilhéus.
Pelo conduto do Secretário Municipal de Administração (fl.
47/48), foi informada a conclusão de um processo licitatório para a execução do
cadastro técnico, sendo que foi vencedora a empresa EDIDATA Planejamento,
Consultoria e Informática Ltda.
O contrato, estipulado no valor de R$ 449.125,20
(quatrocentos e quarenta e nove mil, cento e vinte e cinco reais, vinte
centavos) encontra-se juntado às fls. 52/53. Revela que o prazo para sua
execução seria de doze meses, a contar da data da assinatura, que aconteceu em
14-10-2002.
Solicitou o Ministério Público a análise de possibilidade
de priorizar o Bairro Nossa Senhora da Vitória nas atividades de cadastro
técnico e, em não sendo possível, fosse informado o período de sua realização
naquele bairro (fl. 62).
Esclareceu-se da impossibilidade de priorizar, na feitura
do cadastro técnico, o bairro supracitado. No entanto, informou o Chefe de
Departamento de Administração Tributária, à fl. 63, que a empresa contratada
iniciaria suas atividades naquelas imediações no mês de setembro do ano de
2003, antecipando o cronograma inicialmente traçado.
Por esta razão, o Procedimento Administrativo nº
033/02-Con foi suspenso até a realização do cadastro técnico no Bairro Nossa
Senhora da Vitória (fl. 64).
Já em outubro de 2003, retomando a tramitação do feito
extrajudicial, oficiou-se à Secretaria de Administração para que informasse
sobre o cadastro técnico e se todas as ruas estavam nominadas, assim como se
todas as casas/prédios estavam numerados, o que possibilitaria a entrega
domiciliar de correspondência, pleito do Bairro Nossa Senhora da Vitória.
Entretanto, segundo informado à fl. 71, embora tenha sido
concluído o cadastro, a nominação das ruas e numeração dos prédios ainda não
havia sido executada pelo Município. Indicou-se como prazo para a finalização
do serviço o mês de janeiro de 2004.
O Procedimento Administrativo nº 033/03-Con voltou a ser
suspenso até o mês de janeiro de 2004 (fl. 72). Findo o prazo acima
estabelecido, questionou-se, mais uma vez, o Município de Ilhéus acerca da
nominação das ruas e numeração das casas (fl. 76).
Respondeu o réu, por encaminhamento de sua Secretaria de
Administração (fls. 77/84) que em decorrência de fatores externos (chuvas) e
questões financeiras (liberação de verbas pelo CAR), o cronograma do projeto
cadastro técnico sofrera alterações, sendo previsto o termo dos trabalhos de
campo até o mês de maio/2004.
Asseverou, ainda, que a numeração de imóveis e
nomenclatura de ruas só poderão ser acrescidas ou alteradas no final de todos
os trabalhos de campo e tabulação.
Ilhéus conta com mais de quatrocentos e cinqüenta anos de
existência. É mais antiga que a cidade de São Paulo. É mais antiga que a
Austrália. E, a par disto, não oferece condições mínimas de qualidade de vida a
seus cidadãos, como a possibilidade de receber correspondências em sua própria
moradia!
Os elementos coligidos comprovam, portanto, a
inobservância dos direitos dos moradores do Bairro Nossa Senhora da Vitória
pelo Município, ora réu. Este obsta as entregas domiciliares de
correspondências, ao recusar-se e a procrastinar, indefinidamente, a
nomenclatura oficial de ruas e numeração de imóveis, providências que se
impunham desde a fundação de uma cidade, a qualquer administrador público
eficiente.
Tal constatação afasta a possibilidade de solução
extrajudicial e evidencia a necessidade de acionamento judicial para garantir
aos cidadãos do bairro citado a entrega de correspondências em seus domicílios.
II- DA LEGITIMIDADE ATIVA DO
MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério público foi incumbido pela Constituição
Federal de 1988 da função de zelar pela ordem jurídica, pelo regime democrático
e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis. Sobre o papel do órgão
ministerial no novo sistema constitucional leciona GEISA DE ASSIS RODRIGUES:
"Um novo desenho institucional foi reservado ao
Ministério Público enfatizando sua vocação de defesa e promoção dos interesses
mais importantes da sociedade". [02]
Assim é que a Carta Política preceitua, em seu artigo 129,
incisos II e III ser função institucional do Ministério Público zelar pelo
efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos
direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a
sua garantia, bem como promover a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros
interesses difusos e coletivos.
A legitimidade ativa deste órgão é ainda reforçada pelos
artigos 81 e 82 do Código de Defesa do Consumidor.
Não é de difícil percepção a presença de interesses
transindividuais a figurar na presente demanda, haja vista a inexistência de
entrega de correspondências domiciliares, ferindo a condição de cidadãos dos
moradores do Bairro Nossa Senhora da Vitória. Estes não gozam de igualdade com
os demais munícipes que percebem devidamente, em seus domicílios, os serviços
de correios e telégrafos. Assim é que o interesse tutelado estaria em
conformidade com a hipótese elencada pelo inciso I, parágrafo 1º do artigo 81
do Código de defesa do Consumidor, in verbis:
Art.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se
tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para
efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que
sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
Ainda acerca da legitimidade ativa do Ministério Público
e, conseqüente interesse de agir nas ações civis públicas que versem sobre
direitos transindividuais, discorre com solar clareza HUGO NIGRO MAZZILLI:
"Quando a lei confere legitimidade ao Ministério Público,
presume-lhe interesse de agir, pois que a instituição está identificada por
princípio como defensora dos interesses indisponíveis da sociedade como um
todo". [03]
Diante do exposto, é indubitável a pertinência de ação
proposta pelo Ministério Público, valendo-se de sua condição de substituto
processual, para salvaguardar os interesses dos cidadãos atingidos pela omissão
do poder público, representado este pelo Município de Ilhéus.
III- DO DIREITO
Para MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, serviço público é ".toda
atividade material que a lei atribui ao Estado para que exerça diretamente ou
por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às
necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente
público". [04]
A seu turno, JEAN RIVERO (1981:493) [05] faz
referência ao fenômeno contemporâneo da redução do conteúdo jurídico da noção
de serviço público, de modo que seriam detectáveis somente dois elementos
comuns aos serviços públicos: a satisfação de uma necessidade de interesse geral
e a dependência, direta ou indireta, de uma autoridade pública.
Com base no pressuposto acima fincado, a Carta Política em
vigor, ao tratar dos serviços públicos, definiu aqueles que o são por
imperativo constitucional: serviço postal e correio aéreo nacional;
serviços de telecomunicações, incluindo transmissão de dados; serviços de
radiodifusão; a geração e fornecimento de energia elétrica; serviços de
transporte, inclusive infra-estrutura portuária e aeroportuária; serviços de
estatística, geografia, geologia e cartografia nacionais; serviços locais de
gás canalizado; educação, saúde e previdência social.
Segundo a Constituição Federal, ainda, a mantença do
serviço postal, assim como o poder normativo sobre este, são de competência da
União.
Prestados pela Empresa de Correios e Telégrafos,
confirma-se, mais uma vez, sua natureza pública, já que tal empresa, com
caráter estatal, é responsável por sua exploração em todo território nacional.
Além de cumprir com as atividades inerentes ao serviço
postal, a Empresa de Correios e Telégrafos presta serviços diversos como, por
exemplo, a comercialização de títulos de capitalização, o transporte e entrega
de mercadorias, atividades com evidente exploração econômica, típicas da
iniciativa privada, em regime de concorrência no mercado, constituindo também
franquias, contratos de natureza nitidamente empresarial [06].Da
mesma forma, serve de instrumento para diversas ações de cidadania promovidas
pelo governo federal, tais como Amigos Da Escola e o Programa Nacional
Do Livro Didático.
Por outro lado, é de solar clareza que a ineficiência ou
inexistência de tais serviços constitui-se em afronta à cidadania. Sobre este
direito discorre GILBERTO DIMENSTEIN,
"A cidadania é o direito de ter direitos. O direito
de ter direito é uma conquista da humanidade. Da mesma forma que a anestesia,
as vacinas, o computador, a máquina de lavar, a pasta de dente, o transplante
de coração".
Assim, são prejudicados os cidadãos/moradores do Bairro
Nossa Senhora da Vitória por não disporem de serviço de entrega de
correspondências em seus respectivos lares. E isto ocorre, como visto, não por
responsabilidade da Empresa de Correios e Telégrafos, que encontra respaldo
legal no seu proceder (Portaria nº 311/98 do Ministério das Comunicações).
A causa decorre da omissão do poder público municipal de
Ilhéus em operacionalizar a nomeação de ruas e numeração de casas.
Sob outro enfoque, verifica-se que o fato de os moradores
do Bairro Nossa Senhora da Vitória não receberem correspondências em seus
lares, quando os demais ilheenses auferem, é de flagrante descumprimento ao
princípio democrático basilar do estado de direito, qual seja o da isonomia.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Infringe, ainda, o disposto no artigo 4º da Lei nº 6.538,
de 22 de junho de 1978, que dispõe sobre os serviços postais, in verbis:
Art. 4º - É reconhecido a todos o direito de haver a
prestação do serviço postal e do serviço de telegrama, observadas as
disposições legais e regulamentares.
Logo, deixar de implementar a possibilidade de ter o
serviço postal, de forma isonômica aos demais moradores de Ilhéus, sobretudo do
Centro e dos bairros mais nobres, reflete o descaso do poder público para com a
cidadania, que deve ser alcançada para cada um e para todos.
Esta é a visão do conceituado Professor DIMAS FLORIANI, em
seu texto, "O que é cidadania", sobre o tema:
"Alcançar definitivamente a cidadania, para cada um e
para todos, talvez seja uma utopia. Mas aquilo que disse Mário Quintana sobre
as estrelas, vale também para a busca da cidadania. "Que tristes os
caminhos se não fora a luz distante das estrelas".
Entretanto, o Legislador inseriu, no ordenamento jurídico
pátrio, a Lei n.º 7.347/85, a qual, ao instituir a ação civil pública, criou um
instrumento hábil a salvaguardar os direitos inerentes aos cidadãos.
Seu manejo faz-se necessário, também de forma conjugada ao
Código de Defesa do Consumidor. Isto porque o § 2º do artigo 3º desse diploma
legal é claro quando define serviço como sendo uma atividade no mercado de
consumo mediante remuneração, bem assim não se deve olvidar de que a
Empresa de Correios e Telégrafos é uma empresa/fornecedora de serviços postal e
de telégrafos, dos quais os destinatários finais são os moradores/consumidores.
Não resta dúvida de que a omissão do Município de Ilhéus,
ora réu, é o fato engendrador da não prestação de serviço por conta da Empresa
de Correios e Telégrafos, restando os moradores do bairro multicitado obstados
de perceber as correspondências em seus domicílios.
Assim, incide também o artigo 6º do Código de Defesa do
Consumidor, haja vista a existência de lesão aos direitos dos consumidores do
Bairro Nossa Senhora da Vitória.
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos,
com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais,
individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica,
administrativa e técnica aos necessitados;
VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive
com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a
critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente,
segundo as regras ordinárias de experiência;
X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos
em geral. (destaques não originais).
3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO DE ILHÉUS
Esclarecida a natureza pública do serviço postal e de
telegramas e a falta de prestação dele aos moradores do Bairro Nossa Senhora da
Vitória, cabe esmiuçar, mais ainda, a responsabilidade do Município de Ilhéus
pelo fato, contra quem foi proposta a presente ação.
Sua omissão foi o fato engendrador da ofensa aos
interesses dos cidadãos do Bairro Nossa Senhora da Vitória, conforme já restou
demonstrado, ao obstar a prestação de serviço público de entrega domiciliar de
correspondência pela Empresa de Correios e Telégrafos.
Salienta-se que o Município tem competência não só de
fiscalizar, mas de prestar direta ou indiretamente os serviços públicos de
interesse local, nos termos do artigo 30 da Carta Política de 1988.
Art. 30. Compete aos Municípios:
I - legislar sobre assuntos de interesse local;
V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de
concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de
transporte coletivo, que tem caráter essencial;
VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento
territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano;
Por outro Lado, a Lei nº 6.538/78, em seu artigo 23,
determina que as autoridades competentes façam constar dos códigos de obras
disposições referentes às condições para entrega de correspondência, em
especial, a existência de caixas individuais para o depósito de objetos, como
condição de "habite-se".
A Lei Orgânica do Município de Ilhéus prevê, em seu artigo
64, inciso XX, como competência do Prefeito, a de oficializar as vias e
logradouros públicos, mediante denominação.
Portanto, além de restar clara a legitimidade do Município
de Ilhéus, para figurar no pólo passivo desta demanda, nítida é sua
responsabilidade. Ao persistir na omissão da atividade de nomeação das ruas e
numeração das casas, justifica a falta do serviço público de correios, atraindo
a hipótese de incidência da Portaria nº 311/98 do Ministério das Comunicações.
Em que pese a ordem de cadastro técnico constar sob a
esfera de discricionariedade da Administração Pública, o fato é que esta não
pode suscitar fatores naturais, tal qual a chuva, como escusa para eximir-se de
seu dever. Ainda mais quando o prazo contratual para a realização do serviço
expirou em 14 de outubro de 2003 (fl. 53).
Neste diapasão é que se propõe contra o réu a presente
ação civil pública, buscando o cumprimento de sua obrigação de propiciar a
regularização dos logradouros no Bairro Nossa Senhora da Vitória, de
forma a possibilitar, ao final, a devida prestação do serviço postal e de
telegramas.
A responsabilidade civil objetiva da Administração Pública
Municipal não somente decorre de seu comportamento comissivo. A realidade
atesta as inúmeras ações indenizatórias contra o poder público decorrentes, em
sua expressiva maioria, da omissão deste em realizar atos de sua competência.
Veja-se o posicionamento dos tribunais:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO - MURO DE
ARRIMO - DESABAMENTO.
Configura-se a responsabilidade civil da Administração
Pública pelo desabamento de muro de arrimo, quando a construção do mesmo é
deficiente e, bem assim, não toma o Poder Público as medidas normais de
manutenção da obra, existindo, nesse caso, o nexo de causalidade entre a
atuação e/ou omissão da Administração Pública e os danos causados ao particular
(TJ-MG - Ac. unân. da 3ª Câm. Cív. publ. no DJ de 23-9-92 - Ap.
87.244/3 - Capital - Rel. Des. Bady Curi).
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – MÁ EXECUÇÃO DOS
SERVIÇOS PÚBLICOS – RISCO ADMINISTRATIVO – DANO E NEXO DE CAUSALIDADE.
A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de
direito público, responsabilidade objetiva, com base no risco administrativo,
que admite pesquisa em torno da culpa do particular, para o fim de abrandar ou
mesmo excluir a responsabilidade estatal, ocorre, em síntese, diante dos
seguintes requisitos: a) do dano; b) da ação administrativa (comissiva ou
omissiva); c) do nexo causal entre o dano e a ação administrativa. – O
Município tem, por obrigação, manter em condições de regular o uso e sem
oferecer riscos, as vias públicas e logradouros abertos à comunidade (TJ –
RJ – Ap. 7613/94 – 6ª C.Civ. – Rel. Dês. Pedro Ligiéro – apud COAD
75286).(grifos não originais)
Cumpre ressaltar que os prejuízos causados pela falta de
entrega domiciliar de correspondências aos moradores do Bairro Nossa Senhora da
Vitória são notórios, haja vista a dificuldade que estes encontram para receber
uma simples fatura de água. Na falta de entrega pela concessionária, os
moradores devem deslocar-se até a Agência dos Correios para retirá-la, muitas
vezes arcando com juros pela mora no pagamento, oriunda da falta de entrega de
forma tempestiva.
Ou ainda, o prejuízo sofrido pelos comerciantes daquele
bairro, os quais recebem títulos fora do prazo, tendo de arcar com as multas
decorrentes da mora, segundo depoimento constante de fl. 33.
iV-DO PEDIDO
4.1. DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
Dispõe o artigo 273 do Código de Processo Civil que o juiz
poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos
da tutela pretendida no pedido inicial, desde que exista prova inequívoca e
verossimilhança da alegação.
Tais requisitos encontram-se atendidos. O Procedimento
Administrativo nº 033/02-Con, que acompanha a inicial, contém provas
irrefutáveis da inexistência de serviço postal e de telegramas no Bairro Nossa
Senhora da Vitória, a exemplo da devolução de correspondência de fl. 57, com
expressa aposição do motivo pelo carteiro.
Da mesma forma, as tratativas com o Município de Ilhéus,
ao longo da instrução do feito extrajudicial, revelam que os logradouros
públicos daquele bairro não se encontram nominados, tampouco os imóveis estão
numerados de forma oficial.
Por outro lado, é o mesmo artigo 273 do Código de Processo
Civil que dispõe que a tutela antecipada só pode ser deferida se, atendidos os
requisitos supra analisados, haja fundado receio de dano irreparável ou de
difícil reparação ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o
manifesto propósito protelatório do réu.
Ambas as situações estão presentes no caso sub judice.
Os moradores estão tendo prejuízos com a falta de entrega domiciliar, pelas
multas nos atrasos de pagamentos de contas diversas, pelo extravio de correspondências
e até pela sua devolução ao remetente, sem conhecimento do destinatário.
Quanto ao manifesto propósito protelatório do réu, nem é
preciso tecer comentários mais profundos. Basta ressaltar o término do prazo do
cadastramento técnico em 14 de outubro de 2003 (fl. 53), aliado à
promessa de nominação das ruas e nomenclatura das casas do Bairro Nossa Senhora
da Vitória no mês de janeiro de 2004 (fl. 71), transferida para momento
posterior ao mês de maio/2004, a depender de viabilização administrativa
(fl. 84). E se as chuvas não atrapalharem...
Ou seja, é quase certo que terminará o mandato do atual
gestor municipal, sem que tenha desempenhado a missão que lhe foi outorgada
pela Lei Orgânica do Município de Ilhéus, em seu artigo 64, inciso XX, já comentado.
Ante o exposto, demonstrando-se exaustivamente a
veracidade das alegações, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE BAHIA a
Vossa Excelência que, antecipando a tutela pretendida, determine ao réu que
a)PROCEDA à nomenclatura de ruas e numeração dos
imóveis do bairro Nossa Senhora da Vitória, nesta cidade, em prazo assinalado
judicialmente, que se sugere fixado em noventa dias para conclusão, sob pena de
multa diária, em importe sugerido de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
b)Que tal atividade observe os ditames da Portaria nº
311/98 do Ministério das Comunicações, em seu artigo 4º, quais sejam: logradouros
oficializados, possuindo placas identificadoras; imóveis com numeração idêntica
oficializada pela prefeitura municipal e obedecendo a critérios de ordenamento
crescente, sendo um lado do logradouro par e outro ímpar;
c)AO TERMO FINAL, junte a comprovação do cumprimento da
obrigação de fazer aos autos, já com prova de seu protocolo junto à Empresa de
Correios e Telégrafos, para que seja iniciada a entrega domiciliar de
correspondência.
4.2 DOS DEMAIS PEDIDOS:
Requer, ainda, a Vossa Excelência que se digne a:
1.DETERMINAR a autuação desta inicial com os documentos
que a instruem, notadamente o Procedimento Administrativo n 033/02-Con.
2.DETERMINAR a citação do réu, na pessoa de seu
representante legal (Código de Processo Civil, artigo 12, inc.III) através de
oficial de justiça, para, querendo, contestar o pedido, no interstício legal,
sob pena de confissão e revelia, nos termos do artigo 319 do supracitado
Diploma Legal;
3.DETERMINAR a publicação do edital previsto no artigo 21
da Lei n.º 7.347/85, combinado com o artigo 94 da Lei n.º 8.078/90, para
conhecimento dos interessados e eventual habilitação como litisconsortes;
4.DETERMINAR a intimação da Empresa de Correios e
Telégrafos, através de sua Gerência Regional, com endereço na Região
Operacional 06, Avenida José Soares Pinheiro, 822, Centro, Itabuna, Bahia, para
ter ciência e se quiser, ingressar como assistente da presente demanda;
5.CONCEDER, com base no artigo 6º, inciso VIII, da Lei n.º
8.078/90, a inversão do ônus da prova, cabendo ao réu comprovar de forma cabal
que o Bairro Nossa Senhora da Vitória encontra-se dentro dos padrões
estabelecidos pela Portaria nº 311/98 do Ministério das Comunicações, com a
regularização de todos os seus logradouros;
6.DISPENSAR o adiantamento, pelo autor, de custas,
emolumentos, honorários periciais e outros encargos, respeitando o bom vezo do
artigo 18 da Lei nº 7.347/85;
7.DETERMINAR a realização das intimações desta subscritora
dos atos e termos processuais de forma pessoal, mediante entrega dos autos com
vista, nos moldes dos artigos 236, §2º, do Código de Processo Civil, 41, inciso
IV, da Lei Federal n.º 8.625/93 e 199, inciso XVIII, da Lei Complementar Estadual
n.º 11/96, no endereço que figura no preâmbulo desta exordial;
9.Ao final, julgar procedente a presente ação,
no sentido de:
a)confirmando a tutela antecipadamente concedida,
CONDENAR o réu na obrigação de fazer, consistente em proceder à nomenclatura de
ruas e numeração dos imóveis do bairro Nossa Senhora da Vitória, nesta cidade,
em prazo assinalado judicialmente, sob pena de multa diária;
b)CONDENAR o réu, ainda, com base no artigo 23 da Lei
Federal nº 6.538/78) à obrigação positiva, no sentido de fazer constar do
Código de Posturas do Município de Ilhéus e passar a exigir, em prazo
assinalado judicialmente, como condição do habite-se:
b.1) a instalação de caixas individuais para o depósito
de objetos de correspondência em edifícios residenciais, com mais de um
pavimento e que não disponham de portaria(Lei nº 6.538/78, art. 20);
b.2) a instalação obrigatória, no recinto de
entrada, em pavimento térreo, local destinado ao recebimento de objetos de
correspondência, quando se tratar de estabelecimentos bancários,
hospitalares e de ensino, empresas industriais e comerciais, escritórios,
repartições públicas, associações e outros edifícios não residenciais de
ocupação coletiva (Lei nº 6.538/78, art. 21);
c)DETERMINAR outras medidas necessárias para a
efetivação da tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente,
conforme artigos 287 e 461, § 5º, do Código de Processo Civil e 84, §5º, do
Código de Defesa do Consumidor.
d)CONDENAR, por fim, o réu nas custas
processuais e demais ônus de sucumbência.
V- DAS PROVAS
Protesta o autor por todos os instrumentos probatórios
admitidos em lei, em especial a inquirição de testemunhas, cujo rol será
oportunamente ofertado, a juntada de documentos e a realização de perícias
eventualmente necessárias, reservando-se o direito de indicar assistente
técnico.
VI- DO VALOR DA CAUSA
Dá à causa o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), para
efeitos meramente fiscais.
Neste Termos,
Pede Deferimento.
Ilhéus, 16 de abril de 2004.
Karina Gomes Cherubini,
Promotora de Justiça.
Geana Cruz de Assis,
Estagiária do Ministério Público.
Notas
01 NETO, João Francisco. Serviço Público e
Cidadania. site:http://www.sapereaudare.hpg.ig.com.br/direito/texto12.html
02 Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento
de Conduta.Rio de Janeiro:Forense, 2002, p. 1.
03 Defesa dos Interesses Difusos em Juízo.16ª
ed.São Paulo:Saraiva,2003, p.277.
04 Direito Administrativo.14ªed.São Paulo:
Atlas,2002,p.99.
05 Apud Costa, Flávio Dino de Castro. (Juiz
Federal Substituto (MA) e Prof.de Direito Administrativo (UFMA) In A Nova Lei
De Concessões De Serviços Públicos (Publicada na RJ nº 217 - NOV/1995, pág. 12)
06 TRT 9ª R. – RO 1.503/99 – Ac.
22.087/99 – 3ª T. – Relª. Juíza Rosalie Michaele Bacila Batista – DJPR
01.10.1999) JCF.173 JCLT.880
* Promotora de Justiça em
Ilheus(BA),especialista em ciências criminais pela Pontifíca Universidade
católica do Rio grande do sul.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=697>. Acesso em: 25 jun. 2006.