DA APLICAÇÃO DO NOVO CÓDIGO CIVIL
(NCC/02),
CDC (Consumidor) &
CONTRATOS vigentes e sua FUNÇÃO SOCIAL
Thiago
C. Montmorency - Lessi & Ielo Adv Ass
“O lapso temporal que se
interpõe entre a publicação e o termo inicial da vigência é a
conhecida vacatio legis, tempo
em que a regra é válida como entidade jurídica do sistema, mas não adquiriu a
força que lhe é própria para alterar, diretamente, a conduta dos seres humanos,
no contesto social.” [1]
A Lei 10.406 de 10/01/02 (NCC/02) entrou em vigor no
dia 11/01/03, regulando os negócios e demais atos jurídicos ocorridos
após 10/01/03.
A questão da aplicação do NCC/02 nos negócios e
demais atos jurídicos iniciados antes de sua vigência tem gerado grande
discussão na doutrina.
“Art. 2.035. A
validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da
entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores,
referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência
deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido
prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo
único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública,
tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da
propriedade e dos contratos.”
O artigo 2.035 e p.ú. do NCC/02 determina que os
negócios e demais atos jurídicos constituídos anteriormente à vigência do
NCC/02 são regidos pelo Código Civil de 1916 quanto à sua validade e
pelo NCC/02 quanto aos efeitos produzidos após a vigência deste. Este
artigo do NCC/02 é bem claro no sentido da aplicabilidade imediata deste nos
negócios e demais atos jurídicos não encerrados (que geram efeitos), com força
de preceitos de ordem pública, que se aplicam erga omnes e não podem ser
afastados nem pela vontade das partes.
O limite à aplicação temporal do NCC/02 é o artigo
6º da Lei de Introdução ao Código Civil, in verbis:
“Art. 6º da LICC.
A lei em vigor terá efeito imediato e geral,
respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada. §1º. Reputa-se ato
jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que
se efetuou.”
Todavia, são atos jurídicos perfeitos somente os
negócios e demais atos jurídicos praticados, consumados, concluídos e
encerrados na vigência da lei anterior, ou seja, que não mais
geram efeitos.
As disposições finais e transitórias do NCC/02 são
taxativas, sobre a aplicação deste sobre as associações, sociedades (empresas)
e fundações constituídas na forma das leis anteriores (art. 2.032), que tem um
ano para se adaptarem (art. 2.031) às novas regras. Este se aplica também sobre
as sucessões não abertas (art. 2.041). Somente sobre o regime de bens nos
casamento, o legislador, no art. 2.039, optou pela não aplicação aos casamentos
celebrados antes da vigência deste.
Os lobistas dos “Dinossauros” (Grandes e Poderosos:
Donos de Shopping Centers, Bancos, Cartões de Crédito, Construtoras e
Administradores de Condomínios) tem defendido que o NCC/02 não se aplica nas
(suas) relações contratadas ou iniciadas antes da vigência deste, fundamentando esta posição
no art. 6º, § 1º, da LICC [2],
que protege o ato jurídico perfeito. Todavia, conforme já esclarecido, isto
não procede, pois este é o ato praticado e concluído na vigência da lei
anterior, que não mais gera efeitos. Estes tem medo e não querem a
aplicação do princípio protetivo da função social da propriedade e dos
contratos, que será abordado neste artigo.
Os condomínios alegam que sua convenção é ato
jurídico perfeito, para se escusar de respeitar e aplicar o art. 1.336, §1 do
NCC/02, que reduz a multa de atraso para 2%. Se fosse assim, as
associações, sociedades (empresas) e fundações também não teriam que se adequar
aos novos tempos (preceitos do NCC/02). Todavia, este entendimento está
equivocado (não tem base legal) e será repelido pelo Judiciário. [3]
A multa de 2% pelo atraso estimula o pagamento com atraso, agravando os
problemas de fluxo de caixa e inadimplência, mas é o que determina o NCC/02, sendo
um Direito incontestável do Condômino.
Do NCC/02 e o CDC
(Consumidor)
Também gerou polêmica na doutrina a questão da
relação entre o NCC/02 e o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Onde alguns
até apontaram a inexistente derrogação do CDC. O NCC/02 é norma geral
que se aplica em todas as relações civis. Já o CDC é lei específica que
continua em seu pleno vigor e aplicabilidade, quanto às relações de consumo,
regulamentando o Art. 5º, XXXII da CF. Numa relação de Consumo se aplicará o
NCC/02, como norma geral, e também o CDC, como norma específica, quando mais
benéfica. [4]
O art. 7º do CDC reconhece “outros direitos”, desta forma, a função social dos
contratos também deve ser aplicada nas relações de consumo, além do Princípio
do Dirigismo Contratual.
DOS
CONTRATOS e sua FUNÇÃO SOCIAL
Transcreverei quatro trechos de brilhantes artigos
sobre o tema para introdurir e corroborar as conclusões que apresentarei
posteriormente: “A função social dos contratos (art. 421 do NCC/02) é cláusula
geral, que é o texto de lei que atribui ao juiz um campo mais amplo para a
integração da norma jurídica. Tais textos apresentam conceitos vagos ou
indeterminados, que devem ser complementados pelo prudente arbítrio do juiz,
pois exigem uma avaliação de seu significado. Exemplos: boa-fé, justa causa,
abuso de direito.” [5]
“O art. 421. determina que a “liberdade de contratar
será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. O Código
apenas está a refletir a tendência do Direito atual onde a liberdade egoísta e
o individualismo voluntarista estão praticamente condenados diante do interesse
social. Hoje não podemos mais entender a teoria da autonomia da vontade de
uma maneira ampla e irrestrita. Os princípios da liberdade de contratar e do
pacta sunt servanda têm que ser avaliados e compreendidos diante de um contexto
muito maior, que é o da função econômico-social que deve ter todo negócio
jurídico. Por isso, diante do conflito entre ser obedecida a vontade individual
dos contratantes e ser atendido o interesse social sempre há de ficar-se com
este último. Desta forma, vemos dentro de todo direito privado moderno cada
vez mais o aparecimento de leis que tentam coibir os abusos que os interesses
particulares, inspirados pela ganância, cometem dentro das negociações. Podemos
lembrar as várias leis do inquilinato, o direito consumerista, as leis que
reprimem o abuso do poder econômico e assim por diante.” [6]
“Orlando Gomes, havia dito que “orienta-se
modernamente o Direito das Obrigações no sentido de realizar melhor equilíbrio
social, imbuídos seus preceitos não somente da preocupação moral de impedir a
exploração do fraco pelo forte, senão também, de sobrepor o interesse coletivo,
em que se inclui a harmonia social. ... a liberdade de contratar ainda é aquela
mesma liberdade facultada a todas as pessoas de realizarem suas avenças, sem
qualquer consideração sobre eventual restrição de conteúdo do contrato em foco,
limitação essa que seja decorrente de uma determinada norma de ordem pública.
Em outras palavras, a liberdade de contratar revela, exclusivamente, a liberdade
que cada um tem de realizar contratos, ou de não os realizar, de acordo com a
sua exclusiva vontade e necessidade. Por isso, é naturalmente limitada, uma
tal liberdade.” [7]
“O contrato
não se limita a revestir passivamente a operação econômica de um véu legal de per si não significativo, mas deve
orientar as operações econômicas de forma a atender aos princípios básicos de
nossa sociedade: a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa; a equidade; a solidariedade e a produção de riquezas (Art.
1º e 3º, da CF). Toda a vez que a operação economicamente revestida pelo
contrato violar um desses objetivos, tem-se que ela não cumpriu sua função
social” [8].
A Função Social da propriedade e dos contratos (art. 421) é um principio de proteção positivado, direito de terceira geração, ou seja, voltado à proteção do ser humano, resultado do direito evolutivo, decorrente dos princípios da igualdade jurídica e efetividade, frutos do estado democrático de direito, que já era contido no art. 5º da LICC. “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” A Função Social é um instrumento jurídico que dá ao Juiz maior poder para relativisar o arcaico pacta sunt servanda e nivelar as relações jurídicas desiguais, diante do caso concreto, aplicando e expandindo os preceitos protetivos já consolidados na legislação consumerista para as relações jurídicas civis em geral, não mais permitindo abusos, distorções, vantagens exageradas e arbitrariedades negociais. Ou seja, o sistema permitirá ao Juiz analisar a vontade real das partes, adequando, equilibrando e revisando os contratos celebrados e obrigações e deveres entre as partes, consideradas nas suas características pessoais e sociais. O Legislador optou em proteger os mais fracos (hipossuficiente técnico ou econômico) em qualquer relação civil, reequilibrando as desigualdades e atingindo à sua função social.
Um contrato firmado antes de 11/01/03 (antes da
vigência do NCC/02), é regido pelo Código de 1916 quanto à sua validade e pelo
NCC/02 quanto aos efeitos produzidos após sua vigência. Um contrato de trato
continuado que ainda produz efeitos poderá ser alvo de Ação Revisional para
discussão de cláusulas leoninas, abusivas e injustas sob a ótica do NCC/02, ou
seja, utilizando a protetiva função social dos contratos.
“no Estado social ... A vulnerabilidade jurídica vai
além da debilidade econômica da parte contratante, pois interessa o poder
negocial dominante, ou seja, aquela que se presume impor sua vontade e seu
interesse à outra. A presunção é definida em lei, como se dá com o consumidor,
no CDC, e com o aderente, no NCC. A presunção é absoluta e não pode ser
contrariada pela consideração do caso concreto. O consumidor e o aderente, ricos
ou pobres, são juridicamente vulneráveis, pois submetidos ao poder negocial da
outra parte.” [9]
Ds. Magistrados, tenham coragem, sabedoria e
ousadia, ao aplicar as disposições do NCC/02 nas relações e contratos vigentes,
ou seja, os que produziram efeitos após 11/01/03, revendo judicialmente
desequilíbrios contratuais e negociais, atingindo a tão desejada JUSTIÇA ! São
Paulo, 22/04/2003.
Thiago
C. Montmorency (tmont@lessiadvogados.com.br)
é sócio e advogado do escritório Lessi & Ielo Advogados Associados (www.lessiadvogados.com.br). Também
é Autor da Cartilha dos Direitos Autorais www.tmont.cjb.net.
*
Confidencial: Thiago C. Montmorency, RG 25.922.709-2, Alameda dos Jurupis, nº
1035, Apto 132-C, Moema, São Paulo / SP, CEP: 04088-003, Tel Cel: 9295-9705,
Tel Res: 5044-7856 e 5531-8985, Tel Com: 9259-5333
[1] Paulo
de Barros Carvalho - Curso de Direito Tributário
[2] O Condomínio edilício no
novo Código Civil. Carlos Alberto Dabus Maluf. Fl. 65 In Revista do
Advogado nº 68.
[3] Neste sentido ver http://www.sindico.com.br/informese/view.asp?id=893
[4] Neste sentido ver o artigo Princípios Sociais dos Contratos no
CDC e no Novo Código Civil de Paulo Luiz Netto Lobo (www.jus.com.br)
[5] Maximilianus - Resumo DC
[6] O estado de perigo como
defeito do negócio jurídico. Teresa Ancona Lopez. Fl. 56 In Revista do
Advogado nº 68.
[7] Contrato: estrutura
milenar de fundação do direito privado. Giselda Maria Fernandes Novaes
Hinronaka. Fl. 85 In Revista do Advogado nº 68.
[8] Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil, Luiz Guilherme Loureiro. São Paulo, Método,
2002. Fl. 52.
[9] Ver nota 4 - Princípios Sociais dos Contratos no CDC e no Novo Código Civil