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Nehemias Gueiros, Jr.*
Corroborando a famosa “Lei de
Moore”, de que a cada 18 meses dobra a capacidade tecnológica dos engenhos e
artefatos digitais disponíveis no mercado, o mercado do entretenimento e do
show business nunca demonstrou tanto fôlego e capacidade de renascimento.
Depois da débâcle econômica provocada pelo que ficou conhecido como “efeito
Napster”1 no ano 2000, a indústria fonográfica, embora ainda combalida pela
inesperada mudança, parece que começa a se movimentar no sentido de aproveitar
o momento paradigmático em seu benefício, como afinal sempre fez desde o
advento do fabuloso fonógrafo, inventado por Thomas Edison no apagar das luzes
do século XIX.
Em 1948 o venerável disco
fonográfico de longa duração de vinil, mundialmente conhecido como Long-Playing
Record ou simplesmente LP, toma de assalto o mercado musical, substituindo o
até então intocável disco compacto de 78 RPM (rotações por minuto), uma
“desgraça” tecnológica que só tocava de um lado e produzia mais ruídos do que
propriamente sons musicais mas dominou o mercado fonográfico durante mais de 30
anos no início do século XX. O LP reinou insubstituível até o limiar da década
de 80, quando a Era Digital se apresentou ao mercado, com o advento do disco
compacto com leitura ótica a laser2 compact disk ou CD, sepultando
definitivamente o contato entre superfícies (a agulha leitora com a face dos
discos) e inaugurando a fase da leitura ótica.
De lá para cá, a tecnologia
continuou sendo a senhora absoluta dos desdobramentos experimentados pelo
mercado do entretenimento mundial, deixando em polvorosa a comunidade jurídica
– ciosa de proteger os titulares de direitos autorais, garantindo-lhes o
recebimento da legítima compensação financeira pela exploração econômica de
suas criações intelectuais – e fazendo a festa dos usuários de computadores em
redor do mundo, de posse de uma ferramenta infalível e gratuita para ter acesso
a todas as obras musicais de sua veneração. Entretanto, a cada nova tentativa
de criação de salvaguardas jurídicas, o avanço tecnológico fez tábula rasa do
esforço legal. Essa vertiginosa evolução da técnica não encontra precedentes na
história da humanidade e lança a todos nós, juristas, advogados e estudiosos do
Direito numa cruzada interminável para alcançar o melhor método de controle e administração
dos direitos intelectuais gerados pela evolução da sociedade contemporânea.
O ano de 2005 foi especialmente
intenso no que diz respeito à consolidação das mudanças de paradigmas
tecnológicos e, por conseguinte, também jurídicos, na evolução contínua do novo
mercado musical da Era Digital. A explosão do segmento dos ringtones de
telefonia celular, a febre do iPod da Apple – a última palavra em mobilidade
sonora pessoal – a fusão de duas grandes potências multinacionais do disco (a
japonesa Sony Music e a alemã Bertelsmann), o julgamento definitivo do caso
Grokster pela Suprema Corte Americana, o pagamento de valores milionários por
parte das majors do mercado pela prática do “jabá”, a certeira e voraz expansão
do Google, o retorno do Napster e a complexa questão do controle da Internet,
todos representaram fatos que continuam a tecer vertiginosamente o quadro do
mercado do entretenimento mundial do Novo Milênio. A seguir destacamos
individualmente alguns desses acontecimentos, que sinalizam, sem qualquer
sombra de dúvida, que o Direito sempre será refém da tecnologia, em sua
tentativa célere de acompanhar a velocidade da evolução da técnica para
conferir proteção adequada aos detentores de direitos intelectuais na sociedade
trimilenar.
Os Ringtones
Um dos mais espetaculares exemplos
da imediata absorção da tecnologia do mercado das comunicações pelo do
entretenimento foi o advento dos tons especiais para telefones celulares,
também conhecidos como ringtones, que se subdividem em ringtones e realtones ou
truetones e podem ser baixados através da Internet3 . Essa nova modalidade de
utilização comercial de obras musicais no mercado internacional, incluindo o
Brasil, já resultou numa verdadeira coqueluche, gerando, somente no mercado
norte-americano no primeiro semestre de 2005 o equivalente a US$ 500 milhões em
receita de royalties fonográficos. Não raro deparamo-nos com os mais conhecidos
ou exóticos tons de campainha telefônica celular em locais públicos, “berrando”
do celular da pessoa que está ao nosso lado, e mais do que certamente esses
tons foram baixados legalmente, vale dizer, pagando os correspondentes
royalties aos autores e titulares dos direitos autorais envolvidos. A nova
possibilidade de geração de receita é tamanha que no Brasil, o ECAD –
Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, responsável pela coleta,
administração e repasse dos direitos conexos de autor gerados pela execução
pública musical em locais de freqüência coletiva, já está se movimentando para
abocanhar uma fatia desse bolo. Em reportagem recente do periódico Valor
Econômico, pudemos constatar a voraz sanha do ECAD em relação aos toques
polifônicos da telefonia móvel no Brasil. Atento ao aumento dos downloads em
todo o país, o órgão arrecadador quer de qualquer maneira abocanhar uma fatia
considerável da receita gerada com esses ringtones, tendo até agora notificado
9 operadoras de telefonia móvel e 22 fornecedores e já ajuizado uma ação
judicial contra 18 empresas envolvidas com a geração de conteúdo de telefonia móvel
celular, objetivando recolher uma taxa de execução pública incidente sobre os
tons polifônicos. Tudo isso em função dos tentadores números do segmento:
estima-se que algo em torno de 70 milhões de downloads fechem o ano de 2005 no
Brasil, com generosa receita autoral de royalties, o que naturalmente atrai a
cobiça dos agentes econômicos do setor como o ECAD. Trata-se de uma cobrança
polêmica, não prevista pela legislação em vigor e, justamente por isso, alvo da
avassaladora cobrança do ECAD, que não encontra amparo no ordenamento jurídico
brasileiro. O signatário entende que os ringtones constituem uma “execução
pública privada” e não pública, pois o tom de campainha de um aparelho
telefônico celular não pode ser ouvido a mais do que alguns metros de sua
origem e isso, por si só, já impossibilita sua categorização pública para
efeito de cobrança de direitos conexos de autor tal como prescrito na Lei
9.610/98, a Lei Brasileira dos Direitos Autorais. A modesta opinião do
articulista é corroborada pela Associação Nacional das Operadoras Celulares
(ACEL), cuja assessora de estratégias regulatórias, Ana Luiza Valadares afirma,
taxativamente: “O toque do celular é de uso privado da obra musical pelo
usuário. A conclusão do nosso setor já foi manifestada ao ECAD e nossa
orientação é para que as operadoras notificadas reiterem essa posição”,
continuou a executiva da ACEL em sua entrevista ao jornal Valor Econômico.
É muito importante destacar para
os leitores do CONJUR que no caso dos ringtones, todos os agentes econômicos
envolvidos no processo de oferta dos tons polifônicos de celular já pagam os
direitos autorais diretamente aos titulares, através de contratos previamente
celebrados, em contraponto às argumentações do ECAD, que procura
incessantemente encontrar brechas legais para fundamentar sua absurda e
inaceitável cobrança. Os fonogramas musicais utilizados nas campainhas dos
celulares já foram objeto de contratos entre artistas, intérpretes, autores,
gravadoras e a ponta final, que são as operadoras de telefonia móvel. Pretender
“inventar” uma cobrança superveniente e desprovida de qualquer fundamento
jurídico é apenas mais uma trapalhada das várias que o ECAD vem praticando há
anos no mercado musical brasileiro.
Esta polêmica ainda irá render no
próximo ano e estaremos atentos para analisar todos os seus aspectos e
prontamente informar aos nossos leitores, mas professamos nossa convicção de
que os ilustres membros do Poder Judiciário aos quais forem submetidas as
questões envolvendo essa polêmica, irão atentar para a realidade de que os tons
de campainha dos telefones celulares são, não apenas sons resultantes de uma
execução privada e pessoal da obra musical realizada pelo usuário
individualmente, como o resultado final de negociações já realizadas anteriormente
entre as gravadoras, seus artistas contratados e as operadoras de telefonia
móvel, não restando mais qualquer espaço útil de cobrança. O ECAD está mais uma
vez tentando imiscuir-se em um universo econômico gerado pelo advento de uma
nova tecnologia, cujos direitos em nada se confundem com os direitos conexos de
execução pública regularmente controlados e distribuídos pelo órgão segundo a
legislação brasileira em vigor.
Os ringtones constituem uma
vertente tecnológica que só tende a crescer, consolidando uma nova modalidade
de receita autoral para os sujeitos de direitos intelectuais e corroboram a
tese professada pelo signatário deste artigo de que a tecnologia é,
efetivamente, inexorável. Aos segmentos jurídicos do mercado cabe aprofundar os
estudos e as pesquisas no sentido de aperfeiçoar as salvaguardas legais
necessárias para proteger a geração, a arrecadação e a liquidação dos direitos
autorais originados de mais essa nova modalidade de reprodução de obras
intelectuais do engenho humano.
O fenômeno I-Pod
A Apple de Steven Jobs sempre foi
pioneira em tudo o que empreendeu. Primeira empresa do mercado de TI a
apresentar uma proposta revolucionária para os PCs, a Apple lançou o MacIntosh
no início da década de 80, quando as configurações internas das máquinas
assemelhavam-se ao que hoje possui o relógio digital de pulso do leitor. Nesses
20 anos que se passaram, a empresa continuou a consolidar seu nicho de mercado
independente da expansão global da poderosa Microsoft, atraindo os usuários com
maior conhecimento de informática e necessidades gráficas e científicas da
computação. Um dos mais conhecidos anúncios desse período destacava a
peculiaridade dos computadores Apple afirmando “Macs are for Loners”
(computadores MacIntosh são para solitários).
Agora, na nova era da música
digital baixada da Grande Rede, a Apple mais uma vez inovou na tecnologia da
mobilidade sonora. Enquanto a concorrência continua apostando nos pen-drives de
até 2 Gigabytes – aqueles pequenos artefatos em forma de canetas que também
oferecem total mobilidade aos amantes da música mas menos capacidade de
armazenagem – a empresa de Jobs lançou o seu produto mais cobiçado, o iPod.
Também pequeno e portátil, mas maior do que os pen-drives, o gadget se tornou a
coqueluche da adolescência e da juventude em todo o mundo. Ao preço de US$
299.00, incluindo em sua versão recentemente lançada uma mini-tela capaz de
reproduzir filmes inteiros, o aparelhinho, no modelo com 30 Gb é capaz de
armazenar até 15.000 músicas de uma só vez ou 30.000 no modelo de 60 Gb. Coisa
para ninguém botar defeito, sem deixar de mencionar seu design arrojado e as
cores (branca e preta) em que pode ser adquirido. O iPod da Apple certamente
foi o presente mais cobiçado da árvore de Natal de 2005, mas ainda apresenta
forte oposição por parte das grandes empresas da indústria fonográfica,
justamente por sua capacidade quase ilimitada de “baixar” e reproduzir músicas
em formato digital a partir da Internet, em franco arrepio ao respeito
necessário dos direitos autorais incidentes sobre a exploração econômica
resultante. Entretanto, é preciso destacar que a Apple, antes de lançar o iPod,
tratou de criar um site específico na Web para “alimentar” o aparelhinho,
denominado iTunes. E fechou contrato com todas as quatro grandes da indústria
musical, justamente para poder ter acesso ao necessário conteúdo para seu
produto. Ocorre que qualquer um de posse do aparelho pode conectar-se à
Internet e baixar o que quiser, pois a máquina foi desenvolvida justamente para
ser um repositório de músicas em formato binário, independentemente de sua
origem. Trata-se de um mercado inexorável, que não conhece volta e que já
traçou uma linha na areia: quem não se adaptar, sucumbirá...
O caso Sony/BMG
Como já vinha acontecendo nos
últimos 10 anos, a poderosa indústria fonográfica mundial, enfraquecida pela
avalanche do “ataque” virtual propiciado pela tecnologia de “baixa” (download)
digital propiciada pela Grande Rede de computadores Internet, vem recorrendo a
fusões e aquisições para ampliar seu catálogo de títulos musicais disponíveis,
aumentar sua receita de vendas e gerar capital suficiente para investir em
novas tecnologias capazes de viabilizar uma estratégia destinada a enveredar
pelo admirável mundo novo da Era Digital com mais controle econômico do que
hoje possui. Foi assim com a PolyGram, adquirida pela Universal Music em 1995,
por sua vez depois comprada pela gigante internacional canadense das bebidas
destiladas Seagram Co., que depois foi vendida para a francesa Vivendi Plus. A
Warner Music, do grupo homônimo americano, foi incorporada ao poderoso grupo
AOL-Time, que, entre outras, controla a rede internacional de notícias CNN, a
America On-Line na Internet e o grupo Sports Illustrated. Agora, foi a vez da
segunda maior gravadora do mundo comprar a quarta, criando o segundo maior
grupo musical industrial do planeta: Sony/BMG, que juntou o braço musical da
Sony Corporation do Japão com a BMG Music, pertencente ao grupo de detém a
maior cadeia de editoras musicais e literárias do mundo, a Bertelsmann AG, da
Alemanha. Toda essa movimentação financeira certamente contribuirá para
incrementar o lucro financeiro anual do grupo, que agora tem sob o mesmo teto
artistas do peso de Santana, Adriana Calcanhoto, Michael Jackson, Shakira, Whitney
Houston e Celine Dion, mas não é suficiente para resolver o problema mais
premente enfrentado por essa indústria secular: o paradigma tecnológico.
Em recente confronto com a justiça
americana, a Sony/BMG teve que capitular de sua tentativa de inserir em todos
os seus suportes musicais, especialmente os CDs, um software destinado a coibir
a cópia de seus fonogramas musicais, que se comportava como spyware dentro dos
computadores dos usuários. Em 15/11/05 a nova gigante musical anunciou
publicamente que estava retirando de circulação novos lançamentos como Ricky
Martin, Neil Diamond, Amerie, Trey Anastasio, Celine Dion e Van Zant, entre
outros, porque seus CDs continham embutido o programa XCP de proteção à
copiagem fabricado pela empresa britânica First 4 Internet. A gigante americana
Microsoft e diversas outras empresas do setor de TI, incluindo a Computer
Associates, Symantec e F-Secure designaram o programa XCP como sendo um spyware
malicioso, que monitora o comportamento dos usuários, é muito difícil de
desinstalar e deixa a máquina extremamente vulnerável à invasão por vírus. O
recall da Sony/BMG, que chega a 52 títulos de seu catálogo, sendo 24 deles
topo-de-linha, custará à gravadora aproximadamente US$ 6.5 milhões em taxas de
retorno e custos adicionais de fabricação, de acordo com especialistas da
indústria fonográfica e da revista Billboard. A empresa informou que já havia
distribuído cerca de 4.7 milhões de unidades desses produtos contendo o
software XCP aos revendedores e que pelo menos a metade já havia sido vendida.
A empresa também está oferecendo uma promoção em conexão com esse recall,
permitindo aos consumidores trocarem os seus CDs que contém o XCP por outros da
gravadora que não têm o programa. Enquanto a gravadora tenta remediar o problema,
ações judiciais já começam a bater na porta da empresa. Uma delas, de natureza
coletiva, já foi ajuizada em Nova Iorque e outras estão a caminho. Os valores
montam aos milhões de dólares, como é comum em processos desse tipo nos Estados
Unidos, sob a bandeira das perdas e danos materiais.
Em que pesem todos esses
desdobramentos, a música em formato digital chegou para ficar, e isso foi
sobejamente comprovado pela tecnologia do jovem americano Shawn Fanning com seu
Napster (veja tópico específico adiante), e a palavra de ordem é “engajamento”.
Com mais recursos do que os pequenos selos musicais e produtoras independentes,
caberá justamente às multinacionais da música o papel de liderança para criar e
consolidar um novo business model capaz de garantir, a um só tempo, a
continuidade do faturamento global dos produtos musicais, que garantem
empregos, pagam impostos, fazem circular a riqueza e divulgam a cultura, como
também – o que é de não menos importância – o respeito e o conseqüente
recolhimento dos direitos autorais gerados por essa operação comercial aos
artistas, intérpretes, autores e demais titulares de direitos que povoam esse
segmento econômico.
O caso Grokster
Corroborando a firme decisão da
indústria do entretenimento de não tolerar a utilização desautorizada e
“não-pagante” de obras audiovisuais, o site Grokster, um dos mais populares
sítios de troca de arquivos em regime P2P (peer-to-peer) do jovem mercado
eletrônico, sofreu forte abalo judicial no mês passado. O juiz Stephen Wilson,
da Corte do Distrito Central da Califórnia emitiu decisão no último dia 7 de
novembro, confirmando a decisão de junho passado da Suprema Corte dos Estados
Unidos de que a empresa poderia ser responsabilizada se uma corte inferior
entendesse que o Grokster “induzia” usuários a infringir a lei de direitos
autorais, ao “trocar” arquivos música e filmes. Diante do impacto, o Grokster
optou pelo acordo, para não enfrentar um poderoso e midiático julgamento, pois
a questão ainda não estava inteiramente submetida ao Judiciário americano, era
apenas uma audiência preliminar para confirmação da possibilidade de violação
de direitos autorais. A decisão envolveu os sítios Grokster e Swaptor e
determinou o pagamento de US$ 50 milhões à indústria do entretenimento pela
distribuição ilegal de fonogramas musicais protegidos, a ser distribuídos em
forma equânime entre as gravadoras, editoras musicais e os estúdios de cinema.
Além disso, os sites devem sair imediatamente do ar (tentem o www.grokster.com
e já verão a mensagem oficial postada pela Justiça americana, que lançou o
serviço na ilegalidade até que o novo sistema seja lançado – ver tópico
adiante, O Napster Volta À Cena). As empresas também não podem vender os seus
negócios para quaisquer terceiros sem alertar para a decisão judicial emitida e
as condições nela estabelecidas. Enquanto isso, os direitos autorais e os
extremamente populares iPods da Apple continuam em rota de colisão. Alguns
especialistas vêm polemizando que copiar músicas de um CD para o iTunes estaria
protegido pelo instituto do fair use ou “uso justo” da lei autoral dos Estados
Unidos, desde que realizada apenas uma vez. Outros entendem que o fair use
acaba protegendo o usuário de ser processado por violação de direitos autorais.
Aparentemente vai prevalecer o teor do Audio Home Recording Act (lei americana
de 1992 que alterou o capítulo X do Copyright Act de 1976 dos EUA), de que
“nenhuma lei pode conferir a alguém o direito de copiar a obra intelectual
protegida de terceiros”, vale dizer, uma cópia feita sob a égide do fair use
não pode ser comercializada sem a autorização expressa do detentor/titular dos
direitos envolvidos. Como podemos ver, a questão é polêmica e ainda promete
diversos rounds jurídicos antes de se tornar pacífica. Nós do CONJUR, estaremos
sempre acompanhando atentamente todos os desdobramentos desse fascinante
universo da música digital, com o objetivo de manter informados os nossos
leitores e contribuir para amplificar e referendar o saudável debate e a
fundamental disseminação de todos os temas correspondentes.
O Payola ou “Jabá”
Vilão do mundo musical e objeto do
ódio de todos os artistas, intérpretes e músicos do mercado, o payola ou
“jabá”, como é conhecido no Brasil4 , constitui uma prática nefanda e irregular
das grandes gravadoras de “pagar-para-tocar” (pay-to-play) em emissoras de
rádio e televisão os seus mais recentes lançamentos musicais, com o objetivo de
produzir sucessos instantâneos de vendas e, consequentemente, receitas
milionárias. Em 2005, pela primeira vez em mais de 30 anos, uma grande
gravadora multinacional aceitou pagar US$ 10 milhões para não ser processada
judicialmente pela Procuradoria do Estado de Nova Iorque pela prática do
payola. O Procurador-Geral daquele estado, Eliot Spitzer, notificou uma-a-uma
todas as quatro grandes empresas multinacionais da música mundial (pela ordem
de faturamento anual, Universal Music, Sony Music, Warner Music e EMI Group),
ameaçando-as de processo judicial se não concordassem em efetuar o pagamento de
uma soma específica em dinheiro como forma de multa pelas irregularidades até
aqui praticadas. As quatro empresas concordaram em compor amigavelmente para
não serem alvo de processos judiciais certamente fulminantes para os seus
negócios, mas até agora somente a Sony/BMG aceitou pagar US$ 10 milhões e a
Warner Music US$ 5 milhões.
No Brasil, infelizmente a
realidade é outra. O payola ou “jabá” continua a ser uma realidade corriqueira
no mercado musical. Emissoras de rádio e televisão – e seus respectivos
funcionários e executivos – continuam a ser agraciados com pagamentos em
dinheiro, benefício, passagens aéreas e outros bens móveis como
eletrodomésticos e similares, para “tocar-com-mais-intensidade” músicas de
interesse das grandes gravadoras. Trata-se de uma prática triste e desleal, que
nivela por baixo a qualidade e o talento dos múltiplos e inúmeros artistas e
talentos da música brasileira que buscam um lugar ao sol, negando
posicionamento a uma pluralidade de profissionais que tentam fazer da arte
musical sua sobrevivência, no mais das vezes sem sucesso. Criando uma
verdadeira “Caixa de Pandora” dentro das emissoras de rádio e televisão, a
prática do “jabá” escapou completamente do controle das próprias gravadoras que
o criaram no final dos anos 50 quando da explosão da música pop, pois nada
parece deter a avassaladora sanha dos programadores, DJs e executivos de
corporações do entretenimento na busca por mais dinheiro e benefícios para
“fabricar” novos sucessos de mídia. O “jabá” tornou-se uma senha velada nos
negócios do entretenimento, já incorporado aos orçamentos de novas produções e
desde o início condenando ao fracasso aqueles que não aderirem ao sistema. É
justamente nesse universo que os recentes acordos das majors em Nova Iorque
trazem algum alento para os artistas, intérpretes e criadores de conteúdo
intelectual musical. Enquanto estivermos atuantes no mercado e em condições de
manifestar nossa opinião ao grande público, estaremos atentos a essa atividade
ruinosa e ilegal que contamina o rico mercado musical brasileiro (e mundial),
com o objetivo de regulamentar e organizar as relações jurídico-econômicas
resultantes dos negócios da música em nosso país.
A Biblioteca “do mundo”
Que o Google é um
fenômeno ninguém mais pode discordar. Jovem empresa com menos de 10 anos de
existência e valor acionário individual maior do que a lendária General Motors
na Bolsa de Wall Street (na última semana de nov/2005 uma única ação do Google
valia US$ 410.00, elevando o patrimônio total da companhia a assombrosos US$
120 bilhões depois de seu lançamento em ago/2004 a US$ 36.00), a Google tomou
de assalto a comunidade internáutica desde o ano 2000. Maior, melhor e mais
avançado robô de busca eletrônica na Grande Rede Mundial de computadores
Internet, a companhia criada há 7 anos pelos jovens americanos Larry Page e
Sergey Brin desbancou todas, literalmente todas, as teorias econômicas de
sucesso corporativo dos últimos 40 anos nos Estados Unidos e em qualquer outro
lugar do mundo. Segundo a revista VEJA5 , logo no lançamento do sítio, seus
fundadores afirmaram categoricamente que “chegamos para organizar o caos de
informações da Internet”. Sempre adiantando-se às necessidades do mercado e
adotando soluções inovadoras no atendimento aos usuários, a Google acaba de lançar
um de seus mais arrojados empreendimentos, que certamente poderíamos denominar
de “A Biblioteca do Mundo”, uma ferramenta eletrônica capaz de perscrutar a
totalidade do conteúdo de livros publicados. O serviço ganhou o nome de “Google
Book Search” e consiste na digitação, com o objetivo de disponibilização
virtual, de todos os livros cujos direitos autorais já tenham caído em domínio
público, o que ocorre, em média, segundo a maioria das leis autorais em vigor
no mundo, 70 (setenta) anos após a morte de seus autores. Este empreendimento
já foi concluído e encontra-se à disposição de qualquer interessado no planeta,
sem qualquer ônus financeiro.
A moldura geral do
projeto é mais ambiciosa e prevê o oferecimento eletrônico de todas as obras
literárias integrantes da Biblioteca Pública de Nova Iorque e dos acervos
literários de quatro grandes instituições universitárias mundiais: Stanford*,
Harvard*, Michigan e a inglesa Oxford, sendo duas delas* integrantes da
poderosa Ivy League (a Liga de Marfim, que reúne as mais prestigiosas
universidades dos Estados Unidos). Estamos falando de milhões de livros e de um
custo estimado em algo como US$ 200 milhões. O trabalho que está sendo
realizado pelo Google despenderá em torno de 06 (seis) anos, ao passo que, se empreendido
individualmente por cada uma das instituições envolvidas até aqui, consumiria
assustadores 300 anos.
Por causa da grita
levantada pelas editoras e titulares dos direitos autorais incidentes sobre as
obras literárias ainda não caídas em domínio público, os responsáveis pelo
Google optaram por permitir apenas uma espécie de “consulta” a esses livros,
cujo conteúdo pode ser apenas parcialmente “folheado” se for em forma gratuita.
Mesmo assim, um grupo de editores literários norte-americanos que integra a
Associação de Editoras Americanas, indignado com a nova tecnologia, ajuizou
processo judicial contra o Google há dois meses, antes mesmo do lançamento
oficial do sítio. O contra-argumento utilizado pelos googlianos é o
dispositivo, integrante da lei autoral americana (o U.S. Copyright Act de
1976), conhecido como fair use (algo como “uso razoável ou justo”), que permite
determinadas utilizações de obras literárias, artísticas ou científicas, desde
que possa restar comprovado que não houve intenção de lucro e apenas uma única
vez. O problema é definir quanto pode ser utilizado de cada obra: um pequeno
trecho, uma página, um capítulo inteiro?
Enquanto isso, a
concorrência se arma. Em 2006, as empresas Yahoo! e Microsoft, aliadas, cientes
dos largos lucros de seu rival, vão concorrer com o Google e lançar o Open
Content Alliance, empreendimento similar de pesquisa e acesso a obras
literárias, mas a verdade é que o mercado tende mesmo a migrar para a consulta
“paga” de livros, à semelhança do que já começa a ocorrer com os sítios de
música na Internet: os usuários interessados deverão pagar para reproduzir
trechos de livros de seu interesse, até porque nunca se sabe que destino final
terão essas preciosas páginas de conteúdo intelectual protegido.
Quem sabe no breve futuro
a Library of the Congress of the United States of América (biblioteca do
congresso norte-americano), a maior do mundo, hoje com cerca de 25 milhões de
livros, estará parcialmente disponível na Internet, situação que certamente
esbarrará na necessidade de uma negociação mais ampla e profunda dos direitos
autorais de todos os livros ainda não caídos em domínio público? Uma tarefa
certamente fascinante para todos os profissionais envolvidos, a quem desde já
desejamos todo o sucesso.
O Napster volta à cena
O jovem americano Shawn
Fanning fez 25 anos em novembro passado e já se passaram sete longos anos desde
que ele idealizou um programa de computador juntamente com seus colegas de
campus da Northeastern University of Boston, nos Estados Unidos, onde na época
era calouro. Ele denominou o programa de Napster, seu próprio apelido (porque
vivia cochilando aqui e ali) e o projeto se transformou num fenômeno da
Internet ao mesmo tempo em que o enfant terrible da indústria fonográfica
mundial. No mesmo mês de novembro/2005, o Grokster, um dos sítios de troca de
arquivos em regime P2P que surgiu após o fechamento judicial do Napster em 2001
(ver tópico específico neste artigo, acima), foi obrigado a encerrar suas
operações de distribuição virtual de fonogramas musicais e pagar o equivalente
a US$ 50 milhões para a indústria do entretenimento. A empresa preferiu
desistir da batalha judicial, que já havia sido praticamente perdida em junho
passado, quando a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu unanimemente que
quaisquer serviços de troca de arquivos peer-to-peer seriam responsabilizados
pela indução à violação de direitos autorais (a respeito, consultar excelente
artigo do advogado Attílio Gorini na Seção de Propriedade Intelectual do
Conjur).
Nas próximas semanas, uma
nova versão do Grokster estará sendo lançada, desta vez com o beneplácito da
indústria fonográfica e utilizando a nova tecnologia Snocap, de autoria do
mesmo jovem e rebelde Shawn Fanning. O novo sistema requer dos usuários que
desejarem trocar arquivos musicais na Web, que paguem pela operação. Pode-se
dizer então que o mesmo Shawn Fanning que libertou o gênio da garrafa quando
desenvolveu o software para o Napster, está agora praticamente “vendendo” uma
tecnologia para trancafiá-lo novamente. Sua nova empresa, Snocap, está
produzindo um programa que na realidade concretiza o sonho dourado inicial do
sítio Napster, que era conjugar uma grande comunidade de parceiros trocando
arquivos musicais via Internet, ao mesmo tempo em que é capaz de monitorar
todas as operações realizadas para efeito de cobrança de royalties.
Aplicada ao novo site Grokster,
essa tecnologia, denominada de audio fingerprinting technology, terá a
capacidade de bloquear os downloads se os usuários se recusarem a pagar os
royalties correspondentes. Um dos aspectos mais interessantes da tecnologia
Snocap é conhecida como missing masters ou “fitas matrizes desaparecidas”.
Quando uma gravadora envia à empresa todas as músicas que compõem seu catálogo,
o software pode ser utilizado para “visualizar” todas as demais seleções
musicais oficiosas disponíveis, gravadas por qualquer outro artista e também
denominadas gray tracks – gravações piratas (bootlegs) captadas por fãs em
shows e concertos ou secretamente por engenheiros em estúdios oficiais.
Estima-se que existam cerca de 25 milhões de faixas desse gênero no mundo
disponíveis pelo sistema P2P e não mais do que 2 milhões em sites oficiais de
download pago.
Vários artistas
estabelecidos gostariam de eliminar estas faixas, por considerarem-nas de
qualidade técnica inferior, mas Shawn Fanning prevê que a maioria acabará por
autorizar sua comercialização, sob o entendimento de que vale mais à pena gerar
receita com faixas musicais que até hoje eram simplesmente contrabando do que
ficar gastando dinheiro em batalhas judiciais nem sempre bem-sucedidas.
As negociações com o
establishment fonográfico demoraram cerca de um ano para se concretizarem e
certamente irão resultar em mais um breakthrough no mercado musical ao redor do
mundo, embora além das grandes gravadoras, até agora apenas o Mashboxx tenha
aderido. Todos os demais prestadores de serviços digitais de música terão que
obter licenças individuais das majors para ter acesso a seus catálogos de
fonogramas. Em outras palavras, o temor da Internet é grande e as salvaguardas
existentes – ainda poucas e de discutida eficácia – tendem a se tornar cada vez
mais burocráticas e restritivas para o comércio de música online.
Ainda não se pode
precisar o sucesso que esse sistema irá atrair quando sites como o novo
Grokster iniciarem sua cobrança pelo usufruto musical online, principalmente
porque continua a existir na Internet um sem-número de sítios de troca de
arquivos musicais operados por voluntários e puristas da Grande Rede, que
utilizam a tecnologia do open source file-sharing software, isto é, a
possibilidade de continuar a realizar a baixa das obras ilegalmente, sem pagar.
Nesse meio-tempo, a indústria fonográfica vem tentando “botar pra quebrar”
contra a pirataria digital, ajuizando milhares de processos judiciais (hoje já
mais de 3.500 deles) contra fabricantes de softwares, usuários P2P e até
contratando os chamados “hackers do bem” para infectar os sites de troca de
arquivos com dezenas de aparentes canções e músicas de sucesso que, na
realidade, são vírus contendo estática e ruídos que contaminam os sistemas dos
usuários.
Como num grande pesadelo,
o Napster acabou se tornando um imenso e atabalhoado dinossauro, desafiando a
poderosa indústria fonográfica mundial sem na realidade gerar substanciais
lucros para si mesmo nos quase três anos em que “esteve no poder”. Depois que todos
os planos falharam, as ações judiciais foram perdidas e o dinheiro acabou,
aparentemente Shawn Fanning está decidido a recuperar o comando da revolução
que desencadeou em 1999 e deixou el jefe para trás.
O “Controle” da Internet
Desde seu advento bombástico
no decorrer dos últimos 10 anos, muito se tem falado e escrito sobre a
importância e a necessidade de controle das operações da Grande Rede mundial de
computadores Internet. Fruto de projeto militar americano originado no limiar
da década de 60 nos Estados Unidos em resposta ao avanço espacial soviético que
colocou o satélite Sputnik em órbita geossincrônica ao redor do nosso planeta,
a Internet (abreviação cunhada das palavras em inglês International Network)
revolucionou as comunicações e o relacionamento social e profissional da
humanidade nos últimos 10 anos. Acumulando uma colossal quantidade de
informações, incomparável a qualquer outro instante da história da humanidade,
a Internet, ou Web, ou Grande Rede, ou Net, como é comumente referida ao redor
do mundo, é a mais desafiadora experiência humana no campo das comunicações
registrada em qualquer período da História. Entretanto, ao mesmo tempo em que a
Internet representa a maior experiência de manipulação de informações da
história da humanidade, também abre o maior precedente de invasão de
privacidade até hoje registrado.
Sim, pois, à semelhança
do mundo fantástico de George Orwell6 , em que apesar de todos os esforços
cruéis e invasivos do governo a sociedade continuou a burlar o sistema, a
grande rede de computadores Internet continua existindo livre e praticamente
incontrolada no mundo contemporâneo, oferecendo desde pornografia infantil,
pedofilia, comércio de armas e drogas até receitas de fabricação de bombas
convencionais, nucleares e químicas, passando por sites de estímulo ao ódio e
ao racismo. Embora a partir de ordem judicial ou simples vontade tecnológica de
rastreamento, teoricamente qualquer pessoa ou usuário da Web possa afinal ser
identificado, o anonimato na Internet ainda é uma assustadora realidade no
mundo, apesar de muitos apontarem o contrário, como, por exemplo, a
possibilidade literal do país que controla a Rede, os Estados Unidos, ter a
capacidade praticamente real de “desligar” uma empresa, um banco ou até um
sistema administrativo inteiro de uma nação, através de comandos eletrônicos
cumulados com novíssimas técnicas que vêm sendo desenvolvidas em sombrios
departamentos de Cyber Ops (abreviação do inglês Cyber Operations ou operações
cibernéticas) criados pelos americanos e algumas das potências mundiais no
âmago de suas Forças Armadas.
E foi justamente essa
questão do controle da Internet que reuniu cerca de 15.000 pessoas em Túnis,
capital da Tunísia, no início de novembro passado, numa conferência
internacional realizada pelas Nações Unidas sobre a Grande Rede Mundial de
computadores. O evento foi batizado de WSIS, abreviação de World Summit on the
Information Society, que muito poucas pessoas já ouviram falar ou têm
conhecimento de seus objetivos. Um dos principais pontos da agenda da reunião
foi uma tentativa de mudança substancial na governança da Internet, professada
por diversos delegados da conferência, que pretendem dar um fim ao controle até
hoje exercido pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos sobre, por
exemplo, a determinação dos nomes de domínio da Web e os endereços eletrônicos
de e-mail. O argumento dos delegados é que o controle unilateral pelos EUA
sobre a Grande Rede apenas reflete o fato de terem sido os americanos os
inventores da Internet na década de 60 e já não é mais necessário após a
exponencial ampliação global da rede eletrônica. Porque devem os Estados Unidos
continuar controlando os registros de endereços de correio eletrônico de
brasileiros, chineses e alemães? Se os americanos não possuem controle sobre a
fabricação de automóveis ingleses como os Bentley e aviões franceses como os
Airbus, porque na Internet a situação deve ser diferente?
Entretanto, os americanos
sempre têm um argumento aparentemente convincente para colocar sobre a mesa
nessas grandes conferências da ONU, reflexo real de suas proficientes ciências
de marketing e show business ao redor do mundo. Segundo eles, “em um mundo
ideal, qualquer unilateralismo deve ser abolido. Mas em um quadro de
imperfeição como o que grassa no mundo contemporâneo após o fim da Guerra Fria,
soluções unilaterais eficientes fazem mais efeito do que as movimentações
multilaterais sem-fim, que nunca alcançam seu objetivo primígeno.”
E os yankees realmente
capricham em sua fundamentação, lembrando que “pode ser indesejável que a
Marinha dos Estados Unidos (U.S. Navy) continue a prover a maior parte da
segurança nas rotas internacionais de navegação, mas na prática, é o que
permite ao comércio mundial continuar operando, numa realidade de crescente
pirataria e ataques a navios civis de carga e passageiros em todos os
quadrantes do globo.” Continuando em sua apaixonada defesa, Tio Sam argumenta
que “substituir a U.S. Navy por uma polícia naval multinacional não teria o
mesmo efeito.” E eles não deixam de ter alguma razão, na medida em que nenhuma
outra força naval no mundo tem condições tecnológicas e econômicas de se fazer
presente em todos os oceanos e mares do mundo como a americana. Com mais de
1.000 embarcações e belonaves, que vão desde pequenas lanchas
contra-torpedeiras de ataque com velocidades superiores a 60 nós (cerca de 80
km/h na água!) a mastodônticos porta-aviões da classe Nimitz carregando mais de
150 aviões e helicópteros de combate, além de cruzadores, destróieres,
encouraçados e corvetas, passando por submarinos nucleares da classe Trident e
Sea Wolf capazes de permanecer mais de 6 meses submersos e lançar mísseis
atômicos para mais de 240 cidades diferentes cada um, trata-se de uma
formidável demonstração de poder, sem igual no mundo atual e que se reflete
imaterialmente no mundo eletrônico. Será que nós, em posição similar, faríamos
diferente?
Ainda de acordo com o
raciocínio americano, o mesmo aplicar-se-ia à Internet, pois a tarefa de
assinar nomes de domínio eletrônicos oferece inúmeras oportunidades de fraudes
e violação de direitos, como a própria estatística recente pode comprovar. Quem
quer que controle essa tarefa tem em mãos a fabulosa chance de negar acesso à
Web a determinadas pessoas, entidades ou organizações (políticas ou econômicas,
por exemplo), ou permiti-lo em troca de generosas somas de dinheiro. Muitos têm
a impressão de que a Internet é totalmente desregulamentada, mas isso não
corresponde à verdade, pois razoável controle é exercido através da ICANN (The
Internet Corporation for Assigned Names and Numbers), entidade que tem funcionários
em pelo menos três continentes ao redor do mundo e tem sido reconhecida por sua
conduta isenta e imparcial nos assuntos relativos à governança da Grande Rede.
Qualquer cidadão ou organização que deseje registrar um nome de domínio que
ainda não tenha sido solicitado, poderá fazê-lo. Os oportunistas e
aventureiros, que “sentavam em cima” de marcas notórias no mundo eletrônico
para depois buscar vantagens financeiras, há algum tempo já estão com os seus
dias contados. Os Estados Unidos alegam que durante todo o período de seu
controle sobre a Rede, poucas violações efetivamente ocorreram. É provável.
Nas palavras de Leonard
Kleinrock, um renomado cientista da computação na UCLA – Universidade da
Califórnia em Los Angeles, “quem controla o fluxo dos oceanos? Ninguém! E assim
mesmo eles funcionam perfeitamente. Existem algumas coisas que simplesmente não
podem ser inteiramente controladas e deveriam ser autorizadas a continuar
pulverizadas, como a Internet”. A idéia de substituir a ICANN, embora de detectável
desejo entre os cerca de 15.000 delegados presentes à WSIS não tem grande
futuro”, diz Robert Kahn, executivo do Pentágono que nos anos 60 participou da
captação original de recursos para a ArpaNet que deu origem à Web e depois, nos
anos 70, juntamente com o cientista Vinton Cerf, deu vida ao design da
estrutura fundamental da Rede, conhecida como TCP/IP (Transfer Control Protocol
/ Internet Protocol). Vinton Cerf, atualmente presidente da ICANN e alto
executivo da vitoriosa empresa Google®, advoga a idéia de que “as complexidades
tecnológicas envolvidas tornaram todas as discussões de âmbito político em
torno da Internet inócuas. Como exemplo, ele cita a tentativa de vários
governos mundiais de pressionar para obter o registro de nomes de domínio na
Internet em todas as línguas existentes no mundo. Diz ele: “se alguém lhe der
um cartão de visita inteiramente em chinês, o que você fará?”
Trazendo o raciocínio
deste artigo mais próximo da realidade brasileira, por exemplo, apesar de ainda
estarmos distantes de um patamar tecnológico capaz de assumir o controle e a
administração de uma entidade como a ICANN, o Brasil já ostenta números
substanciais no que respeita à Grande Rede Mundial de computadores, para avocar
para si papel mais preponderante nas discussões jurídico-econômicas que orbitam
o setor virtual. Nosso sistema tributário de declaração de imposto é o mais
moderno do mundo, coqueluche de autoridades fiscais de múltiplos países que vêm
ao Brasil para observar e aprender. Idem com relação ao sistema de online
banking. Apesar das desigualdades sociais, a população cibernética brasileira
cresce a espantosos 25% ao ano. São números que nos permitem conjecturar o
futuro e especular, em forma otimista, a realização do potencial brasileiro na
Era Eletrônica, desde que resolvidos – e eliminados – os abutres políticos que
sangram o Tesouro Nacional. São números bons que apontam para melhor. Para mais
desenvolvimento. Para mais equanimidade no panorama da renda nacional.
Conclusão
O ano de 2005, com todas
as suas fascinantes facetas e surpresas no campo do Direito Autoral e do
Entretenimento, permitiu aos estudiosos, juristas, advogados, magistrados,
autoridades e cidadãos comuns antenados com os vertiginosos desdobramentos da
Era Digital, pintar um quadro mais realista do fabuloso potencial, aliado aos
incessantes desafios e às inexoráveis oportunidades que a Propriedade
Intelectual cria diariamente numa sociedade que trocou sua comunicação
analógica da Idade da Pedra pelos fótons luminosos do amanhã.
Ninguém pode negar que a
Internet representa hoje a mais pura e fundamental ferramenta de livre
disseminação de idéias em toda a História da Comunicação Humana, esta
fundamental Senhora, desgastada por milênios de sofrimento e subserviência
pelas mãos de reis, imperadores, autoridades e integrantes de ditaduras
populistas, militares e governos acintosamente corruptos. Nesse panorama, a
Internet despontou como meio e prova, vigorosos e indetíveis, da vontade dos
povos menos letrados de aproveitar esse admirável mundo novo da Era Digital em
benefício do bem-estar e da consolidação das gerações futuras.
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Notas de rodapé
convertidas
1. O sítio eletrônico
denominado Napster, uma corruptela da palavra nap em inglês, que significa
“pessoa que cochila ou tira sonecas constantemente’’ era o apelido do jovem
estudante californiano Shawn Fanning em 1998, ironizando as noites insones
vividas por ele e seu colegas nerds de computadores para compilar catálogos de
fonogramas musicais sem precisar pagar os royalties devidos aos legítimos
detentores dos direitos autorais das canções utilizadas, foi o paradigma de uma
verdadeira revolução jurídico-econômica que se abateu sobre a poderosa indústria
fonográfica mundial em 1999 e provocou mudanças inexoráveis no business model
do segmento musical comercial do planeta. Hoje melhor conhecida e domada, a
nova tecnologia, também conhecida como P2P, abreviação modernosa de
peer-to-peer (algo como parceiro-para-parceiro), depois de severamente atacada
judicialmente pelo cerne da indústria do entretenimento, já começa a dar sinais
de que será possível afinal criar uma nova vertente de receita autoral, capaz
de remunerar condignamente os legítimos criadores das obras intelectuais
musicais que encantam as nossas vidas.
2. L.A.S.E.R. –
Abreviação do inglês Light Amplification through Stimulated Emissions of
Radiation (amplificação da luz através de emissões estimuladas de radiação), o
raio laser revolucionou o conhecimento científico a partir do início dos anos
60 em diversos campos da ciência e provou-se mercurial no desenvolvimento de
diversas outras tecnologias além da reprodução de sons e imagens na sociedade
contemporânea.
3. Depois da febre dos
telefones celulares que assolou o mundo nos últimos 10 anos, uma nova onda de
consumo e modismo se abateu sobre esse segmento do mercado: os ringtones ou
tons de chamada dos aparelhos telefônicos móveis, também conhecidos como “tons
polifônicos”. A significativa diferença desse novo nicho do mercado celular é
que os tons polifônicos geram direitos autorais através de sua utilização. Eles
dividem-se em tons especialmente produzidos para as campainhas dos aparelhos
móveis (a partir de obras musicais pré-existentes) e trechos reais de músicas
já lançadas no mercado (truetones ou realtones). No primeiro caso, o único
direito devido é o direito do autor da composição musical, que é regravada para
essa finalidade. No segundo, caso, além do direito do(s) autor(es) da composição,
tem-se que pagar às gravadoras detentoras do direito de produção fonográfica
originado pela gravação original da obra musical.
4. Payola é uma contração
gramatical das palavras payment (do inglês, pagamento) e victrola (palavra que
denominou a primeira criação tecnológica da empresa americana RCA Victor, que
reproduzia discos de vinil de 78 rotações no início do século XX) e significa a
nefasta atividade de “pagar-para-tocar” (pay-to-play) que as grandes gravadoras
praticam há mais de 50 anos, buscando criar sucessos irreais e fabricados nas
ondas do rádio e da televisão através de benefícios financeiros, materiais e
até de prostitutas e drogas aos programadores das emissoras. Nos Estados Unidos
a prática do “jabá”, como é conhecido no Brasil, a partir de um diminutivo da
palavra “jabaculê”, que significa “armação”, “negociata” ou “jogada ilegal”, é
crime federal, punível com até 4 anos de cadeia e multa financeira.
Recentemente duas grandes gravadoras multinacionais foram condenadas a pagar vultosas
somas de dinheiro por essa prática (leia íntegra deste artigo).
5. matéria publicada na
edição de 07/12/2005, nas páginas 69, 70 e 72
6. George Orwell,
escritor inglês, celebrizou-se em 1948 com o lançamento do livro “1984”, em que
descreveu uma sociedade do futuro em que o governo possuía o controle do
pensamento das pessoas e punia o simples fato da relação sexual entre humanos.
O sistema criado pelo governo tinha o nome de “Big Brother”, hoje emulado em
várias obras audiovisuais, como, por exemplo, o programa BBB da emissora TV
Globo Ltda. E operava, entre outras aberrações, um Ministério do Pensamento.
* Advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Direito da Internet. Prof. da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) e da Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ – Consultor de Direito Autoral do site CONJUR – membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos (American Bar Association) – membro da Federação Interamericana de Advogados em Washington D.C. – membro da Câmara Americana de Comércio de São Paulo (AMCHAM/SP) - sócio-fundador do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.
GUEIROS, JR., Nehemias. Retrospectiva 2005. Direito e Mercado se adaptam às novas Tecnologias. Jus Vigilantibus, Vitória, 12 fev. 2006. Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/20116>. Acesso em: 14 set. 2006.