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Relações Públicas e Práticas de Controle e Vigilância na Intranet: um estudo de caso em empresa brasileira

 

 

Ana Flávia Garcez

Universidade do Vale do Rio dos Sinos

Rio Grande do Sul

 

Resumo

 

Este trabalho descreve um estudo de caso, realizado através de observação e entrevistas, em uma empresa brasileira de grande porte, objetivando identificar o posicionamento dos profissionais de Relações Públicas em relação às políticas e estratégias adotadas para o uso da intranet, principalmente no que se refere a aspectos relacionados ao controle e vigilância dos funcionários. Alguns dos resultados obtidos através do estudo de caso são: as políticas de uso da intranet na empresa, as fontes de onde se originam tais políticas, as ferramentas utilizadas pela empresa para o controle e vigilância das informações via intranet, as lógicas da empresa em relação a essas práticas de controle e vigilância (tradicional e tecnológica), e ainda, como os funcionários utilizam e se apropriam da intranet.

Palavras-chave

Relações públicas; Intranet; Práticas de Controle

Abstract

Public Relations and Practices of Control and Vigilance in Intranet: a case study in a Brazilian company

This paper describes a case study noticed through observation and interviews in a major Brazilian company, aiming the identification of Public Relations professionals´ posture in the presence of policies and strategies, adopted to be used by intranet, mainly when it concerns to aspects related to control and vigilance of employees. Some of the results obtained through the case study were: the intranet policies of application in the company, the sources from which such policies come from, the resources used by the company to control and watch data from intranet, the company argumentations related to those practices of control and vigilance (traditional and technological ones) and, yet, how the employees use and appropriate intranet.

Key-words

Public Relations; Intranet; Practices of controle.

Resumen

Relaciones Públicas y prácticas de control y Vigilancia en Intranet: un estudio de caso en empresa brasileña

El presente trabajo se propone a describir un estudio de caso, realizado a través de observación y encuestas, en una empresa brasileña de gran porte, objetivando identificar el posicionamiento de los profesionales de Relaciones Públicas en ámbito a la política y estrategias adoptadas para el uso de la Intranet, principalmente en lo que se refiere a los aspectos relacionados al control y vigilancia de sus funcionarios. Algunos de los resultados obtenidos por el estudio son: las políticas de uso de la Internet en la empresas; las fuentes de


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donde se originan tales políticas; las herramientas utilizadas en relación a esas prácticas de control y vigilancia (tradicional y tecnológica) y, todavía, como los funcionarios se utilizan y se apropian de la Intranet.

Palabras-claves

Relaciones públicas; Intranet; Prácticas de control

1 Introdução

Práticas de controle e vigilância1 (C&V) sempre estiveram no coração das organizações do trabalho no sistema capitalista (vide, por exemplo, K. Ball (2003), S. Bryant (1995) e G. Sewell (1999)) através de aparatos existentes desde os primórdios da Revolução Industrial, incluindo os sinos das caixas registradoras, para alertar o proprietário de estabelecimento comercial da abertura da caixa; e livros para registro de distância percorrida, preenchidos pelos vendedores. No ambiente fabril, conforme relata Michel Foucault em seu livro Vigiar e Punir, as fábricas do fim do século XVIII eram organizadas através do princípio de quadriculamento individualizante. Esse princípio diz respeito à arte das distribuições, observadas nas instituições disciplinares (como prisões, hospitais, escolas e fábricas) e que acabam por facilitar o C&V, nesse caso, sobre os operários. Além do quadriculamento individualizante ressaltado por Foucault, acrescentaríamos aos aspectos arquiteturais das fábricas, projetados para fins de C&V (e ainda hoje em voga), os mezaninos elevados e divisórias com amplas janelas de vidro, para permitir aos supervisores uma visão completa do ambiente de produção.

O exercício de C&V no interior das empresas, além de ter como objetivo o aumento da produtividade dos trabalhadores, permitia que os dirigentes antevissem manifestações de desagrado resultantes do eterno conflito entre capital e trabalho. É interessante notar que a comunicação organizacional foi outra reação à conscientização gradativa do operariado e aos conseqüentes choques entre capital e trabalho (Torquato apud Kunsch (1997)), que visava (e ainda visa) informar sobre os acontecimentos da empresa para seu público interno2. Assim, a comunicação organizacional e, posteriormente, o profissional de Relações Públicas (RP), nasceram da necessidade de estabelecer um maior e melhor entendimento entre as empresas e seus públicos. Para alcançar este objetivo, são utilizados os mais variados instrumentos de comunicação3.

O enorme desenvolvimento da eletrônica e teleinformática, especialmente a partir da segunda metade do século XX, acrescentou ao aparato de dispositivos de C&V uma maior eficiência e um menor custo. Muitas das práticas de C&V, outrora executadas por supervisores, passaram a ser realizadas automaticamente por dispositivos eletrônicos (por exemplo, mecanismos para contagem de toques de teclas por minuto, escuta e contabilidade telefônica, portas com controle de entrada e saída através de smart cards, escrutínio de arquivos dos computadores usados por funcionários e uso de câmeras de vídeo para

 

1Neste trabalho, usaremos o termo controle com o sentido de domínio (por parte da empresa) em decidir o que os funcionários podem ou não fazer; o termo vigilância será usado com sentido de fiscalização, monitoramento.

2Na literatura de comunicação, o público interno compreende o quadro de funcionários, o externo corresponde aos consumidores, clientes, imprensa, comunidade, poder público, entre outros, e o misto são os acionistas, fornecedores, revendedores, etc.

3Não foi diferente no Brasil: de acordo com Peruzzo (1986), é no contexto do avanço da industrialização que as RP florescem no País, num contexto em que é almejada a harmonia social. Em relação ao papel do profissional de RP, a autora faz, entre outras colocações, uma importante crítica, afirmando que o profissional de RP trabalha com o discurso idílico da compreensão mútua entre os interesses públicos e os interesses privados, mas que na realidade o sistema capitalista estabelece classes antagônicas que jamais serão ajustadas. Com isso, o profissional de RP, através de suas técnicas e discursos, acaba por trabalhar para o acúmulo do capital em detrimento da força de trabalho operária. Vale notar, nesse sentido, que a atividade de RP está associada ao sistema de produção capitalista e, de fato, não seria capaz de acabar com as desigualdades sociais. No entanto, cabe salientar que não é a isso que ela se propõe, mas apenas a promover o diálogo entre as partes.


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monitoramento visual). Essas e outras formas de C&V têm sido amplamente analisadas, não só no contexto de empresas, mas também de organizações de outras naturezas bem como na sociedade de um modo geral. (vide, por exemplo, Mann (2003), Vaz (2003), Rhee (1999), Hier (2003), Bryant (1995), Araujo (2004), etc.).

Uma das novas tecnologias introduzida no âmbito das empresas – e que não foi concebida, em essência, para C&V - cuja importância vem crescendo ano após ano é a rede interna de computadores ou intranet. Inicialmente, a intranet foi introduzida no contexto das organizações para tornar mais ágeis os processos de troca e compartilhamento de informações. Todavia, a partir da disponibilização de uma série de recursos adicionais (correio eletrônico ou e-mail, portais, sistemas de videoconferência, acesso à web, etc.) ela tornou-se fundamental para a comunicação organizacional. A explosão da intranet nas empresas ocorreu em função da queda do custo dos sistemas informatizados e facilidade no uso dos equipamentos e aplicativos ocorridas na década de 90. A partir de então, empresas de todo o mundo passaram a implantar gradativamente esse novo sistema de rede informatizada para a comunicação em suas rotinas de trabalho.

Posteriormente, em virtude de seu potencial uso como elemento dispersivo de trabalho, consumidor de recursos, facilitador de espionagem industrial e gerador de conflitos, muitas empresas estenderam a intranet para ser, também, um instrumento de exercício de C&V sobre si própria.

Conforme relata Sewell (1998), o uso da intranet para efeitos de C&V fez com que os empregados passassem a ser alvo de um monitoramento cuja intensidade jamais fora experimentada anteriormente. Tal monitoramento, de acordo com estudos realizados, tem gerado insatisfação e estresse entre os empregados. Whitty (2004) chega a afirmar que a satisfação dos empregados com o trabalho está intimamente relacionada com os tipos de monitoramento de uso da intranet e de e-mail implementados na empresa.

Esse incremento no exercício de C&V mostra que mesmo modelos de administração empresarial considerados mais 'avançados' – como o Toyotismo, cuja filosofia de trabalho inclui a valorização e autonomia dos funcionários, a formação de equipes e uma comunicação horizontal – são parcialmente sustentados por práticas de C&V via supervisão humana apoiada por sistemas tecnológicos. Tendo surgido praticamente junto com o Toyotismo e tendo como papel promover a harmonia de interesses entre a empresa e seus funcionários, a atividade de RP, cujos profissionais devem atuar como mediadores, políticos e estrategistas, é evidentemente tensionada frente à realidade da prática de C&V no interior das empresas.

Embora a atividade de RP não almeje, necessariamente, alcançar a compreensão mútua, ela deverá realizar um esforço para que isso aconteça na maior parte dos acordos estabelecidos entre a empresa e seus públicos. Isso requer dos profissionais um posicionamento ético nas atividades que desenvolvem na empresa. A atividade tem, desde suas origens, um comprometimento com as relações humanas e sociais que se desenvolvem no interior das empresas e, apesar de estar vinculada à alta cúpula administrativa das empresas, deve antever possíveis conflitos de interesses para promover o bem estar social nas instituições. Assim, além de fazer parte do Setor de Comunicação das organizações, juntamente com outros comunicadores, quer sejam jornalistas ou publicitários, os RPs têm por missão promover o diálogo entre a empresa e seus respectivos públicos, utilizando-se dos mais variados instrumentos de comunicação. Para isso, é fundamental o seu envolvimento com as políticas e estratégias da organização, compreendendo, acima de tudo, as


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particularidades culturais da mesma e de seus públicos, interno e externo.

A partir do cenário descrito anteriormente – um crescente aumento do exercício de C&V das empresas sobre os empregados – e do (suposto) papel do RP – um agente mediador de conflitos entre a empresa e seus funcionários – uma questão que surge é: qual tem sido o posicionamento dos profissionais de RP em relação às políticas e estratégias adotadas para o uso da intranet, principalmente no que se refere a aspectos relacionados a C&V? A partir dessa questão, o objetivo principal deste trabalho é descrever um estudo de caso realizado em uma empresa de grande porte visando, exatamente, verificar esse posicionamento. Nesse estudo de caso, investigamos as políticas de uso da intranet na empresa, as fontes de onde se originam tais políticas, as ferramentas utilizadas pela empresa para C&V das informações via intranet, as lógicas que norteiam a empresa em relação às práticas de C&V, e, ainda, como os funcionários utilizam e se apropriam da intranet. À luz de todas essas informações, discutimos o envolvimento e o posicionamento dos profissionais de RP em relação às políticas de C&V na intranet.

Este trabalho é assim organizado: a Seção 2 contém uma breve descrição de como funciona uma intranet visando mostrar como o C&V pode ser exercido através dela; a Seção 3 descreve a pesquisa realizada bem como a metodologia empregada; a Seção 4 contém uma análise dos resultados; a Seção 5, finalmente, apresenta algumas conclusões.

2 Arquitetura de uma Intranet

Scheepers e Damsgaard (1997) comparam a tecnologia de uma intranet com a tecnologia da web4. Para eles, ambas são análogas, porém com diferenças de escopo: enquanto o acesso às informações da web é global, em uma intranet o acesso à maior parte das informações é restrito aos membros da organização. Uma intranet é dividida em nós interconectados de alguma forma (por exemplo, por fibra ótica, cabos de par trançado, microondas, etc.). Um nó é um ponto de origem (em geral, um computador), intermediário ou destino de uma mensagem5 (também, em geral, um computador) enviada através da rede. Para uma mensagem ser enviada de um nó-fonte da rede (na intranet ou na Internet) para outro, é necessário fornecer o endereço desse nó-destino (endereço IP, de Internet Protocol), um valor composto de vários campos numéricos6 (por exemplo, 172.16.68.7). Antes de ser enviada, a informação é dividida em pequenas unidades chamadas pacotes. Além de um pedaço da mensagem, cada pacote carrega consigo o endereço do destino e um número de seqüência, para que a mensagem original possa ser reconstruída após todos os pacotes que a representam terem chegado no nó-destino.

Na intranet, há nós intermediários com uma função especial: armazenar os pacotes temporariamente até que eles possam ser enviados para o próximo nó. Tais nós (roteadores, hubs e switches) têm um propósito similar ao de agências postais: a partir do endereço do nó-destino da mensagem que está sendo transmitida, um nó intermediário envia os pacotes que

 

4A diferença entre Internet e web é que a primeira é uma rede de computadores dispersos no mundo inteiro e que oferece uma série de serviços (dentre os quais, transferência de arquivos, e-mail e acesso remoto a computadores). Já a web (na verdade, world wide web ou “grande teia mundial”) é um conjunto de milhões de arquivos contendo páginas gráficas multimídia (ou seja, que além de texto e figuras, podem conter áudio e vídeo) espalhados nos discos rígidos de máquinas ligadas à Internet. Assim, a web pode ser vista como uma rede dentro da Internet, ou seja, uma rede cujos pontos (chamados sites) são acessíveis através da Internet. O navegador (browser) é um software que funciona como ferramenta utilizada para fazer o acesso e visualização das páginas da web de um modo geral. Ele também pode ser usado como uma ferramenta universal para o uso de outros serviços da Internet, como correio eletrônico, transferência de arquivos e grupos de discussão.

5Utilizamos o termo mensagem para designar qualquer dado enviado de um nó para outro da intranet ou para a Internet. São exemplos de mensagens arquivos, páginas web, fluxos multimídia (áudio e vídeo, especialmente) e mensagens de e-mail.

6Na web, esses endereços costumam ser referenciados, também, por nomes simbólicos (por exemplo, www.intercom.org.br) , para tornar mais fácil a lembrança.


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representam essa mensagem para outro nó intermediário, até que eles cheguem ao destinatário, onde eles são montados para que a mensagem original seja recuperada. Um conjunto de nós-terminais associado a um nó intermediário forma uma rede local ou LAN (local área network). Uma intranet é formada por uma ou mais LANs. Cada setor de uma empresa pode ter sua própria LAN. O Setor de Marketing da empresa pode ter a sua LAN, o Setor de RH outra, e assim por diante, sendo todas interligadas.

Qualquer nó da rede pode conter programas (softwares) chamados firewalls. Um firewall em um nó-terminal (fonte ou destino) permite a filtragem das mensagens (pacotes), impedindo a entrada ou saída de determinadas informações desse nó; em um nó intermediário, os firewalls podem impedir que determinados pacotes sigam adiante. Os firewalls nos nós intermediários que interligam as LANs que compõem a intranet podem implementar restrições de acesso às redes locais entre os membros da empresa, funcionando como barreiras que impedem a entrada e saída não autorizada de dados. Os tipos de mensagens que serão filtradas pelos firewalls são definidos conforme as políticas da empresa. Uma empresa pode determinar, por exemplo, a proibição do acesso a salas de bate-papo (chat). No firewall do roteador de acesso à Internet (o nó que liga a intranet à Internet), essa política pode ser implementada através da filtragem dos pacotes, com um identificador que indique que esses pacotes vão/vêm de salas de bate-papo.

Dentro da intranet, alguns computadores atuam como servidores. Um servidor é um computador com um propósito específico. Por exemplo, o servidor web é um computador em cujo disco rígido (winchester) ficam armazenadas as páginas da empresa; o servidor de e-mail é um computador que processa as mensagens de e-mail e em cujo disco rígido ficam armazenados os e-mails que chegam e cópias dos e-mails enviados a partir dos diversos nós-terminais da intranet 7.

Como percebemos nessa breve descrição técnica de uma intranet, as informações veiculadas na rede ficam armazenadas, temporária ou permanentemente, nos computadores dos usuários e servidores (nós-terminais) e nos nós intermediários. Através de programas (softwares) específicos executados nesses pontos da rede essas informações podem ser facilmente controladas e monitoradas pelos profissionais de Tecnologia da Informação (TI). Bonsor (2003) identifica como sendo três os principais tipos de softwares para C&V utilizadas pelas empresas: sniffers de pacotes, monitoramento de desktops e geradores de arquivos de log.

Um sniffer de pacotes é um programa, executado nos roteadores ou nos servidores, que “vê” toda a informação que transita sobre uma rede de computadores. Ele pode identificar on-line quais sites um usuário está visitando, o que o usuário olha nesse site, para quem o usuário está enviando um e-mail, de quem ele está recebendo, de que sites o usuário está baixando (downloading) arquivos, o que contêm esses arquivos, o que o usuário está transmitindo via rede (áudio, vídeo, texto), etc.

Os programas de monitoração de desktops (computadores de trabalho) fornecem para a empresa um sumário detalhado das atividades dos computadores dos funcionários. Tais programas interceptam a entrada ao computador e replicam os sinais interceptados em uma tela separada (por exemplo, de um computador na sala de um técnico do Setor de TI) ou armazenam essa informação em um arquivo de texto, para posterior revisão. Os programas de monitoração de desktops permitem aos empregadores lerem e-mails dos funcionários e

 

7Uma intranet pode conter várias máquinas com a função de servidores web e servidores de e-mail.


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verificar que aplicativos eles costumam usar. Alguns programas vêm com um sistema que alerta o administrador quando algum usuário visita um site ou transmite um texto previamente determinado como de tipo inapropriado, para reduzir o trabalho de monitorar cada empregado individualmente.

Apesar de existirem softwares concebidos especificamente para C&V, como os descritos acima, a empresa pode exercer essas práticas mesmo sem dispor deles. Muitos aplicativos criam arquivos de log, ou seja, arquivos que guardam um histórico do uso do aplicativo. Os navegadores (browsers), por exemplo, criam um arquivo com os endereços dos sites visitados recentemente; o sistema operacional também gera, automaticamente, uma série de arquivos de log mostrando um histórico das páginas visitadas na web; as imagens que os sites visitados contêm também ficam guardadas em pastas específicas para tal no disco rígido do computador; o sistema operacional do computador também guarda os arquivos removidos (‘deletados’) em pastas, para que eles possam ser recuperados em caso de necessidade.

3 Objetivos e Metodologia

Ciente de que práticas de C&V são desenvolvidas pelas empresas com o apoio das intranets, realizamos um estudo de caso em uma empresa brasileira, visando identificar: 1) as suas políticas internas em relação à intranet; 2) a existência, ou não, do exercício das práticas de C&V na rede; e, principalmente, 3) o posicionamento do profissional de RP em relação a tais práticas.

Para a realização do estudo de caso aqui proposto definimos, primeiramente, uma empresa que apresentasse uma estrutura de rede interna de comunicação tecnológica – intranet – suficientemente implementada. Este fator foi um condicionante importante, pois um primeiro levantamento indicou que essa tecnologia ainda é muito incipiente nas empresas brasileiras. Estabelecemos, também, alguns critérios adicionais para a definição da empresa, tais como: ser uma empresa de grande porte, e permitir o acesso da pesquisadora às instalações da empresa (o que impõe limites tanto em relação à localização geográfica, como na liberação da empresa para a realização da pesquisa). Por atender a esses critérios, selecionamos para o estudo de caso um grupo empresarial do ramo metal-mecânico localizado na cidade de Caxias do Sul, com aproximadamente 5.000 funcionários distribuídos em distintas empresas do grupo, cada qual correspondendo a um segmento de produção. Devido à ampla estrutura que corresponde às empresas do grupo, selecionamos uma delas através do critério de facilidade de acesso da pesquisadora8, considerável número de funcionários (aproximadamente 1.800) e ampla estrutura de intranet em plena utilização.

O estudo de caso ocorreu em dois momentos: em um primeiro momento, realizamos uma pesquisa quantitativa, consistindo de um questionário aplicado a cerca de 20% dos funcionários de cada setor e visando identificar o uso que estaria sendo feito da intranet pelos mesmos; em um segundo momento, realizamos uma pesquisa qualitativa com alguns funcionários de setores específicos da empresa visando encontrar a resposta para algumas das questões formuladas no final da Seção 1.

4. Resultados

Um dos resultados significativos obtidos a partir da pesquisa quantitativa é que o e-mail é a ferramenta disponível na intranet mais utilizada, superando em muito as visitas ao

 

8 Devido a contatos profissionais anteriores à pesquisa, a autorização para a realização do estudo de caso foi facilitada.


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portal da empresa. Tal resultado é importante no contexto deste trabalho uma vez que os e-mails, conforme veremos adiante, são monitorados.

Outro resultado encontrado é que nos acessos ao portal, a predominância ocorre na página de Consulta de RH, demonstrando um interesse generalizado dos funcionários de todos os setores por suas questões individuais, já que tal página fornece informações referentes a banco de horas, folha de pagamento, bolsas de estudo, entre outras. Em contrapartida, as página de notícias institucionais possuem um baixo índice de visitação. Esses dados confirmam o importante papel da atividade seletiva no uso da rede. Os funcionários acessam aquilo mais interessante de seu ponto de vista pessoal, o que caracteriza vários usos e, conseqüentemente, várias intranets personalizadas na rede.

A pesquisa qualitativa – cujos resultados compõem o escopo principal deste trabalho - teve como objetivo principal aprofundar questões apontadas pela primeira entrada em campo à luz da bibliografia consultada. Ela foi realizada em três movimentos: entrevistas em maior profundidade com um funcionário responsável pelo controle e segurança da intranet no Setor de TI, um acompanhamento do cotidiano dos funcionários no Setor de Marketing e entrevistas com a RP responsável pela comunicação corporativa da empresa.

Na entrevista com o gerente do Setor de TI, ele deixou clara sua preocupação com o uso da intranet exclusivamente para fins de trabalho bem como com a sobrecarga da rede. Ele também demonstrou, de maneira inequívoca, que o objetivo da exigência de identificação a cada visita à web é inibir os “maus acessos” (não obstante a relatividade e subjetividade de tal expressão). É interessante notar que na entrevista, o gerente de TI exemplificou como sendo “maus acessos” visitas a alguns tipos de sites pornográficos “(...) como [sites de] homossexualismo e pedofilia”. Por essa opinião, podemos inferir que o controle (e com ele, talvez, uma eventual punição) será menos severo para os casos que estejam de acordo com seus (do gerente de TI) padrões morais: visitas a sites de sexo de natureza heterossexual, por exemplo, seriam menos problemáticas.

O gerente de TI relatou, também, que os e-mails que circulam na intranet são, eventualmente, rastreados e escrutinados, quando da suspeita de espionagem industrial ou no caso assédio sexual, boatos ou difamação. Os funcionários estão (em tese, como veremos adiante) cientes dessa possibilidade, já que as políticas de uso estão disponíveis no portal da empresas e o funcionário, quando de sua admissão, assina um termo de compromisso responsabilizando-se pelo uso que fará da rede. Nesse termo de compromisso, é explicitado que o uso da rede é restrito às atividades relacionadas ao trabalho, não sendo permitido seu uso para atividades de cunho pessoal. Por fim, o gerente de TI explicou que os funcionários, a cada tentativa de uso do correio eletrônico ou de acesso à web, devem fornecer um login e senha, solicitados através de uma janela popup9. O próprio entrevistado deixa claro que o principal objetivo disso é dissuadir ou desmotivar os usuários a utilizar o correio eletrônico ou a web para fins pessoais, a partir do fato dele não ter certeza de até que ponto está sendo monitorado. Mesmo que os responsáveis por tal estratégia sequer tenham ouvido falar de Michel Foucault, ela vai ao encontro de alguns aspectos de sua teoria sobre o Poder Disciplinar. Mais precisamente, à noção de Panóptico, compreendida como uma forma de exercer um poder para a manutenção da ordem não apenas através da força física ou moral sobre os indivíduos, mas também através do exercício da auto-disciplina em relação a uma determinada ordem, através da visibilidade10. O poder exercido pela empresa, através da

 

9Janela que “explode” na tela, sobrepondo-se às áreas de trabalho dos demais aplicativos em uso.

10Conforme Foucault (2002, pgs.165-169), o Panóptico, em sua formulação original proposta por Bentham, se constituía fisicamente da


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tecnologia da intranet, caracteriza-se como um poder disciplinar, onde os funcionários, na incerteza da intensidade do controle da rede, devem acabar por utilizá-la prioritariamente para fins profissionais. A empresa, dessa forma, não se indispõe diretamente com seus empregados para impor sua política de uso da rede, mas opta por técnicas de visibilidade tecnológica para manter a disciplina e manter (ou aumentar) sua produtividade. Observamos, em alguns comentários do profissional de TI, que a expectativa da auto-disciplina por parte dos funcionários decorre não só da perspectiva deles serem punidos (através de advertência ou demissão) por infringir as políticas da empresa, mas também pelo receio de serem identificados pelos colegas como praticantes de comportamentos “anormais” ou socialmente inaceitáveis. Trata-se, portanto, de um tipo de vigilância que apela fortemente para a auto-censura como melhor forma de controle, sempre com base na visibilidade permanente.

 

seguinte forma: “Na periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior, correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar.” Ainda conforme o autor, a lógica de Bentham sobre a estrutura arquitetônica do Panóptico consiste em manter as pessoas, “(...) cada um em seu lugar, bem trancado em sua cela de onde é visto de frente pelo vigia; mas os muros laterais impedem que entrem em contato com seus companheiros. É visto, mas não vê; objeto de sua informação, nunca sujeito numa comunicação. A disposição de seu quarto, em frente da torre central, lhe impõe uma visibilidade axial; mas as divisões do anel, essas celas bem separadas, implicam uma invisibilidade lateral”. Sendo assim, para Foucault (2002, p.166) o efeito mais importante do Panóptico é “(...) induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tende a tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o exerce; enfim que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores.” Para Bentham o Panóptico não implica necessariamente que o detento seja supervisionado constantemente pela torre central, mas é fundamental que ele saiba que pode estar sendo vigiado o tempo todo. Segundo Foucault (2002 p.167), “(...) por isso Bentham colocou o princípio de que o poder devia ser visível e inverificável. Visível: sem cessar o detento terá diante dos olhos a alta silhueta da torre central de onde é espionado. Inverificável: o detento nunca deve saber se está sendo observado; mas deve ter certeza de que sempre pode sê-lo.(...) O Panóptico é uma máquina de dissociar o par ver-ser visto: no anel periférico, se é totalmente visto, sem nunca ver; na torre central, vê-se tudo, sem nunca ser visto”.

No setor de Marketing, realizamos entrevistas com vários funcionários selecionados aleatoriamente com o intuito de verificar o pocionamento deles em relação às políticas de C&V sobre a intranet. Entretanto, devido à similaridade de respostas e opiniões, selecionamos as falas de apenas 3 funcionários (referenciados como A, B e C).

O funcionário A relatou que tem conhecimento de tais políticas mas ainda assim utiliza a rede para fins pessoais, principalmente por não ter certeza da intensidade do controle. Nesse caso, o Poder Disciplinar, realizado através do ‘panóptico eletrônico’ não foi suficiente para dissuadi-lo de utilizar a intranet para atividades extra-trabalho. Isso indica que os funcionários poderão ter reações diferentes em relação à possibilidade de serem controlados. Alguns podem se sentir intimidados, outros podem simplesmente ignorar e haverão aqueles que tentarão, inclusive, burlar o controle. Como a maioria das pessoas são leigas em relação ao uso da intranet, introduzida na rotina de trabalho recentemente, essa estratégia de estimular a auto-disciplina a partir da consciência de estar permanentemente ‘visível’ ainda está longe de alcançar uma eficiência próxima a 100%. Porém, é nossa crença que, ao adquirir uma maior intimidade com as tecnologias, as pessoas irão perceber as possibilidades reais de controle e passarão a ter mais cautela no uso da intranet das empresas em que trabalham.

A funcionária B disse conhecer as políticas de uso da intranet, posicionando-se totalmente favorável e até mesmo recriminando os colegas que, segundo ela, usam a intranet de forma abusiva11. Vale notar, também, o julgamento moral implícito no comentário do namoro ‘escuso’ que teria culminado em demissão: “uma colega casada com outro colega” (ênfase adicionada). E, também, em “a gurizada tentando acessar pornografias e baixar

 

11É curioso observar que, em alguns casos, os próprios funcionários praticam o C&V dos acessos dos colegas à rede.


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músicas...” Essa funcionária também não tem certeza da intensidade do controle e monitoramento por parte da empresa, sabe que ele existe e, portanto, procura utilizar a rede de maneira que não a comprometa. O efeito panóptico eletrônico da intranet, nesse caso, se caracteriza, apesar da funcionária fazer referência, também, ao C&V exercidos diretamente pelos gerentes e líderes de setor. A fala da entrevistada indica que o ‘panóptico eletrônico’ atua como agente dissuasivo do uso da intranet para fins não relacionados à produtividade apoiado pelo olho humano, forma milenar de C&V, que age como agente indutivo do uso da intranet para aumentar a produtividade. Afinal, a tecnologia pode identificar o tempo gasto em atividades improdutivas, mas apenas um supervisor humano pode identificar se as horas despendidas pelo empregado foram realmente produtivas: se um funcionário apenas mantiver a página do portal da empresa aberta durante todo o horário do expediente, os sistemas eletrônicos de vigilância não terão como determinar se ele está trabalhando ao telefone ou em papel ou se está lendo um livro de ficção.

O funcionário C, finalmente, demonstrou que nem todos os usuários procuram se informar sobre as políticas de uso da intranet. Porém, apesar de não ter certeza da intensidade do controle da rede, esse funcionário relatou que sempre lê e, após, ‘deleta’ todos os assuntos que forem de ordem pessoal. Ou seja, continua utilizando a rede para fins pessoais, mas tenta burlar o controle removendo tudo aquilo que recebe, demonstrando desconhecimento de que os e-mails removidos de sua máquina continuam arquivados no servidor de e-mails da empresa por, no mínimo, seis meses.

O último contato desta segunda etapa da pesquisa foi com o profissional do Setor de Comunicação, o RP corporativo da empresa. Partindo de uma entrevista em profundidade, procuramos identificar quais as atividades que esse profissional desenvolve, o seu grau de envolvimento na formulação das políticas internas da empresa e, por fim, o seu posicionamento em relação às políticas de C&V em geral e pela intranet em particular. Através do relato obtido, ficou-nos claro que esse RP envolve-se apenas com as atividades voltadas para a comunicação empresarial, principalmente no que diz respeito à imagem institucional. Ele coordena uma equipe multidiscipinar de comunicação organizacional e supervisiona tudo o que é divulgado para conferir se está condizente com a cultura e filosofia da empresa. As suas atividades têm uma grande abrangência, porém somente no que diz respeito ao Departamento de Comunicação. Sobre o seu envolvimento com o planejamento estratégico e com as políticas internas da empresa, o profissional esclareceu que a área da comunicação, principalmente no que concerne ao papel do RP, não é convocado para participar do planejamento estratégico e muito menos na definição das políticas internas da empresa. Para ele, isso é fruto da cultura das empresas brasileiras em oposição à “cultura americana”, onde supostamente “o RP é o braço direito da presidência”. Por conseguinte, a participação estratégica do profissional de RP nas decisões da empresa está longe de ser a ideal. É interessante esse posicionamento da empresa, uma vez que esse profissional é responsável pela preservação e divulgação da imagem institucional e, em princípio, se participasse do planejamento estratégico, poderia antever possíveis conflitos, potencialmente capazes de comprometer a referida imagem perante seus públicos.

Em relação às políticas da intranet definidas pelo Setor de TI juntamente com a diretoria da empresa, o RP admitiu que não as acompanha de perto e que não tem certeza do que é ou não monitorado pela intranet. Ainda conforme seu relato, a empresa em questão não apresenta uma cultura de C&V dos seus funcionários por questões; muito pelo contrário, já que seu presidente procura cultivar uma imagem paternal junto ao corpo de funcionários.


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Tendo em vista as questões éticas que envolvem C&V via intranet, indagamos sobre o grau de conhecimento ou esclarecimento dos funcionários em relação a essas políticas e procedimentos e qual o seu posicionamento sobre o assunto. O RP respondeu que os funcionários são devidamente esclarecidos sobre os limites de uso da intranet, através das informações disponíveis no portal, da divulgação mensal das políticas e pelo próprio termo de compromisso – no qual consta a política de uso da rede - assinado por eles quando admissão. Uma questão levantada pelo RP e interessante, pois já transparecia nas falas do entrevistado do Setor de TI e de alguns funcionários do Setor de Marketing, é que aquilo que cada sujeito diz fazer na rede é o que ele mesmo considera aceitável – por exclusão, usos diferentes que outros fazem passam a ser abusivos. De forma similar, os padrões morais ou éticos individuais parecem funcionar como a principal baliza dos limites do uso da intranet da empresa para fins pessoais.

Ainda no decorrer da entrevista, questionamos se ele acreditava na socialização da informação através da intranet. O RP respondeu rapidamente que “Existe a socialização da informação, mas a socialização da informação útil”. A definição da ‘informação útil’ em vigor nesta colocação parece ser, mais uma vez, e antes de mais nada, formulada em nível individual.

Em relação aos conflitos que poderiam existir entre os funcionários e a direção, em decorrência das políticas de C&V da rede, ele mostrou-se descrente pelo fato dos funcionários serem totalmente informados a respeito das políticas de uso da intranet.

4.1 Análise dos Resultados

Na pesquisa em campo, pudemos identificar que a empresa, através da intranet, tem o poder de controlar e monitorar todas as informações profissionais e também de ordem pessoal de seus funcionários, o que é, no mínimo, preocupante apesar dos responsáveis pela rede justificarem que suas políticas de controle estão voltadas para a segurança e não vigilância pessoal através da rede. Tanto o funcionário do Setor de TI como o RP, que falam em nome da empresa, afirmam que a mesma não tem a cultura de controle para vigiar seus funcionários, só a fazem por questões de segurança relacionadas ao sigilo industrial e para identificar as causas de eventual baixa produtividade entre seus funcionários.

Partindo-se da premissa de que a rede é propriedade da empresa, as práticas de controle sobre as informações de sigilo industrial e até mesmo a identificação de produtividade de seus funcionários, podem ser consideradas razoáveis dentro de seu direito legal e talvez até mesmo moral. Porém, é essencial que pelo menos seus funcionários estejam cientes de tais práticas, as quais devem ser definidas nas políticas internas da empresa e divulgadas aos usuários. É perturbador verificar, nas falas dos entrevistados e dos funcionários do Setor de Marketing, que embora as políticas e recomendações de uso da intranet sejam divulgadas pela empresa, os funcionários parecem conhecê-las apenas de forma vaga e imprecisa. Contudo, não se pode negar que a empresa em questão esforça-se em divulgar suas políticas de uso da intranet. Uma não divulgação das políticas poderia caracterizar, além de má fé e comportamento eticamente condenável, a intenção da empresa de identificar os hábitos não somente profissionais, mas também de ordem pessoal de seus funcionários, podendo utilizar tais informações para perseguições.

Por outro lado, o que percebemos é que, apesar da empresa divulgar as suas políticas, a postura dos funcionários, em relação ao uso que fazem da rede, é distinta. Dentre nossos entrevistados, o funcionário A tem conhecimento das políticas mas continua usando a rede


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para fins pessoais; o funcionário B já naturalizou e reproduz as práticas de C&V exercidas pela rede e o funcionário C, além de não ser muito interessado na questão das políticas, tenta intuitivamente burlar o controle. Todos têm ciência das políticas, apresentando, porém, perfis diferenciados e não tendo certeza absoluta da intensidade do controle da rede. Em suma, a despeito da divulgação das políticas, não há uma totalidade e nem uniformidade no grau de esclarecimento dentre os funcionários. Aqui identificamos uma lacuna na comunicação interna: as campanhas institucionais elaboradas pelo Setor de Comunicação deveriam estar sob a responsabilidade do RP, que conhece (ou deveria conhecer) a linguagem e jargão dos funcionários usuários da rede, visando esclarecer o porquê das políticas de uso da rede e do C&V exercidos pelo Setor de TI.

Também identificamos que a postura e o papel exercido pelo RP, ao menos em relação à função estratégica e política do profissional nas relações estabelecidas entre a empresa e seus públicos (público interno, no caso) está distante da visão idílica encontrada em muitos livros. O RP não se envolve em tais questões - segundo ele, por imposições de natureza cultural típicas das empresas brasileiras, que não consultam os RPs na elaboração das políticas e decisões estratégicas.

Analisando-se os resultados sobre um prisma social, identificamos que as práticas de C&V via intranet na empresa em questão incorporam alguns elementos da Teoria do Poder Disciplinar de Foucault. Mais precisamente, a indução da auto-disciplina através da possibilidade (mas não certeza) do monitoramento dos acessos à web e violação de e-mails através de um efeito que chamamos de ‘panóptico eletrônico’.

5 Conclusões

Nos modelos administrativos desenvolvidos a partir da Revolução Industrial até os dias atuais, têm predominado, no contexto empresarial, estratégias cujo principal objetivo é a maximização do lucro, geralmente através do aumento na produtividade dos funcionários. Dentre as ações usadas para implementar tais estratégias, destacam-se as práticas de C&V, inicialmente desenvolvidas através de supervisores e arquiteturas que proporcionavam maior visibilidade dos empregados em relação a suas chefias e, nas décadas mais recentes, também através de aparatos eletrônicos. A evolução da eletrônica modificou essas práticas ao proporcionar, através de um ‘panóptico eletrônico’, uma visibilidade constante, impessoal e atemporal das chefias sobre os seus subordinados. Constante por funcionar 24 horas por dia, impessoal por dispensar (ou ocultar) a figura de supervisores humanos e atemporal por permitir, através de arquivos de log (arquivos contendo um histórico de atividades12), o monitoramento do que está sendo feito e do que foi feito.

Dentre tais aparatos, um que vem recebendo destaque nos anos recentes - e que, em essência, tinha como objetivo principal a agilização e compartilhamento de recursos e informações para facilitar os processos produtivos e não o C&V – é a intranet, introduzida nas empresas brasileiras a partir de meados da década de 1990. Através de softwares executados nos nós da intranet (computadores e roteadores), a empresa pode, por exemplo, colher dados que permitem medir a produtividade dos funcionários usuários da rede, verificar o que eles estão fazendo, que páginas da web eles estão visitando e o que eles enviam ou recebem via e-mail (e de quem e para quem enviam).

Essas práticas, cujo escopo e abrangência vêm aumentando ano após ano, entram em

 

12Um log de telefonemas, por exemplo, registra todos os números chamados, com hora e duração da chamada em um determinado intervalo de tempo.


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choque com a retórica das modernas práticas administrativas que apregoam a valorização e autonomia dos funcionários e a formação de equipes e redes horizontais. Além disso, esse C&V via intranet traz consigo, por sua novidade, uma série de questões, dentre as quais: qual o grau de informação dos funcionários em relação a essas práticas? Que tipo de lógicas movem as empresas para exercer tais práticas? Como fica o propósito da atividade de RP nesse contexto, tendo em vista os potenciais conflitos empresa-funcionários decorrentes da intensificação das práticas de C&V ?

Para uma primeira aproximação com vistas ao esclarecimento dessas questões, propusemos a realização de uma pesquisa qualitativa, em uma empresa brasileira, através da qual pudemos visualizar um exemplo concreto de políticas de uso da rede, das lógicas que movem tais políticas, do entendimento e esclarecimento dos funcionários sobre elas, principalmente sobre as práticas de C&V, e o posicionamento do Relações Públicas da empresa sobre tais políticas.

A empresa em questão admite que tem o controle total da rede. Através de seus programas (softwares) sabe tudo que ‘rola’ na intranet, mas alega que além de o controle ser praticado por motivos de segurança (pelo sigilo empresarial), não há intenção de vigilância pessoal dos funcionários. Também justifica que os seus funcionários estão cientes de suas políticas de C&V, e que são informados para utilizar o recurso da intranet somente para fins profissionais. Sendo assim, a empresa passa a ter o respaldo legal do controle que exerce, cabendo ao funcionário o prejuízo de, por ventura, usar indevidamente os recursos tecnológicos.

Constatamos que as políticas da empresa, que culminam em controlar e monitorar todas as informações que circulam na intranet, pouco se distanciam das práticas de C&V ainda desenvolvidas no início do século passado, no modelo de empresa caracterizado como burocrático. A única diferença são as novas tecnologias, que proporcionam além de um controle humano, um monitoramento automatizado e constante das ações e informações de seus funcionários. Mesmo sendo suas justificativas plausíveis no que diz respeito ao sigilo industrial, e mesmo o recurso tecnológico sendo parte integrante do patrimônio da empresa, as práticas de C&V contradizem o discurso toyotista que prega a estruturação das empresas em redes horizontais, valorização e participação dos funcionários, eliminação de hierarquias entre setores e cargos. Dentro dos limites estritos de uma generalização que é realizada a partir de um estudo de caso, parece-nos que as empresas permanecem atuando movidas por suas lógicas de maximização da produção (mesmo através do que se chama atualmente de ‘flexibilidade no trabalho’), e, principalmente, movidas por uma desconfiança (talvez excessiva) em relação aos seus funcionários.

A empresa do estudo de caso informa os seus funcionários sobre suas políticas de C&V tecnológico, mas as formas de divulgação das políticas de uso da intranet não estão alcançando integralmente os funcionários, principalmente no que diz respeito ao C&V. Essa incerteza e desinformação em relação ao C&V funciona como combustível da máquina de Poder Disciplinar, conforme descrito por Foucault, uma vez que os empregados da empresa estudada, na incerteza de estarem sendo controlados, monitorados, ou vigiados, procuram auto-disciplinar as suas ações e atitudes. Uma analogia com o edifício panóptico descrito por Bentham também é pertinente: a torre central que permite a vigilância dos presidiários naquela formulação é a tecnologia da intranet, o ‘ponto de vista mecânico’. Essa analogia revela a entrada em vigor da visibilidade constante onde se vê, mas não se é necessariamente


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visto. No caso da intranet, a prática verificada aponta para um efeito de poder coercitivo e não para uma ênfase na conscientização dos funcionários.

Muitas podem ser as razões e estratégias da empresa em não divulgar mais clara e insistentemente as suas políticas de C&V. É difícil não identificarmos as vantagens, para o empregador, da possibilidade de flagrar os funcionários em uso considerado inapropriado pela empresa, ou de poder ter acesso e conhecimento não só de suas ações profissionais, mas também pessoais. Duas questões merecem destaque nesse caso: 1ª) tal procedimento caracterizaria uma postura eticamente condenável e 2ª) o próprio funcionário do Setor de TI referiu que a rede não tem estrutura para suportar a circulação de muitas informações que não sejam de ordem profissional e que os acessos abusivos dos funcionários acabam por comprometer o fluxo de informações (‘cai a rede’).

Quanto à determinação da empresa sobre o que é apropriado ou não, parece-nos claro na pesquisa empírica que, além das lógicas empresariais, as crenças, motivações e preconceitos dos profissionais que monitoram a intranet são colocadas em jogo durante o exercício de suas funções. A questão que fica é: até que ponto é certo um funcionário do Setor de TI, na mesma hierarquia que os demais, ter acesso aos dados e poder censurar as informações profissionais e pessoais de seus colegas, sem que os mesmos saibam da intensidade do monitoramento?

É de ordem ética o mais importante imperativo para que os funcionários sejam devidamente informados sobre as políticas de C&V dos usos da intranet, por exemplo através de campanhas institucionais com o propósito de conscientizá-los e não de coagi-los. Entendemos que à frente dessas campanhas devem estar os profissionais de Relações Públicas, os quais, além do conhecimento técnico de comunicação institucional, também têm como função promover o diálogo e a harmonia de interesses entre a empresa e seus funcionários. Para isso é importante que esses profissionais se envolvam não apenas com as atividades do Setor de Comunicação, mas que participem das definições de políticas e estratégias da empresa e que possam, de alguma maneira, afetar os interesses de ambas as partes em benefício da melhor interação entre elas.

A entrevista com o RP da empresa pesquisada nos revelou que as atividades e funções por ele exercidas não condizem integralmente com o que é costumeiramente referido na literatura da área. Na entrevista, o RP afirma que as suas atividades se limitam basicamente às questões referentes ao departamento de comunicação – não que ele considere esta situação ideal, mas segundo ele “é o que a empresa permite”. Quanto à elaboração das políticas e estratégias da empresa, de um modo em geral e, particularmente, no que tange à intranet, o RP relata que não participa. Recuperando sua fala:

De fato, nós não somos consultados, não temos toda essa influência. Se der algum problema com essas políticas, no que diz respeito à opinião dos funcionários, o RP nunca se posicionaria a favor do funcionário, ele é um mediador entre a empresa e seus públicos, mas no que diz respeito à comunicação, não nas negociações entre eles. Existem na empresa outros profissionais para isso, como por exemplo, dos Setores Jurídico e da Assistência Social.

Por fim, quanto ao seu posicionamento sobre as políticas da intranet, principalmente sobre as práticas de C&V, o RP se posiciona totalmente a favor do controle exercido pela empresa e em nenhum momento demonstra preocupação com a opinião dos funcionários


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sobre tais políticas, além de não se envolver com a divulgação das mesmas.

Neste estudo, pudemos constatar que o RP desta empresa específica envolve-se apenas com as atividades do Setor de Comunicação. As funções políticas, estratégicas, mediadoras e administrativas, tão debatidas na literatura de Relações Públicas, definitivamente não são exercidas por esse profissional. O RP alega que isso se dá por determinação da empresa, pela cultura empresarial. De fato, não é novidade que muitos profissionais por vezes não podem exercer todo o seu potencial em seus ambientes de trabalho, principalmente se considerarmos as lógicas das empresas. Mas o profissional de RP não deveria ser limitado a atividades puramente técnicas de comunicação, o que representa um desperdício de seu potencial e conhecimento para diagnosticar como se dão as relações entre a empresa e seus funcionários e atuar como mediador de interesses, podendo inclusive antever – e ajudar a evitar – possíveis conflitos. Trata-se, claramente, de um espaço profissional que precisa ser conquistado pelos próprios Relações Públicas, não pela imposição de suas ‘verdades’ para os dirigentes das empresas, mas pelo convencimento dos benefícios potenciais de sua atuação na definição das políticas e estratégias empresariais que venham a afetar, de alguma forma, os funcionários.

No caso específico da intranet, dado que se trata de um novo formato de comunicação/informação no contexto interno das empresas, cabe aos Relações Públicas estarem atentos às políticas e estratégias, primando sempre pela promoção do melhor entendimento entre a empresa e os funcionários. Quanto às políticas de C&V na intranet, parece adequado um trabalho mais efetivo de divulgação para antever possíveis conflitos como, por exemplo, no caso de algum funcionário, na dúvida, se sentir ameaçado ou indevidamente vigiado pela empresa através da rede.

A imagem institucional perante o funcionário, que é o público interno da empresa e merece respeito como os demais públicos, pode ficar comprometida se não forem devidamente esclarecidas as políticas de C&V via intranet. Sabe-se, mas é preciso salientar, que a preservação da imagem institucional perante os públicos de uma empresa é responsabilidade primeira dos profissionais de RP.

***

Para finalizar, é pertinente expressar ainda algumas considerações sobre a experiência que vivenciamos através deste estudo e que culminou com a elaboração da dissertação.

Para nós, ficou evidente, no momento da revisão teórica e bibliográfica, que existe uma lacuna na literatura nacional no que diz respeito ao tema de C&V na intranet. Alguns artigos recentemente publicados demonstram que a situação tende a mudar, porém está longe de se estabelecer uma discussão ampliada e crítica a respeito do tema como a que se pode encontrar na literatura estrangeira. O tema C&V, e em especial o C&V na intranet, é ainda pouco explorado pelos estudiosos da área de Relações Públicas.

A experiência vivenciada na pesquisa empírica enriqueceu sobremaneira o presente trabalho. Através de técnicas de observação, realizadas na abordagem qualitativa, pudemos identificar pessoalmente algumas características próprias do ambiente empresarial antes conhecidas de modo superficial ou apenas através da literatura como, por exemplo, a burocracia e as relações de poder manifestadas através de uma rígida hierarquia de cargos e funções. Essas constatações nos ajudaram a entender um pouco mais o ambiente em estudo e, principalmente, a compreender a origem e as motivações das lógicas de C&V desenvolvidas


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tradicionalmente e pela intranet.

Em um esforço contínuo de articulação teórica com a realidade empírica, muitas de nossas crenças e ideais foram abalados em relação ao ambiente empresarial e, principalmente, em relação à atuação do profissional de Relações Públicas. Esse abalo, porém, contribuiu para a formação de uma posição mais crítica em relação às contradições observadas entre a teoria e a prática e, conseqüentemente, para o amadurecimento do trabalho. Em síntese, o tema C&V na intranet nos proporcionou um conhecimento mais aprofundado do ambiente empresarial e das reais funções desenvolvidas pelos profissionais de RP nesse contexto. Desse modo, é possível concluir afirmando que o conhecimento adquirido no percurso do mestrado, tanto na parte teórica como no estudo empírico, resultou na formação de uma profissional mais madura e crítica, porém ainda movida por questões de cunho ético e social.

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