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Responsabilidade da
empresa pelo uso de e-mail corporativo
Carlos Alberto Etcheverry *
Noticiou-se na imprensa que um funcionário da Gessy Lever teria enviado
um e-mail com conteúdo supostamente racista para outra pessoa, fora da empresa,
a qual, por sua vez, teria redirecionado a mensagem para um terceiro
destinatário. Este último, sentindo-se ofendido com o conteúdo da mesma,
ajuizou ação de perdas e danos morais contra a Gessy Lever, já que o autor da
mensagem teria usado o endereço eletrônico fornecido pela empresa.
Profissional do direito ouvida sobre o assunto entendeu que a empresa
respondia pelos atos do empregado: "Quando um funcionário usa o e-mail
corporativo, mesmo que para fins estranhos ao trabalho, ele fala em nome da
companhia." Isto porque "a legislação em vigor determina que as
empresas podem responder pelos atos de seus empregados." (jornal
"Sul", ed. 11/07/2002, p. 24) Faz-se referência, aqui, à regra
estabelecida no art. 1.521 do Código Civil, que considera responsáveis pela
reparação "o patrão, amo ou comitente, por seus empregados, serviçais e
prepostos". Em que circunstâncias? Apenas quando o dano tiver sido
praticado "no exercício do trabalho que lhes competir, ou por ocasião
dele." A conduta de que se está a tratar não se enquadra em qualquer das
duas hipóteses: não é exercício do trabalho, nem o fato de expedir mensagem sem
relação com o trabalho durante o horário de expediente pode ser considerado
como ato praticado no desempenho de atividade laboral. Como não o seria, da
mesma forma, a escrita de uma carta injuriosa, em idênticas circunstâncias,
para cuja expedição fosse utilizado envelope com timbre da empregadora. A não
ser assim, por que boa razão não responsabilizar civilmente os provedores
comerciais de serviços de Internet pelos prejuízos causados pelos consumidores
que utilizam o seu serviço de e-mail? Bem diferente seria a situação, por
exemplo, se o empregado, ao receber pedido de informações sobre uma determinada
mercadoria, formulado por uma ONG voltada à luta contra o racismo, respondesse
que a empresa não fazia negócios com pessoas da raça negra.
Por outro lado, falar em nome de uma empresa e fazer uso do serviço de
e-mail por ela mantido não são a mesma coisa, em absoluto. Aparenta representar
- ou representa - quem pratica atos compatíveis com as atividades da empresa.
Ninguém pode razoavelmente imaginar que um funcionário irresponsável esteja, ao
veicular pontos de vista racistas através de piadas veiculadas por correio
eletrônico, expressando o ponto de vista de quem possibilitou-lhe o uso desse
meio de comunicação. Ninguém de boa-fé, pelo menos.
Mesmo que a lei pudesse ser interpretada de forma tão ampla quanto a que
motivou o ajuizamento da ação referida acima, seria o caso de fazer uma
consideração suplementar: faltar-lhe-ia razoabilidade, se considerada a
situação sob o aspecto das medidas destinadas a prevenir comportamentos
inconvenientes ou criminosos por parte dos empregados ou prepostos. Afinal, não
sendo mais possível abandonar o uso do correio eletrônico, para fins
corporativos ou pessoais, restaria às empresas, como único recurso, verificar o
teor de cada e-mail, antes que fosse remetido ao seu destinatário. Mas isto, se
não fosse praticamente impossível - imagine-se a quantidade de pessoas
necessárias para tanto -, configuraria violação de correspondência, prática
vedada expressamente no art. 5°, XII, da Constituição Federal.
E não seria este um preço alto demais a pagar apenas porque uma pessoa
deu início à moda de pedir ressarcimento de dano não por quem o praticou, mas,
digamos assim, por quem forneceu o envelope e o selo, pelo simples fato de ter
dinheiro para mais do que isso?
* Juiz de
Direito em Porto Alegre (RS).
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3277>. Acesso em: 01 jun. 2006.