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Dialética Processual e a
Informática
Láurence Ferro Gomes Raulino*
No prefácio que escreveu para a obra A fenomenologia do
espírito(1), George F. Hegel, ao fazer as suas especiais considerações de autor
em torno de alguns universais, particularmente sobre os opostos verdadeiro e
falso, observou que ambos (segundo tradução de Henrique Cláudio de Lima Vaz e
Antonio Pinto de Carvalho), conforme o ali expresso, ".. . pertencem
aos pensamentos determinados que, privados de movimento, valem como
essências próprias que permanecem cada uma no seu lugar, isoladas e fixas, sem
se comunicar uma com a outra"- grifou-se. A seguir, em relação
ao primeiro, acrescenta(ainda segundo a mesma tradução) que ".. . a
verdade não é uma moeda cunhada, que está pronta para ser guardada e usada.
"
Aquilo que encontra-se subjacente na observação hegeliana
com relação à verdade – que o filósofo estaria concebendo como algo a ser
permanente e incondicionalmente buscado –, aplica-se também ao direito,
especificamente à sua realização, daí a existência do processo, que seria o
meio adequado ao alcance desta, ou seja, a via própria e através da qual o
direito tem o seu movimento, com vista aos seus fins. Assim, sem o processo o
direito ficaria como o universal "verdadeiro", por exemplo, quando
imóvel (ou melhor, destituído/privado de movimento): isolado e fixo, sem
comunicar-se com o seu oposto, condição para a sua realização.
Não foi gratuita a transcrição, acima, de diminutos
fragmentos relacionados àqueles dois universais(especialmente no que concerniu
ao primeiro, o "verdadeiro"), oportunamente extraídos da vastíssima e
complexa obra de Hegel. Este foi colocado aqui, preambulando um texto em que
pretendemos abordar assunto pertinente ao mundo do direito, visando ao
exclusivo propósito de se ter, desde o início, alguns parâmetros para se
conduzir a presente discussão, concernente àquilo que poderíamos chamar de "o
movimento do direito", expressão certamente não de todo precisa, mas que
faz referência ao processo.
No plano do universo jurídico, o "diálogo
processual" é similar àquele concebido por Hegel, genericamente, para a
sua filosofia. Ada Pellegrini Grinover, na obra Novas tendências do direito
processual(2), por exemplo, observou que a tese e a antítese, no diálogo
processual, são representadas, exata e precisamente, pela ação e pela defesa,
relação esta correlata àquela, ou melhor ainda, oposta, vez que ambas são
colocadas ali como forças contraditórias. Lecionando, diz a douta jurista que
as partes, na referida relação, haverão de gozar de igual idoneidade técnica e
dispor de situações subjetivas análogas, de modo que a função que cada uma
exerce tenha a mesma eficácia dinâmica no plano dialético. Finalizando suas
colocações sobre aqueles aspectos do diálogo processual, a professora paulista
observa que, no âmbito do direito, o processo jurisdicional moderno não pode
abrir mão daquele tipo particular de colaboração que se realiza por intermédio
do contraditório, entendido como um peculiar método de busca da verdade, o
qual, em outras palavras, baseia-se no complexo dialético posição/
contraposição.
Relativamente ao desenvolvimento do diálogo estabelecido
no âmbito da referida relação processual(que tem natureza bilateral
pressuposta, obviamente), por outro lado, observa-se, quanto ao mesmo
desenvolvimento, que desde o momento em que aquela relação foi historicamente
fixada no mundo do direito, vem ela sempre perfazendo-se por via de articulação
promovida pela interposta figura, singular ou colegiada, de um determinado e
inescapável julgador – seja ele estatal(judicial ou administrativo), arbitral
ou ainda privado –, o qual coloca-se(ou é colocado) entre as partes. O
julgador, então, dizendo o direito, faz a síntese dialética, através de sua
decisão – a sentença ou o acórdão, no caso do modelo estatal definido para o
judiciário brasileiro, por exemplo.
(Eugênio Ehrlich, em seus Fundamentos da sociologia do
direito (3), considera que este sempre apresenta-se como resultado de
associações, as quais seriam configuradas e vislumbradas através dos mais
diferentes meios e processos, como o estado, o trabalho, o contrato, etc, e
assim, oportunamente, nos passa, ali, uma visão histórica e panorâmica sobre
alguns dos principais aspectos relacionados com o tema que o parágrafo anterior
procurou apenas pontualizar).
Voltando, então, à figura do julgador, tem-se que hoje,
com o fantástico e extraordinário avanço obtido em várias áreas da ciência e da
tecnologia – nesta, especialmente em tudo aquilo que se concebe na atualidade
como o conjunto de meios, de conhecimento e respectivos aplicativos que é
denominado de informática –, já pode ser visualizada a futura definição de um
novo quadro processual(nas suas mais diferentes modalidades), no qual a relação
tese/antítese, lá estabelecida, certamente irá dispensar a figura convencional
de um julgador, ante a perspectiva de a conseqüente síntese dialética, e mais
ainda, a busca da verdade que esta supostamente finaliza, poder vir a ser
realizada por via da informática.
Se confirmadas no futuro aquilo que hoje apresenta-se como
algo tecnicamente já plausível e factível, a mencionada busca da verdade e a
síntese dialética que a segue, então, caminharão para um previsível modelo
cartesiano, inexorável e inequívoco, que as sustentará de um modo tal que a
intervenção humana que as media, articula e conduz(com todas as suas
debilidades e vulnerabilidades, e tudo o mais de prejudicial que nela há
manifestando-se em desfavor do direito) para um destino sempre imprevisto e
indeterminado, poderá ser dispensada, provavelmente, alterando-se, assim, todo
o desenvolvimento e até a respectiva conclusão do processo dialético no âmbito
do direito – em qualquer uma de suas diferentes modalidades.
As políticas de modernização e aperfeiçoamento do conjunto
de ações, meios, instrumentos e processos abrangidos nas diversas esferas da
máquina estatal, por outro lado, no âmbito da união e respectivos poderes,
estados e municípios, em curso ou já implantadas – atendendo a um sem número de
demandas e exigências históricas e operacionais que, ontem e hoje,
apresentam-se como grandes e evidentes desafios à sociedade e ao estado
brasileiro –, estima-se que deverão contar, cada vez mais, com toda a sorte de
recursos e suportes que irão, provavelmente, ser disponibilizados nas áreas da
informática e dos novos domínios tecnológicos, isso sempre que os mesmos
puderem ser adequados às necessidades de otimização de meios e de fins de
quaisquer atividades.
Hoje, considerando as novas tecnologias que já estão
disponíveis em benefício do processo(seja o judicial ou o administrativo),
salta aos olhos o evidente e inequívoco descompasso existente entre o
acompanhamento dos feitos no âmbito do aparelho judiciário, por exemplo(que em
nossos dias se faz, opcionalmente, por via da última, ou seja, da informática),
e a forma do secular(ou seria milenar?, dada a condição do Brasil de estado
derivado) desenvolvimento do processo naquela área – do respectivo poder.
Referido processo continua guiado por atos que seguem, unicamente, as
exclusivas e arcaicas estruturas dos códigos. Estes, assim, permanecem
manuseados, injustificadamente, como há cem, duzentos, trezentos anos.. . , do
mesmo modo que antes – como se não existissem novas tecnologias – pelos
operadores do direito, os quais, paradoxalmente, persistem neste século
operando-o sem os softwares jurídicos, que certamente poderiam ser
criados e ofertados no mercado para favorece-los, especialmente naquilo que
concerne à observância dos princípios de celeridade e economia processuais, que
não são apenas do interesse daqueles e das partes, mas de toda a sociedade.
A idéia que se faz de um processo informatizado/virtualizado,
no momento ainda inacabada e muito grosseira, consistiria de um modelo a ser
concebido em um projeto que torne possível reunir, no sistema eletrônico já
disponível ao usuário, o texto legal e os autos processuais – estes com todos
os dados e informações habitualmente encerrados no conjunto de papéis assim
denominado –, os quais seriam "transferidos" juntamente para o
computador, de modo a se permitir que ambos, então, passem a ser operados de
forma unívoca, simultânea e instantaneamente, com todos os recursos e meios
próprios de que são dotados os acervos documentais e de dados envolvidos pelos
elementos binários. Talvez uma pequena ilustração com alguns exemplos que
poderiam se aproximar da idéia permita que esta seja mais inteligível, acaso ainda
não o tenha sido. Aí vão dois, os de maior envergadura e mais impactantes:
Exemplo 1: o processo eleitoral brasileiro atual, que
permite a votação do eleitor e a posterior apuração do voto, ações distintas –
uma do cidadão no uso de seu respectivo direito, óbvio, e outra do estado,
representado pela Justiça Eleitoral –, mas devidamente integradas no objetivo
comum de eleger a representação política, ou seja, o poder legitimamente
constituído. Ambas são desenvolvidas sem o uso de papel e sem a aplicação de
métodos que demandam mais tempo e dinheiro, como no antigo sistema manual, que
exigia muito mais recursos humanos, mais horas de trabalho e que resultava em
menos transparência, por mais ética e observância à lei que houvesse da parte
dos que então operavam o sistema – não se pode esquecer das já quase extintas
"Juntas Apuradoras", das infindáveis contagens de votos e de recursos
processuais eleitorais, das impugnações de votos, mapas eleitorais manuais,
etc, que compunham um conjunto estrutural que já faz parte do passado,
praticamente. O estado brasileiro criou um novo processo nessa área que hoje
serve de exemplo para o mundo, e assim o Brasil é vanguarda com a sua
experiência. Bom para o eleitor, em todos os sentidos possíveis e imagináveis;
bom para a Justiça Eleitoral, pelas mesmas razões, e bom para a sociedade como
um todo, que conhece mais rápido e seguramente os eleitos.
Exemplo 2: o método de declaração do imposto de renda pela
internet, opção para os velhos e complicados formulários de papel, os quais
ainda subsistem, pois continuam a ser usados por uma minoria de contribuintes,
mas pouco a pouco serão, certamente(ou talvez inexoravelmente), substituídos
pelo processo de declaração informatizado, que é bem mais rápido, bem mais
simples – dado que o contribuinte não precisa "bater cabeça" com
muitas contas –, econômico, seguro e previsível que o processo de declaração
por meio de formulário. Com a declaração de ajuste pela internet, ganha o
contribuinte, a Receita Federal e a sociedade.
À primeira vista, todavia, salta aos olhos de qualquer um
que procure entender e assimilar, objetiva e honestamente, esta discussão, a
evidência de haver uma aparente e profunda diferença existente entre aqueles
dois processos já institucionalizados e o que ora é vislumbrado. Neste, para
funcionar a contento e satisfatoriamente, o contraditório e a ampla defesa
deveriam ser disponibilizados internamente, isto é, dentro do próprio processo,
ou melhor, no âmbito do sistema que o encerra, ao contrário daquilo que ocorre
com os outros dois da exemplificação, nos quais o contraditório e ampla
defesa(do contribuinte, no caso do IR, do eleitor e do candidato, no caso do
processo eleitoral) realizam-se por via exógena, ou seja, tanto no caso do
contribuinte, na hipótese do IR, quanto no caso do eleitor e do candidato, no
caso do processo eleitoral, a defesa do interessado é exercida de fora dos
sistemas – o contribuinte deve comparecer, pessoalmente ou através de
procurador, perante a Receita Federal, para justificar-se, no interesse desta
ou do seu próprio, havendo alguma dúvida de informações ou de resultados de
processamento, seja de parte desta ou daquele; do mesmo modo, com as devidas
adequações, o eleitor e o candidato perante à Justiça Eleitoral).
Considerando as linhas gerais daquilo que foi colocado
aqui, e retornado-se ao exemplo do que houve com ao imposto de renda(que,
óbvio, vem a ser referência ao Ministério da Fazenda e à Receita Federal), é
razoável conjeturar-se que o secular modelo processual que ainda hoje é desenvolvido
e aplicado no âmbito do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda,
poderá ter o mesmo e previsível destino dos velhos formulários da declaração de
ajuste do imposto de renda, ou seja, o desuso. Nesta hipótese, o CRPS –
Conselho de Recursos da Previdência Social, do Ministério da Previdência Social
fará o mesmo, provavelmente, com o seu modelo processual administrativo, para
adotar um similar ao que o Conselho de Contribuintes vier a ter, supostamente.
Eis, assim, algumas perspectivas que já podem ser
vislumbradas para o processo(judicial e administrativamente), com as novas
tecnologias na área da informática, já disponibilizadas ou em construção. Esta
discussão teve como objetivo apenas debater aquilo que foi exposto em linhas
gerais sobre determinados aspectos da dialética processual, que hoje já pode
dispor de outros meios para desenvolver-se(rumo à síntese), como nos asseguram
todas as inovações que surgem na área em referência, com a velocidade da luz.
Bibliografia:
– Editora Nova Cultural, 1989 – Volume II
– Editora Forense - Rio de Janeiro, 1990
– Editora Universidade de Brasília, 1986
*Procurador federal junto ao Centro de Estudos Jurídicos da
AGU, em Brasília (DF)
Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4141>. Acesso em: 11 out.
2005.