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A privacidade do trabalhador no meio informático
Antônio Silveira Neto*
Mário Antônio Lobato de
Paiva**
SUMÁRIO: 1. A Internet como ferramenta de trabalho;
2. A Dignidade Humana e o Direito do Trabalho; 3. Privacidade e Trabalho; 3.1-
Acesso ao conteúdo das mensagens (visão de Antônio Silveira); 3.2- Acesso ao
conteúdo das mensagens (visão de Mário Paiva); 4. Compromisso com a proteção do
trabalhador (conclusões de Antônio Silveira); 5- Processo de Adaptação
(conclusões de Mário Paiva); 6. Referências bibliográficas.
"o
perigo da máquina para a sociedade não provém da máquina em si, mas daquilo que
o Homem faz dela" (1)
1. A Internet como ferramenta de trabalho
A Internet e sua tecnologia foram rapidamente absorvidas
pelas empresas, que se utilizam desse novo meio de comunicação para desenvolver
os meios produção, proporcionando, dentre outras vantagens, maior eficiência
para as suas atividades.
Através da Internet o empregado pode tornar-se mais
produtivo, uma vez que informações valiosas para o desenvolvimento do trabalho
acham-se disponíveis de maneira rápida e fácil. Na Internet efetuam-se
transações comerciais, pesquisas, treinamentos, gerenciamento à distância de
subsidiárias, troca de informações de todo tipo, fóruns etc. Há, inclusive,
algumas empresas que não exigem a presença física do empregado no seu local de
trabalho, desenvolvendo suas funções à distância e segundo critérios de
produtividade. Deste modo, as novas tecnologias tem modificado bastante o modo
como se desenvolve a atividade laborativa.
Todavia, no Brasil e no exterior empresas tem despedido
empregados por uso indevido das ferramentas tecnológicas que são fornecidas
pelos empregadores aos trabalhadores para o desempenho de suas funções.
Especialmente aquelas que utilizam os recursos da Internet estão passando por
situações de má utilização da rede de computadores pelos empregados. São casos
que envolvem acesso a sites pornográficos, envio de mensagens ofensivas,
humorísticas ou pornográficas a terceiros ou a outros funcionários, queda da
produtividade por uso da rede para tratar de assuntos não relacionados ao
trabalho etc.
Pesquisa realizada pela Revista INFO EXAME e a
Pricewaterhousecoopers com 836 maiores empresas brasileiras revelou que 25,5%
das companhias já despediram pelo menos um funcionário por uso inadequado da
web ou do e-mail (2).
Tem-se tornado muito comum procedimentos de monitoramento
das ações dos empregados no local de trabalho, quando acessam a Internet, seja
por meio do controle dos hábitos de navegação, seja através da verificação do
destino e conteúdo das mensagens eletrônicas.
Essa prática de fiscalização e conseqüente rescisão do
contrato de trabalho por mau procedimento ou desídia no desempenho das
respectivas funções, vem levantando um debate em torno da possível violação de
preceitos constitucionais, como por exemplo o direito à privacidade, sigilo das
comunicações e vedação do uso de provas ilícitas. Tais problemas foram objeto
de apreciação pelo Poder Judiciário, existindo posições favorável a
fiscalização e também contrária.
No Brasil, não há qualquer legislação que regulamente o
assunto, diferentemente do que ocorre em outros países. Daí a necessidade de
analisar o problema sob ponto de vista dos tribunais e também dos princípios
que norteiam as relações trabalhistas. Este é o escopo do presente artigo.
2. A Dignidade Humana e o Direito do Trabalho
Sabe-se que a dignidade humana é considerada pelas
constituições modernas como núcleo central dos direitos fundamentais. No
Brasil, este superprincípio é inserido como um dos fundamentos da República
(art. 1º, III, CF). O objetivo maior dos direitos fundamentais é conservar a
dignidade humana. É o livre exercício dos direitos que levará ao reconhecimento
de que o ser humano vive condignamente.
LUIS ROBERTO BARROSO expressa com perfeição o sentido da
dignidade humana:
"A
dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade moral a ser
assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo (...) A dignidade
relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito como com as condições
materiais de subsistência". (3)
Logo, terá respeitada a sua dignidade o indivíduo cujos
direitos fundamentais forem observados e efetivados, seja os direitos
individuais, direitos políticos e direitos sociais, econômicos e culturais.
Sendo assim, qualquer ação humana deverá estar pautada na
observância do conceito de dignidade, sobretudo àquelas que definam situações
de aplicação dos direitos fundamentais que dão conteúdo jurídico ao conceito de
dignidade humana. Daí a conclusão de que o princípio da dignidade da pessoa
humana deverá servir como norte interpretativo geral, vinculando o intérprete
em seu ofício.
Neste sentido, pronuncia-se ANA PAULA DE BARCELOS:
"O
intérprete deverá demonstrar explicitamente a adequação de suas opções tendo em
vista o princípio constitucional pertinente à hipótese e o princípio geral da
dignidade da pessoa humana, a que toda a ordem jurídica afinal se reporta (...)
Assim como se passa com a fundamentação da decisão judicial, através da qual se
observa o percurso trilhado pelo juiz, permitindo identificar facilmente onde
ele porventura se tenha desviado da rota original, da mesma forma a exposição
de como uma determinada opinião jurídica se relaciona com os princípios
constitucionais aplicáveis permitirá certo balizamento e, em conseqüência, o controle
constitucional do processo de interpretação e de suas conclusões através da
sindicabilidade da eficácia interpretativa dos princípios
constitucionais". (4)
Além de vincular todos integrantes da sociedades aos seus
compromissos valorativos, sobretudo a dignidade humana, o sistema legal
implantado pela constituição oferece a idéia, por meio de seus preceptivos, do
conteúdo da dignidade humana, por meio do elenco de direitos fundamentais,
sendo possível, pois, definir quando um ato humano viola a dignidade. Basta
verificar se transgrediu um direito fundamental.
Quanto ao Direito do Trabalho, resta claro através da
dicção do art. 170, caput, da Constituição Federal que a vida digna está
intimamente relacionada ao princípio da valorização do trabalho humano. "A
dignidade humana é inalcançável quando o trabalho humano não merecer a
valorização adequada". (5)
Segundo EROS ROBERTO GRAU a dignidade humana não é apenas
o fundamento da República, mas também o fim ao qual se deve voltar a ordem
econômica. Esse princípio compromete todo o exercício da atividade econômica,
sujeitando os agentes econômicos, sobretudo as empresas, a se pautarem dentro
dos limites impostos pelos direitos humanos. Qualquer atividade econômica que
for desenvolvida no nosso país deverá se enquadrar no princípio mencionado.
(6)
Alem disso, a ordem econômica também está condicionada à
valorização do trabalho humano e reconhecimento do valor social do trabalho,
conferindo ao trabalhador tratamento peculiar, isto é "dá prioridade aos
valores do trabalho humano sobre os demais valores da economia de
mercado". (7)
É com base nessas normas constitucionais que podemos
inferir outro princípio cardeal do direito do trabalho: o princípio da
proteção. A constituição promove, seja através do elenco dos direitos sociais,
seja por meio da prevalência do valores do trabalho sobre o capital, um sistema
de proteção ao hipossuficiente, no caso do trabalhador, de modo que se busca
uma igualdade substancial na relação de trabalho, obrigando o interprete a
escolher, entre várias interpretações possíveis, a mais favorável ao
trabalhador.
Com efeito, o estudo do direito à privacidade do
trabalhador no local de trabalho e seus possíveis casos de violação deve se
pautar nos preceitos acima aludidos, sendo crível ao intérprete direcionar seu
pensamento de forma a garantir o máximo de dignidade, valorização do
trabalhador e sua proteção. Aderindo a essas premissas estará promovendo uma
interpretação legítima, de acordo com a Constituição.
3. Privacidade e Trabalho
O primeiro documento internacional que elegeu a
privacidade como direito fundamental foi a Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem, aprovada em 02 de maio de 1948. Logo em seguida, com a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, instituída pela ONU em 10 de
dezembro de 1948, foi reconhecido o direito à vida privada.
O Brasil só incorporou expressamente o direito à
privacidade e intimidade ao texto constitucional com a Constituição de 1988,
embora já possuísse dispositivos que tratavam indiretamente da matéria, tais
como a vedação de violação de correspondência.
Portanto, antes da constituição, a privacidade
encontrava-se protegida por normas esparsas, tais como os arts. 554, 573 e 577
do antigo Código Civil que tratavam do direito de vizinhança, alguns tipos
penais referentes as violações de domicílio, correspondências, dados e segredos
(arts. 150, 151 e 153) e, por fim, o art. 49, § 1º, da Lei de Imprensa que faz
incorrer em ilícito civil aquele que divulga informação pertinente à vida
privada do indivíduo, embora verdadeira, desde que não motivada no interesse
público.
O novo código civil estabelece a proteção da vida privada
no seu art. 21, in verbis: "A vida privada da pessoa natural é
inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências
necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma".
Cumpre, ainda, observar que a constituição diferencia o
direito à privacidade do direito à intimidade. Para a maioria dos
doutrinadores, a intimidade inclui-se no conceito geral de vida privada. Assim,
a privacidade envolveria tanto os fatos da vida íntima como outras situações em
que não haja interesse social no seu conhecimento.
Desta forma, o direito à privacidade seria um modo de
vida, consubstanciado num conjunto de informações pessoais que estão excluídas
do conhecimento alheio, enquanto que a intimidade integraria a esfera íntima do
indivíduo, sendo o repositório dos segredos e particularidades, cuja mínima
publicidade poderá constranger.
Reunidos em Congresso no ano de 1967 os juristas nórdicos
definiram privacidade como sendo "o direito de uma pessoa a ser deixada
em paz para viver a própria vida com o mínimo de ingerências exteriores" (8).
Contudo, no mais das vezes, utilizam-se os termos
privacidade e intimidade como sinônimos.
No tocante ao trabalhador, vê-se que sua privacidade não
se restringe a proteção fora da empresa, compreende também o ambiente de
trabalho. A privacidade do trabalhador deve ser preservada de maneira integral,
pois o desenvolvimento da personalidade humana, o exercício da liberdade de
pensamento e expressão, do direito à crítica com relação as atividades da
empresa dependem, necessariamente, de uma ampla proteção da privacidade.
Todavia, antes de se referir aos casos de violação da
privacidade no meio informático, é de bom alvitre tecer algumas considerações
sobre o direito à privacidade.
Nem sempre é fácil definir a privacidade em situações
concretas. Há uma certa dosagem de subjetividade no conceito, pois algumas
pessoas não se sentem invadidas na sua intimidade ao serem observadas e até
gostam disso. O fenômeno da perda da privacidade, seja por meio da criação de
instrumentos tecnológicos capazes de espionar com detalhes o comportamento dos
indivíduos, seja pela superexposição voluntária das pessoas em busca de
notoriedade e de identidade social, é uma característica típica da sociedade
contemporânea.
Os aspectos da vida privada variam conforme a categoria
social do indivíduo, havendo aqueles que preservam e ampliam os fatos privados
e outros que se expõem e alegram-se com a publicidade de suas vidas.
Todavia, o que se questiona não é a liberdade que as
pessoas têm de suprimir parcelas de privacidade, mas a sua invasão sem
autorização, o monitoramento das mensagens eletrônicas enviadas e recebidas
pelo trabalhador, a fiscalização e demissão por justa causa em razão do uso
não-autorizado dos equipamentos da empresa para fins pessoais. Neste
particular, a privacidade ganha importância e deve ser bem definida de acordo
com as circunstâncias do caso concreto, isto é, com base no comportamento do
indivíduo e a sua inserção na vida social.
Não obstante, a privacidade, segundo a doutrina alemã,
comporta divisões em círculos concêntricos, conquanto preserve sua natureza
plástica, flexível. Na medida em que o universo dos fatos tornem-se mais
íntimos, tem-se um esfera da privacidade que permite interferências cada vez
menores. Essas esferas podem ser representadas pelo desenho abaixo:
Na esfera maior, considerada a da vida privada, estão os
fatos que o indivíduo não quer que se tornem públicos. Seriam aqueles
acontecimentos que não estariam ao alcance da coletividade em geral, englobando
todas as notícias e expressões que a pessoa deseja excluir do conhecimento de
terceiros, a exemplo da imagem física e de comportamentos que só devem ser
conhecidos por aqueles que interagem regularmente com a pessoa.
No segundo círculo (esfera confidencial ou íntima)
encontram-se os fatos do conhecimento das pessoas que gozam da confiança do
indivíduo. São as circunstâncias da sua vida que somente são compartilhadas com
familiares, amigos e colaboradores.
No centro está a esfera do secreto, objeto especial de
proteção, em que se guardam os segredos revelados a poucas pessoas ou a
ninguém, compreendendo assuntos extremamente reservados, como a vida sexual,
por exemplo.
Assim, o direito à vida privada e intimidade dizem
respeito a existência interior do sujeito, como, p. ex., hábitos, dados
pessoais, lembranças de família, vida amorosa, domicílio, local de trabalho,
saúde física, pensamentos, opiniões, confidências e atividades profissionais
consideradas sigilosas e restritas a um número limitado de indivíduos.
A distinção possui um importante caráter prático, uma vez
que quanto menor a esfera maior o nível de proteção. Logo, o simples
conhecimento de um fato que envolve as situações de segredo já é suficiente
para caracterizar a violação da privacidade, enquanto que para se considerar
violada a esfera da intimidade deve haver tanto o conhecimento como a divulgação
da notícia para terceiros.
Por outro lado, como todo direito, a privacidade não é
absoluta, vindo a sofrer restrições em face do direito à liberdade de expressão
e informação. Há situações em que a intromissão na vida privada do indivíduo
justifica-se quando motivada pelo interesse público.
Mas, há uma consideração importante a fazer: o direito
fundamental à privacidade é um dos componentes da dignidade humana, sendo a
intromissão na vida privada uma excepcionalidade que deve vir precedida de um
fundamento de interesse público, a exemplo da liberdade da informação. Não é
possível a violação da intimidade para fins de atender a interesse privado ou
meramente econômico. A privacidade é também um dos elementos da
autodeterminação inerente a qualquer ser humano. Por isso, que as informações
pessoais só deverão ser divulgadas com autorização ou por motivação pública,
amparada em preceitos jurídicos relevantes.
No caso da tutela da privacidade do trabalhador observa-se
a existência de várias situações de violação, a começar, na fase de seleção
para ingresso na empresa, pela exigência de informações não necessárias à
contratação. Indagações, na fase pré-contratual, sobre opiniões políticas,
religiosas, atividade sindical pretérita, origens raciais e preferências
sexuais, são alguns exemplos de interferência ilícita na esfera da vida privada
do empregado.
Com o advento da Lei 9.799/99 que inseriu modificações na
CLT, diversas condutas consideradas pelos Tribunais pátrios como lesivas a
integridade e intimidade do trabalhador e trabalhadora foram vedadas, a exemplo
da proibição da revista íntima e exigência de teste de gravidez.
Também são consideradas como transgressões à privacidade
do trabalhador o controle sobre as conversas no ambiente de trabalho através de
instalação de gravadores e imposição quanto a exames periódicos para verificar
se o empregado é portador de AIDS.
No desempenho das atividades que envolvem o uso de
equipamentos de informática, sobretudo a Internet, o empregado está sujeito a
uma série de ações do empregador que objetivam acompanhar, por meio de
programas espiões, os passos dos usuários dos seus sistemas.
Podemos dividir as condutas de monitoramento da seguinte
forma: 1) observação dos sites por onde trafegam os empregados; 2) controle
sobre o conteúdo das correspondências eletrônicas recebidas e enviadas pelo
trabalhador.
De acordo com a pesquisa já mencionada, 51,4% das empresas
monitoram a navegação na Internet e 30,9% monitoram os e-mails. Nas
estatísticas do instituto de pesquisa americano Worldtalk Corp, registrou-se
que 31% das mensagens que trafegam nas empresas possuem conteúdo inadequado
(piadas, pornografia, correntes etc). (9)
Evidente que a empresa, ao disponibilizar os recursos de
informática para o empregado, tem por objetivo o desenvolvimento de atividades
relacionadas ao trabalho. A utilização desses recursos, que são de propriedade
do empregador, para fins particulares pode ser proibida, seja porque leva ao
desperdício de tempo e queda na produtividade, seja porque pode congestionar o
tráfego de informações na rede, diminuindo a velocidade de transmissão de
dados.
Assim, com fundamento no poder diretivo do empregador
(art. 2º, CLT) é possível vedar a utilização da Internet para atividades
improdutivas, isto é, que não se relacionem com os objetivos da empresa.
Também se admite a fiscalização efetuada pela empresa com
relação a navegação na Internet, uma vez que não há qualquer violação ao
preceito da privacidade ou do sigilo das comunicações. É que a garantia
constitucional do sigilo da correspondência e das comunicações de dados visa,
segundo escólio de JOSE AFONSO DA SILVA (10), assegurar a livre
manifestação do pensamento e a intimidade do indivíduo. Este é o sentido da
norma. Logo, o simples acompanhamento dos passos do trabalhador na Internet não
afeta a sua privacidade ou reduz a sua liberdade, pois não há interceptação de
comunicação pessoal, mas acompanhamento das ações do trabalhador. Isto já é
admitido no mundo real através da instalação de câmeras de vídeo nos locais de trabalho.
Desta forma, poderemos considerar o monitoramento digital como uma extensão do
monitoramento por câmeras, sendo tal conduta permitida, se exercida com
razoabilidade e dentro dos limites do poder de fiscalização próprio do
empregador.
Problema maior, que tem gerado muita controvérsia entre o
juristas, diz respeito ao controle sobre o conteúdo das correspondências
eletrônicas recebidas e enviadas pelo trabalhador. Por isso resolvemos inovar
no sentido de proporcionar ao leitor dois pontos de vistas diferenciados de
cada autor deste presente ensaio.
Deste modo, segue nos itens posteriores a posição
doutrinária e divergente de cada autor deste ensaio no que diz respeito ao
acesso por parte do empregador ao conteúdo do correio eletrônico do empregado.
3.1- Acesso ao conteúdo das mensagens (visão de Antônio
Silveira)
Tem-se notícia de duas decisões divergentes sobre a
matéria no âmbito dos Tribunais, in verbis:
"JUSTA
CAUSA. "EMAIL" NÃO CARACTERIZA-SE COMO CORRESPONDÊNCIA PESSOAL. O
fato de ter sido enviado por computador da empresa não lhe retira essa
qualidade. mesmo que o objetivo da empresa seja a fiscalização dos serviços, o
poder diretivo cede ao direito do obreiro à intimidade (CF, art.5º, inc. VIII).
um único "email", enviado para fins particulares, em horário
de café, não tipifica justa causa. recurso provido." (Tribunal
Regional do Trabalho da segunda região - SP - 6a Turma - ROPS -
20000347340, ano: 2000, publicado no D.J. em 08.08.00. Fonte: IOB - 16483)
"EMENTA:
JUSTA CAUSA. E-MAIL. PROVA PRODUZIDA POR MEIO ILÍCITO. NÃO-OCORRÊNCIA. Quando o
empregado comete um ato de improbidade ou mesmo um delito utilizando-se do
e-mail da empresa, esta em regra, responde solidariamente pelo ato praticado
por aquele. Sob este prisma, podemos então constatar o quão grave e delicada é
esta questão, que demanda a apreciação jurídica dos profissionais do Direito.
Enquadrando tal situação à Consolidação das Leis do Trabalho, verifica-se que
tal conduta é absolutamente imprópria, podendo configurar justa causa para a
rescisão contratual, dependendo do caso e da gravidade do ato praticado.
Considerando que os equipamentos de informática são disponibilizados pelas
empresas aos seus funcionários com a finalidade única de atender às suas
atividades laborativas, o controle do e-mail apresenta-se como a forma mais
eficaz, não somente de proteção ao sigilo profissional, como de evitar o mau
uso do sistema internet que atenta contra a moral e os bons costumes, podendo
causar à empresa prejuízos de larga monta" (Tribunal Regional do Trabalho
da 2ª Região - Distrito Federal - 3ª Turma - RO
0504/2002. Fonte: Centro de Excelência em Direito e Tecnologia da Informação).
Sobre as decisões acima expostas, nosso interesse recai na
discussão da violação do direito à privacidade pelos empregados quando têm
acesso ao conteúdo das correspondências eletrônicas.
Os defensores da tese da permissão legal para o
monitoramento se atém a quatro argumentos: 1 - que toda a estrutura de
utilização do e-mail pertence à empresa, sendo os dados de sua propriedade; 2 -
que o Poder de Direção do empregador, consubstanciado no direito de
organização, controle e disciplina, admite a interceptação das mensagens; 3 -
sendo a companhia responsável pelos atos de seus funcionários (art. 932, III,
do Código Civil) é legítima a fiscalização e leitura das mensagens que circulam
na rede de computadores do empregador; 4 - o e-mail não guarda qualquer
privacidade porque pode ser lido por qualquer administrador do provedor por
onde transitou a mensagem.
A invocação do direito de propriedade e a
descaracterização da mensagem como não privada, pois gerada nos computadores da
empresa parece não resistir a comparações simples. Ora, ninguém questiona que
os banheiros instalados no estabelecimento empresarial são de propriedade da
empresa e nem por isso admite-se que o patrão instale câmeras para vigiar a
atividade do empregado neste local. Os telefones e as respectivas linhas também
são da empresa e seu uso deve ser direcionado aos propósitos do negócios e
também não há um só jurista que conteste a ilicitude da utilização de escutas
telefônicas, sem autorização judicial, nas empresas para tomar conhecimento das
conversas do empregados. O fato é que o direito de propriedade, deve ceder a
garantia da privacidade das comunicações que, embora não absoluta, só pode ser
relativizada por meio de ordem judicial.
O poder de direção também não pode justificar o
desrespeito à privacidade do trabalhador. Esta constitui-se como um direito
personalíssimo, inato, intransmissível, imprescritível, inalienável e oponível erga
omnes. A intromissão na esfera íntima do indivíduo para o exercício do
poder de direção apresenta-se como abuso do direito de fiscalizar. O
trabalhador não pode se submetido a ações que impeçam o livre desenvolvimento
de seu pensamento e da sua personalidade. Não é porque se está dentro do
ambiente de trabalho que o empregado terá seus direitos fundamentais aviltados,
esquecidos ou reduzidos ao nada. Ao reverso, como é um espaço onde se desenvolve
uma relação de subordinação e dependência, a garantia legal precisa ser melhor
preservada.
O monitoramento do e-mail do empregado impede o exercício
do direito à liberdade de expressão, do direito à crítica e até de reflexão
sobre as condições de trabalho. De sorte que, a interceptação das mensagens
impede que o trabalhador possa discutir, com os demais as formas de desempenho
das funções, os desgostos com os superiores, a desconfiança de uma prática
ilícita e a reivindicação por melhores condições de trabalho. Permitir o acesso
ao conteúdo das mensagens é exigir um comportamento dócil e conformista do
empregado diante do órgão empresarial, que nos tempos atuais tem por obrigação
atuar de maneira ética e de acordo com uma finalidade social que não se resuma
a consecução do lucro, puro e simples. O monitoramento irrestrito do conteúdo
das mensagens eletrônicas conduz a um controle abusivo sobre a personalidade do
trabalhador.
Conquanto a empresa responda pelo atos dos seus
funcionários perante terceiros, isso não conduz necessariamente a permissão
para invadir a privacidade dos empregados. Existem instrumentos tecnológicos
menos invasivos que podem evitar danos aos agentes externos, sem necessidade de
desrespeito à garantia fundamental. Portanto, a empresa pode se valer de
programas que impedem o envio de mensagem para endereços não cadastrados,
rastrear, de maneira impessoal palavras ofensivas nas mensagens, desde que
previamente comunicado, além de impedir o encaminhamento de imagens não
relacionadas com o trabalho, proibindo, por meio de código de conduta, o envio
de imagens ou arquivos anexados ao e-mail.
Cumpre salientar que a proibição de leitura do conteúdo do
e-mail aqui defendida não exclui a possibilidade da empresa, com base no seu
poder de direção, fixar regras e vedações para utilização da correspondência
eletrônica.
Quanto ao argumento de que o administrador do sistema pode
facilmente ver o conteúdo do e-mail, não existindo, pois, comunicação privada;
há de se trazer novamente à baila a comparação com a ligação telefônica. Tanto
a comunicação por celular quanto aquela oriunda do telefone convencional são
facilmente interceptadas e podem ser ouvidas por qualquer pessoa que possua um
pouco de conhecimento técnico, inclusive a pessoa que administra as ligações na
operadora. Isso nunca foi motivo para se considerar impertinente a proteção
dada pela Constituição Federal. O que caracteriza a privacidade da comunicação
é a sua emissão a destinatário ou destinatários certos, com a intenção de
não-divulgação para terceiros, e isso acontece com o e-mail.
3.2- Acesso ao conteúdo das mensagens (visão de Mário
Paiva)
Verificamos que as questões que envolvem o correio
eletrônico são deveras delicadas por envolverem uma série de direitos e
garantias constitucionais além de gerarem discussões em uma área que já traz
consigo uma certa conflituosidade natural como é a do Direito do Trabalho.
Os bens em jogo podem sofrer uma vulneração que permite
denotar que nenhum direito é absoluto seja ele o de liberdade de organização da
empresa, a titularidade na propriedade do correio eletrônico, a inviolabilidade
sem restrições do sigilo de dados. Assim o empregador não possui o poder de
acessar de maneira irrestrita o correio eletrônico do trabalhador nem o
empregado tem o direito de acesso e utilização de sua conta de e-mail
para quaisquer fins alheios a prestação de serviço.
A palavra-chave para essas dúvidas concernentes ao modo de
aplicação do direito chama-se equilíbrio, ou seja a proporcionalidade de cada
direito em virtude da falta de legislação existente somos chamados a aplicar
normas gerais que não vislumbram de forma clara a limitação existente por
exemplo no direito a intimidade. Daí a necessidade da interpretação responsável
e coerente resguardando o poder diretivo do empregador para comandar a empresa
sem que implique em lesão ao direito do empregado de acessar os serviços
eletrônicos.
Muitas das vezes constatamos uma certa erronia na
conceituação do direito a intimidade pois, por exemplo, a funcionalidade do e-mail
fornecido pelo empregador permite uma certa abstração de confidencialidade já
que se olharmos por esta ótica poderemos perceber que não se trata da
privacidade do empregado e sim de mero ofício encaminhado ou proposta de venda.
Daí podemos assegurar que não se trata de uma correspondência intima e sim de
um mero expediente utilizável e aberto a todos os que trabalhem na empresa.
Este pode ser absolutamente profissional, e portanto não
seria invocável o direito a intimidade, ou pode conter aspectos próprios
daquilo que define intimidade: o âmbito privado das pessoas, inacessível aos
demais. E neste último caso, naturalmente, o trabalhador tem que saber que este
instrumento não tem o condão de proteger sua intimidade, mas sim de veicular
produtos ou serviços da empresa.
Devemos partir da premissa de que o e-mail dos
trabalhadores na empresa é um instrumento de trabalho e, em determinadas
circunstâncias e com determinadas políticas, é possível que o empresário possa
conhecer o conteúdo desses e-mail’s em situações de abuso a respeito das quais
haja indícios objetivos de que estão sendo perpetrados.
Esses indícios devem ser baseados em critérios objetivos
como por exemplo a freqüência no número de comunicações de caráter pessoal, ou
o título próprio das mensagens no caso do correio eletrônico. Nesses casos, se
o empresário tiver um indício objetivo de que está sendo produzida uma situação
de abuso deverá ser permitido o controle, estabelecendo o mínimo de garantias
exigíveis, por parte do trabalhador, a respeito de seus direitos.
Em primeiro lugar deverá existir uma comunicação prévia do
afetado para essa vasculha; em segundo lugar, haverá de contar com a presença
de um representante sindical, que tutele os direitos do trabalhador controlando
as garantias de transparência; e por último, um procedimento que busque o nexo
causal e a proporcionalidade entre a prática abusiva e a sanção aplicável ao
fato.
Atualmente não existe um regime de sanções para faltas
relacionadas com o uso das novas tecnologias, muito menos uma gradação da
sanção, com qual se produz uma situação de arbitrariedade que provoca falta de
defesa do trabalhador pela ausência do princípio da proporcionalidade.
O que não podemos aceitar é que este poder de controle do
empresário autorize uma intromissão indiscriminada em qualquer caso ao conteúdo
das comunicações de seus trabalhadores via e-mail. Há que ser
estabelecido neste campo as regras do jogo, e a via para fazê-lo que pode ser
por meio da lei, convenção ou acordo coletivo.
Defendemos que o empresário pode acessar o e-mail de seus
empregados porém não de uma forma indiscriminada e sistemática já que o
trabalhador tem direitos que podem ser invocados legitimamente como o direito a
inviolabilidade das comunicações e direito ao exercício de trabalho em
condições dignas. E portanto, o trabalhador tem direito a não sofrer
intromissão em sua atividade.
Em todo o caso devem ser respeitados os princípios básicos
a que regem qualquer contrato de emprego como por exemplo o da boa-fé, dentre
outros pautados na exata consecução das relações de trabalho. Assim no que diz
respeito aos limites para o uso profissional do correio eletrônico, seja no
contrato de trabalho de forma individual ou nas convenções coletivas de
trabalho, as partes tem que acordar as condições que regulem a utilização
profissional do e-mail obedecendo as diretrizes legais e contratuais do
direito do trabalho.
Não defendemos que os empregados fiquem isolados do mundo
quando estiverem em serviço sem qualquer possibilidade de comunicação com a família
e amigos. Esta deve ser comedida e de preferência restrita a outros meios menos
dispendiosos até que em último caso se chegue ao e-mail. Assim deve o
empregador salientar que o e-mail não é um meio idôneo para comunicação
pessoal, e pôr outros meios, se possível a disposição do trabalhador para que
este possa comunicar-se pessoalmente fora da vigilância e controle da empresa
de forma razoável e desde que não traga prejuízos consideráveis a empresa.
Repetiremos, por fim, que as inovações trazidas ao universo
jurídico trabalhista já são uma realidade e que somente agora começam a
despontar em litígios nos Tribunais. Por isso, desde já urge que tenhamos
consciência de que a realidade nos força a regulamentar estas situações através
de convenções coletivas que estabeleçam a partir de agora condições para o uso
racional do e-mail por parte do trabalhador e condições de acesso a seu
conteúdo por parte do empresário. Esses são os grandes traços. Nossa proposta a
respeito seria a de regular o tema do uso pessoal do e-mail não só nos
convenções coletivas mas também na CLT, como norma trabalhista básica.
4. Compromisso com a proteção do trabalhador
(conclusões de Antônio Silveira)
A utilização da Internet pelo empregado pode ser
regulamentada pelo empregador, desde que este não viole os predicados da
dignidade humana, consubstanciados na proteção aos direitos fundamentais,
mormente a privacidade das comunicações.
O funcionário deve se conscientizar que os equipamentos de
informática são propriedade do empregador, sendo o seu uso restrito aos
assuntos da empresa.
Todavia, a subordinação do empregado e o poder de comando
do empregador não podem servir de amparo para ações que desrespeitem o direito
à privacidade e o sigilo das comunicações.
Neste sentido, é inadmissível a interceptação de mensagens
eletrônicas dos empregados no âmbito da empresa, com intuito de verificar o seu
conteúdo, mesmo quando há o propósito de se evitar atos ilícitos. Faz-se
necessário ordem judicial para que o e-mail possa ser lido, sob pena de
violação da regra constitucional insculpida no art. 5º, inciso XII, da Carta
Política.
Por fim, não se pode olvidar que a dignidade humana
constitui uma das finalidades do próprio Direito do Trabalho. Assim, o jurista
deve manter o compromisso com a defesa dos direitos humanos, direcionando a
exegese do texto legal e das situações passíveis de enquadramento jurídico no
sentido de dar máxima proteção aos direitos fundamentais, rechaçando condutas
que ameacem esses direitos, através de uma interpretação restritiva.
5- Processo de Adaptação (conclusões de Mário
Paiva)
Em matéria de relações trabalhistas temos passado por
grandes mudanças. Essas transformações estão dentro de um âmbito mais amplo: o
direito na internet. Estamos assistindo ao nascimento do Direito das novas
tecnologias. Uma espécie de ciência autônoma do direito que atinge e influi em
todos os ramos do Direito.
Estamos em um impasse objetivo, uma vez que os
protagonistas das relações trabalhistas, tanto os sindicatos como empresários,
estão acostumados a um sistema de organização de trabalho próprio do fordismo,
da grande empresa, do trabalho em cadeia, o que não corresponde mais ao modelo
hoje visto em uma empresa moderna e competitiva.
A revolução tecnológica tem sido tão avassaladora que tem
transformado completamente o cenário da organização do trabalho. Agora a
indústria flexibiliza os turnos de trabalho, descentraliza a empresa operando
através de sujeitos infinitamente mais pequenos e dispersos no território.
Estamos vivenciando um dilema pois nosso especialistas e
legisladores estão arraigados a velhos institutos tradicionais e os sindicatos
amarrados a peias retrógradas e limitados em seu poderio são inibidos a praticar
mudança e inserir cláusulas em convenções, estatuindo o modus operandi
das maquinas eletrônicas. Seria portanto, impraticável, nesse momento, a
reprodução da atividade sindical feita nas grandes empresas, onde todos
trabalhavam nos moldes de grandes cadeias, em concentrações massivas de
trabalhadores.
Possuímos um ordenamento jurídico inapto a conjuntura
tecnológica e econômica. Tal situação traz uma série de malefícios para o
contrato de emprego e as relações de trabalho como um todo, pois sem esta adaptação
a realidade tecnológica e a organização do trabalho estamos contribuindo para o
retrocesso da economia à medida em que criamos desestímulos legais para a
implantação da tecnologia por gerar conflitos de difícil solução.
Para não sermos ameaçados com a extinção ou lesão de
direitos fundamentais, por exemplo, devemos nos posicionar claramente com os
fatos advindos do caso concreto estabelecendo diretrizes gerais que não
beneficiem apenas umas das partes. Por isso, somos favoráveis a interpretações
e decisões baseadas no equilíbrio de direitos que permitam resguardar o direito
do empregador de dirigir a empresa tendo acesso de forma razoável ao e-mail’s
dispostos e a liberdade de comunicação do empregado através do uso social do e-mail.
Cabe por fim a nós alertar a todos que passamos por uma
revolução cibernética que atinge em cheio as relações de trabalho e que
portanto devem ser estudadas e solucionados os conflitos provenientes dessas
transformações, munindo os atores sociais de arcabouços jurídicos e legais
aptos para lidar com esses tipos de relações, com vistas a criar um equilíbrio
social entre os empregadores e empregados no trato das questões envolvendo as
relações entre o direito do trabalho e a informática.
Notas
01. Wiener, Norbert. Cibernética e sociedade. Trad.: José
Paulo Paes. São Paulo: Editora Cultrix, 1954.
02. Privacidade fora de controle? Revista Infoexame.
São Paulo, ano 17, n. 199, p. 98.
03. Apud BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos
princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. São
Paulo: Renovar, 2002 [prefácio].
04.
Ob. cit. p. 147.
05. LEDUR, José Felipe. A Realização do Direito do
Trabalho. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1998, p. 95.
06. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição
de 1988. 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 221.
07. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional.
10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 720.
08. Encicloplédia Saraiva de direito, n. 61/171.
09.
Ob. cit. p. 26.
10.
Ob. cit. p. 416.
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*Juiz de Direito, professor da Universidade
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**Advogado em Belém (PA), titular do escritório Paiva Advocacia, professor da Universidade Federal do Pará
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<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4292>. Acesso em: 06 out.
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