® BuscaLegis.ccj.ufsc.br
A licitação de bens e serviços de informática, com as
alterações determinadas pela Lei nº 10.176/01 à Lei nº 8.248/91
Sidney Bittencourt*
1 – INTRODUÇÃO
Questão que tem causado certa insegurança aos aplicadores
das regras referentes ao tema licitações gira em torno da incidência do chamado
direito de preferência nas contratações de bens e serviços de informática e
automação, não só devido as alterações determinadas no ordenamento jurídico
brasileiro em face da Emenda Constitucional nº 6/95, que deu nova roupagem – de
difícil trato interpretativo – ao tema, como também em função das importantes
alterações impostas à Lei nº 8.248/91, específica para bens e serviços de
informática, pela Lei nº 10.176/01 (incisos I e II, art. 3º).
Dentre outras conseqüências, tais alterações demandaram
uma angustiante necessidade de avaliação das regras estabelecidas na Lei nº
8.666/93, o Estatuto de Licitações e Contratos, referentes a passos a serem
dados pelas comissões julgadoras de licitações – e agora, também de pregoeiros
– visando decidir em caso de empates nas proposições de preços (incisos II,
parágrafo 2º, art. 3º, da Lei nº 8.666/93), de vez que a referida lei
determinava condições de escolha que privilegiavam empresas brasileiras.
Para desatar esse verdadeiro nó górdio, é de se avaliar
pacientemente as diversas normas constitucionais e legais que se entrecruzam,
para depois, alicerçado-se em fundamentação lógica, com a adoção de regras
adequadas de hermenêutica, seja possível concluir com firmeza.
2 – HISTÓRICO LEGIFERANTE
O tema não é de fácil enfrentamento, de vez que tem
demandado diversas interpretações ao longo das novas normas que surgem de tempos
em tempos, determinando guinadas bruscas de ótica, originando, em conseqüência,
a preocupante insegurança mencionada ao início deste trabalho. É de se destacar
que a insegurança jurídica é um dos pontos mais críticos na aplicação do
Direito.
Estrategicamente, dois pontos, a nosso ver, devem ser
atacados: primeiro, a forma como a legislação brasileira tratou o assunto
"informática", em termos de política de adoção no País; depois, o
tratamento dado ao tema no âmbito das licitações públicas, tendo como certeza
basilar, que o segundo ponto não pode se afastar do primeiro.
Em sede constitucional, marco maior da legislação pátria,
o art. 171 da Constituição Federal (CF) de 1988, incrustado no título "Da
Ordem Econômica e Financeira", prescrevia:
"Art. 171. São consideradas:
I - empresa brasileira a constituída sob as leis
brasileiras e que tenha sua sede e administração no País;
II - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo
controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta
de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito
público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade
da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder
decisório para gerir suas atividades.
§ 1º A lei poderá, em relação à empresa brasileira de
capital nacional:
I - conceder proteção e benefícios especiais
temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa
nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País;
II - estabelecer, sempre que considerar um setor
imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições
e requisitos:
a) a exigência de que o controle referido no inciso II
do caput se estenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o
exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou
absorver tecnologia;
b) percentuais de participação, no capital, de pessoas
físicas domiciliadas e residentes no País ou entidades de direito público
interno.
§ 2º. Na aquisição de bens e serviços, o Poder Público
dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de
capital nacional."
Destaca-se, de plano, que a Constituição Federal de 1988
(CF) bastante inovou, tratando o tema como dantes nunca sequer alinhavado. Pela
primeira vez na história do País o legislador constituinte preocupou-se em
conceituar "empresa brasileira", fazendo distinção entre empresa
brasileira constituída sob as leis brasileiras, com sede e administração no
País, e empresa brasileira de capital nacional, não só objetivando a proteção
daquela constituída por capital nacional majoritário, como, também,
preocupando-se em fomentar o desenvolvimento de atividades consideradas
estratégicas para a defesa nacional – ou mesmo imprescindíveis para o
desenvolvimento –, conforme cristalinamente sinalizado no próprio texto
constitucional.1
Percebia-se, com clareza, a enorme preocupação da
preservação e o fomento da "empresa brasileira de capital nacional".
Ocorre, entretanto, que este dispositivo restou revogado
em 95, em face do advento da Emenda Constitucional nº 6, de 15 de agosto, com
reflexos importantes sobre o tema que ora aprecia-se, como se verificará mais à
frente (Por enquanto, entrementes, fica somente o registro, de modo que não se
perca a cronologia legiferante).
Neste quadro, veio à lume a Lei nº 8.666/93, o
"Estatuto Jurídico Brasileiro de Licitações", dispondo, em seu art.
3º (§ 2), sobre o critério de desempate em licitações públicas, assegurando preferências,
com a clara preocupação de atender os termos fincados pelo art. 171 da CF:
"Art. 3º. [...........]
§ 2º. Em igualdade de condições, como critério de
desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:
I - produzidos ou prestados por empresas brasileiras de
capital nacional;
II - produzidos no País;
III - produzidos ou prestados por empresas
brasileiras."
Impende informar que a Lei n° 8.666/93 foi pródiga em
menções ao setor de informática sem, contudo, definir as especificidades que
caracterizariam um processo de automação da máquina administrativa.2
Ainda neste quadro, veio à tona a denominada "Nova
Lei de Informática", de nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, dando novo
trato à Lei nº 7.232/84, que estabelecia a "Política Nacional de
Informática" brasileira. Essa nova regra legal procedeu à adequação do
conceito constitucional de empresa brasileira e substituiu a política de
reserva de mercado por uma totalmente voltada para incentivos, dando trato
especial para as empresas brasileiras e até mesmo para as que não fossem assim
consideradas, desde que atendidos certos requisitos.
Prescreveu a Lei nº 8.248/91:
"Art. 1º. Para os efeitos desta Lei e da Lei nº.
7.232, de 29 de outubro de 1984, considera-se como empresa brasileira de
capital nacional a pessoa jurídica constituída e com sede no Brasil, cujo
controle efetivo esteja, em caráter permanente, sob a titularidade direta ou
indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidade de
direito público interno.
§ 1º. Entende-se por controle efetivo da empresa, a
titularidade direta ou indireta de, no mínimo, 51% (cinqüenta e um por cento)
do capital com direito efetivo de voto, e o exercício, de fato e de direito, do
poder decisório para gerir suas atividades, inclusive as de natureza
tecnológica.
§ 2º. (VETADO)
§ 3º. As ações com direito a voto ou a dividendos fixos
ou mínimos guardarão a forma nominativa.
§ 4º. Na hipótese em que o sócio nacional perder o
efetivo controle de empresa que esteja usufruindo os benefícios estabelecidos
nesta Lei para empresa brasileira de capital nacional, o direito aos benefícios
fica automaticamente suspenso, sem prejuízo do ressarcimento de benefícios que
vierem a ser indevidamente usufruídos (sic).
Art. 2º. As empresas produtoras de bens e serviços de
informática no País e que não preencham os requisitos do artigo 1º deverão,
anualmente, para usufruírem dos benefícios instituídos por esta Lei e que lhes
sejam extensíveis, comprovar perante o Conselho Nacional de Informática e
Automação - CONIN, a realização das seguintes metas:
I - programa de efetiva capacitação do corpo técnico da
empresa nas tecnologias do produto e do processo de produção;
II - programas de pesquisa e desenvolvimento, a serem
realizados no País, conforme o estabelecido no artigo 11; e
III - programas progressivos de exportação de bens e
serviços de informática.
Art. 3º. Os órgãos e entidades da Administração Pública
Federal, direta ou indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo Poder
Público e as demais organizações sob o controle direto ou indireto da União,
darão preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e
automação, nos termos do § 2º do artigo 171 da Constituição Federal, aos
produzidos por empresas brasileiras de capital nacional, observada a seguinte
ordem:
I - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no
País;
II - bens e serviços produzidos no País, com
significativo valor agregado local.
§ 1º. Na hipótese da empresa brasileira de capital
nacional não vir a ser objeto desta preferência, dar-se-á aos bens e serviços
fabricados no País preferência em relação aos importados, observado o disposto
no § 2º deste artigo.
§ 2º. Para o exercício desta preferência, levar-se-á em
conta condições equivalentes de prazo de entrega, suporte de serviços,
qualidade, padronização, compatibilidade e especificação de desempenho e preço.
Art. 4º. Para as empresas que cumprirem as exigências
para o gozo de benefícios, definidos nesta Lei, e, somente para os bens de
informática e automação fabricados no País, com níveis de valor agregado local
compatíveis com as características de cada produto, serão estendidos pelo prazo
de sete anos, a partir de 29 de outubro de 1992, os benefícios de que trata a
Lei nº. 8.191, 11 de junho de 1991.
Parágrafo único. A relação dos bens de que trata este
artigo será definida pelo Poder Executivo, por proposta do CONIN, tendo como
critério, além do valor agregado local, indicadores de capacitação tecnológica,
preço, qualidade e competitividade internacional.
Art. 5º. As empresas brasileiras de capital nacional
produtoras de bens e serviços de informática e automação terão prioridade nos
financiamentos diretos concedidos por instituições financeiras federais ou, nos
indiretos, através de repasse de fundos administrados por aquelas instituições,
para custeio dos investimentos em ativo fixo, ampliação e modernização
industrial.
Art. 6º. As empresas que tenham como finalidade, única
ou principal, a produção de bens e serviços de informática no País deduzirão,
até o limite de 50% (cinqüenta por cento) do Imposto sobre a Renda e Proventos
de qualquer natureza devido, o valor devidamente comprovado das despesas
realizadas no País, em atividades de pesquisa e desenvolvimento, diretamente ou
em convênio com outras empresas, centros ou institutos de pesquisa ou entidades
brasileiras de ensino, oficiais ou reconhecidas.
Art. 7º. As pessoas jurídicas poderão deduzir até 1%
(um por cento) do Imposto de Renda devido, desde que apliquem diretamente, até
o vencimento da cota única ou da última cota do imposto, igual importância em
ações novas, inalienáveis pelo prazo de dois anos, de empresas brasileiras de
capital nacional de direito privado que tenham como atividade, única ou
principal, a produção de bens e serviços de informática, vedadas as aplicações
em empresas de um mesmo conglomerado econômico."
"Art. 10. Os incentivos fiscais previstos nesta
Lei, salvo quando nela especificado em contrário (artigo 4º.), vigorarão até o
exercício de 1997 e entrarão em vigência a partir da sua publicação, excetuados
os constantes do seu artigo 6º e aqueles a serem usufruídos pelas empresas
fabricantes de bens e serviços de informática que não preencham os requisitos
do artigo 1º, cujas vigências ocorrerão, respectivamente, a partir de 1º de
janeiro de 1992 e 29 de outubro de 1992.
Parágrafo único. (VETADO)
Art. 11. Para fazer jus aos benefícios previstos nesta
Lei, as empresas que tenham como finalidade a produção de bens e serviços de
informática deverão aplicar, anualmente, no mínimo 5% (cinco por cento) do seu
faturamento bruto no mercado interno decorrente da comercialização de bens e
serviços de informática (deduzidos os tributos correspondentes a tais
comercialização), em atividades de pesquisas e desenvolvimento a serem realizadas
no País, conforme projeto elaborado pelas próprias empresas.
Parágrafo único. No mínimo 2% (dois por cento) do
faturamento bruto mencionado no caput deste artigo deverão ser aplicados em
convênio com centros ou institutos de pesquisas ou entidades brasileiras de
ensino, oficiais ou reconhecidas."
Em seguida, editou o Governo Federal o Decreto nº 1.070,
de 2 de março de 1994, regulamentando o art. 3º da Lei nº 8.248/91.
Posteriormente, foi editada a supramencionada Emenda
Constitucional nº 6/95, que revogou o supracitado art. 171 da Constituição
Federal.
Por fim, surgiu a Lei nº 10.176/2001, que alterou os arts.
3º, 4º e 9º da Lei nº 8.248, passando o art. 3º a vigorar como a seguir:
"Art. 3º Os órgãos e entidades da Administração
Pública Federal, direta ou indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público e as demais organizações sob o controle direto ou indireto da
União darão preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e
automação, observada a seguinte ordem, a:
I - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no
País;
II - bens e serviços produzidos de acordo com processo
produtivo básico, na forma a ser definida pelo Poder Executivo."
3 – APRECIAÇÃO DE TODA A SITUAÇÃO, COTEJANDO A
LEGISLAÇÃO COLHIDA
No âmbito federal, as licitações para bens e serviços de
informática continuam a ser permeadas pela Lei nº 8.248/91, uma vez que a
retromencionada Lei nº 10.176/01 apenas modificou-lhe alguns dispositivos, não
retirando-a do mundo jurídico. Ao contrário, dando-lhe novas versões, deu-lhe
novo sopro de vida, reforçando a tese daqueles que a defendiam como firme e
totalmente aplicável.
A polêmica mantém-se, no entanto, porquanto, com a
revogação do art. 171 da CF, em face da Emenda Constitucional nº 6/95, deixaram
de existir no mundo jurídico nacional, naquele momento, os conceitos
constitucionais que definiam o que seriam "empresa brasileira" e
"empresa brasileira de capital nacional", restando derrogados, por
via de conseqüência, toda a legislação infraconstitucional que mencionava as
expressões – ao menos, a nosso ver, quando as expressões tinham relação direta
com o assunto – o que levava a inferição de que os direitos de preferência
listados no parágrafo 2º do art. 3º da Lei 8.666/93 restavam também afastados.
Antes mesmo do surgimento da Lei nº 10.176, a doutrina
especializada já andava às turras com o assunto. Alguns ferrenhos defensores
desse resultado aparentemente lógico ou seja a não-recepção por parte do novo
texto constitucional da antiga regra balizadora da Lei nº 8.666, outros
partidários da recepção parcial, considerando eliminado tão-somente o inciso I,
outros ainda apontando a eliminação dos incisos I e III, que adotavam as mesmas
expressões extirpadas da CF, e outros, ainda, entendendo que nada havia sido
alterado, porquanto uma coisa nada tinha a ver com a outra.
Parecer da lavra de Ailton Carvalho Freitas, do Ministério
da Ciência e Tecnologia (CONJUR nº 231/95), acolhido pelo consultor jurídico
daquele ministério e aprovado pelo ministro da pasta, publicado no DOU de
20/11/95, concluiu pela extinção das regras de preferência em licitações
constantes nos incisos I e III do § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666/93,
entendendo como ativo o inciso II. Da resma forma postou-se a Professora Vera
Lúcia de Almeida Corrêa3, conforme mais à frente comentar-se-á.
Conforme já expressado em rápida síntese, fundaram os
doutos esse entendimento em face da extinção dos conceitos de "empresa
brasileira" e de "empresa brasileira de capital nacional" do
ordenamento jurídico brasileiro, com a revogação do art. 171 da CF pela Emenda
Constitucional nº 6/95, quando também foi eliminado o tratamento preferencial
dado à segunda, restando derrogadas quaisquer regras infraconstitucionais que
mencionavam os termos.
Nós mesmos, em obras sobre o assunto, assentimos dessa
forma.4
Marcos Juruena Villela Souto, sempre bem alicerçado
juridicamente, como é de seu feitio, defendeu tese diversa, conforme a seguir:
"A questão não é de equacionamento tão simplório,
a exigir que, inexistindo critério de desempate, a licitação seja decidida por
sorteio (que está longe de ser o melhor critério). Se são nacionais as
sociedades organizadas na conformidade da lei brasileira e que têm no País a
sede de sua administração e restando intocado, na Reforma Constitucional, o
artigo 172, CF, que estabelece que a lei disciplinará, com base no interesse
nacional, os investimentos de capital estrangeiro, incentivará os
reinvestimentos e regulará a remessa de lucros, existe embasamento para uma
norma sobre a matéria.
A regulamentação do dispositivo não se esgota com a Lei
n° 4.131/62, que regula o capital estrangeiro investido no país. Aliás, não só
a regulamentação do art. 172, CF como toda e qualquer lei ou ato do Estado
devem ter por objetivo o atendimento do interesse público, já que, por força do
art. 3°, CF, constituem objetivos fundamentais da República construir uma
sociedade justa, livre e solidária, garantir o desenvolvimento nacional,
erradicar a pobreza e promover o bem de todos. De acordo com esses objetivos é
que deve se pautar a interpretação do princípio da livre concorrência (CF, art.
170, IV) e da igualdade nas licitações na busca da oferta mais vantajosa (CF,
art. 37, XXI). Logo, assegurada a igualdade de tratamento na licitação,
admitindo o ingresso de licitantes nacionais e estrangeiros sob os mesmos
critérios de habilitação e julgamento e, ao final, restarem empatadas, não
resta dúvida que a oferta mais vantajosa é a que privilegia o investimento e a
produção nacionais, inexistindo inconstitucionalidade." 5
Finaliza o administrativista, então, diante do quadro que
bem delineou, que a preferência ao investimento nacional em caso de desempate
nas licitações – tendo como pressuposto de validade do processo a estrita
observância do princípio da igualdade e a ausência de qualquer discriminação,
como a do art. 42 § 4º da Lei 8.666/93 – encontra amparo, ainda, no art. 219,
CF, que, ao tratar do desenvolvimento tecnológico, dispõe que "o
mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a
viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio econômico, o bem-estar da
população e a autonomia tecnológica do País, nos termos da lei federal.",
concluindo que "adequa-se, pois, a preferência contida na norma geral
de licitação (CF, art. 22, XXVII) aos comandos de regulação e incentivo dos
arts. 172, 174 e 219 da Lei Maior, estando em pleno vigor a norma do § 2º, do
art. 3º, da Lei n° 8.666/93, que não foi revogada pela Emenda Constitucional nº
06/95".
A visão do administrativista Marçal Justen Filho é outra,
diametralmente oposta, opinando que não há fundamentação constitucional para o
estabelecimento de preferência em favor de empresa brasileira, não admitindo
sequer a regra de preferência em função de a prestação vir a ser produzida no
Brasil. Não admitindo soluções a partir da Lei nº 8.248/91, alegando como
indefensáveis as regras do Decreto nº 1.070. Conclui o jurista, todavia, com
certa hesitação: "Em todo o caso, parece que todos os três incisos do
dispositivo perderam sua vigência", tratando, especificamente, dos
inciso do § 2º, do art. 3º, da Lei. nº 8.666/93.6
Vera Lúcia de Almeida Corrêa, professora especialista em
licitações dessa natureza, enfrentou o problema e, após traçar um breve relato
da legislação, entabulou o entendimento de que houve alteração no critério de
desempate, mas não chega a explicar qual: "No momento em que a EC nº
06/95 revogou o art. 171 da Constituição, a preferência de compra nas
licitações de bens e serviços de informática está parcialmente prejudicada,
assim como o critério de desempate previsto no art. 3º, § 2º da Lei
8.666/93" 7
No já comentado detalhado parecer emitido sobre a questão,
Ailton Carvalho de Freitas, munido de instrumentos hermenêuticos de peso, após
aludir sobre o assunto de forma contundente e minuciosa, concluiu pela
existência de duas teses plausíveis: a primeira, era de que nenhuma implicação
sobre as normas infraconstitucionais teria acarretado a revogação do art. 171
do texto Maior porque, deste tendo desaparecido a conceituação de empresa brasileira
e empresa brasileira de capital nacional, nada obstaria que a legislação
inferior mantivesse esta última, pois a situação se equivaleria à ocorrida sob
a égide da Constituição de 1969, quando, também ausente semelhante
conceituação, sem incorrer em inconstitucionalidade o legislador ordinário
instituiu a figura da empresa nacional, em moldes semelhantes, para propósitos
similares; a segunda, pautava-se na idéia de que as normas
infraconstitucionais, nesse particular, teriam se tornado incompatíveis com a
Carta assim reformada, e, portanto, não tendo sido recepcionadas, não poderiam
ser aplicadas, já que derrogadas.
Conquanto a primeira tese aparentemente carregasse, nas
palavras do analista, um certo nexo lógico a seduzir, à primeira vista, pela
semelhança de circunstâncias – ausência de conceituação constitucional tanto
agora quanto na vigência da Lex Magna de 1969 – descarta de pronto a
possibilidade, porquanto, segundo ele, "cuida-se, em verdade, de mera
aparência, pois que absolutamente distintas as situações".
Preocupou-se, então, o analista em buscar demonstrar a
veracidade da segunda tese, "até porque, sendo excludentes entre si, na
medida em que se solidifique esta, infirma-se a primeira."
Trazendo à baila o magistério de diversos juristas de escol,
obtemperou preliminarmente que "No caso sub examine, avulta em
significação o fato de que, em vez de dar-lhes tratamento diverso ou ter aposto
qualquer ressalva, a EC 6/95 simplesmente revogou, in totum, o art. 171 do
Texto Magno, eliminando do cenário jurídico, por conseguinte, as figuras da
empresa brasileira e da empresa brasileira de capital nacional, assim como os
privilégios que, mediante lei, facultou-se dar (art. 171, § 1º) e determinou-se
dar (art. 171, § 2º) a esse último tipo de empresa. Extirpou-se, pois, algo que
era previsto constitucionalmente, a fim de que não mais componha a ordem
jurídica. Corolário lógico, tudo quanto na esfera infraconstitucional era
dependente desse dispositivo, com ele concomitantemente revogado ficou."
Mais à frente, após lúcidas ponderações, faz notar,
entretanto, "que as alterações propostas não impedem que legislação
ordinária venha a conferir incentivos e benefícios especiais a setores
considerados estratégicos, inexistindo qualquer vedação constitucional nesse sentido."
Por fim, concluiu: "Conforme aludido
anteriormente, optou o legislador constituinte derivado por – abandonando a
proposta do Executivo – revogar o referido art. 171, encasando nos arts. 170,
IX, e 176, § 1º, em substituição à empresa brasileira de capital nacional, a
"empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e
Administração no País", restritas às de "pequeno porte", no
primeiro caso. Portanto, embora tenha aproveitado os elementos constitutivos do
que seria a denominada "empresa brasileira", certo é que não a
conceituou constitucionalmente. Outrossim, preferiu não incluir no Texto o
cogitado tratamento preferencial obrigatório. Semelhante situação poderia,
aparentemente, render ensejo a que se cogitasse de não ter sido recepcionado
pela nova ordem - posto que nela não determinado como se pretendia - o
tratamento preferencial para bens e serviços produzidos no País, quando de sua
aquisição pelo Poder Público.
Todavia, consoante já se afirmou, no caso específico do
setor de informática, há uma política pública setorial que estendeu aludido
tratamento a certos bens e serviços, produzidos sob certas condições. E tal se
fez, conforme antes demonstrado, com esteios constitucionais diversos daquele
inscrito no art. 171, § 1º, ora revogado, quais sejam, as disposições dos arts.
218 e 219, combinadas com os princípios dos arts. 3º, II, e 170, I. Portanto,
trata-se de mera aparência, eis que efetivamente recepcionada tal política
pública pela Constituição emendada, até porque, nesse particular, sequer
mudança houve.
Daí a pertinência de se lembrar, com as razões expostas
pelo Executivo, que ‘as alterações propostas não impedem que legislação
ordinária venha a conferir incentivos e benefícios especiais a setores
considerados estratégicos inexistindo qualquer vedação constitucional nesse
sentido’. De fato, inexistia e inexiste; e, no caso do setor de informática,
considerado estratégico ex vi legis (Lei nº 7.232/84, art. 2º, VI e VII), já se
tinha, por legislação ordinária, com o específico fulcro constitucional
apontado, subsistente, o mencionado tratamento preferencial, que, em suma, nada
mais é que um benefício especial, estímulo ou incentivo para o desenvolvimento
do setor. Por isso que, em perfeita consonância com a Carta Política, iniludivelmente
encontrou, de parte desta, integral recepção." 8
Ultrapassadas várias ponderações, concluiu o douto que da
Lei nº 8.248/91, revogados estariam o art. 1º; as exigências constantes dos
incisos I e III do art. 2º; no art. 3º, a determinação no sentido de que se dê
preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e automação
efetuadas pelo Poder Público, aos produzidos ou prestados pelas empresas
brasileira de capital nacional; o art. 5º; o art. 7º; e a parte final do art.
10. Da Lei nº 8.666/93, os incisos I e III do § 2º do art. 3º e o § 1º do art.
33. Do Decreto nº 1.070/94, no art. 1º, o inciso IV e o § 2º; os incisos I, II
e III do art. 5º; no art. 6º, inciso IV, a determinação no sentido de que se
considere a condição da "empresa integradora do sistema" ou da
"empresa líder" e, no parágrafo único, a referência, implícita, à
comprovação prevista no art. 1º, inciso IV.
Subsistia, desse modo, na opinião do analista, com as
derrogações indicadas, o Decreto nº 1.070/94, devendo a preferência prevista em
seu art. 5º ser aplicada, doravante, a partir de seu inciso IV, observada a
ordem ali disposta.
Todavia, tratando especificamente da parte que trata do
procedimento em licitações, entendeu diferente o Tribunal de Contas da União
(TCU), ao analisar o processo relativo à licitação para aquisição de urnas
eletrônicas pelo Tribunal Superior Eleitoral, TC-011.764/1999-6, tendo
proferido a Decisão nº 456/00, publicada no DOU de 13/06/2000, que concluiu
pela inaplicação do direito de preferência para aquisição de produtos de
informática com tecnologia nacional, em razão da derrogação de legislação
infraconstitucional que versa sobre a matéria. Na citada decisão o Ministro
Relator Benjamin Zymler registrou o seguinte entendimento:
"6. Feitas essas considerações preliminares, é
deesclarecer que o ponto fulcral da presente representação é a subsistência ou
não, após o advento da Emenda Constitucional nº 6/95, do direito de preferência
para bens e serviços de informática com tecnologia nacional ou produzidos no
País com significativo valor agregado nacional. 7. Não resta dúvida de que a
preferência outrora concedida à empresa brasileira de capital nacional foi
afastada pela revogação do art. 171 da Magna Carta, mesmo porque, em
conseqüência dessa alteração constitucional, o conceito de empresa brasileira
de capital nacional deixou de existir no mundo jurídico. Interessa saber, para
o deslinde da matéria, se o art. 3º da Lei nº 8.248/91 teria sido inteiramente
revogado ou se remanesceria algum tipo de privilégio, nele previsto, para bens
e serviços de informática. (...) 14. A meu ver, a interpretação que deve ser
extraída do novo texto constitucional deve ponderar a norma expressa no inc.
XXI do art. 37 da Constituição Federal, que determina: "XXI - ressalvados
os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações
serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade
de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações
de pagamento, mantidas as condições efetivas da "proposta, nos termos da
lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações". 15. Antes da
publicação da EC nº 6/95, era possível, em determinadas hipóteses, o
afastamento do princípio da igualdade entre os licitantes. Isso porque a
própria Constituição previa expressamente tal possibilidade, como se verifica
do antigo texto constitucional: "Art. 171. São consideradas:
(...omissis...) § 2º. Na aquisição de bens e serviços, o Poder Público dará
tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital
nacional". 16. Nesse contexto, foi editada a Lei nº 8.248/91, que a par de
estabelecer, no retromencionado art. 3º, preferência para a empresa brasileira
de capital nacional nas licitações na área de informática, previa a
possibilidade de ser conferido tratamento preferencial aos bens e serviços com
tecnologia desenvolvida no País ou aos bens e serviços produzidos no País com significativo
valor agregado local. 17. Percebe-se, pois, com as devidas vênias dos pareceres
do MP/TCU e da Unidade Técnica, que não pode sobreviver no ordenamento jurídico
brasileiro exceção à regra da isonomia dos licitantes que não derive
expressamente da Lei Maior. O contrário constituiria completa subversão ao
princípio da supremacia constitucional. 18. Em reforço à tese expendida,
deve-se ressaltar, em análise meramente panorâmica, a evolução do texto
constitucional brasileiro no sentido de reduzir as desigualdades de tratamento
conferidas ao capital estrangeiro quando comparado ao capital nacional. Nesse
sentido, mencionem-se as alterações do texto constitucional originário: art.
176, § 1º, que trata da pesquisa e lavra de recursos minerais; art. 170, IX,
que confere tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte; art. 178,
parágrafo único, que permite às embarcações estrangeiras o transporte de
mercadorias na cabotagem e a navegação interior. Além disso, merece menção a
flexibilização do monopólio estatal do petróleo, previsto no art. 177 da
Constituição Federal, que passou a permitir, a partir da publicação da EC nº
9/95, a contratação de empresas estrangeiras para o desenvolvimento de
atividade de pesquisa, lavra, refino e transporte de petróleo e seus derivados.
19. É nesse contexto, em que o poder constituinte derivado reformador, em
harmonia com as idéias norteadoras do processo de globalização, manifesta
inquestionável propósito de conferir tratamento igualitário aos capitais
nacional e estrangeiro, que deve ser analisado o argumento esposado pela
instrução e pelo MP/TCU de que o direito de preferência para bens e serviços de
informática encontra assento nos comandos programáticos insertos nos arts. 218
e 219 da Magna Carta, que tratam, no âmbito do Título VIII - Da Ordem Social,
da Ciência e Tecnologia. 20. Data maxima venia, não vislumbro nesses artigos
autorização para a concessão de privilégios a determinados licitantes, de forma
a justificar a não-incidência do princípio da igualdade, insculpido
expressamente no inc. XXI do art. 37 da Constituição Federal".
Nessa linha de raciocínio ponderou também o professor e
magistrado Jessé Torres Pereira Junior, entendendo que até mesmo o inc. II do §
2º do art. 3º da Lei nº 8.666/93 teria sido objeto de derrogação, sustentando
que seria inaceitável "o argumento de que remanesce o art. 219 da CF/88
a amparar regime protetivo especial em favor do bem produzido no Brasil. Tal
preceptivo insere-se em capítulo de que exsurge orientação constitucional ao Estado
para promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a
capacitação tecnológica (art. 218). Cuida-se, portanto, de regra de aplicação
setorizada. Outra é a amplitude do campo licitatório. Aqui, incumbe-se a
Administração Pública brasileira de licitar, antes de contratar, qualquer
compra, obra ou serviço. Nessas compras, obras ou serviços cabem bens da mais
variada natureza, alheia ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia"
9
Em sentido idêntico o publicista Toshio Mukai, defendendo
a tese de que naquele momento o único critério para desempate previsto nas
licitações era o sorteio (art. 45, § 2º, da Lei 8.666/93), não havendo que se
falar em exercício do direito de preferência.10
4. NOSSA ANÁLISE
Para nós, após esse cipoal de entendimentos de elevada
estirpe, é inegável que a finalidade da alteração da EC nº 6/95 foi eliminar a
distinção entre as empresas em função da origem de seu capital, como se afigura
nas razões expostas na Exposição de Motivos nº 37/95, conforme a seguir:
"3. A discriminação no capital estrangeiro perdeu
o sentido na contexto de eliminação das reservas de mercado, maior intercalação
entre as economias e necessidade de atrair capitais estrangeiros para
complementar a poupança interna. Com relação ao tratamento preferencial nas
aquisições de bens e serviços por parte do Poder Público, a proposta corrige
imperfeição do texto constitucional, passando a favorecer os produtos
produzidos e serviços prestados no País, ao invés de empresas classificadas
segundo a origem do capital.Com isto pretende-se restabelecer o importante
instrumento do poder de compra do Estado para estimular a produção, emprego e
renda no País. É digno de nota que a proposta vincula o tratamento preferencial
conferido aos produtos e serviços produzidos internamente à igualdade de
condições (preços, qualidade, prazos, etc.) entre os concorrentes."
Inexiste dúvida, cremos, que, após a EC 6/95, toda a
legislação infraconstitucional relacionada diretamente com o então ditame
constitucional de preferência restara revogada com a alteração constitucional,
em face da não-recepção. Refrise-se: toda a produção legiferante com relação
direta com a preferência; nunca qualquer mera indicação da expressão
"empresa brasileira", de vez que, conforme já afirmamos em obra sobre
licitações internacionais 10a, apesar da eliminação da distinção,
não extirpou-se do mundo jurídico por definitivo o conceito de empresa
brasileira o que, evidentemente, seria de todo impossível. Na verdade, a
"empresa brasileira", a partir da alteração constitucional, passou a
ser aquela estabelecida sob a égide da lei brasileira, com sede e administração
no Brasil, conforme, inclusive, dispôs também a Exposição de Motivos
mencionada:
"2. A proposta tenciona eliminar a distinção entre
empresa brasileira e empresa brasileira de capital nacional e o tratamento
preferencial concedido o esta última. Para tanto, firma-se conceito de
empresa brasileira como aquela constituída sob as leis brasileiras e com sede e
administração no País."
Daí, firmarmos posição, sem negar premissa a tudo que foi
desenvolvido pela doutrina e pela Corte de Contas da União, que, no que
concerne ao estabelecido no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.666/93, persiste
totalmente válido o inciso II, porquanto não negou a EC 6/95 a possibilidade do
direito de preferência, tão significante para o desenvolvimento do importante
setor de informática brasileiro, consolidando, inclusive, a política industrial
aprovada pelo Congresso Nacional, dando-se preferência nas licitações aos
produtos e serviços fabricados no País. Não se pode esquecer que este exercício
do poder de compra é exercido, com sucesso, em diversos países
industrializados, como, por exemplo, o Buy American Requirement, dos
Estados Unidos, que permite ao governo norte-americano adquirir produtos
produzidos em seu País até 12% mais caros do que os fabricados em demais
localidades. Assim, como bem vem divulgando o Ministério da Tecnologia, ao
contrário das antigas práticas, se há preferência, não existem restrições. Com
os critérios estipulados, mesmo os produtos importados podem vencer as
licitações. Com o mercado aberto à livre concorrência, a política industrial
brasileira estimula os investimentos e alia os interesses dos usuários com a
geração de riquezas no País.
Assim, à época, desenvolvemos o raciocínio, divulgado em
artigos e palestras – e, parcialmente, em livros – que:
- Da Lei nº 8.666/93, os incisos I e III do § 2º do art.
3º estariam revogados - e não o § 1º do art. 33, de vez que a expressão ‘empresa
brasileira’ nele constante não tem nenhuma conexão com tratamento preferencial
determinado na CF; 11
- Da Lei nº 8.248/91, revogados estaria o art. 1º; as
exigências constantes dos incisos I e III do art. 2º; no art. 3º, a
determinação no sentido de que se dê preferência, nas aquisições de bens e
serviços de informática e automação efetuadas pelo Poder Público, aos
produzidos ou prestados pelas empresas brasileiras de capital nacional; o art.
5º; o art. 7º; e a parte final do art. 10; e
- Do Decreto nº 1.070/94, no art. 1º, o inciso IV e o §
2º; os incisos I, II e III do art. 5º; no art. 6º, a determinação de se
considerar a condição da "empresa integradora do sistema" e, no
parágrafo único, a referência à comprovação prevista no art. 1º, inciso IV.
Nossa tese no sentido de subsistir o direito de
preferência foi reforçada com o advento da Lei nº 10.176/2002, tratando
especificamente da capacitação e competitividade do setor de informática e
automação, que fomenta ainda mais o direito de preferência.
Insta ressaltar, para bem delimitar a matéria, que o
inciso II do art. 3º da Lei 8.248/91, alterado pela Lei 10.176, tratava de
"bens e serviços produzidos no País, com significativo valor agregado
local".
Para refrescar a memória, repetimos o novo texto legal, com
alguns grifos:
"Art. 3º Os órgãos e entidades da Administração
Pública Federal, direta ou indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo
Poder Público e as demais organizações sob o controle direto ou indireto da
União darão preferência, nas aquisições de bens e serviços de informática e
automação, observada a seguinte ordem, a:
I - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no
País;
II - bens e serviços produzidos de acordo com
processo produtivo básico, na forma a ser definida pelo Poder Executivo."
Com a alteração legal, restou totalmente afastado qualquer
tipo de preferência concedida a produtos e serviços com significativo valor
agregado local, de vez que tal expressão foi suprimida da ordem jurídica
vigente, já que, havendo a alteração do dispositivo que regrou o assunto,
somente perdura a regulamentação se esta for compatível com as determinações da
nova regra.
Em decorrência, o Decreto nº 1.070/94, que regulamenta o
art. 3º da Lei nº 8.248/91, deve ser interpretado no sentido de que todas as disposições
que regulamentavam a preferência concedida aos bens e serviços com
significativo valor agregado local estão revogadas.
Transcreve-se, a seguir – com alguns importantes grifos
para melhor entendimento –, o art. 5º do Decreto nº 1.070, que regulamenta a
aplicação do art. 3º da Lei nº 8.248/91, inserindo-se, posteriormnte, o que
resultou em face das alterações do ordenamento jurídico:
"Art. 5º. Como critério de adjudicação, entre as
propostas equivalentes, deverá ser dada preferência, nos termos do disposto no
art. 3º da Lei nº 8.248/91, aos bens e serviços produzidos no País, observada a
seguinte ordem:
I - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País
e produzidos com significativo valor agregado local por empresa que
preencha os requisitos do art. 1º da Lei nº 8.248/91 – REVOGADO, por não
mais determinar a regra legal o tal significativo valor agregado.
II - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no
País e produzidos por empresa que preencha os requisitos do art. 1º da Lei nº
8.248/91 – REVOGADO, em face da mudança do texto constitucional imposto pela
Emenda Constitucional nº 06/95.
III - bens e serviços produzidos com significativo
valor agregado local por empresa que preencha os requisitos do art. 1º da
Lei nº 8.248/91 – REVOGADO, pelo mesmo motivo indicado para o inciso I.
IV - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no
País e produzidos com significativo valor agregado local por empresa que
não preencha os requisitos do art. 1º da Lei nº 8.248/91 – REVOGADO, pelo
mesmo motivo indicado para o inciso I.
V - bens e serviços com tecnologia desenvolvida no País e
produzidos por empresa que não preencha os requisitos do art. 1º da Lei nº
8.248/91 – REVOGADO,em face da revogação expressa do citado art. 1º da Lei
nº 8.248/91, disposta no art. 14 da Lei nº 10.176/2001.
VI - bens e serviços produzidos com significativo valor
agregado local por empresa que não preencha os requisitos do art. 1º da Lei
nº 8.248/91 – REVOGADO, pelo mesmo motivo indicado para o inciso I.
VII - outros bens e serviços".
Restou tão-somente o inciso VII, que, logicamente, nada
altera na aplicação da regra de preferência.
Este art. 5º do Decreto nº 1.070/94, pelo que se
demonstrou, não terá nenhuma aplicabilidade, considerando que os seus
dispositivos foram revogados em face da alteração imposta na CF pela EC nº
06/95 (que extirpou a preferência concedida às empresas de capital nacional) e
pela Lei nº 10.176/01 (que aboliu o tal "significativo valor agregado
local").
Assim, em matéria de preferência na contratação de bens e
serviços de informática e automação, deve ser atendido o disposto no art. 3º da
Lei nº 8.248, com a redação introduzida pela Lei nº 10.176/01.
Em suma, portanto, entendemos que o direito de preferência
foi mantido e exacerbado no ordenamento jurídico infraconstitucional e, na
hipótese de ocorrência de um empate entre duas ou mais propostas comerciais,
numa licitação para aquisição de bens ou serviços de informática ou automação,
antes de se proceder o sorteio previsto no art. 45, § 2º, da Lei nº 8.666/93, a
Administração Federal deverá verificar:
- Primeiro, se dentre os licitantes não há um que está
ofertando um bem ou um serviço cuja tecnologia tenha sido desenvolvida no
Brasil;
- Depois, persistindo o empate, se os bens e serviços
ofertados por algum deles foi produzido em conformidade com o processo
produtivo básico, que de acordo com o art. 3º, inc. II, c/c o art. 12 da Lei nº
10.176, constará de regulamentação a ser expedida futuramente pelo Poder
Executivo;
Em face ao exposto, é de se considerar como ordem de
preferência nas licitações de bens e serviços de informática e automação:
- Inicialmente, preferência será dada aos bens e serviços
com tecnologia desenvolvida no País, conforme prescreve o inciso I do art. 3º da
Lei nº 8.248/91, cujo o exercício deverá atender ao que estabelece o § 2º do
art. 3º do mesmo diploma, considerando-se as condições equivalentes de prazo de
entrega, suporte de serviços, qualidade, padronização, compatibilidade e
especificação de desempenho e preço entre todas as propostas, e, quanto ao
preço, a equivalência disciplinada pelo art. 4º do Decreto nº 1.070/94;
- Assim, caberá o exercício da preferência entre as
propostas, depois de analisados todos os produtos ou serviços ofertados e ser
constatado que eles se encontram em pé de igualdade em relação aos critérios
estabelecidos no § 2º do art. 3º da Lei nº 8.248/91 e em equivalência em
relação aos preços, conforme os termos do art. 4º do Decreto nº 1.070/94;
- Se todos os produtos objeto das propostas forem
equivalentes em relação ao prazo de entrega, suporte de serviços, qualidade,
padronização, compatibilidade e especificação de desempenho exigidos no edital
e preço, caberá, então, a preferência em relação aos bens e serviços com
tecnologia desenvolvida no País;
- Persistindo o empate, será dada preferência aos bens e
serviços produzidos de acordo com o processo produtivo básico, nos termos do
inciso II do art. 3º da Lei nº 8.248, cuja definição já foi estabelecida pela
Portaria Interministerial MDIC/MCT nº 90, de 28/06/2001. 12
Por fim, é de bom alvitre acrescentar que, se, ao
contrário do que se expões, fosse adotada a linha sugerida pelo TCU e pelos
doutrinadores que propuseram o fim do direito de preferência no direito pátrio,
a conclusão lógica seria a de que a Lei nº 10.176/01, ao tentar restabelecer o
direito de preferência, seria inconstitucional, contrariando o princípio da
igualdade, afrontando o inc. XXI do art.37 da Constituição Federal. 13
NOTAS
1 Diga-se, de passagem, que o conceito adotado
pelo constituinte estava previsto no art. 60 do Decreto-lei nº 2.627/40.
2 Nesse diapasão, também Marcos Juruena Villela
Souto, no artigo "A informática na lei de licitações", divulgado na
internet.
3 Na brilhante obra "Licitações de bens e
serviços de informática e automação", Temas & Idéias Editora, que
tivemos o prazer de prefaciar.
4 Tanto no "Licitação Passo a Passo",
4a. edição, como no "Estudos sobre licitações
internacionais", 2a. edição, ambos editados pela Temas &
Idéias Editora.
5 "Licitações & Contratos
Administrativos", 3a. ed., Ed. Adcoas/Esplanada.
6 "Comentários à Lei de Licitações e
Contratos Administrativos", 7a. ed., Ed. Dialética, pp. 86 e
87.
7 "Licitações de Bens e Serviços de
Informática e Automação", Temas & Idéias Editora, p. 30.
8 Parecer nº 231, de 13 de novembro de 1995.
9 "Comentários à Lei das Licitações e
Contratações da Administração Pública", 4ª ed., Rio de Janeiro,
Renovar, 1997, p. 43.
10 BLC nº 10/97, p. 475.
10a "Estudos sobre licitações internacionais",
2a.ed., Temas & Idéias Editora.
11 No livro "Estudos sobre licitações
internacionais", 2a. ed, assim expusemos, alertando,
entrementes que o dispositivo era inconstitucional, diante da intempestiva
invasão na liberdade de escolha dos consorciados: "Há flagrante
inconstitucionalidade quando dispõe o diploma sobre a obrigatoriedade da
liderança consorcial recair sobre a empresa brasileira, porquanto, ao permitir
a participação da empresa estrangeira, não pode interferir na decisão de quem deterá
a liderança (§ 1º)."
12 Que demanda a necessidade de avaliar um
emaranhado de instruções, nada facilitando ao aplicador, conforme
transcrevemos: "Art. 1º Para fins do disposto no inciso II, do art. 3º e
no §1º-C, do art. 4º, ambos da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, fica
estabelecido como Processo Produtivo Básico, para os bens industrializados no
País, o conjunto de operações discriminadas nas Portarias Interministeriais
relacionadas no Anexo." (Obs: O tal anexo possui nada menos do que vinte portarias
datadas de 1993, 1994,1996", 1997 e 1998). "Parágrafo Único. Qualquer
etapa dos Processos Produtivos Básicos poderá ser terceirizada. Art. 2º
Caracterizada a necessidade de alteração de Processo Produtivo Básico,
decorrente de fatores técnicos ou econômicos, devidamente justificados, poderá
ser concedido prazo às empresas para seu cumprimento. Parágrafo único. Pelas
mesmas razões referenciadas no caput poderá ser suspensa temporariamente ou
modificada a realização das etapas do Processo Produtivo Básico estabelecido."
13 Dessa forma também obtemperou Marcello R.
Palmieri, acrescentando, com ponderação que ratificamos: "Contudo, cremos
que até que esta norma não seja extirpada do direito positivo pelas vias
constitucionais próprias, deverá ser totalmente observada. O respeito ao tão
discutido direito de preferência trará, a médio prazo, grandes benefícios à
situação econômica de nosso país, na medida em que incentivará cada vez mais
que os segmentos de informática instalem novas indústrias no território nacional,
realizem novos investimentos, gerando novos empregos e desenvolvendo novas
tecnologias que inclusive irão otimizar as relações comerciais externas do
Brasil." ( in "A Nova Lei de Informática", BLC nº 2, 2001, p.
111).
*Professor de Direito Administrativo e Econõmico; Parecerista e Consultor;Mestre em Direito pela UGF.
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6469>.
Acesso em: 06 out. 2005.