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Trabalhos acadêmicos em Direito e a violação de direitos autorais através de plágio
José Augusto Paz Ximenes
Furtado *
Acreditamos que jamais, em qualquer tempo de nossa
histórica, o conhecimento científico a ser produzido e desenvolvido nos espaços
das Faculdades de Direito do Brasil necessitou de tamanho apoio, de mais
completo incentivo e de tão inescusável estímulo quanto nos dias atuais. As
instituições de ensino superior, públicas ou privadas, têm buscado os mais
diversos órgãos do Estado, as entidades privadas, e a própria sociedade, no
sentido de que todos venham a se engajar no compartilhamento do saber, na
melhoria da formação humanística, técnico-jurídica e mesmo prática daqueles
operam ou que irão operar o Direito muito em breve. Não deixa de ser, portanto,
uma parceria que visa, antes de tudo, estimular o conhecimento, ao tempo em que
se prepara e se integra melhor o profissional do Direito, consciente de seu
papel de cidadão útil à sociedade, às novas exigências da modernidade.
Nesse contexto, a pesquisa acadêmica tornou-se a palavra
de ordem em nossos dias, e se os docentes têm que produzir conhecimento
continuamente, os discentes, por sua vez, passaram a conviver com a
obrigatoriedade – no mínimo - de apresentação de um trabalho monográfico de
conclusão de curso, a ser defendido oralmente perante uma banca examinadora
constituída regularmente para tal fim.
A Portaria n. 1.886/94, do Ministério da Educação, que
fixou as novas diretrizes curriculares e o currículo mínimo do curso jurídico
no Brasil, determinou, em seu artigo 9º, que para a conclusão do curso de
Direito será obrigatória a apresentação e a defesa de monografia final, perante
uma banca examinadora, como já mencionamos. E mais, diversos de seus
dispositivos ressaltam a importância do incentivo à pesquisa, por meio das mais
diversas atividades acadêmicas, complementares ou não, no âmbito da própria
Instituição ou através de convênios, como depreendemos da leitura dos artigos
3º, 4º e 14, da referida Portaria. Assim, a pesquisa e a iniciação científica
tornaram-se imperativas, figurando mesmo como determinantes para a compreensão
e a produção crítica do Direito, calcadas num raciocínio lógico, consciente,
adequado às exigências dos novos tempos.
Ainda que essas perspectivas sejam bastante animadoras,
uma verdade se nos afigura como inquestionável, prestando-se como princípio
basilar a ser considerado de imediato: só se pode produzir conhecimento
científico sério, inovador, útil, original, mantendo-se aliado ao continuado
estudo e pesquisa, o escrúpulo de jamais se recorrer à sordidez do plágio, que
muitas vezes emerge, de modo visível, ou que em outras tantas, vem dissimulado,
revestido de sutilezas desprezíveis, que enganam e que fazem emergir um produto
intelectual falso; composto - para utilizarmos a linguagem virtual - de
trabalhos ou de idéias alheias que foram selecionadas, copiadas e
coladas, aqui e ali, formando um todo que não reflete o esforço, a
contribuição pessoal de quem se propõe a essa prática criminosa.
A consciência a perdurar no pesquisador sério deve advir
da certeza de que o verdadeiro conhecimento precisa firmar-se – sempre – em
bases éticas. E essa consciência ética lhe impõe que seja buscada e
desenvolvida já nos primeiros passos da vida acadêmica. Que o aluno se habitue
com a pesquisa, aprendendo a desenvolvê-la, mas sempre consciente de que não
poderá se descuidar da ética. E que os professores, como estudiosos por
excelência; como orientadores de pesquisas e responsáveis, direta ou
indiretamente, pela iniciação científicas de seus alunos, dêem o exemplo, e
venham a lembrá-los, a todo instante, do valor da ética para a produção do
conhecimento.
Com os inúmeros benefícios tecnológicos do mundo moderno,
sobretudo com a inserção do computador e da internet em nossas vidas,
surgiram facilidades até há pouco tempo impensáveis. O pesquisador sério –
aluno, estudioso ou professor - pela facilidade que tem de obter e trabalhar um
infinidade de informações disponíveis, sem sequer precisar sair de seu local de
estudo, vem se beneficiado com esses avanços tecnológicos. Infelizmente,
precisamos fazer uma constatação lamentável: se nos vemos beneficiados por
essas comodidades, passamos, em contrapartida, a viver sob a banalização do plágio.
Lamentavelmente, observamos o quanto é costumeiro se produzir conhecimento
violando os direitos autorais de alguém. Vemos, pois, verdadeiros furtos
intelectuais serem praticados, quase sempre de modo que gera impunidade, haja
vista as dificuldades que surgem em bem caracterizarmos esses delitos.
Muitos são aqueles que não têm qualquer escrúpulo em selecionar
e copiar trabalhos inteiros, trechos ou pequenos textos que
pertencem a outrem, diretamente em proveito próprio, ou mesmo para
comercializá-los junto a terceiros, auferindo lucros às custas alheias.
Assina-os como se fossem os verdadeiros autores, e pouco se importam com as
conseqüências de seus atos criminosos.
Com o advento da internet, como já dissemos antes,
e as extraordinárias facilidades que ela nos legou hodiernamente, essa situação
se agravou, disseminando a ocorrência desses furtos virtuais. Nos deparamos,
então, com aquele plagiador que pratica a violação em proveito de si mesmo ou
de outrem, sob encomenda, comercializando trabalhos acadêmicos prontos,
maquiados pela leviandade de quem assim age. Mais do que um ilícito civil, uma
vez que afronta direito de personalidade do autor, constitucionalmente
garantido, atingindo a sua criação intelectual, nos deparamos também com um
ilícito criminal gravíssimo, coberto ainda pela inteira reprovação moral a que
se sujeita aquele que pratica o plágio.
No Código Penal em vigor, no Título que trata dos Crimes
Contra a Propriedade Intelectual, nós nos deparamos com a previsão de crime de
violação de direito autoral – artigo 184 – que traz o seguinte teor: Violar
direito autoral: Pena – detenção, de 3 9três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
E os seus parágrafos 1º e 2º, consignam, respectivamente:
...............
§1º Se a violação
consistir em reprodução, por qualquer meio, com intuito de lucro, de obra
intelectual, no todo ou em parte, sem autorização expressa do autor ou de quem
o represente, (...): Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa,
(...).
§ 2º Na mesma pena
do parágrafo anterior incorre quem vende, expõe à venda, aluga, introduz no
País, adquire, oculta, empresta, troca ou tem em depósito, com intuito de
lucro, original ou cópia de obra intelectual, (...), produzidos ou reproduzidos
com violação de direito autoral.
Discorrendo sobre essa espécie de crime, afirma MIRABETE:
A conduta típica
do crime de violação de direito autoral é ofender, infringir, transgredir o
direito do autor. O artigo 184 é norma penal em branco, devendo verificar-se em
que se constituem os direitos autorais que, para a lei, são bens móveis (art.
3º da Lei nº 9.610/98).1
Aquele que se propõe a produzir conhecimento sério,
renovador do Direito, quer seja ele professor, pesquisador ou aluno, se obriga
a respeitar os direitos autorais alheios. Vejamos o que diz a Constituição
Federal vigente, em seu artigo 5º, XVII: aos autores pertence o direito
exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, (...). E a
devida proteção legal em legislação ordinária nós a encontramos na Lei nº
9.610/98, mais precisamente nos seus artigos 7º, 22, 24, I, II e III, e 29, I.
Mas, se a própria Lei acima citada, nos informa, no seu
artigo 46, III, que não se constitui ofensa aos mencionados direitos, a citação
em livros, jornais, revistas ou em qualquer outro meio de comunicação, de
trechos de qualquer obra, desde que sejam indicados o nome do autor e a
proveniência da obra, aonde constataremos a incidência dessa contrafação
(reprodução não autorizada) tão grave, especificamente entendida na sua forma
conhecida como PLÁGIO? Exatamente no modo como o plagiário se apossa do
trabalho intelectual produzido por outrem.
O plagiário recorre dolosamente aos expedientes mais
sutis, porém não menos recrimináveis, e não reluta em fazer inserções,
alterações, enxertos nas idéias e nos pensamentos alheios, muitas vezes apenas
modificando algumas palavras, a construção das frases, a fim de ludibriar
intencionalmente e assim prejudicar, de forma covarde, o trabalho original de
alguém e ofendendo os direitos morais do seu verdadeiro autor.
Agindo desse modo, o plagiário tenta iludir a um só tempo
tanto ao verdadeiro autor da obra fraudada, como também a quem é dirigido o seu
trabalho, inclusive a coletividade como um todo, que irá absorvê-lo. Nos
ensina COSTA NETTO, discorrendo sobre o delito de plágio:
Assim, certamente, o crime de plágio representa o tipo
de usurpação intelectual mais repudiado por todos: por sua malícia, sua
dissimulação, por sua consciente e intencional má-fé em se apropriar – como se
de sua autoria fosse – de obra intelectual (normalmente já consagrada) que sabe
não ser sua (do plagiário).2
Concluindo, asseveramos que ao lado de um trabalho de
pesquisa levado a efeito nos ditames das normas metodológicas cabíveis, fincado
num rigor científico necessário e inafastável, deve ainda ser o mesmo revestido
de uma indefectível postura ética por parte do seu autor, quer seja ele mero
estudioso, professor ou aluno de graduação ou pós-graduação.
Agir com respeito perante não somente àquilo que se propõe
a produzir com seriedade, mas igualmente em relação às fontes pesquisadas, às
idéias consultadas, aos pensamentos, reflexões, pontos de vista, propostos em
estudos e pesquisas já feitas, que recorrera para melhor ilustrar, fundamentar
ou enriquecer o seu trabalho científico, é o mínimo que podemos esperar de
alguém voltado para o conhecimento.
A atitude ética acompanhada da boa-fé que tanto esperamos
de qualquer estudioso, aluno, professor, pesquisador ou mesmo operador do
Direito, passa, necessariamente, pelo respeito ao trabalho alheio. Produzir
conhecimento, sim, mas calcado na lisura e na decência, sem usurpação ou
violação do produto intelectual de quem quer que seja, eis uma obrigação, um
dever imposto a todo aquele que se propõe criar ou trilhar novos caminhos no
mundo jurídico, através da investigação e da pesquisa científicas.
BIBLIOGRAFIA
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil:
promulgada em 5 de outubro de 1988/ obra de autoria da Editora Saraiva.
Colaboração: Antônio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt
e Lívia Céspedes. 29 ed. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002 (Coleção
Saraiva de legislação).
COSTA NETTO, José Carlos. Direito autoral no Brasil.
Coordenação: Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1998 (Coleção Juristas da Atualidade).
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal –
parte geral. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2001.
Notas
1. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal –
parte geral. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 371.
2. COSTA NETTO, José Carlos. Direito autoral no
Brasil. Coordenação: Hélio Bicudo. São Paulo: FTD, 1998 (Coleção Juristas
da Atualidade), p. 189.
* advogado em Teresina (PI), professor universitário, pós-graduado em
Direito Processual pela UFSC e em Direito Público pelo CEUT
Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3493
Acesso em: 06 setembro. 05.