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TV digital: um instrumento para a democratização dos meios de comunicação no Brasil*

 

 

                                                                                                                                                                          Michelly Nascimento Silva

                                                                                                   Jornalista e acadêmica da 3ª fase de Direito – UFSC

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Todos nós já ouvimos falar sobre TV digital. Mas será que você sabe realmente como esse novo sistema de transmissão de dados pode modificar a sua vida? Se a resposta é não, fique tranqüilo. Um levantamento divulgado pelo “Grupo Gestor”, um dos institutos do Sistema Brasileiro de Televisão Digital (SBTVD), confirmou que a maioria dos brasileiros também não faz a mínima idéia das modificações que esta nova tecnologia, substituta da atual em formato analógico, proporcionará no país.

O estudo revelou que 15,5% dos brasileiros acreditam que a inserção do modelo digital irá possibilitar apenas que os chuviscos e fantasmas desapareçam de suas telas. Aproximadamente 11% afirmaram que a TV digital aumentará consideravelmente o número de canais. Em terceiro lugar apareceu à possibilidade de ter acesso a informações governamentais (8,5%) e do total de entrevistados, apenas 1,5% observaram a possibilidade de comprar ou interagir pela TV.

Atualmente, o Brasil discute a questão tecnológica que vai possibilitar a implantação de um novo conceito de televisão brasileira. Contudo, a TV Digital está num momento crucial da sua formação, que vai muito além da definição de padrões tecnológicos: ou ela terá um modelo democrático de acesso a todos ou concentrar-se-á nas mãos de poucos, como já ocorre com os meios de comunicação de massa no país.

 

Da prensa móvel aos E-MAILS: o desenvolvimento dos Meios de Comunicação

 

                        As comunicações fazem parte do nosso cotidiano. É uma ligação pelo telefone fixo ou móvel, ao mesmo tempo em que ouvimos a rádio e assistimos o noticiário da TV, tudo isto – claro – enquanto estamos em frente ao computador lendo os e-mails recebidos via Internet.

Foi com a invenção da prensa móvel pelo alemão Johannes Gutenberg, em 1450, que a comunicação deu os primeiros passos para todo o desenvolvimento que vivenciamos na atualidade. Seguiu-se a invenção do telefone, em 1876, por Alexander Graham Bell e seu assistente Watson, que ao trabalharem em um telégrafo (desenvolvido em 1837), acidentalmente inventaram o tal meio de receber e enviar mensagens via voz. Depois veio o rádio, criado pelo italiano Guglielmo Marconi a partir do telégrafo sem fio, em 1895.

Cabe destacar o nascimento da televisão, caracterizado inicialmente pelo uso de um sistema mecânico, imaginado pelo alemão Paul Nipkow, no final do século XIX. Alguns anos mais tarde, o aparelho televisivo foi fabricado com um sistema completo de transmissão e recepção. Com o fim da primeira Guerra Mundial, o equipamento, até então mecânico, passou a ser superado por um novo tipo de padrão: o eletrônico. Em 1926, o engenheiro escocês John Logie Baird inventou um sistema de televisão que incorporava os raios infravermelhos para captar imagens no escuro, o que melhorou consideravelmente a qualidade da imagem.

                        Somente após a Segunda Guerra Mundial que a “tv moderna” atingiu altos índices de venda no Estados Unidos. É também nesse período, em 18 de setembro de 1950, que é inaugurado no Brasil a PRF-3-TV Tupi de São Paulo, primeira emissora televisiva nacional, equipada com câmeras e transmissores importados por cinco milhões de dólares de uma empresa norte-americana pelo, então, empresário do setor Assis Chateaubriand. Naquela época, eram raros os lares brasileiros que possuíam um aparelho de tv.

Não podemos esquecer ainda da Internet, outro meio de comunicação que surgiu no último século, mais precisamente em 1958, quando o exército dos EUA institui uma organização de pesquisa para desenvolver um inovador sistema de comunicações. Dez anos mais tarde foi criada a rede "ARPA" - a primeira a conectar o mundo - desenvolvida somente em quatro computadores. Foi Ray Tominson que lançou a definição da "@" como um padrão para emitir mensagens por essa nova rede. Em 1974, Vinton Cerf e Bob Kahn desenvolveram aplicações para conectar redes de computador uma a outra. Este foi considerado o marco inicial da Internet. Contudo, somente em 1991, Tim Berners desenvolveu em Genebra os "hyperlinks" e assim fez passar a base para uma rede com as ligações a outras páginas da Internet. Isto nos fez assistir a revolução conhecida como "world wide web". Porém somente dois anos mais tarde que a "www" abriu suas portas para o mundo em geral.

A história das comunicações evidencia seu caráter desenvolvimentista, de evolução contínua, comprovando a teoria de que o homem está sempre buscando uma nova forma de propagar informações e conhecimentos, além de permitir que os seres humanos melhor se comuniquem. E é justamente nessa linha que se enquadra a TV digital, uma nova tecnologia que possibilitará, entre outras coisas, o surgimento de novas emissoras pela web, além de promover, inclusive, a interação do telespectador durante a programação.

 

OS PRIMEIROS PASSOS DA TV digital no Brasil

                       

A previsão de alguns especialistas na área da comunicação é de que, nos próximos 10 anos, o número de emissoras de tv aberta no Brasil deverá saltar de seis para 70, graças à implementação do formato digital. Soma-se a essa vantagem, o fato da qualidade da transmissão digital ser muito melhor que o atual padrão analógico.

Vários questionamentos sobre o assunto ainda estão no ar. O primeiro deles é compreender como funciona a TV digital. Para se ter uma idéia das possibilidades oferecidas pelo novo sistema é preciso conhecer as experiências de televisões digitais já existentes no país. A empresa americana DirecTV, pioneira nesta área desde 1994 (no Brasil iniciou suas atividades em 1996), emite sinal via satélite DTH (direct-to-home, em português, “direto para casa”). Mas a líder no mercado brasileiro é a Sky, fundada em 1996, poucos meses depois que a concorrente entrou no mercado nacional. Contudo, este modelo de TV digital via satélite e fechada possui um custo bastante elevado para a massa, sendo possível apenas para poucos.  A proposta atual, e a que mais nos interessa, é a TV digital aberta por via terrestre.

E o que você vai poder fazer com uma TV Digital quando puder ter uma? A Sky e a DirecTV dão uma mostra do que será possível fazer. No caso da TV comercial, existe a possibilidade de um menu interativo integrado, gravação, acesso à Internet, comércio eletrônico, transações bancárias, movie-on-demand (venda de filmes a qualquer hora), recarga de celulares pré-pago, e tudo mais que se pode imaginar.

O governo também poderá utilizar esse novo padrão para fins educacionais e sociais, com o intuito de se aproximar mais do cidadão através de um novo canal de comunicação, a exemplo do que já ocorre com a Internet. A TV irá adquirir novas funções, além da informação e do entretenimento que já estamos acostumados a receber em nossas casas.

E a possibilidade de sair dos nossos lares é outra perspectiva louvável, pois, ao que tudo indica, haverá uma expansão para aparelhos móveis, como os celulares, ou mesmo sistemas internos no transporte público, por exemplo. Para a implantação da TV digital são necessários vários equipamentos específicos, tais como:

Subsistema de modulação: Transporte e entrega do feixe de bits recebido da emissora. Quanto mais eficiente este subsistema, melhor será o sinal.

Codificação de vídeo: Executa a compressão dos dados para acomodá-lo ao canal de transmissão.

Middleware: Possibilita que aplicações sejam mais independentes e que sejam carregadas na maior variedade possível de receptores. Ele traduz os aplicativos para o equipamento de cada usuário.

Terminal de acesso: Decodifica o sinal das emissoras para o modo analógico sem reduzir a capacidade da TV digital. Perde apenas em qualidade da imagem (fica igual à de um DVD).

Serviços e Aplicações: Ampliam as possibilidades de acesso para a população das grandes, médias e pequenas cidades, mesmo das mais remotas áreas rurais (a difusão da Internet banda larga, através da tv digital, é um bom exemplo disso).

                        Justamente por ser uma tecnologia de ponta, os custos para implantação da TV digital no Brasil são bastante elevados. Estima-se que o governo brasileiro deverá investir cerca de R$ 50 milhões no desenvolvimento desse modelo.

 

aspectos jurídicos da tv digital no Brasil

                       

A questão jurídica central a ser discutida, no caso de implantação da TV digital no Brasil, é estabelecer quem se beneficiará desta nova tecnologia de comunicação. Sabemos que no sistema atual, tanto as emissoras de rádio quanto às de TV, conseguem suas concessões através da sociedade por meio de seus representantes. A Constituição brasileira de 1988 resguarda ao Poder Executivo a competência para a outorga e a renovação de concessão, permissão e autorização para emissoras de radiodifusão, conforme caput do Art. 223. Ressalta-se, porém, que o § 1º, deste mesmo dispositivo, garante que este ato do executivo deverá ser apreciado pelo Congresso no prazo de 45 dias, sem contar os períodos de recesso dos parlamentares (Art. 64, §§ 2º e 4º).

Ainda com fulcro no caput do referido artigo, torna-se imprescindível destacar que o mesmo preceitua que a comunicação deva ser gerida de forma complementar entre o público, o privado e o estatal. No entanto, para Roberto Barbosa Garcez, diretor de jornalismo da Agência Brasil/ Radiobrás - maior complexo brasileiro de comunicação pública, responsável, por exemplo, pelo programa de rádio “A voz do Brasil”, o país não possui veículos verdadeiramente públicos de comunicação, pois o que se constata é que as emissoras não estão voltadas ao interesse público, atendendo principalmente aos interesses comerciais ou aos do Estado.

Outro aspecto referente ao Capítulo V, Título VIII da Constituição Federal que trata da “Comunicação Social” é o Art. 224 que prevê a criação de um Conselho de Comunicação Social (CCS) – um órgão para auxiliar o Congresso Nacional nos assuntos relacionados à área das comunicações – que foi instituído pela Lei nº 8.389 de 30 de dezembro de 1991, mas só saiu do papel em 2002. O CCS é formado por 13 conselheiros (e outros 13 suplentes) subdivididos em quatro cadeiras para profissionais da comunicação social, quatro para empresários e cinco para outros integrantes da sociedade civil, todos eleitos pelo Congresso Nacional. Todavia, o Conselho de Comunicação Social é fortemente criticado por defender os interesses das grandes empresas do setor e, principalmente, por não fomentar uma política de inclusão e participação real da população nos meios de comunicação.

É nesse tocante que reside a suma importância de desenvolver uma TV digital brasileira voltada para a democratização, garantindo dessa forma as liberdades de informação em geral; informação jornalística; de manifestação de pensamento; expressão cultural; de transmissão e recepção de conhecimento; de expressão intelectual, artística e científica; de opinião, entre outras, previstas em nossa Constituição Federal.

Ainda na análise constitucional, é fundamental destacar a importância do direito à informação para criar condições mais favoráveis para a participação direta dos cidadãos nos processos políticos e sociais.  Trata-se de um direito coletivo, assegurado no Art. 5º, XIX e XXXIII. No primeiro é garantido a todos o acesso à informação. O constitucionalista José Afonso da Silva completa: “é o interesse geral contraposto ao interesse individual da manifestação de opinião, idéias e pensamento, veiculados pelos meios de comunicação social. Daí por que a liberdade de informação deixar de ser mera função individual para tornar-se função social” (SILVA, 2004, p. 260).

Já no inciso XXXIII, do comentado artigo, trata mais especificamente do direito à informação, pois estatui que “todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse particular, coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado”.

                        No que se refere a legislações específicas sobre TV digital, podemos discorrer a respeito do Decreto nº 4.901, de 26 de novembro de 2003, que institui o Sistema Brasileiro de Televisão Digital – SBTVD. Em seu primeiro artigo, esta Lei especial já apresenta certa preocupação em relação à democratização dos meios de comunicação, como se observa: “Art. 1º Fica instituído o Sistema Brasileiro de Televisão Digital SBTVD, que tem por finalidade alcançar, entre outros, os seguintes objetivos: I promover a inclusão social, a diversidade cultural do País e a língua pátria por meio do acesso à tecnologia digital, visando à democratização da informação; [...]”.

            O mesmo dispositivo legal criou o Grupo Gestor que, segundo o Art. 6º, responde pela execução das ações relativas à gestão operacional e administrativa voltadas para o cumprimento das estratégias e diretrizes estabelecidas pelo Comitê de Desenvolvimento do SBTVD.

 

Considerações finais

 

De acordo com dados do Ministério das Comunicações, 87% dos lares brasileiros têm televisão e poderão ter acesso ao padrão digital. Ao que tudo indica, o novo modelo permitirá novos serviços e maior interatividade, além de ser um importante instrumento para programas sociais nas áreas de educação à distância e inclusão digital.

A grande dificuldade em criar um modelo próprio de TV digital voltada para um processo mais inclusivo e democrático é se desvencilhar do atual modelo capitalista. E isto já faz parte da nossa história. O modelo de TV implantado no Brasil, em 1950, era uma cópia norte-americana – baseado exclusivamente no capital. Ao contrário do modelo Europeu, que possuía e possui, ainda hoje, uma mídia de viés público. Em síntese: nossa televisão nasceu visando o lucro e vai ser muito difícil se desenvolver sem trazer consigo essa “herança genética”.

Hoje todas as emissoras que se consideram públicas no Brasil, na verdade, estão vinculadas e financiadas pelo poder estatal. Dessa forma, podemos deduzir não se pode falar em veículos de comunicação pública no país. Pois, para que um veículo seja verdadeiramente “público” é necessário que o controle do mesmo esteja nas mãos da sociedade. É a sociedade quem deve determinar suas diretrizes, metas e programação.

Na Europa, esse modelo público funciona. Mas, e no Brasil? Um país com 30% da população vivendo na miséria pode almejar uma TV efetivamente pública? Realmente é paradoxal imaginar que uma sociedade, em que milhões de pessoas não têm sequer alimentos para a sua subsistência, irá pagar por um serviço que ela está tão acostumada a receber de gratuitamente.

Apesar dessas e de muitas outras dificuldades, faz-se mister reafirmar que a sociedade deve urgentemente ter um espaço próprio nos meio de comunicação. Um espaço que seja seu, que esteja totalmente sob o seu controle. A mídia comercial defende as leis de mercado. Os meios de comunicação estatais defendem a posição do Estado. Dessa forma, é preciso criar um meio de comunicação que defenda os interesses dos cidadãos e da sociedade brasileira como um todo.

 

Referências

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: 1988. Brasília: Centro Gráfico do Senado Federal, 1988.

 

BRASIL. Ministério das Comunicações. Notícias e dados sobre Comunicação Social e o Decreto nº 4.901 de 27 de novembro de 2003 [on line]. Disponíveis na Internet via: http://www.mc.gov.br/tv_digital_decreto4901_27112003.htm . Acesso em junho de 2005.

 

CRÓCOMO, Fernando Antonio; Universidade Federal de Santa Catarina. TV digital e produção interativa: a comunidade recebe e manda notícias. Florianópolis, 2004. 189 f. Tese (Doutorado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro Tecnológico. Programa de Pós-graduação em Engenharia de Produção.

 

MULTIRIO. Entrevista com Roberto Barbosa Garcez. [em cache]. Disponível na Internet via: http://64.233.179.104/search?q=cache:lRFWVj7zmiUJ:www.multirio.rj.gov.br/riomidia/por_entrevista_home_topo.asp%3Fid_entrevista%3D4+Roberto+Barbosa+Garcez&hl=pt-BR. Acesso em maio de 2005.

 

SILVA. José Afonso da Silva. Manual de Direito Constitucional Positivo. 16ª edição rev. atual. São Paulo: Malheiros, 1999.

 

UNESCO. Observatório da Sociedade da Informação. [on line]. Disponível na Internet via: http://osi.unesco.org.br/conteudo_tema.php?tema=24. Acesso em maio de 2005.

 

*Artigo apresentado na disciplina de Informática Jurídica semestre 2005.1 ministrada pelo professor Dr. Aires José Rover.