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aspectos jurídicos do spam

 

 

 

Renata de Freitas Martins (*)

 

 

 

Introdução

Com o avanço tecnológico constante e a integração cada vez maior da Internet na vida e dia-a-dia das pessoas, o uso de e-mails (correio eletrônico) torna-se corriqueiro e um meio muito utilizado por todos, tendo, por exemplo, enorme utilidade no desenvolvimento das atividades dentro de empresas, recebimento de publicações por advogados, facilitador e agilizador de troca de informações por todo o mundo, dentre milhares de outros.

 

Mas do mesmo modo que a troca de e-mails traz diversos benefícios aos seus usuários, também tem trazido alguns empecilhos e complicações, dando-se principal destaque ao chamado spam.

 

E para que abordemos o assunto, faz-se mister que a priori conceituemos esta expressão, o que faremos a seguir.

 

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Origem e significado de spam

A expressão spam tem duas prováveis origens:

 

1. Em 1937 surge a marca Spam, tratando-se de carne suína enlatada de uma empresa americana, a Hormel Foods. Esse mesmo nome foi utilizado em um episódio do grupo humorístico inglês Monty Python, que na década de setenta estreava um programa televisivo, a mini-série MASH e em um dos episódios um grupo famintos de vickings entrava em um bar e começava a gritar Spam de forma incessante e repetitiva, pedindo pelo presunto.

Alguns anos depois, quando a Internet estava em seu primórdio, alguém resolve enviar mensagens comerciais aos participantes de grupos de chats, invadindo esses grupos e atrapalhando a comunicação entre os participantes. Surge assim a expressão spam na Internet, comparando-se o envio dessas mensagens não solicitadas com a gritaria do programa humorístico inglês.

 

2. Outra origem citada em algumas fontes é um laboratório de computação da South Carolina University, nos EUA, significando spam algo que não é solicitado e se “engole”.

 

Assim, atualmente spam pode ser conceituado como correspondência via e-mail, não solicitada, e destinada a usuários múltiplos.

 

O spam é também conhecido como “UBE”, uma expressão em inglês e que significa “unsolicited bulk e-mail”. Sua definição original, dada por Paul Hoffman, in “Unsolicited Bulk Email: Definitions and Problems”, obtida via Internet [http://www.imc.org/ube-def.html] em 28.12.02 é exposta a seguir, in verbis, tendo-se em vista sua importância para entendermos o significado de spam de forma completa e clara:

 

“Unsolicited Bulk E-mail, or UBE, is Internet mail (“email”) that is sent to a group of recipients who have not requested it. A mail recipient may have at one time asked a sender for bulk email, but then later asked that sender not to send any more email or otherwise not have indicated a desire for such additional mail; hence any bulk email send after that request was received is also UBE”

 

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Prejuízos causados pelo spam

Após breve explanação do surgimento e conceito do spam, precisamos agora saber quais os prejuízos que são causados por sua prática, considerada tão inconveniente. Vejamos os principais deles:

 

1. Há custos para manter conexão à Internet, como os com o provedor, linha telefônica e luz, e quanto mais tempo permanece-se on line, maiores os custos. No caso do spam, quem o recebe é obrigado a ficar mais tempo no computador, esperando até que todas as mensagens sejam baixadas;

2. Grande desperdício de tempo. Primeiro porque o usuário é obrigado a ficar mais tempo on line, como supra citado. Segundo perde-se um tempo terrível para bloquear cada um dos e-mails dos spammers, tempo este que poderia ser utilizado para outras atividades úteis;

3. Há enormes dificuldades e prejuízos para provedores e servidores também, haja vista que quanto mais “lixo” acumulado, maior será o custo de armazenamento e comunicação. Ademais, o mau uso da Internet poderá retardar o tempo de resposta das conexões.

 

 

Spam e a Constituição Federal Brasileira

A Constituição Federal é a lei suprema do país, e em seu artigo 5º, inciso X, que se trata de cláusula pétrea, aliás, discorre que: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (grifo nosso).

 

Assim, entendemos que o fato de termos nosso e-mail utilizado de forma não autorizada, recebendo material que não solicitamos, é uma invasão na intimidade e privacidade, principalmente porque para a obtenção dos e-mails que serão objeto de spam, os spammers utilizam-se de formas invasivas, como a obtenção de dicas sobre hábitos de consumo do internauta por meio de cookies, que são arquivos de dados gerados por meio de instruções que os servidores web enviam aos programas de navegação e que são guardados em um diretório específico do computador do usuário, ou seja, nossas informações partem de nosso próprio computador.

 

Aliás, muitas vezes essas listas com e-mails e perfis de usuários são negociadas entre empresas, o que além de anti-ético, também está violando a privacidade das pessoas, por meio da exposição de informações pessoais.

 

Assim, não há dúvidas que a prática do spam é inconstitucional, pois ofende o artigo 5º, X da Carta Magna.

 

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Spam e o Código de Defesa do Consumidor

Foi na década de 70 que teve início a defesa do consumidor como reivindicação da sociedade civil no Brasil, e por meio dos PROCONs, associações de consumidores e Ministério Público, entidades que possuíam o maior conhecimento prático dos problemas corriqueiros dos consumidores, houve a contribuição para a elaboração de um texto de lei amplo de defesa dos consumidores, bem como sua aprovação.

 

Desse modo que, em 11 de março de 1991 entra em vigência a Lei n.º 8.078/90, o Código do Consumidor, o qual trouxe diversas mudanças no meio empresarial, que passa a buscar a compreensão deste novo instrumento jurídico, a fim de se adaptar a ele, e assim manter a preservação de sua imagem no mercado e evitar processos administrativos ou judiciais. Preza-se pelo tripé produtividade, qualidade e respeito.

 

Nossa lei, aliás, é considerada umas das mais modernas do mundo no assunto, e logicamente deverá ser levada em consideração quando o assunto é Internet, tendo-se em vista que a relação de consumo vem crescendo muito, por meio do comércio eletrônico.

 

Em relação ao spam devemos atentar para dois artigos do Código em análise:

 

a) Artigo 39, III:

“É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(...)

III. enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço

(...) ”

 

Por meio deste artigo podemos considerar o envio de spam como ato abusivo contra o consumidor, já que o fornecedor visa fazer com que o consumidor contrate seus serviços, ou compre seus produtos, e para atrair o consumidor acaba criando alguns benefícios caso haja a adesão, impondo sua propaganda por meio do e-mail não foi solicitado. O consumidor é molestado, recebendo e-mail de fornecedor para quem nunca deu seu endereço eletrônico, e recebendo em grande parte das vezes conteúdo que não tem o mínimo interesse, apenas dando-lhe um enorme trabalho para baixar a mensagem, abri-la e deparar-se com algo inútil, deletando de sua caixa de entrada.

 

A prática abusiva é aquela que desatende ao princípio da boa-fé, que é exatamente o que ocorre no caso do spam, e, portanto, o consumidor lesado tem o direito de exigir a reparação dos danos que lhe forem causados com essa prática, não apenas de cunho patrimonial indenizatório, mas também os danos morais.

 

b) Artigo 43, § 2º:

“O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.

(...)

§ 2º A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.

(...) ”

 

Assim, trata-se de conduta ilegal a prática dos spammers que simplesmente utilizam-se de cadastros de consumidores, sem nenhuma comunicação de que esse cadastro foi efetuado, e, conseqüentemente, sem a anuência de quem recebe o spam.

 

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Spam e a Lei de Contravenções Penais

O Decreto-Lei 3.688, de 03.10.41, também conhecido como a Lei de Contravenções Penais também poderá ser invocado para a defesa contra o spam, tendo-se em vista que em seu capítulo VII, quando trata das contravenções relativas à polícia de costumes, mais especificamente em seu artigo 65, tipifica a contravenção penal denominada de perturbação da tranqüilidade: “Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável: Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 2 (dois) meses, ou multa”.

 

É indubitável que o spam encaixa-se nesta tipificação legal, e os spammers possuem dolo assumido e presumido, pois o envio destas mensagens molesta quem as recebe, lotando suas caixas de correio eletrônico, e tirando a tranqüilidade e o bom andamento das atividades corriqueiras, já que o tempo despendido na eliminação de todo o “lixo eletrônico” é enorme.

 

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O que precisamos saber sobre o 105º Congresso Base das Normativas Internacionais sobre o SPAM

Muito comum encontramos na parte inferior de spam que recebemos os seguintes dizeres:

 

“Esta mensagem é enviada com a complacência da nova legislação sobre correio eletrônico, Seção 301, Parágrafo (a) (2) (c) Decreto S. 1618,Título Terceiro aprovado pelo “105 Congresso Base das Normativas Internacionais sobre o SPAM”. Este e-mail não poderá ser considerado SPAM quando inclua uma forma de ser removido.”

 

Na verdade, trata-se de um grande mal entendido, pois o que realmente ocorreu foi uma reunião na 105ª legislatura do Senado dos EUA, onde foi proposto pelo Senador Robert McCain um projeto, denominado Anti-Slamming Amendments Acts, visando criar um Code of Federal Regulations, regulando a conduta para envio de e-mails e seus abusos.

 

Ademais, além de nem ao menos tratar-se de lei ainda, é uma norma que está sendo debatida internamente em seu país de origem, os EUA, e não há como ser regra no Brasil (o que poderia ser feito apenas por tratado ratificado pelo Brasil, o que não é o caso).

 

Finalmente, devemos ressaltar que para que uma lei seja criada no Brasil, há que se seguir um processo legislativo, exposto no artigo 59 e seguintes da Constituição Federal, sendo impossível sua promulgação por meio de um Congresso.

 

Enfim, esta frase, muito utilizada pelos spammers, além de ser um tanto quanto jocosa, também não faz sentido algum, tratando-se apenas de um ato de má-fé de quem a envia, pois o que se pretende é enganar o internauta.

 

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Conclusão

Legislação específica sobre spam e envio de e-mails está em discussão no Congresso atualmente, por meio de alguns projetos de lei (PL 1589/99, PL 2358/00, PL 6210/02 e PL 7093/02), mas enquanto não se há nada de concreto, podemos muito bem fazer valer nossos direitos por meio da legislação já existente, bastando para tanto comprovar a existência de algum dano.

 

Posto isso, podemos concluir que a prática do spam é inconstitucional e ilegal, ferindo a intimidade e privacidade de quem o recebe, e sendo considerado como uma contravenção penal e prática abusiva contra o consumidor.

 

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Referências Bibliográficas

BLUM, Lúcia Helena. O Spam à Luz do Código de Defesa do Consumidor. In Direito na Web.adv.Br, Ano I, 11ª Edição, 2001.

BLUM, Renato M. S. Opice. A Internet e os Tribunais. Extraído da Internet [http://www.faroljuridico.com.Br/art-internet02.htm], em 28.12.02.

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CAMPOS, Cristiane Garcia. A ilegalidade do marketing eletrônico, spam e listas de e-mails. Extraído da Internet [http://www.faroljuridico.com.Br/art-spanlistas0803.htm], em 28.12.02.

ESTIGARA, Adriana. O controle no envio de spams: liberdade de expressão versus privacidade. Extraído da Internet [http://www.faroljuridico.com.Br/art-spam02.htm],em 28.12.02.

GONÇALVES, Sérgio Ricardo Marques. Verdades e mentiras sobre o e-mail e o spam. In: Jus Navigandi, n. 54. [Internet] http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2633 [Capturado em 05.Out.2002]

LEGALTECH.COM.BR. Origens e significado do spam. Extraído da Internet [http://www.legaltech.com.Br/LegaltechSpam1.htm],em 28.12.02.

SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: LTR. 1998.

 

Disponível em:< http://www.advogado.com/fas/noticiaspam.html>. Acesso em 20 de maio de 2005.



(*) Renata de Freitas Martins é uma advogada paulistana, cujas principais atividades compreendem: consultoria ao terceiro setor (principalmente a associações ambientalistas). É, outrossim, pesquisadora de assuntos pertinentes ao Direito e à Informática. Seu email: renata@spambrasil.com.