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Se houvesse um prêmio para o hacker brasileiro do ano, o troféu de
2004, sem dúvida, iria para Vinicius K-Max que, na última semana do ano,
conseguiu usurpar a moderação de cerca de 26 das maiores comunidades do Orkut.
É claro que muitos diriam que Vinicius não é propriamente um hacker, pois usou
um velho truque, explorando uma vulnerabilidade do Internet Explorer que
possibilita a interceptação por terceiros dos cookies armazenados no
navegador.
A habilidade de um hacker, porém, não pode ser medida tão-somente pela
sofisticação de suas técnicas, mas por sua criatividade e principalmente pelos
efeitos de suas ações. Basta dizer que muitos conheciam a vulnerabilidade, mas
somente Vinicius teve a idéia de explorá-la conjugando-a com falhas de
segurança do Orkut.
Valendo-se da velha, mas efetiva tática do phishing scam, Vinicius
enviou mensagem aos moderadores das maiores comunidades do Orkut, incitando-os
a clicar em um link de uma página especialmente elaborada para apropriar-se dos
cookies das vítimas. De posse dos cookies, Vinicius transfeririu
provisoriamente a moderação das comunidades para seu perfil e inseriu na
descrição de cada uma delas uma mensagem alertando para as fragilidades de
segurança do navegador Internet Explorer e convidando a todos a migrarem para o
Mozilla Firefox.
Não tardou para que os expertos em Direito Informático iniciassem as discussões
sobre qual crime Vinicius teria praticado.
Em princípio, necessário se faz definir a natureza jurídica das comunidades do
Orkut, objeto material do suposto delito.
Seriam elas mero objeto de direito e, portanto, propriedade de seu
moderador-fundador? Ou verdadeiras instituições, das quais o moderador-fundador
seria não proprietário, mas diretor-presidente?
Há na verdade, dois elementos a serem levados em conta:
1. o conjunto de pessoas associadas com o fim de debater sobre determinado
assunto que, quando ingressaram na comunidade, aceitaram a liderança do
moderador e aderiram às normas impostas por ele, o que constitui uma associação
cultural sem fins lucrativos, portanto, um ente sujeito de direitos.
2. o produto intelectual desta instituição consistente no conjunto dos textos
escritos na comunidade e armazenados no servidor do Orkut que constitui
patrimônio intelectual organizado pelo autor e, portanto, objeto de tutela
pelos direitos autorais;
Se tomarmos o primeiro elemento como objeto material do delito, só se poderia
cogitar em crime caso o Orkut fosse um site estatal, pois, nesta hipótese,
caracterizaria o crime do art.328 do Código Penal, já que ao assumir a
moderação das comunidades, o hacker teria usurpado o exercício de uma
função pública .
O Orkut, porém, é um site privado e, diante da ausência de tipificação do crime
de “usurpação do exercício de função privada”, solução outra não há senão
fixarmos nossa análise no aspecto objetivo das comunidades do Orkut.
Resta-nos amparar nossa tipificação no elemento objetivo das comunidades do
Orkut, pois é evidente que o conjunto de textos resultantes das discussões são
inequivocamente produção intelectual a ser resguardada pelo Direito Autoral.
Tal como em uma obra coletiva na qual vários autores escrevem capítulos de um
livro que é publicado com créditos em destaque para seu organizador, as
comunidades do Orkut têm como co-autores todos os seus membros e como
organizadores os seus moderadores. Estes são responsáveis não só por apagarem
conteúdo ofensivo, repetitivo e desviado do tema da comunidade, mas também pela
seleção dos co-autores da obra que mesmo em comunidades abertas podem ser
banidos pelos moderadores, caso estejam perturbando o processo de criação dos demais
co-autores.
Conclui-se, pois, que a usurpação da moderação de comunidades do Orkut
constitui verdadeira violação de direito autoral do organizador da obra e,
portanto, punível nos termos do art.184 do Código Penal Brasileiro. Vinicius,
no entanto, ao devolver as comunidades a seus legítimos moderadores, demonstrou
não ter efetivo dolo de violar direitos autorais, tornando assim atípica sua
conduta.
O episódio, porém, demonstrou as fragilidades do Orkut a seus usuários e,
principalmente, fez a comunidade jurídica atentar para as inúmeras repercussões
jurídicas da proliferação de redes de relacionamento no estilo do Orkut.
*Professor de
Direito Penal da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
<http://www1.pucminas.br/home/destaque.php>.
Doutorando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná
<http://www.ufpr.br/> e Mestre em Ciências Penais pela Universidade
Federal de Minas Gerais <http://www.ufmg.br/> (2001), onde também se
bacharelou (1999).
Autor do livro Fundamentos de Direito Penal Informático <http://www.tuliovianna.org/index.php?secao=obra/fundamentos.html>
(Forense <http://www.forense.com.br/>, 2003) e de artigos
<http://www.tuliovianna.org/index.php?secao=obra/revistas.php> publicados
nas principais revistas jurídicas brasileiras.
No exterior, publicou artigos na Revista de la Facultad de Derecho de la
Universidad de Granada
<http://comandes.uji.es/Revistes/PaginaRevista.asp?Valor=1018&Many=2>
(Espanha) e na Revista Ciencias Penales Contemporáneas
<http://www.librarius.com.ar/Bookbig.asp?Codigo=21915> (Argentina).
Tem partipado como palestrante em diversos congressos e seminários nacionais
sobre temas de Direito Penal, Direito Informático e Direitos Humanos.
Disponível em: <http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/14657>.
Acesso em: 4 mai. 2005.