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A Inviolabilidade do Sigilo de Dados e a Atuação do
Fisco
Renato Bernardi
Dentre os elementos constantes da Constituição Federal, há aqueles
denominados pela doutrina de elementos limitativos, assim denominados porque o
seu objetivo regulamentar consiste na restrição da atividade do Estado,
traçando linhas divisórias entre o seu âmbito de atuação e a esfera do
indivíduo. O mais significativo exemplo de tal categoria de elementos
constitucionais é o rol dos direitos fundamentais, previstos, em sua maioria,
no artigo 5º do Texto Constitucional.
Em meio aos direitos e às garantias fundamentais, encontra-se o direito
conferido aos brasileiros e aos estrangeiros presentes no país, expresso no
artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal, de inviolabilidade da intimidade,
espécie de direito da personalidade. Como corolário do direito à intimidade, o
inciso XII do mesmo artigo da Carta Magna prevê a inviolabilidade do sigilo da
correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal.
A questão referente à inviolabilidade do sigilo de dados carece de
compreensão quanto à sua estrutura e quanto à sua extensão, sempre se levando
em consideração que, conforme pacífica doutrina, embasada em remansosa
jurisprudência, o direito brasileiro não contempla direitos absolutos.
Argumentam aqueles que pretendem incutir caráter absoluto à
inviolabilidade do sigilo de dados que os meios eletrônicos de armazenamento de
dados encontram-se sob o manto de proteção inabalável do artigo 5º, incisos X e
XII da Constituição Federal, que garantem, respectivamente, a inviolabilidade
da intimidade e da vida privada e a inviolabilidade do sigilo da
correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações
telefônicas, rotulando de inconstitucional e ilegal a realização de qualquer
procedimento de avaliação do conteúdo dos computadores e demais meios de
armazenamento eletrônico e magnético de dados.
Os adeptos dessa corrente fundamentam seu entendimento no Acórdão
proferido pelo Colendo Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 307-3, do
Distrito Federal, cujos réus foram, entre outros, o ex-presidente da República
Fernando Collor de Mello e seu assessor Paulo César Farias. Nessa ação penal,
foi considerada ilícita a prova produzida a partir do laudo de degravação do
conteúdo de um computador, que havia sido apreendido pela Polícia Federal sem
as devidas formalidades legais.
Todavia, o julgamento da referida ação penal teve por fundamento a ofensa
à inviolabilidade da intimidade do possuidor do computador apreendido, ante a
invasão de domicílio para a sua apreensão e a ausência de prévia autorização
judicial para tal procedimento, considerada a possibilidade de nele estarem
armazenados dados de caráter pessoal.
É fato público e notório que as pessoas físicas e jurídicas atualmente se
utilizam dos meios eletrônicos e magnéticos para a administração e o
armazenamento dos dados relativos a suas atividades comerciais e fiscais, o que
significa dizer que as eventuais provas de qualquer conduta delitiva
sonegatória praticada, em tese, por qualquer contribuinte, estarão arquivadas
em meio eletrônico ou magnético.
A questão põe, frente a frente, a compatibilização entre o respeito aos
direitos e garantias individuais e a preservação do interesse público ou do bem
comum, consignando-se que a supremacia do interesse público sobre o privado é
prevista de forma implícita nos ditames de nossa Constituição Federal, assim
como em grande parte dos países que se organizam sob a égide de um Estado Democrático
de Direito.
Os direitos e garantias fundamentais não podem ser utilizados como escudo
protetivo da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para o
afastamento ou a redução da responsabilidade civil ou penal por atos
criminosos, sob pena de consagração do desrespeito ao Estado de Direito.
Considerando-se um exemplo de direito penal, uma agenda eletrônica -
acervo de informações (dados) registrados até o momento da apreensão e parte
integrante do conjunto de objetos utilizados para o empreendimento criminoso -
que contivesse o nome de fornecedores e adquirentes de substância entorpecente
não poderia ser considerada prova ilícita para a condenação do criminoso pelo
tráfico ilícito de entorpecentes, ainda que se considerasse o direito à
intimidade e ao sigilo dos dados do traficante.
Mutatio mutandis, não se justifica a pretensão eventual do contribuinte
de acobertar-se nas garantias da intimidade e da privacidade documental e de
dados, considerando-se que os computadores e meios magnéticos que venham a ser
apreendidos no curso de qualquer investigação da prática de crimes contra a
ordem tributária ostentam potencial e inequívoca condição de prova não apenas
da defraudação, mas também da dimensão temporal da atividade sonegadora.
Reconhece-se que atualmente a tecnologia oferece um sem número de
benefícios às pessoas físicas e jurídicas em suas tarefas cotidianas. Por outro
lado, é de rigor o reconhecimento de que a tecnologia da informática não pode
produzir impunidade. O armazenamento de dados fiscais e tributários em meio
eletrônico ou magnético, incentivado pelo próprio fisco, no interesse da
fiscalização e da arrecadação de tributos, não é imune ao controle estatal, nem
causa impeditiva ou excludente de infrações penais. Os modernamente denominados
"cybercrimes" não estão acima da lei e da ordem.
Como já adiantado, nenhuma liberdade individual é absoluta, sendo
possível, respeitados certos parâmetros, a interceptação das correspondências e
comunicações telegráficas e de dados, sempre que os direitos ou as garantias
fundamentais estiverem sendo utilizadas como instrumento de salvaguarda de
práticas ilícitas.
A quebra do sigilo garantidor da intimidade do indivíduo, todavia,
somente será lícita após o seu deferimento pela autoridade judiciária.
Determinada e executada a medida independentemente de ordem judicial,
resta garantido à pessoa jurídica ou física devassada em sua intimidade o
direito de recorrer ao mesmo Poder Judiciário em busca da repressão ao abuso de
poder praticado pela autoridade pública, traduzida na competente tutela
reparatória - caso a devassa já esteja perpetrada - ou na tutela preventiva -
para que se evite devassa ilegal e inconstitucional - sem prejuízo das sanções
penais cabíveis à espécie.
Ao Poder Judiciário, como norte para resolver a intricada
lide que põe em confronto o direito fundamental à intimidade e o poder de
polícia administrativo, cabe analisar as características do caso concreto que
lhe é apresentado e o objeto jurídico tutelado pela norma garantidora do sigilo
de dados, distribuindo o direito de forma proporcional, ou seja, garantindo-se
a máxima efetividade do direito fundamental, sem erigi-lo a direito absoluto e
privilegiando o interesse público sobre o interesse privado, postulado
orientador em todo Estado Democrático de Direito.
Retirado de: <http://www.legiscenter.com.br/materias/materias.cfm?ident_materias=275>.
Acesso em 19 abr. 05.