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A IMPORTÂNCIA DA ATA NOTARIAL PARA AS QUESTÕES RELATIVAS AO CIBERESPAÇO

Amaro Moraes e Silva Neto

 

SUMÁRIO:
i - a prova e suas modalidades de produção em decorrência do dano causado
ii - os cinco meios de se provar algo em juízo
iii - dos átomos aos bits (reavaliando a questão probandi)
iv - a teoria da carga dinâmica da prova
v - Colombo, Escobedo e a primeira ata notarial das Américas
vi - a ata notarial (generalidades)
vii - características da ata notarial
viii - o valor legal da ata notarial
ix - conclusão

i - a prova e suas modalidades de produção em decorrência do dano causado

Prova (do latim probare) é o estabelecimento de uma verdade, de uma realidade. É o ato de tornar algo evidente. É a demonstração de alguma coisa - ou situação. Talvez seja o mais eficiente instituto processual para a colimação da Justiça, o estabelecimento da paz social e, sobretudo, o reconhecimento dos direitos individuais previstos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos - e pela maior parte das Constituições dos Países ditos civilizados. A prova é a determinante maior da sentença, é a sua base, é a permissão de seus fundamentos. Se, no processo, as provas forem insubsistentes e nelas se fundar a sentença, essa última não prevalecerá.

Como bem colocou Moacyr Amaral dos Santos, com palavras desnudas de adjetivos e perfunctórias, "provar é convencer o espírito da verdade respeitante a alguma coisa"1, onde resta ressaltado que os elementos básicos da prova são a sua finalidade e o seu destinatário.

Uma bela moldura pode valorizar uma pintura; contudo não será ela quem revelará ao Mundo um grande pintor. Do mesmo modo a riqueza jurídica e intelectual de uma petição talvez possa sugerir uma situação como mais factível do que realmente é. ¡E só! Se não houver prova das questões factíveis, as alegações nada valerão. O julgador somente logrará o convencimento pleno e absoluto dos fatos sub judice através das provas carreadas no processo.

A origem do dano é o fator determinante do modo como a prova será produzida.

Se o dano patrimonial2 for de caráter moral, ela será indireta porque o caráter subjetivo desse dano não permite que ele seja provado direta, objetiva e efetivamente. Podem até ser consideradas provas subsidiárias (avaliações psicológicas, por exemplo); entretanto, a prova final sempre será indireta.



A prova pode ser direta ou indireta.
É direta quando os fatos forem presenciados por alguém que sobre eles depõe ou quando se estriba em documento.
É indireta quando não se refere ao fato a ser provado, mas a presunções e indícios que permitem, através do raciocínio e da dedução, chegar ao fato que se pretende provar.


O prejuízo moral deve ser avaliado in res ipsa, haja vista que o prejuízo anímico é bastante para responsabilizar o agente da ofensa.



"Quando existe dano moral, principalmente quando o ataque é a um direito personalíssimo, honra, intimidade, vida privada e imagem, ou quando fica restrita ao pretium doloris, com muito maior razão não devem mediar razões que justifiquem a exigência de prova direta. O dano, em especial nestes casos, deve ter-se por comprovado in res ipsa. (...).
"A afirmação de que o dano ocorre in res ipsa repousa na consideração de que a concretização do prejuízo anímico suficiente para responsabilizar o praticante de ato ofensivo, ocorre por foça do simples fato da violação de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto" 3.



Contudo a existência do dano sempre deve ser provada objetivamente.

ii - os cinco meios de se provar algo em juízo


Consoante os direitos processuais civil e penal brasileiros, existem cinco meios para serem provadas as alegações em juízo: a) a confissão, b) a prova documental, c) a prova pericial, d) a inspeção judicial e e) a prova testemunhal.



A) A CONFISSÃO

Através da confissão (judicial ou extrajudicial, espontânea ou provocada, escrita ou verbal), o confitente (aquele que confessa) admite como verdadeiro um fato que desatende a seus interesses e atende aos de seu adversário4. Isso no juízo civil, porque no juízo criminal, caso a infração deixe vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, não podendo supri-lo a confissão do acusado5.
Ademais, sua validade não é absoluta, haja vista que o valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância6. Dest'arte, no juízo criminal a confissão somente se prestará para a condenação do réu se existirem outras provas.
B) A PROVA DOCUMENTAL
A prova documental, como o próprio nome explicita, é aquela que se baseia em um documento, público ou particular.
Documento, para os efeitos legais, é um instrumento íntegro e assinado, ressalvadas as hipóteses legais7. Era "assim" e foi feito por "alguém".
C) A PROVA PERICIAL
A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação8. Todavia o juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos des'que efetivamente provados nos autos9.
D) A INSPEÇÃO JUDICIAL.
A inspeção judicial ocorre quando o "juiz, de ofício ou a requerimento da parte, inspeciona pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato que interesse à decisão da causa" 10.
E) A PROVA TESTEMUNHAL
Sempre que um fato não for provado documentalmente, por confissão ou por perícia, é admissível a prova testemunhal 11 e 12.




Por fim se faz mister ressaltar que, por ausência de outros meios eficazes, o juiz pode ouvir testemunhas impedidas ou suspeitas13. Contudo esses depoimentos não guardam mesmo valor da prova testemunhal, pois que são prestados sem compromisso14, não assumindo o depoente nenhuma responsabilidade por sua palavras (o que lhe confere o poder de mentir).

iii - dos átomos aos bits (reavaliando a questão probandi)

Quando uma pendência judicial envolve questões que têm vez nos insólitos e insondáveis mares da Internet, pondere-se que os meios tradicionais de prova podem se mostrar inapropriados, haja vista que qualquer prova a ser produzida envolverá, necessariamente, bits. Todavia em se alterando a paralaxe jurídica convencional, lograr-se-á uma satisfatória solução para os problemas.



"Um bit é algo que, como a água, não tem cheiro, não tem gosto e não tem cor. Porém seus (não) atributos são mais que esses. Um bit, como complementa Negroponte, também, não tem "tamanho ou peso e é capaz de viajar à velocidade da luz. Ele é o menor elemento atômico do DNA da informação. É um estado: ligado ou desligado, verdadeiro ou falso, para cima ou para baixo, dentro ou fora, branco ou preto" - e é fragílimo...
"Pode estar em tudo que for relativo à informação, eis que, a princípio, toda informação (escritos, desenhos, sons e imagens) é passível de ser digitalizada e, por conseqüência, transformada em bits.
"Ele é o 'papel' e a 'tinta' e o 'envelope' e o 'selo' e o 'carteiro' da correspondência eletrônica.
"Na Internet, o Homem desse Brave New World somente pode se exercitar através de informações. E essas informações só podem ser alcançadas ou transmitidas de duas formas: em sendo acessado um website15 qualquer ou em se recebendo informações através do correio eletrônico, comumente conhecido como email (ou eletronic mail), ou através de softwares de comunicação instantânea como, v.g., o ICQ"16.




Se a honra de alguém for ofendida (através de um email ou pela irradiação da ofensa por um website), todos os cinco meios probatórios processuais poderão ser aplicados. No entanto lhes faltará a esperada eficiência de sua aplicação no Mundo da Corporalidade.

A confissão, como soe acontecer, quase nunca tem vez, e a inspeção judicial não pode ser realizada porque bits não se enquadram na condição de pessoas ou coisas17. Portanto a existência de um email (e compreenda-se nessa idéia não apenas a correspondência eletrônica como, também, os anexos que podem vir com ela) ou de um website, somente poderão ser provados documental, pericial ou testemunhalmente.

No que diz respeito, particularmente, à prova testemunhal, em se tratando de ciberespaço, ela deve ser tomada com severas restrições e excessivas cautelas, haja vista que é sobremaneira fácil ilaquear a boa-fé da maior parte dos internautas que, via de regra, possuem conhecimentos deveras superficiais sobre os mecanismos que autorizam a existência da Web18.

É sobremodo simples, por exemplo, alterar o cabeçalho de um email e nele colocar o endereço do remetente que for desejado. Assim, se alguém, de má-fé, forjar um email, remetê-lo para si mesmo e, depois pedir que uma terceira pessoa a veja, em seu computador. Essa mensagem fraudada poderá criar a ilusão de veracidade a um fato falso. Assim essa terceira pessoa poderá afirmar - ¡e de boa-fé! - que viu o email forjado que lhe foi apresentado como verdadeiro. Essa especial situação merece uma especial avaliação.

Do mesmo modo que os contratos com valor superior ao "décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que foram celebrados não podem ser provados testemunhalmente (artigo 227, CC/2002)19, igualmente a prova testemunhal deve ser vista com ressalvas nas questões que envolvam o ciberespaço, dada a facilidade com que podem ser alterados os bits.

Quanto aos websites, o mesmo se sucede, haja vista que fazer uma página, ou um website na WWW é deveras fácil e, ma maior parte das vezes, sem quaisquer custos. Diversos são os websites que oferecem esse serviço20. Assim, por exemplo, se alguém copiar a primeira página do website da Microsoft, adulterá-la e colocar num endereço como www.microsoft.com/produtos/especificacoes/falhas&solucoes&
especificidade@www.sitegratis.com.br/paginafalsa.htm, o webnauta não irá para o site da Microsoft, mas para o website www.sitegratis.com.br/paginafalsa.html. Isso porque os navegadores (browsers), até sua versão 5 ignoravam todos os símbolos anteriores a @.

Portanto restam apenas dois métodos efetivos para ser provada a existência de um email ou de um website: a perícia e a prova judicial. Para fortalecê-las nas questões que envolvam a Internet, os profissionais do direito contam com as benesses da teoria da carga dinâmica das provas e da esquecida ata notarial.

iv - a teoria da carga dinâmica da prova

Nos termos do artigo 333, I, CPC, o ônus da prova cabe a quem alega o fato constitutivo de seu direito21. ¿Algo causou prejuízo? Pois que quem o sofreu o comprove. Essa é a regra clássica. Porém, uma vez que o direito não é algo estanque às mutações sociais, em determinadas situações é admitida a inversão do ônus da prova como, por exemplo, nas questões consumeristas22.



"O cliente de um banco que se utiliza do caixa eletrônico para fazer saques, tem retido o cartão magnético. Ao depois, constata que foi sacado certo valor de sua conta corrente. Como fazer para provar que houve falha no serviço prestado pela instituição financeira e que ele não tentou ludibriar o banco, sacando o dinheiro para, depois, afirmar que o desaparecimento de certa quantia de sua conta ocorreu por mero equívoco e ele não é responsável pelo saque? São problemas que as normas de direito processual no que pertine à prova não são suficientes para garantir o pleno direito material. Se o juiz tiver de esperar que o cliente do banco tenha, ele sozinho, sem participação do banco, persuadi-lo de que houve falha na estrutura do caixa eletrônico, jamais será ressarcido. O prejuízo é vivaz."23.




Em processos com características especiais é de se admitir que a prova tenha tratamento diferenciado. É essa a posição adotada pelos defensores da teoria da carga dinâmica probandi, onde o ônus da prova cabe a quem se encontra em melhores condições, não a parte que, especificamente, a requisitou.



A teoria da carga dinâmica da prova surgiu porque, em diversas situações, a vítima jamais conseguirá provar seu prejuízo. Segundo essa teoria, quem deve provar o evento não é necessariamente quem o alega, mas, isso sim, quem melhor condições tem para a realização dessa prova, seja por sua situação ser mais cômoda, seja por ser menos onerosa. Como se constata, partilham-se os ônus da prova24.




É dinâmica porque quebra a estática regra romana que entende que onus probandi incubit actori, reus in excipiendo fit actor, consolidada pelo artigo 333, CPC.

Tratando-se de Internet, a utilização da teoria carga dinâmica da prova é fundamental, haja vista que na quase totalidade das vezes o usuário comum, o homo medius, não terá a mais remota possibilidade de provar o dano do qual foi vítima se os ônus probandi recaírem exclusivamente sobre suas costas.

No ciberespaço, o proprietário de um website e/ou um provedor de acesso à rede estão em condição nitidamente mais favorável para provar fatos sob sua guarda do que o mero usuário.

Mesmo assim o demandante deve colaborar para que a verdade seja alcançada, trazendo aos autos todos os elementos que julgar oportunos e que conseguir juntar para a convicção do magistrado que consolidará, ou não, o seu direito. Caso inverso, agirá com incúria. Afinal a teoria da carga dinâmica da prova busca a flexibilização dos ônus em relação a quem alega a questão, não a sua eliminação.

Consigne-se, por fim, que a teoria dinâmica da carga probandi não é mero objeto de divagações acadêmicas. É fato jurídico reconhecido pelas mais altas Casas de Justiça do Brasil.



"NÃO VIOLA REGRA SOBRE PROVA O ACÓRDÃO QUE, ALÉM DE ACEITAR IMPLICITAMENTE O PRINCÍPIO DA CARGA DINÂMICA DA PROVA, EXAMINA O CONJUNTO PROBATÓRIO E CONCLUI PELA COMPROVAÇÃO DA CULPA DOS RÉUS"25.




v - Colombo, Escobedo e a primeira ata notarial das Américas

Quando chegou no Novo Mundo, Colombo trazia, entre seus oitenta e dois comandados, Rodrigo de Escobedo, o Tabelião do Consulado dos Mares, notável notário que o acompanhou quando de seu desembarque da nau.

Em terra firme, no Continente, cercado por estupefatos silvícolas e assombrada comitiva, Colombo proclamou à comunidade indígena que lá se encontrava para tomar posse daquelas terras em nome dos reis de Espanha. Escobedo, que a seu lado estava, tudo isso anotava.

Na seqüência, Colombo perguntou aos índios (que, obviamente, não conheciam a linguagem espanhola) se eles se opunham aos espoliantes atos dos europeus. Sepulcral silêncio. Assim sendo, em decorrência da quietude indígena, Escobedo lavrou u'a ata que atribuía o domínio e a posse das terras aos Reis Católicos do Reino de Castilha26.

Há quem equipare, em valor notarial, a Carta de Pero Vaz de Caminha à Ata de Rodrigo de Escobedo. Quem nisso crê incorre em grave erro. O último era Tabelião do Consulado dos Mares, enquanto Caminha era um escrivão nomeado para a feitoria de Calecute, sem jurisdição nas Terras de Santa Cruz. A Ata Notarial de Escobedo era oficial, enquanto a carta de Caminha era oficiosa em decorrência de seu caráter explicitamente confidencial, íntimo, na qual pedia um indulto para seu genro, Jorge d'Osório27, que se encontrava degredado na ilha de São Tomé.



"Todo o longo preâmbulo em que descreve a terra, o novo homem, a ação dos pílotos da armada, o diário do cotidiano nas plagas brasileiras, os primeiros contatos, eram orientados para um pedido final da Carta. Pero Vaz de Caminha, nomeado escrivão para a feitoria de Calecute, não tinha nenhum vínculo obrigacional com a descrição da viagem e das terras por onde a armada passasse. Entretanto, amigo do Rei, envia-lhe uma carta íntima com pormenores importantíssimos, fatos bem observados, descrição melhor ordenada. Sua intenção parece clara e indiscutível: agradar a D. Manuel para colocar ao final da narrativa o pedido que o interessava"28.




Como se vê, no Século XV já se sabia como constatar uma realidade para fins jurídicos29. A certidão de nascimento das Américas é a prova eloqüente do que é asseverado. Mas os profissionais do direito (e nesses se incluam os Tabeliães e Notários) ficaram alheios aos acontecimentos, aos fatos, à vida.

vi - a ata notarial (generalidades)

A ata notarial remonta à Antiguidade e se confunde com a própria atividade notarial30. Assemelha-se à escritura pública31 na medida em que ambas são documentos e documentáveis32. Como preleciona Argentino I. Neri, é o ato que "pode ser causa produtora de um direito"33. Neste ato o notário deve circunstanciar judiciosa e juridicamente um fato ou um ato jurídico, de modo a relatar uma coisa, um fenômeno ou uma declaração de vontade, com o máximo de detalhes e exatidão.

É um ato passivo porque o notário sempre deve se limitar a narrar os fatos que lhe forem solicitados narrar, sem emissão de quaisquer juízos de valor. É qual u'a máquina fotográfica. Pode registrar a ação, mas não pode influenciá-la.

O notário deve se valer, na elaboração da ata notarial, apenas de seus sentidos (com os quais está comprometido), não com suas idéias, seus juízos ou influências de terceiros, sob pena de imparcialidade - o que desvalidaria seus misteres.



"O poder certificante do notário é uma faculdade que a lei lhe dá para, com sua intervenção, evitar o desaparecimento de um fato antes que as partes o possam utilizar em proveito de suas expectativas. A fé pública é, em todo o momento do negócio jurídico, o caminho mais efetivo para a evidência (...). Tudo se reduz à intervenção notarial que, com sua presença ou sua atuação, soleniza, formaliza e dá eficácia jurídico ao que ele manifesta ou exterioriza por instrumento público, seja este escriturado ou não. Isto se relaciona, também, com o poder certificante do notário, o que permite às partes em forma voluntária, escolher a forma e o modo de resolver seus negócios (...); neste caso, como afirma Gatán, a função notarial pode considerar-se como jurisdicional. O notário, dentro de sua ampla gama de faculdades, logrará, com sua intervenção, estabelecer a prova preconstituída, que há de servir de pauta legal, no momento em que seja necessário solicitá-la"34.
"Quero dar a maior importância às atas notariais, como instrumento público em sua mais alta validez; têm mais simplicidade que o instrumento formal, vale como a escritura propriamente dita, e há de servir em juízo, na oportunidade de se estabelecerem os direitos, de se abreviarem procedimentos de peritagem, e de outros trâmites relacionados com as pretensões de quem tem o justo direito, muitas vezes, aliás, turvado no seu aspecto de verdade. As atas de notoriedade, conforme o direito espanhol, têm por objeto a comprovação e fixação de fatos notórios, sobre os quais poderão ser fundados e declarados direitos e qualidades com transcendência jurídica"35.




O assessoramento do notário se restringe a um âmbito estritamente formal (a importância da lavratura de u'a ata notarial para a preservação de um direito, por exemplo), não material (sugerir, v.g., que se destaque um aspecto dos fatos para o favorecimento de uma das partes ou eventual terceiro beneficiário).

vii - características da ata notarial

A princípio, no grosso das situações, a ata notarial se prestará como prova circunstanciada e com fé pública. Contudo, apesar de sua enorme valia para o Mundo do Direito, raramente há quem se valha da função notarial, prevista pela Constituição de 1988 e regulamentada pela Lei nº 8.395, de 18 de novembro de 1994.



"Os atos redigidos pelo notário deverão traduzir-se em instrumentos públicos, aliás, no caso, instrumentos notariais. Nesse diapasão, a lei orgânica do notariado e dos registradores, em seu artigo 7º, incisos I, II e III, assevera ser de competência exclusiva dos tabeliães a lavratura de escrituras públicas e procurações públicas, testamentos públicos e atas notariais"36.




A ata notarial nada mais é do que a narração de fatos verificados pessoalmente pelo Tabelião e compreende:-

Local, data de sua lavratura e hora;
Nome e qualificação do solicitante;
Narração circunstanciada dos fatos;
Declaração de haver sido lida ao solicitante, e, sendo o caso, às testemunhas;
Assinatura do solicitante, ou de alguém a seu rogo, e, sendo o caso, das testemunhas e

Assinatura e sinal público do Tabelião.



Portanto, para positivar a demonstração da efetivação do spamming, o destinatário (pessoalmente ou através de procurador) deve se dirigir a um Tabelionato de Notas e, nos moldes dos artigos 364, CPC37, e 6º, III38, e 7º, III39, da Lei nº 8.395, de 18 de novembro de 1994, requisitar ao Tabelião que se conecte à Internet através de seu (dele) provedor de acesso, acesse o seu correio eletrônico e lavre uma ata constando os fatos veiculados em seu monitor.

viii - o valor legal da ata notarial

A ata notarial é um documento público, guardando o mesmo valor probandi de uma escritura pública. Conseqüentemente faz prova dos fatos nele consignados.

Tudo isso encontra-se explicitamente disposto em nossa legislação.

artigo 364, CPC - O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão ou o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.


artigo 217, CC/2002 - Terão a mesma força probante os traslados e as certidões, extraídos por tabelião ou oficial de registro, de instrumentos ou documentos lançados em suas notas.


artigo 223, CC/2002 - A cópia fotográfica de documento, conferida por tabelião de notas, valerá como prova de declaração da vontade, mas, impugnada sua autenticidade, deverá ser exibido o original.
Parágrafo único. A prova não supre a ausência do título de crédito, ou do original, nos casos em que a lei ou as circunstâncias condicionarem o exercício do direito à sua exibição.




¿Uma ofensa foi irrogada? Constate-se-a através de u'a ata notarial. ¿Um email difamou alguém? Igualmente constate-se através de u'a ata notarial.

ix - conclusão

Ainda são muitos os profissionais do direito que aguardam pelo nascimento de uma específica legislação para as questões factuais que tenham a Internet como pano de fundo. Julgam se não surgir uma lei para regular a palavra, todo nosso ordenamento correrá os riscos de um maremoto em seus tão insólitos e insondáveis mares. Acreditam que as soluções do "futuro" estão no "futuro", não na equação fibonacciana que explicita que o futuro nada mais é do que a somatória do passado e o presente40.

Se não existe a palavra, não existe a regra, pensam alguns, dando seus passos de pigmeu na estrada do direito (e para trás). São, como dizia Nélson Hungria, meras esponjas que só sabem oferecer a mesma água que sugam. Nada dão de deles mesmos.

Esquecem-se do fato; ignoram o ato. Prostram-se no portal do Templo dos Vocábulos e, como convictos lexicólatras41, encaminhando suas preces aos deuses do alfabeto. Mas se enganam.

Soluções existem e se mostram para todos aqueles que as quiserem ver. Nunca houve escassez de soluções para atos ou fatos. A ata notarial é um inequívoco exemplo. É um instrumento de grande valia para os profissionais do direito que podem, em parte das vezes, eliminar perícias caras, demoradas e, às vezes, tardia.

Enfim, a ata notarial é um exemplo sublime de que as soluções do Futuro são visíveis apenas para aqueles que mirarem para o passado. Afinal, nas Américas, já foi utilizada há mais de cinco séculos...



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NOTAS


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1 SANTOS, Moacyr Amaral, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 18ª edição, Saraiva (São Paulo), 1997, 2º volume, fls. 327.

2 “Os doutrinadores têm por hábito distinguir os danos em patrimoniais e em não patrimoniais. No primeiro caso estão abarcados os prejuízos causados ao patrimônio físico da vítima. Nos últimos estão compreendidos os valores morais violados que têm significância no Mundo psíquico da vítima.
“Contudo, a par das diferenças apontadas pelos doutrinadores entre danos patrimoniais e não patrimoniais, a verdade é que todo dano se reduz à patrimonialidade, quando o evento tem vez na esfera civil - e isso compreende, patrimonialmente, a honra, a intimidade e a tranqüilidade.
“Aliás, esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, que pontificou que “o direito de ação por dano moral é de natureza patrimonial” (RSTJ 71/183).”
(SILVA NETO, Amaro Moraes e, EMAILS INDESEJADOS À LUZ DO DIREITO BRASILEIRO, Quartier Latin (São Paulo), 1º edição, 2002, fls. 175, nota de rodapé).
Pontue-se, outrossim, que nada é menos científico do que qualificar uma coisa pela razão inversa do que ela, potencialmente, pode ser.

3 SANTOS, Antonio Jeová, DANO MORAL NA INTERNET, MÉTODO EDITORA (São Paulo), 2001, fls. 242/3.

4 Artigo 348, CPC - Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial.

5 Artigo 158, CPP - Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.

6 Artigo 197, CPP - O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância.

7 Artigo 205, CC/2002 - Havendo urgência, transmitir-se-ão a carta de ordem e a carta precatória por telegrama, radiograma ou telefone.
(vide artigos 222, CDC, e 206, 208, 229, 374 e 375, CPC)

8 Artigo 420, CPC - A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
parágrafo único - O juiz indeferirá a perícia quando:
I - a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico;
II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;
III - a verificação for impraticável.

9 Artigo 436, CPC - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros elementos ou fatos provados nos autos.

10 Artigo 440, CPC - O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa.

11 Artigo 400, CPC - A prova testemunhal é sempre admissível, não dispondo a lei de modo diverso. O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas sobre fatos:
I - já provados por documento ou confissão da parte;
II - que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados.

12 Artigo 202, CPP - Toda pessoa poderá ser testemunha.

13 Artigo, 405, CPC - Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas.
§ 4º - Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso (art. 415) e o juiz Ihes atribuirá o valor que possam merecer.

14 Artigo 415, CPC - Ao início da inquirição, a testemunha prestará o compromisso de dizer a verdade do que souber e Ihe for perguntado.
§ único - O juiz advertirá à testemunha que incorre em sanção penal quem faz a afirmação falsa, cala ou oculta a verdade.

15 Website (ou site) - Do latim sitius, sítio, lugar. É onde, na Internet, estão disponibilizadas informações (na mais ampla acepção e extensão do termo) que podem ser acessadas pelos usuários da grande rede mundial de comunicações.

16 SILVA NETO, Amaro Moraes e, EMAILS INDESEJADOS À LUZ DO DIREITO BRASILEIRO, Quartier Latin (São Paulo), 2002, 1º edição, fls. 53/54.

17 Artigo 440, CPC - O juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa.

18 Web (rede, em inglês) é uma das formas de se referir à World Wide Web (WWW).

19 O artigo 141, § único, CC/1916 admitia a prova testemunhal como subsidiária ou complementar da prova por escrito em contratos de quaisquer valores.

20 Um dos primeiros websites a oferecer esses serviços, no início dos anos ’90, foi GeoCities (www.geocities.com).

21 Artigo, 333, CPC - O ônus da prova incumbe:
I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

22 Artigo 6º - São direitos básicos do consumidor:
viii - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.
Grife-se que essa pode ser considerada como uma “cláusula pétrea” do CDC, a qual não admite quaisquer cláusulas contratuais que “estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor” (artigo 51, vi, CDC).

23 SANTOS, Antonio Jeová, DANO MORAL NA INTERNET, MÉTODO EDITORA (São Paulo), 2001, fls. 247.

24 A expressão carga dinâmica das provas foi cunhada pelo professor e processualista argentino Jorge Peirano, como noticia Antonio Jeová Santos, in DANO MORAL NA INTERNET, MÉTODO EDITORA (São Paulo), 2001, fls. 254.

25 Revista do STJ, volume 87, fls. 287.

26 "Puestos en terra vieron árboles muy verdes y aguas muchas y frutos de diversas maneras. El Almirante llamó a los dos capitanes y a los demás que saltaron a tierra, y a Rodrigo D’Escobedo, escribano de toda la armada, y Rodrigo Sánchez de Segovia, y dijo que diesen por fe y testimonio cómo el por ante todos, tomaba, como de hecho tomó possessión de la dicha isla, por el Rey e por la Reina, sus señores, haciendo las protestatciones que se requerian, como más largo se contienen en los testemonios que alli se hicieron por escripto".

27 Jorge d’Osório era um típico baderneiro medieval. Consoante documentos da Torre do Tombo (Portugal), desde 1490 o genro de Caminha se metia em estrepolias como brigas, violências, extorsão armada e furtos.

28 ARROYO, Leonardo, A CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA, Edições Melhoramentos (São Paulo), 1ª edição, 1971, fls. 30.

29 Os fins jurídicos, naquela específica ocasião, diziam respeito ao direito internacional, eis que se tratavam de novas Terras, de novas descobertas, inexistentes no contexto mundial.

30 Notário é aquele que tem o poder de registrar os fatos com fé pública.

31 Na Argentina, até o final do morto Milênio, os requisitos para a lavratura de uma ata notarial ou escritura pública eram os mesmos.

32 Essa comparação é inevitável e encontrada amiúde nas doutrinas espanhola e argentina.

33 NERI, Argentino I., TRATADO TEÓRICO Y PRÁCTICO DE DERECHO NOTARIAL, Depalma Ediciones (Buenos Aires), 1980, volume III, fls. 1102.

34 YAÑES, Oscar Vallejo, in Anais do 3º Congresso Notarial Brasileiro, p. 69.

35 YAÑES, Oscar Vallejo, in Anais do 3º Congresso Notarial Brasileiro, p. 70.

36 BRANDELLI, Leonardo, TEORIA GERAL DO DIREITO NOTARIAL, Livraria do Advogado Editora (Porto Alegre), 1998, fls. 167.

37 Artigo 364, CPC - O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença.

38 Artigo 6º, Lei nº 8.935/94 - Aos notários compete:
(...)
III - autenticar fatos.

39 Artigo 6º, Lei nº 8.935/94 - Aos tabeliães de notas compete com exclusividade:-
(...)
III - lavrar atas notariais.

40 O sistema proposto por esse matemático (pretensioso para alguns e fabuloso para a quase totalidade) buscava suas raízes na lógica ditada pela Natureza, onde o futuro sempre é a resultante da somatória dos atos passados mais os presentes. Assim, partindo do princípio que no começo nada existia, iniciou seu sistema matemático considerando o passado como 0 (zero) e o presente como 1 (um). Nesse momento, o futuro se mostraria igual ao presente, mas só nesse primeiro momento. Num segundo momento, o que era presente (1) se tornou passado e o que era futuro (1) se tornou presente, passando o futuro a ser 2 (dois). Assim, sua seqüência numérica seria a seguinte: 0, 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, 55, 89...
Esse fabuloso matemático baseou suas idéias numa concha chamada Náutilus.

41 De lexikón (do grego, dicionário) e latreýo (do grego, aquele que cultua, que adora).

 

Fonte: http://www.ibdi.org.br/index.php?secao=&id_noticia=394&acao=lendo. Acesso em 13 de abril de 2005.