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Responsabilidade Civil no Esporte[i][1]
Análise Jurídica da
Responsabilidade Civil e Criminal na morte recente do jogador de futebol
Serginho do São Caetano
CELSO MARCELO DE
OLIVEIRA
MEMBRO
DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO EMPRESARIAL, DO INSTITUTO BRASILEIRO DE
DIREITO BANCÁRIO, DO INSTITUTO BRASILEIRO DE POLÍTICA E DIREITO DO CONSUMIDOR,
DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO SOCIETÁRIO E DO INSTITUTO BRASILEIRO DE
DIREITO TRIBUTÁRIO. MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DIREITO CONSTITUCIONAL E DE DIREITO TRIBUTÁRIO, DA ASSOCIAÇÃO
PARANAENSE DE DIREITO EMPRESARIAL E DA ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE DIREITO
DO CONSUMO E AUTOR DE VINTE E SETE OBRAS JURÍDICAS-DESTAQUE PARA
TRATADO DE DIREITO EMPRESARIAL BRASILEIRO E TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE
CIVIL E DE CONSUMO
ANTECEDENTES. O primeiro relato de morte súbita
relacionada à atividade física intensa ou esportiva, foi a do soldado grego
Pheldippides, mensageiro da vitória dos gregos sobre os persas em 490 AC.
MORTE
NO FUTEBOL. Nos últimos
anos tivemos uma série de óbitos no mundo esportivo[ii][2]. No dia 27/8/77 Michel Soulier do Namur da Bélgica levou uma bolada
no peito no jogo contra o Anderlecht e teve colapso cardíaco. Morreu no
hospital. Em 1980 Omar Sahnoun, durante treino
de seu time, o Bordeaux. Ele tinha 25 anos e sofreu um enfarte. O
Lateral-direito Carlos Alberto Barbosa, aos 26 anos, durante jogo Sport x XV de
Jaú, em Recife, dia 4/3/82. Também teve enfarte fulminante no gramado. Aos 29 anos, o argentino Trossero morreu de enfarte no
vestiário, após vitória de seu time, o River Plate, sobre o Rosário Central, em
83. De
enfarte, aos 19 anos Barry Welsh, no dia 1 de novembro de 1987, quando jogava
pelo Ivybridge contra o Rangers, pela segunda divisão do Campeonato Inglês.
Em
junho de 2003, durante partida da Copa das Confederações na França contra a
Colômbia, o camaronês Marc Vivien Foe que atuava no Manchester City da
Inglaterra, faleceu em campo. O diagnóstico dos médicos na época foi parada
cardíaca. Em janeiro deste ano, em partida válida pelo Campeonato
Português contra o Vitória de Guimarães, o atacante húngaro Miklos Feher, do
Benfica, caiu no gramado e faleceu pouco depois. Uma parada cardiorrespiratória
provocou a morte do atleta. O Jogador húngaro Miklos Feher , de 24 anos,
atuava pelo Benfica (POR). Caiu no gramado no dia 25/01/2004, contra o Vitória
de Guimarães e morreu vítima de parada cardíaca.
Recentemente,
o zagueiro Serginho, do São Caetano, não resistiu à parada cardiorrespiratória
que sofreu durante um jogo de futebol pelo Campeonato Brasileiro, e morreu.
ÓBITO
PELO USO DE HORMÔNIOS ESTERÓIDES ANABOLIZANTES. O uso dos hormônios esteróides
anabolizantes data da década de 40 e teve início no esporte levantamento de
peso. Estudos recentes nos Estados Unidos, estimam que mais de 1 milhão
de atletas fizeram uso de anabolizantes e ainda hoje mais de 300 mil atletas
fazem uso deste tipo de droga. A estimativa mundial é que mais de 3 milhões de
atletas façam uso de anabolizantes.
Os anabolizantes são drogas
compostas de hormônio masculino testosterona e que alguns atletas usam para
aumentar a força em função da modalidade esportiva praticada tais como as
corridas rasas, os saltos o halterofilismo e o levantamento de peso. Se por um
lado os esteróides podem melhorar o rendimento de um atleta em até 32%, por
outro lado, o seu uso excessivo pode levar a problemas de esterilidade,
dependência física e psíquica e até mesmo à morte. Essas drogas aumentam a
pressão arterial, interferem no funcionamento dos rins e podem causar câncer no
fígado.
MEDICINA
PREVENTIVA. A literatura
internacional relata que antes dos 35 anos as causas mais freqüentes são
cardíacas em 80 a 90 %, porém as causas foram certas cardiopatias genéticas,
congênitas e infecciosas por viroses. Atletas sejam amadores ou profissionais
podem ser portadores de problemas cardiovasculares e a prevenção do risco de
complicações depende do exame clínico chamado de avaliação pré-participação,
única maneira de evitar ou diminuir as tragédias.
Deveríamos exigir uma a
promulgação de uma lei, como na Itália e o Japão onde todos os atletas amadores
ou profissionais participantes de competições oficiais devem se submeter à
exames clínicos pré-participação.
TEORIA
DA RESPONSABILIDADE CIVIL. Anteriormente
fizemos uma análise singela dos principais problemas envolvendo a morte no
Futebol, do uso de drogas e de hormônios esteróides anabolizantes e uma
medicina preventiva para evitar os casos de óbito no esporte. Agora, devemos
analisar o instituto da
responsabilidade civil, principalmente envolvendo o mundo esportivo.
A
Bíblia veio em determinar, inicialmente que “cada um respondesse pelos seus
atos” ( Deuteronômio, 24, 16), constituindo em seguida, a lei do talião uma
limitação da responsabilidade, poiss restringia a reparação ao valor do dano
causado, como se verifica na Lei das Doze Tábuas, que vigorou na primeira fase
do direito romano. Assim sendo, prevalecia a lei do mais forte através da
"justiça com as próprias mãos", posteriormente denominada como
vingança privada. De acordo com Alvino Lima[iii][3] , citado por Carlos
Roberto Gonçalves[iv][4] "forma
primitiva, selvagem talvez, mas humana, de reação espontânea e natural contra o
mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação
do mal pelo mal".
Os alicerces
da responsabilidade por violação da lei se encontram no direito romano na Lex
Aquilia. O Código Civil
Francês de 1804 veio influenciar decisivamente o instituto de responsabilidade
civil no sentido de dar uma maior relevância ao princípio da culpa que se
consolida como pilar básico e estruturante daquele instituto. Só bastante mais tarde a responsabilidade
pelo risco teve alguma aceitação embora fosse sempre circunscrita a áreas
restritas e bem definidas. Contudo, a
evolução da vida contemporânea veio demonstrar que a responsabilidade civil
fundada na culpa não consegue dar resposta a um sem número de problemas que se
colocam ao indivíduo e, por maioria de razão, a toda a coletividade
O
problema da responsabilidade surge intrinsecamente a toda manifestação da
atividade humana por se tratar aquela de um fato social ou como fez Savatier[v][5] como a obrigação
que pode incumbir a uma pessoa de reparar o prejuízo causado a outrem por fato
próprio, ou pelo fato das pessoas ou das coisas quue dela dependam. O mais
importante dos contratos do direito romano era a stipulatio. A palavra responsabilidade tem a sua origem
na raiz latina spondeo, a qual era utilizada para se ligar o devedor à
obrigação decorrente de contrato verbal do direito antigo romano ou ainda na
raiz latina do verbo respondere que foi desenvolvido pelo Direito Romano,
traduzindo-se, na relação em que um agente, por ação ou omissão sua, causa um
dano à outra pessoa, surgindo assim, a obrigação de reparar o mal que deu
causa.[vi][6]
Devemos interpretar Washington de Barros
Monteiro[vii][7] onde o "ato jurídico é ato de vontade, que produz efeitos de
direito; ato ilícito é também ato de vontade, mas que produz efeitos jurídicos
independentemente da vontade do agente. O ato jurídico, segundo o Código Civil,
é ato lícito, fundado em direito, enquanto o ato ilícito constitui delito,
civil ou criminal, e, pois, violação à lei". Marton[viii][8] define a responsabilidade como "a
situação de quem, tendo violado uma norma qualquer, se vê exposto às
conseqüências desagradáveis decorrentes dessa violação, traduzidas em medidas
que a autoridade encarregada de velar pela observância do preceito lhe imponha,
providências essas que podem, ou não, estar previstas". Por fim, Giorgio
Giorgi conceitua a responsabilidade civil como a "obrigação de reparar
mediante indenização quase sempre pecuniária, o dano que o fato ilícito causou
a outrem"[ix][9].
Na
égide dos ensinamento do mestre José de Aguiar Dias onde atribui à
responsabilidade o caráter de conseqüência de um comportamento; se este for
conforme a lei, não gera obrigação para o autor, se contrário, acarretará
sanção ao agente: “A responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual
o homem expressa o seu comportamento, em face desse seu dever ou obrigação.
Atua-se na forma indicada pelos cânones, não há vantagem, porque supérfluo, em
indagar da responsabilidade daí decorrente. Sem dúvida, continua o agente
responsável pelo procedimento. Mas a verificação desse fato não lhe acarreta
obrigação nenhuma, isto é, nenhum dever, traduzido em sanção ou reposição, como
substitutivo do dever de obrigação prévia, precisamente porque a cumpriu".[x][10]
Na visão internacional de Luis Pascual Estevill onde
“El instituto de la responsabilidad, como si de la
expresión del libre tráfico jurídico se tratara, necesita de una regulación
acorde con la realidad social del tiempo en que ha de ser aplicada, para con la
finalidad de que nunca padezca el interés general, o el interés de otro, o el
gran interés que el Derecho empeña en proteger las situaciones
desajustadas. Pretender salvaguardar
direitos de crédito que puedan dimanar de la contratación moderna, amparada por
los métodos científicos, tecnológicos, y en sistemas de servicios sofisticados,
por la mediación de los recursos jurídicos de antaño, sin imaginar una
interpretación del Derecho codificado al servicio de los tiempos de ahora, cual
haría el sabio sistema romano, es tanto como ignorar que el Derecho postula
soluciones a la luz de la razón práctica, dando a cada uno lo que le
corresponde en el momento oportuno.”[xi][11]
A
responsabilidade civil representa uma obrigação de reparar danos, pode ser
entendida de duas formas, conforme ensina o professor Fernando Noronha, através
de uma acepção ampla (tradicional) ou de uma restrita e mais técnica. “Numa
acepção bem ampla, ela consiste na obrigação de reparar quaisquer danos
antijuridicamente causados a outrem, isto é, resultantes da violação de
direitos alheios, de forma não permitida pelo ordenamento”. Assim sendo, numa
visão mais ampla, a responsabilidade civil abrange tanto a obrigação de reparar
danos decorrentes de inadimplemento, de má execução ou de atraso no cumprimento
de obrigações negociais como a resultante de violação de outros direitos
alheios, sejam eles absolutos ou meros direitos de crédito. Por outro lado,
conceitua o professor Fernando Noronha onde a responsabilidade civil: “é a
obrigação de reparar danos antijurídicos que sejam resultantes da violação do
dever geral de neminem laedere. Ela tem a finalidade de tutelar o interesse de
cada pessoa na preservação da sua esfera jurídica, através da reparação dos
danos causados por outrem”.
RESPONSABILIDADE CIVIL NO
DIREITO INTERNACIONAL. A consagrada obrigação de indenizar na
Responsabilidade Civil encontra-se disposta no Código Federal das Obrigações da
Suíça (art. 54), no Código da Alemanha (829), no Código Franco Italiano das
Obrigações (art.76), no Código Civil do México (art. 1.911), do Código Civil do
Peru (art. 1.140), do Código Civil da Venezuela (art. 1.187), do Código de
Portugal (art. 2.377), do Código da China ( Código Civil de 1930; art. 187), do
Código das Obrigações da Polônia (art. 134), do Código do Líbano (art. 122), do
Código da Espanha (art. 32), do Código da Áustria (art. 310) e no Código Civil
Italiano de 1942 ( art. 2.047). Assim,
devemos fazer uma sucinta análise do Instituto da Responsabilidade Civil no
Direito Francês, Italiano, Alemão, Português, Argentino, Mexicano e Uruguaio.
O Código Civil Francês criou
a presunção irrefutável de culpa. A teoria clássica da responsabilidade
extracontratual, sob o fundamento da culpa, consagrada e difundida por Domat e
Pothier, foi fonte inspiradora do Código Civil francês, “a grande lei da
sociabilidade humana”. Os tribunais
civis declaram expressamente sua competência para conhecer de todos os casos de
responsabilidade civil previstos no art. 1382 e seguintes do Código Napoleão,
sejam quais forem as pessoas dos quais estes emanem e, desde que, não tenham
sido atribuídos a jurisdições excepcionais por leis especiais: "Attendu qu’il s’agit au procès des
articles 1382, 1383 et 1384 du Code Civil. Attendu que ces articles sont
applicables dans tous cas où il y a dommage causé par le fait de l’homme.
Attendu que les agents de l’Etat et l’Etat lui-même, representé par les
différentes branches de l’administration publique, sont passibles des
condamnations auxquelles peut donner lieu l’application des articles
sous-énoncés, lorsqu’ils se trouvent dans les cas y prévus. Attendu que les
tribunaux judiciaires sont seuls compétents pour décider s’il y a lieu à
l’application desdits articles qui ont pour objet de protéger la personne, la
proprieté et la fortune des citoyens contre les délits et quasi délits; que les
tribunaux ordinaires ont en effet la plénitude de juridiction et ne doivent en
conséquence se dessaisir de la connaissance d’une affaire qu’alors qu’il leur
est justifié d’une disposition de loi exceptionelle qui attribue à toute autre
juridiction que la leur la demande portée devant eux[xii][12]".
O Código Civil italiano de
1865, o princípio dominante é de que todo fato doloso ou culposo, que ocasione
a outrem um prejuízo injusto, obriga ao que o perpetrou a ressarcir o dano
(art. 2.043), abrindo uma exceção no caso de legítima defesa (art. 2.044). Seguindo a trilha traçada pelo Código
Napoleão, também previa a reparação dos danos em termos amplos: “art. 1151 -
Qualum que fatto dell’uomo che arrecadanno ad altri, obbliga quello per colpa
del quase à avvenuto a risarcire il danno”[xiii][13]
Entrando em vigor em 1º de
janeiro de 1900 o Código Civil Alemão, que foi influenciado pelo Direito Romano
e pelas instituições jurídicas alemães que abdicava quase que totalmente o
casuísmo jurídico e privilegiava o tecnismo e o rigor dogmático, que se
apresentam coadunados com a prática.O Código Civil Alemão proclama o princípio
da responsabilidade civil por culpa (art. 823).
No direito inglês os tribunais fundavam as
suas decisões no âmbito restrito do contrato (privity of contract) tendo a
Câmara dos Lordes, com a evolução do mercado, estipulado o dever genérico de
diligência (duty of care). Com o caso
Donoghue v. Stevenson (1932) este quadro foi substancialmente alterado,
apresentando particulares reflexos em matéria de prova, já que até aí o ônus da
prova da culpa recaía sobre o lesado[xiv][14]. No Reino Unido à diretiva comunitária
foi transposta para o ordenamento jurídico interno pelo Consumer Protection Act
de 1987 o que provocou o decisivo reconhecimento da responsabilidade objetiva,
ou seja, da responsabilidade isenta de culpa no ordenamento jurídico
anglo-saxónico. Contudo, como se compreende a entrada em vigor daqueles
dispositivos legais não revogou na totalidade o direito vigente até então.[xv][15]
RESPONSABILIDADE CIVIL NO
DIREITO BRASILEIRO. O nosso direito pré-codificado, por sua vez, pode ser
estudado em três fases distintas, no tocante à responsabilidade civil, conforme
ensina o professor Caio Mário da Silva Pereira[xvi][16]. A primeira, onde
as Ordenações do Reino baseavam-se no direito romano, por força da chamada Lei
da Boa Razão (Lei de 18 de agosto de 1769), a qual prescrevia que, na falta de
previsão legal, aplicar-se-ia subsidiariamente o direito romano, não por
autoridade própria deste, mas por serem muitas as suas disposições fundadas na
boa razão. A segunda fase tem início com o Código Criminal de 1830, o qual
esboça a idéia de ressarcimento, no instituto da “satisfação”. A terceira fase inicia-se com Teixeira de
Freitas, que se opunha à idéia de responsabilidade civil geminada à criminal. Sustentava que a adequação da legislação civil
aos casos de responsabilidade por danos causados por delitos. Cogitou também da
responsabilidade do delinqüente, a qual deveria ter sua indenização pleiteada
através de ação cível, da solidariedade dos co-delinqüentes e da
responsabilidade indireta, além de tratar de diversos outros aspectos tais como
a reparação e a liquidação do dano.
Até então, a responsabilidade
civil estava atrelada à responsabilidade penal, havendo menção, no Código
Criminal de 1830, ao dever de satisfação, ou seja, de ressarcimento pelo
ofensor à vítima, em razão do dano causado. Nada mais natural, para nós, esta
separação. Entretanto, não era este o pensamento predominante à época. O
elemento definidor da esfera de responsabilidade é, basicamente, o tipo de
interesse atingido.
O
Código Civil de 1916, como foi dito, adotou a teoria “subjetiva”, colocando o
dolo e a culpa como fundamentos para a existência da obrigação de reparar o
dano produzido a outrem. Esta é a regra.
Existem, porém, casos em que a responsabilidade objetiva é admitida,
como, por exemplo, os já citados artigos 1.528 e 1.529 do antigo Código Civil,
além de outros como é o caso do art. 1.527 dos arts. 1.530 e 1.531. Nos dizeres
de Caio Mario da Silva Pereira[xvii][17] temos que: “O
direito civil brasileiro estabelece que o princípio geral da responsabilidade
civil, em direito privado, repousa na culpa. Isto não obstante, em alguns
setores, impera a teoria do risco. Assim é que a legislação sobre acidentes no
trabalho é nitidamente objetiva; a que regula os transportes em geral (estradas
de ferro, aeronáutica) invoca-a; mais recentemente a responsabilidade civil dos
bancos marcha para a teoria do risco; responsabilidade por fato de coisas”.
Por
outro lado, em 1966, o Supremo Tribunal Federal admitiu, pela primeira vez, a
reparação do dano moral, embora a jurisprudência tenha continuado hesitante até
1988, quando, por força de texto constitucional expresso, a reparabilidade do
dano moral tornou-se incontestável (CF, art. 5°, V e X). A Constituição
Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, estabeleceu, no seu art. 37, §
6°, que: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado,
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra
o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Finalmente,
o Código Civil Brasileiro de 2002, conquanto repetindo, em grande parte, ipsis
litteris, alguns dispositivos do código de 1916, e corrigindo a redação de
outros, consagrou a responsabilidade civil objetiva no parágrafo único do art.
927 e previu, no art. 186, a reparação do dano exclusivamente moral. No entanto, melhor é considerar como pressupostos da
responsabilidade civil aqueles extraídos do art. 186 do Código Civil (Lei
10.406/02), que dispõe: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Esse ato ilícito citado no art. 186
do Código Civil vem tipificado adiante no caput do art. 927 e parágrafo único, pregando o dever de
indenizar àquele que o pratica causando dano a outrem.
RESPONSABILIDADE CIVIL
DO MÉDICO[xviii][18]. Aspectos mais importantes da atividade
médica a doutrina tradicional civilista há tempos vem solidificando. Pode-se
dizer, inicialmente, que a relação jurídica médico-paciente assenta-se num
contrato. A peculiar natureza contratual, entretanto, não conduz o médico à
obrigação, especificamente, de curar o seu cliente. O mestre Silvio Rodrigues[xix][19] preleciona que “a vantagem de colocar a responsabilidade do médico no campo do
contrato é limitada, pois, em rigor, o fato de o esculápio não conseguir curar
o doente não significa que inadimpliu a avença”. A Responsabilidade do médico, com relação ao seu paciente,
é contratual, mas, tendo em vista a família deste, a natureza de sua
responsabilidade será extracontratual, Destarte, todo descumprimento contratual
é constitutivo de uma culpa delitual tendo em vista terceiros. É a lição de
Durry: ‘Une faute contractuelle est, en même temps une faute délictuelle à
L’égard des tiers’. A jurisprudência firmada sobre responsabilidade médica tem
seus inícios na França, no primeiro quartel do século passado. Contrariando
inúmeros pareceres da Academia Francesa de Medicina posicionada favoravelmente
à não-responsabilização dos médicos por erros profissionais, a não ser quando
houvesse intencionalidade no dano ou intenções criminosas, lograram os
Tribunais daquele país firmar uma jurisprudência ao longo dos anos, na qual tem
sido enfatizado que o médico, como profissional está sujeito às sanções da lei,
e que, ao aplicá-las devem ser os Tribunais prudentes, a fim de não se
configurarem injustiças[xx][20].
Em que pese á estrutura
especialíssima inerente á medicina, a toda evidência que também os seus
professores são alcançados pelo braço longo do legislista se causam, por atos
no exercício de sua profissão, ainda que sem dolo, danos ou prejuízos a um bem
jurídico protegido. Estas narrativas elucidam o que se denomina
“responsabilidade médica”, situação jurídica que, de acordo com o Código Civil,
gira tanto na órbita contratual como na extracontratual estabelecida entre
médico e paciente. No qual o profissional assume uma obrigação que pode ser uma
obrigação de resultado ou não, compromissando-se a tratar do cliente com zelo,
atenção e diligências adequados, e a adverti-lo ou esclarecê-lo dos riscos do
tratamento.
Assim,
como preleciona o mestre Carlos Gonçalves ”não se exige que a culpa do médico
seja grave, para responsabilizá-lo. Para tanto basta a culpa levíssima, desde
que haja o dano. Esta severidade é ainda maior no tocante aos médicos
especialistas: Ao médico que diz ter conhecimento e habilidade especiais para o
tratamento de um órgão ou doença ou ferimentos específicos, é exigido
desempenhar seu dever para com o
paciente, empregando, como tal como tal especialista, não meramente o grau
normal de habilidade possuído pelos praticantes em geral, mas aquele grau
especial de habilidade e cuidado que os médicos de igual posição, que dedicam
especial estudo e atenção ao tratamento de tal órgão, doença ou ferimento,
normalmente possuem, considerando- se o estágio do conhecimento cientifico aquele tempo. “ Reconhecendo-se um típico
contrato nesta relação estabelecida entre médico e cliente, mas não se podendo
impor àquele a cura deste, resta para o médico a denominada “obrigação de
meio”.
Isso
significa que, a despeito de não se obrigar a curar o paciente, ele (o médico)
tem o dever de prestar seus serviços de maneira adequada, com imaculada dedicação
de seus esforços e conhecimentos no tratamento da enfermidade, atuando com o
indispensável zelo e, conforme as circunstâncias, utilizando-se dos recursos
científicos postos à sua disposição.
No século passado, o ato
médico resumia-se na relação entre a confiança do paciente e a consciência do
médico. O médico era visto como profissional cujo título garantia a
onisciência, isto é, médico da família, amigo e conselheiro figura de uma relação social que não admitia
dúvidas sobre a qualidade de seus serviços.
Atualmente “as circunstâncias estão mudando”, conforme entendimento de Ruy
Rosado de Aguiar . As relações sociais se expandiram, distanciando o médico do
seu paciente. Até a denominação dos
sujeitos da relação mudou, passando o paciente a ser chamado de usuário e o
médico, de prestador de serviços, tudo analisado sob o ponto de vista de uma
sociedade de consumo, cada vez mais consciente de seus direitos, reais ou
fictícios, e mais exigente quanto aos resultados.
A matéria de
responsabilidade civil é muito vasta e abrangente, principalmente, quando se
refere à responsabilidade civil do médico. Como preleciona Rui Stoco: “o médico
tem o dever de agir com diligência e cuidado no exercício de sua profissão,
exigível de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática
médica, dever esse consubstanciado em um Código de Ética, ao qual deve respeito
e obrigação”.
Portanto, essa exigência e
cuidado devem ser estabelecidos segundo o atual estágio da ciência e as regras
consagradas pela prática médica. Aliás, a legislação a respeito é pobre e
escassa, pois regem a matéria, basicamente, a Lei 3.268, de 30.09.1957,
dispondo apenas sobre os Conselhos de Medicina, regulamentada pelo Decreto
44.045, de 19.07.1958, e o Código de Ética Médica (Resolução 1.246, de
08.01.1988, do Conselho Federal de Medicina).
Logo, o médico, antes de
tudo, deve proceder de acordo com o que ordena o Código de Ética Médica,
devendo agir com diligência e cuidado no exercício de sua profissão, para que
assim, não seja responsabilizado por algum de seus atos. O que se deve ter em
mente é que seja o médico contratado para prestar serviços ao paciente,
recebendo honorários pelo seu trabalho, ou atue como profissional voluntário,
realizando seu trabalho gratuitamente, nos dois casos prevalecerá o dever de
reparar o dano à vítima, caso esse venha a ocorrer, pois, mesmo o médico
voluntário dever obedecer às normas do Código de Ética Profissional,
lembrando-se sempre do seu juramento, qual seja: Aplicarei os regimes, para o bem dos doentes, segundo o meu saber
e a minha razão, nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja. A
ninguém darei, para agradar, remédio mortal, nem conselho que o induza à
destruição. Também não darei a uma mulher um pessário abortivo. Conservarei
puras a minha vida e a minha arte... Se eu cumprir este juramento com
fidelidade, goze eu a minha vida e a minha arte com boa reputação entre os
homens e para sempre; se dele me afastar ou infringir, suceda-me o contrário.[xxi][21]
São diversos os conceitos
encontrados sobre responsabilidade civil do médico, por isso, o presente
trabalho procurará mencionar apenas alguns autores, para que, de alguma forma,
torne mais claro o objetivo almejado, ou seja, mostrar em quais situações
práticas pode ocorrer à responsabilidade do médico devido a algum erro
praticado em sua profissão e que de uma maneira sintética, fiquem evidenciadas
as ocasiões onde o médico é responsabilizado por seus atos.
O Código de Ética Médica[xxii][22] estabelece uma série de normas de conduta profissional sendo essa
relação apenas exemplificativa e não exaustiva. Em seu art. 12, dispõe que: “o
médico deve buscar a melhor adequação do trabalho ao ser humano e a eliminação
ou controle dos riscos inerentes ao trabalho”.
Ou seja, o médico deve
adequar o seu trabalho ao paciente evitando e/ou controlando os riscos
inerentes à sua profissão, evitando qualquer tipo de erro que prejudique o seu
paciente. E, ainda, continua no seu art. 29, o seguinte: “é vedado ao médico
praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados
como imperícia, imprudência ou negligência”. Assim, conforme explicado
anteriormente, o médico deve evitar qualquer erro profissional que cause dano
ao paciente, seja por agir de forma negligente, imprudente ou com imperícia no
assunto. Não se pode fugir às regras constantes desse Código, pois é um dos
apoios que o médico tem para poder se eximir de uma possível indenização no
caso do erro médico.
A teoria do risco, ou ,
objetiva , tem como idéia base que todo o dano é indenizável e deve ser
ressarcido por quem a ele se associa por um liame de causalidade , desprezando
, nesse posicionamento , a tradicional idéia de culpa, e a clássica teoria da
culpa subjetiva ou teoria subjetiva ou aquiliana, em que a responsabilidade
esteia – se na noção de culpa . No
mesmo sentido, a decisão da Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça de
Minas Gerais: Sendo a obrigação do
médico de meio e não de resultado , é ele responsável pelo insucesso de uma
cirurgia apenas quando fica provada sua imprudência ou negligencia. Sem a prova
de elemento subjetivo da responsabilidade civil, tudo há de ser debitado ao
infortúnio. Não se apurando , na instrução do processo , nada que possa
comprovar o inadimplemento da obrigação de propiciar assistência medica
adequada , não há lugar para imputar-se responsabilidade indenizatória , seja
ao respectivo médico assistente do paciente ou da própria organização onde o mesmo se acha hospitalizado[xxiii][23].
No código civil somente os
danos diretos e efetivos, conseqüentes do ato culposo é que são ressarcíveis. É
a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o damnum
verificado. Vem expressa no verbo
causar, utilizado no código civil. Do ponto de vista do direito civil , se a
vitima sofre dano , mas não evidencia o liame de causalidade com o
comportamento do médico, improcede o pleito indenizatório. Causa é o
antecedente necessário para a determinação de um evento , no mundo físico; as
condições , embora da mesma natureza da causa , dela se diferenciam porque são
absolutamente destituídas de idoneidade
para provocar um dado fenômeno , qual seja um resultado danoso ensejador de responsabilidade médica de ordem cível ou
criminal.
Destarte algumas
modalidades de culpa como a negligência, imperícia ou imprudência médica.
Negligência Médica Consiste
, em suma , na passividade corpórea ou subjetiva quando da execução de determinado ato dando ocasião a resultados
danosos que não sobreviriam se o agente houvesse se conduzido com diligencia ,
ou a não – diligencia do homo medius necessária para o cumprimento.
Imperícia Médica Em
conformidade ao estudo de Genival Veloso de França[xxiv][24] opina que “o médico habilitado, profissional e legalmente , não
pode ser considerado imperito, em nenhuma circunstancia , por mais palpável que
seja essa situação ,pois se um homem tem em mãos um diploma que lhe confere o
grau de doutor , e uma habilitação legal , será extremamente difícil a alguém
provar que essa pessoa seja imperita”.
Imprudência Médica É a falta de atenção , o descuido ou a imprevidência no exercício
de uma ação perigosa , caracterizando – se , necessariamente , por uma conduta
comissiva.
RESPONSABILIDADE
CIVIL DO MÉDICO NO CASO DO JOGADOR DE FUTEBOL. Nesta ultima fase de nosso artigo, vamos
analisar criteriosamente, ao amparo da lei, a questão da existência de
responsabilidade civil e criminal no caso do Jogador de Futebol, falecido
recentemente em uma partida de futebol.
MORTE DO JOGADOR DE FUTEBOL. No boletim médico divulgado pelo hospital São Luiz : "Informamos que o jogador teve o primeiro atendimento médico ainda
no gramado do estádio do Morumbi pelas equipes médicas, sendo imediatamente
transferido para o Centro Médico do estádio, onde foram iniciadas as manobras
do protocolo de ressuscitação cárdiopulmonar, que tiveram continuidade durante
a remoção por ambulância UTI até o hospital São Luiz. O jogador deu entrada no hospital às 22h05 e, apesar de todos
os esforços da equipe médica que o assistiu, o mesmo veio a falecer às 22h45.O
presidente da Sociedade
Brasileira de Medicina do Esporte (SBME), o médico Ricardo Munir Nahas
esclarece que Serginho poderia sofrer de uma doença congênita chamada
miocardiopatia hipertrófica: "Ela aumenta o tamanho do músculo cardíaco e
causa interferência nas válvulas cardíacas. A dinâmica do coração fica ruim e o
esforço pode desencadear a fibrilação"
INFORMAÇÕES DO INSTITUTO DO CORAÇÃO. A imprensa nacional e internacional faz
uma grande cobertura da questão da morte do Jogador de Futebol. O Instituto do
Coração de São Paulo aduz algumas questões fundamentais para o deslinde do
problema:
Em
recente matéria jornalística publicada no Jornal Folha de São Paulo, diz o Diretor da Unidade Clínica de
Insuficiência Cardíaca do Incor que o jogador de futebol Serginho, passou
por um cateterismo, "empregado para diagnosticar a situação das artérias
coronárias por meio de imagens digitais". O primeiro aviso
sobre o risco de morte aconteceu após o teste de exame ergoespirométrico
realizado em fevereiro. Foram quatro os exames realizados e que detectaram
problemas :
1)
Teste ergoespirométrico (teste de esforço físico em esteira), que diagnosticou
"arritmia ventricular do coração". Após esse exame, foi dito a
Serginho e a Forte que essa arritmia poderia acarretar o risco de morte durante
a atividade esportiva;
2)
Ressonância magnética, que detectou cardiomiopatia hipertrófica assimétrica
(doença em que o coração incha) e mostrou anormalidade cardíaca,
comprometimento da capacidade de concentração do coração discreta;
3)
Cintilografia miocárdica (exame para detectar se há falta de sangue no
coração), que apontou comprometimento da função da contração do coração e
anormalidade no fluxo no coração;
4)
Cateterismo (exame para detectar se há problema de fluxo ou obstrução nas
artérias coronárias), que foi feito em junho, quatro meses após o pedido, e
detectou anormalidade na capacidade de contração do coração, apontando ponte
miocárdica e prolapso da válvula mitral.
De
acordo com matéria veiculada pelo "Diário de S. Paulo", o laudo
assinado pelo diretor da unidade clínica de insuficiência cardíaca do Incor e
responsável pela avaliação dos atletas, apontou uma alteração no coração de
Serginho. "Caso continue exercendo atividades esportivas, Sérgio
precisará contar com a sorte para não incorrer em óbito".
O importante
canal esportivo "ESPN Brasil" divulgou o conteúdo do prontuário de
Serginho, que atuava pelo São Caetano. Nele, o médico alerta, reiteradas vezes,
sobre o "risco de morte" a que o zagueiro estava submetido. “Em fevereiro deste ano, o elenco do clube do ABC passou por
testes no Incor. Já no dia 11, o primeiro dos exames, o prontuário registra
"risco de morte súbita" e foi "recomendado ao jogador e ao
médico do São Caetano para que ele não pratique esporte". No dia 19, o
prontuário diz: "reforço da recomendação de não praticar esporte de
competição. Deverão avisar a família, porque esta não compareceu". A
página do dia seguinte revela "Diagnóstico de miocardiopatia, apesar do
eco [ecocardiograma] ser normal. A cintilografia e a ressonância magnética
acusaram o ventrículo esquerdo com disfunção. Conduta: não desenvolver
atividade física de competição. Foi explicado para Serginho que não é capaz de
ser atleta porque tem disfunção." Depois de
20 de fevereiro, o prontuário só volta a ser atualizado dia 29 de junho, quando
informa que "Medicação não protege. Não existe comprovação de que o
desfibrilador (no caso, interno) funciona. Marcar reunião com a família e
jogador o mais rapidamente possível. Jogador assumiu o risco de continuar
jogando". A última página do prontuário de
Serginho no Incor data de 11 de agosto. "Paciente não fez acompanhamento
no Incor, está sob acompanhamento do Dr. Paulo Forte. Jogador não comparece
para acompanhamento, portanto não é nosso paciente. Continua em atividade esportiva.
Que tenha sorte, porque o risco de morte existe."
CRITÉRIOS FUNDAMENTAIS. O Genival Veloso França sobre a responsabilidade médica: “a
obrigação, de ordem civil, penal ou administrativa, a que estão sujeitos os
médicos, no exercício profissional, quando de um resultado lesivo ao paciente,
por imprudência, imperícia ou negligência”.
Logo, o médico que não
prestar toda a atenção no atendimento ao paciente, causando dano a esse, tanto
de forma leve (uma lesão corporal leve) como de forma gravíssima (morte do
paciente), com certeza será responsabilizado pelos seus atos. No prontuário do
Incor ficou comprovado que o conhecimento do problema cardiológico e gravíssimo
do Jogador de Futebol. O Delegado Guaracy Moreira Filho do 34 Distrito Policial
de São Paulo concluiu em seu relatório que o Presidente do Clube de Futebol e o
Médico devem ser indiciados por homicídio doloso, pois “o problema cardíaco
apresentado pelo zagueiro Serginho, do São Caetano, era incompatível com a
prática do futebol e foi a causa de sua morte, na noite de 27 de outubro, após
sofrer uma parada cardiorrespiratória durante a partida contra o São Paulo. Os
dirigentes e o departamento médico do clube do ABC foram avisados sobre o caso,
mas não impediram o jogador de continuar atuando.”
Dessa forma, para que
ocorra a responsabilidade médica, são necessários os seguintes elementos: o
agente (médico), o ato profissional, a culpa (negligência, imprudência ou
imperícia), o dano (podendo ser a lesão, o agravamento de um mal ou até mesmo a
morte) e o nexo de causalidade entre o ato e o dano (a ação ou omissão do
médico que gerou o dano).
Assim, para que exista uma
responsabilização, faz-se necessário demonstrar clara e expressamente que a
origem do dano (no caso a morte do jogador de futebol) está na inexecução da
obrigação do médico (negligência culposa ou dolosa para evitar uma tragédia, ou seja a morte) . Não se pode esquecer
que a ação ou omissão do médico é um dos pressupostos de sua responsabilidade
civil, portanto, é preciso mostrar que o dano proveio de uma ação positiva ou
negativa do profissional, ou que o serviço por esse prestado foi mal executado.
Nesse sentido, é o que
dispõem Sylvia Vendramini e Wagner Dias: Não se pode imputar um fato a alguém
que não pôde concorrer com sua consciência para a realização da obra. O agir é
que deve ser subjetivamente determinado, não é o resultado, vez que em condutas
culposas o resultado não é desejado, mas a ação é livremente construída na
mente do sujeito, criando, assim, o necessário elo de resposta pelo dano
causado. Os danos patrimoniais decorrem, geralmente, dos danos físicos
(corporais), constituindo-se em despesas médico-hospitalares, remédios, lucros
cessantes, entre outros. Os danos morais são constituídos pela dor psicológica
sofrida pelo paciente, isto é, a dor emocional sentida por ele ao saber que
nada mais será como antes. Verificada a existência do dano, deve-se atentar
para o estado anterior do paciente, analisando-se diretamente a ação ou omissão
do médico, conforme anteriormente exposto. Portanto, danos que não decorram de
intervenção médica, não são indenizáveis pelo médico; nesse caso não há
responsabilidade médica.
Como poderia ser caracterizado o ato, no
prisma médico: culpa ou dolo. O Delegado de Polícia e o Ministério Público de
São Paulo afirmam a existência de dolo, no caso um homicídio doloso.
A culpa é um elemento necessário à
responsabilidade civil subjetiva. Não basta para a caracterização da
responsabilidade o cometimento de um ato contrário ao direito, sendo necessário
o elemento culpa. Principal característica da responsabilidade civil subjetiva
é a existência de culpa por parte do autor do ato danoso. Culpa em um sentido
mais estrito é definida como “conduta voluntária contrária ao dever imposto
pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário. Porém previsto
ou previsível[xxv][25]”
Se o evento danoso não se afigurava previsível, não há como impor a
responsabilização por culpa do agente. Há quem entenda, no entanto, que mesmo
na ausência de previsibilidade há o dever de indenizar, ainda que de forma
abrandada. Nesse sentido temos os ensinamento de Francesco Carnelutti[xxvi][26]: “Mais freqüente é o caso de evento
contrário ao direito não só não ter sido visado pelo agente, mas, mais do que
isso, não ter sido sequer por ele previsto. A não-obediência é em tal caso
incomparavelmente menor, mas não deixa contudo de ser não-obediência, pois
obediência não é estado de alma negativo”.
O dolo consiste na vontade de cometer uma
violação de direito, e a culpa, na falta de diligencia. Dolo, portanto, é a
violação de direito deliberada,consciente,intencional, do dever jurídico. O
dolo é fundamentalmente caracterizado pela intenção do agente na produção do
resultado, não cabe aqui tecer comentários acerca do dever de diligência que se
impõe na culpa estrito sensu. Longe do quesito diligência o dolo tem como
característica o querer do agente pelo resultado. O objetivo do agente que age
com dolo não é o ato que causa o dano, mas sim o próprio dano. O escopo das
atitudes do agente é o evento danoso. O conceito de dolo do Professor Silvio
Rodrigues nos afigura mais adequado ao entendimento do instituto: “Se o dano
foi causado voluntariamente, há dolo. Este se caracteriza pela ação ou omissão
do agente, que, antevendo o dano que sua atitude vai causar, deliberadamente
prossegue, com o propósito mesmo de alcanças o resultado danoso.”[xxvii][27]
Entretanto, de quem poderá ser a
responsabilidade pelo risco. O mestre
Caio Mário da Silva Pereira: ”Risco é o que se fixa no fato de que, se
alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos
danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de
determinar se em cada caso, isoladamente o dano é devido à imprudência, à
negligência, ou a um erro de conduta, e assim se configura a teoria do risco.”[xxviii][28]
Nasceu
a doutrina objetiva no século XIX, sob os auspícios de Seleilless e Josserand,
numa tentativa de solucionar as lacunas da responsabilidade subjetiva.
“Encontra-se fundada em dois elementos maiores: o dano e a autoria do evento
danoso. O que importa é a ocorrência do evento e o respectivo prejuízo.”[xxix][29] A
responsabilidade pelo risco, no entanto, não poderá abranger todo e qualquer
evento, mas tão somente os inerentes a atividade desenvolvida, como no caso a
atividade do jogador de futebol . O aprimoramento da teoria do risco conduz a
aplicação da responsabilidade objetiva agravada, na qual surge uma
verdadeira obrigação de garantia. Nesta hipótese, o nexo causal já não
precisaria ser comprovado, “sendo suficiente a comprovação da ligação
entre a atividade do responsável e o dano acontecido”.[xxx][30]
O
Delegado de Policia afirma sobre a existência da responsabilidade do Presidente
do Clube por ato de seu preposto, o médico, pois no exercício de suas
atribuições o medico preposto causa danos a alguém como ficou caracterizado no
caso da morte súbita, o presidente poderá responder também pelo evento. No caso
de comprovação de que teve conhecimento dos fatos e se omitiu, pode ser
responsabilizado por ato doloso.
Finalmente,
sem presumir a existência de culpa ou dolo ou da própria responsabilidade,
deve-se aprofundar a questão, como bem decidiu o Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro: Médico – Responsabilidade
civil – Quando ocorre – “A responsabilidade civil dos médicos somente decorre
de culpa provada ou dolo consciente, constituindo espécie particular de culpa.
Não resultando provadas a imprudência, imperícia ou negligência, nem o erro
grosseiro, fica afastada a responsabilidade dos doutrinadores em Medicina em
virtude, mesmo, da presunção de capacidade constituída pelo diploma obtido após
as provas regulamentares”.[xxxi][31]
CONCLUSIVAMENTE.
A responsabilidade civil
é o instituto aceito pelo Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/02), significando
a obrigação de reparar o dano ou de ressarcir o dano causado a outrem, dano
esse advindo da própria ação ou omissão, ou ainda, de fato ilícito causado por
outrem, por quem se é responsável ou se responde em virtude de lei. A norma do
Código Civil que dispõe sobre a obrigação de indenizar está prevista no artigo
927, parágrafo único, dizendo que aquele que causar dano a outrem será obrigado
a indenizar, independentemente, de culpa.
Logo, se o médico, no
exercício regular de sua profissão, ocasionar danos ao seu paciente, será
obrigado a indenizar, desde que fique provado o nexo de causalidade entre a
conduta danosa e o resultado. Com a inovação do Novo Código Civil (Lei
10.406/02), no parágrafo único do artigo 927, admite-se, hoje, a
responsabilidade objetiva quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano,
implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem. Ora, a atividade
médica, por sua própria natureza, implica em riscos para o direito de seu
paciente, dentre eles, o mais importante é o direito à vida; logo, por esse
artigo, deverá ser responsabilizado objetivamente se causar danos ao paciente.
Portanto, o presente estudo
possui o objetivo fundamental de alertar a sociedade esportiva dos
problemas com o uso de drogas,
anabolizantes, infiltrações e os problemas de saúde dos jogadores e atletas em
geral que poderiam ser evitados. A morte de um jogador pode trazer um novo
alento ao mundo esportivo. E a responsabilização civil ou criminal no caso do
jogador de futebol presume também um alerta para a comunidade médica e os
dirigentes esportivos. Ficamos com o conceito francês de "tout fait quelconque de l’homme, que
cause à autrui un dommage, oblege celui par la faute duquel il est arrivé, à le
réparer" (qualquer ação humana que cause a outrem um prejuízo obriga à
reparação deste por parte daquele por cuja culpa tal ação aconteceu).
[i][1] Contato com o autor:
cmoconsultoria@uol.com.br
[ii][2] Morreu aos 21
anos, Max, Zagueiro do Botafogo de Ribeirão Preto, no dia 2 de julho de 2003,
após passar mal em um coletivo da equipe no estádio Santa Cruz. JOSÉ ROBERTO RODÁS
- Juiz de futebol, morreu em fevereiro de 2003 também de enfarte fulminante,
quando apitava o amistoso entre Guarani e Olimpia, em Assunção, no Paraguai.
VÁGNER -
O zagueiro, conhecido como Bacharel por seu bom nível intelectual, morreu dia
14/4/90, uma semana depois de bater com a coluna cervical no chão, durante
partida entre Paraná Clube e Campo Mourão. Tinha 35 anos. BETO -
Quarto-zagueiro do Moto Clube, aos 26 anos, de enfarte, no meio do jogo contra
o Tocantins, dia 14/9/85, no Castelão, em São Luís. JOCK STEIN -
No dia 10/9/85, em Glasgow, o então técnico da Escócia teve enfarte fulminante
logo após empate em 1 a 1 de sua equipe contra País de Gales, pelas
eliminatórias da Copa do Mundo de 86. VALTENCIR - Lateral-esquerdo, aos 32
anos, em 18/9/78, quando jogava pelo Colorado, o atual Paraná Clube. Teve
lesões na coluna cervical e no cérebro, após choque com um adversário do
Maringá. ZEZINHO
FIGUEROA - Aos 34 anos, o zagueiro da Inter de Limeira caiu no gramado,
provavelmente vítima de aneurisma cerebral, quando disputava uma 'roda de bobo.
MOACIR BARCELOS
DE SOUZA - De crise convulsiva durante partida entre o Atlético de
Alagoinhas e Bahia, pelo Campeonato Baiano. Tinha apenas 23 anos. GERALDO -
Zagueiro do Jataí, caiu em campo ao cabecear uma bola, no jogo contra o
Itumbiara. Morreu de enfarte aos 25 anos no hospital.
[iii][3] LIMA,
Alvino. Culpa e risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1963. p. 23.
[iv][4] GONÇALVES,
Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 5. ed. atual. e ampl. São Paulo:
Saraiva, 1994. p. 4
[v][5] Savatier, Traité de la responsabilité
civile em droit français, Vol. I pág. 1
[vi][6] Para uma analise jurídica vide os
ensinamentos de ARAMENDIA, José Pedro - A reparação do dano moral na doutrina e
no Código Civil uruguaio - In: Revista Forense 105/36 BAUDRY-LACANTINERIE, G. ;
BARDE, L. - Trattatto teorico-pratico di Diritto Civile - Tomo IV - Milano, Ed.
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[vii][7] MONTEIRO, Washington de Barros - Curso
de Direito Civil - V. II - 12ª edição - São Paulo, Ed. Saraiva, 1977
[viii][8] Les fondements de la responsabilité
civile pag. 251 n. 33
[ix][9] Giorgi apud Pereira, Caio Mário da
Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 04.
[x][10] AGUIAR
DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995
[xi][11] Hacia un concepto actual de la
responsabilidad civil
[xii][12] Trib. civ. Seine, Vve Brunet, 23
décembre 1846 sous C.E. confl. 26 avril 1847, D. 1847.III.113 - 2e espèce
[xiii][13] Codice Civile de Regno d’Itália - 1865
[xiv][14] Neste sentido, cf. G. Friedmann, Law in a changing Society,
[xv][15] Sobre a transposição da directiva para
a ordem interna britânica e a aplicabilidade do direito anterior cf. Christine
Royce-Lewis, Product Liability and
consumer safety, Londres, 1988, pp.21 e segs
[xvi][16] PEREIRA,
Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2001.
[xvii][17] PEREIRA,
Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2001.
[xviii][18] ALCÂNTARA, Hermes Rodrigues de.
Responsabilidade Médica. José KonfinoEditor, Rio de Janeiro, 1971. BLOISE,
Walter. A Responsabilidade Civil e o Dano Médico. Forense, 1987. CHABAS,
François. Bilan de
quelques annés de Jurisprudence en matière de rôle causal. Recueil Dalloz Sirey, 1970, p. 113,
Chr. XXV. . Curso sobre Responsabilidade Civil dos
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Sul, 1988. Notas das Conferências. inédito. COSTALES, Javier Fernandez. El Contracto
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DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. Vol. 2, 7ª ed., Forense, Rio
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Médicin ne commet pas de faute em n’attirant pas l’attention du malade par les
risques exceptionnls présentés par le traitement prescrit. Rev. Trim. Dir.
Civ., 1974, p. 618. Comm. . La Nature de l’obligation du dentiste qui réalise
une prothese. Rev. Trim. Dir. Civ., 1974. FAVERO, Flamínio. Segredo Médico e
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Contractual. Editorial Civitas S.A., Madrid. 1ª edición, 1987. FRANÇA, Genival Veloso. Direito Médico. Fundo Editorial Byra. 4ª
edição, São Paulo, 1987. GISCHKOW, Emílio Maya. Remoção de Paciente. Paracer CJ
n. 18/85. Publicado in ‘Jornal do CREMERS’. GHESTIN, J. et VINEY G. Traité de Droit
Civil; les obligations.
[xix][19] Direito Civil vol. 4. 18ª ed. S.
Paulo: Saraiva, 2000, p. 256
[xx][20] Dentre as primeiras decisões a
respeito, merecem ser destacadas duas delas, prolatadas, uma em 1825 e outra em
1835, quando os médicos que haviam causado dano a seus pacientes, por imperitos
e negligentes, foram condenados ao pagamento de indenizações, sendo uma sob a
forma de renda vitalícia (relato sucinto dos casos, ocorridos nas localidades
de DROMFRONT e EVREUX, in Genival Veloso de Franga, ob. cit., p. 193 e
segs. ).
[xxi][21] Texto extraído parcialmente da doutrina
Erro Médico e a Justiça, de
Irany Novah Moraes, p.66
[xxii][22] Aprovado pela Resolução CFM nº
1.246/88.
[xxiii][23] Apelação cível n. 170.185-I, RT,
674:57
[xxiv][24] direito médico, 2a edição,
são Paulo, Fundo editorial Byk- procienx, 1978
[xxv][25] CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de
responsabilidade civil. São Paulo: Malheiros Editores, 2000, 2. ed. rev. ampl.
e atual. p. 39
[xxvi][26] CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do
direito. São Paulo: LEJUS, 1999. p. 434
[xxvii][27] RODRIGUES. Silvio. Direito civil de
acordo com o novo código civil: São Paulo: Saraiva. v. 4, 2002. 19. ed. atual.
p. 147
[xxviii][28] PEREIRA, Caio Mário da Silva.
Responsabilidade civil .3ªed. Rio de Janeiro: Forense, 1992.p.248
[xxix][29] STOCO, Rui. Op. cit.p.62
[xxx][30] NORONHA, Fernando. op.cit. p.34
[xxxi][31] TJRJ – 2ª C. – Ap. – Rel. Felisberto Ribeiro – j. 20.08.81 – RT 558/178