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A prova
da relação de emprego no tele-trabalho
1.
Introdução
Com a
evolução tecnológica e gerencial das relações trabalhistas, novas modalidades
de trabalho são constituídas e, como conseqüência, são necessárias novas reflexões
juslaborais sobre a sua tutela jurídica. A inserção entre instrumentos de
trabalho de fac-similes, computadores, telefones celulares resultou na
descaracterização do local de trabalho como tanto administradores quanto
empregados estiveram acostumados no século XX.
A rápida
difusão de formas de tele-trabalho permitiu que atividades fossem
desenvolvidas com manutenção da hierarquia, do poder de comando, sem a
necessária proximidade física entre os atores da relação de trabalho. Contudo,
é de nosso interesse mostrar com o presente estudo que não se tratam de
inéditas formas de trabalho, estranhas à legislação vigente.
Não
apenas existem normas suficientes para regular estas situações como a
jurisprudência e a doutrina não têm permanecido tão silenciosas quanto pode-nos
parecer. Através das fontes do Direito, dos princípios gerais de Direito e
específicos do Direito do Trabalho, é possível buscar a harmonia de normas
dispersas na legislação em busca de finalidade comum, qual seja o reconhecimento
através do sistema jurídico tal qual ora se encontra das relações de trabalho à
distância baseadas em meios de telecomunicação.
Para que
este fim seja alcançado e esta tese possa ser comprovada, é necessário expandir
o horizonte normativo, as interpretações legais, para assimilar a essência
coincidente entre novas e antigas relações de trabalho. Portanto, torna-se
necessário partir das considerações mais genéricas e abstratas para o caso
particular por exemplos concretos. Respeita-se assim o método dialético visando
construir a análise do objeto de estudo com a devida racionalidade.
Deste
modo, é defendido com o presente estudo que seja possível compreender o
tele-trabalho e controlá-lo juridicamente através das fontes do Direito com a
devida segurança, sem que normas específicas sejam necessárias.
2.
Transformações Tecnológicas e Direito
A
incorporação de tecnologia às relações de trabalho mudando-as intrinsecamente
não é algo recente. O fenômeno pôde ser observado desde que a energia elétrica
permitiu aos empresários que seus empregados, fechados nos recintos
artificialmente refrigerados de escritórios e consultórios, não mais
distingüissem dia e noite. O pôr do sol deixou de ser medida da duração da
jornada.
Os
aspectos da vida natural do homem têm sido intensamente sociabilizados, contudo
a sociabilização da vida humana tem-se dado pela capitalização de seu trabalho.
Segundo Ruy Fausto, o homem não é visto como trabalhador, mas como agente que
põe em movimento a produção. Não é o ser humano o objeto da produção de bens da
vida, sendo este reduzido a predicativo do sujeito-capital. Pois a
intensificação da produção e das conseqüentes vendas é o único objetivo
(FAUSTO, 1989:51).
De todos
os meios postos em ação pelo capitalista através dos braços de seus
trabalhadores, apenas a força de trabalho dos trabalhadores não lhe pertence. Se
ele se desfaz de trabalhadores, não perde meios próprios de produção, o que
ocorreria se, num processo de concordata, perdesse máquinas de seu pátio
industrial. Mas, se substitui o próprio parque industrial por trabalho
residencial ou sem qualquer espaço físico específico, há economia sem limites.
As
grandes empresas e bancos expandiram seus ativos através de sistemas de
telecomunicações. Foram ampliados a terceirização o deslocamento de atividades
rotineiras, a fragmentação de processos produtivos. Tornou-se possível reduzir
estoques; prazos de entrega e faturamento; capital e giro e, aos executivos
responsáveis por aspectos macroeconômicos, manter constante controle sobre franquias
e vendas a varejo.
Após
longo período de instabilidade conceitual, durante os anos 1970/1980, o
tele-trabalho pôde ser conceituado, como assinalam Maria Helena Teixeira da
Silva e Lídia Segre, como "trabalho exercido fisicamente fora da sede da
empresa e com o uso sistemático de serviços telemáticos para a comunicação com
a empresa" (SILVA & SEGRE, 2000). As sociólogas incorporam a sua
análise síntese das espécies:
a)"home
work": suportes eletrônicos na casa do trabalhador;
b)"mobile
work": aparelhos portáteis;
c)escritórios
satélites: sedes distantes integradas em rede a sede central por intranet
ou rede interna;
d)escritório
virtual: espaço sem vínculo fixo com a empresa, usado por profissionais de
diferentes origens empresariais;
e)tele-empresa:
serviços por rede telemática ("telemarketing", internet);
f)sistemas
distribuídos: central distribui funções a empregados para trabalharem em
computadores em rede (tradução, enciclopédias, dicionários).
Com
celulares, notebooks, secretárias virtuais, empresas podem acompanhar a
evolução de seus trabalhadores sem qualquer contato físico consigo (1).
O espaço social nas empresas, que consistia nas pausas para café, lanches em
refeitórios internos e happy hours após o expediente, informalmente
agendados pelos empregados, tem sido substituído por eventos da própria empresa
(2). Contudo, o discurso sustentado ainda é da informalidade nos
encontros, apesar de objetivos rentáveis terem passado a prevalecer e a unidade
enquanto classe perder-se com o pleno isolamento entre empregados na rotina
laboral.
Com a
intensificação do trabalho em casa, seja por instalação de linhas telefônicas
da empresa na residência (3) ou por ceder equipamento móvel para
seus empregados, que terão como única sede a própria casa para centralizar
ações, torna-se possível intensificar a produção.
As
mudanças no modo de vida, trazidas pelo capitalismo, trazem novos desafios ao
Direito. Apesar das contas telefônicas e programas específicos poderem
monitorar as horas de trabalho do empregado (4), não há meios
concretos para se definir com exatidão quando o empregado ultrapassa a jornada
legal. Não há supervisores, colegas de trabalho, para informá-lo, mas a empresa
pode conferir pelas atividades no computador e pelo celular se está em ação
durante pelo menos oito horas diárias. Logo, horas extras e adicional noturno
podem ser objeto de argumentação da empresa de que o empregado se excedeu sem a
superveniência do empregador.
Por
questões como estas, Nicanor Sena Passos (1997) examina a mudança nas relações
de trabalho devido a sua "virtualização". Para o jurista, o
"trabalho virtual" influencia:
a)relações
de emprego e relações de trabalho;
b)segurança
e medicina do trabalho;
c)jornada
de trabalho;
d)poderes
diretivo e disciplinar;
e)remuneração;
f)inspeção
do trabalho;
g)justas
causas;
h)jurisdição
trabalhista.
O mesmo
jurista lamenta que a doutrina brasileira esteja ausente da necessidade de
maior número de estudos sobre o tema. Contudo, sem embargo à necessária
reflexão sobre esta crítica, consideramos que talvez a doutrina não se
manifeste por já existirem análises suficientes, bastando ao operador do
Direito por em prática as técnicas da hermenêutica jurídica apreendidas durante
os estudos acadêmicos por cada jurista.
Todavia,
para identificar o impacto sobre cada área de influência e possíveis respostas
do Direito para salvaguardar direitos trabalhistas, é preciso partir, apesar do
aparente pleonasmo, dos princípios jurídicos.
3.Aplicabilidade
dos Princípios Específicos do Direito do Trabalho
O sistema
jurídico nacional ainda não está preparado para lidar com a questão do
tele-trabalho. Apesar da previsão expressa constitucional, entre os direitos
dos trabalhadores, da "proteção em face da automação, na forma da
lei" (Art. 7º, XXVII, CF/88), como ocorre com tantos outros preceitos
constitucionais, ainda não há não apenas regulamentação do princípio
constitucional. Apesar da ausência mesmo de posições doutrinárias consolidadas
sobre o tema, há importantes indícios para a investigação jurídica no Direito
Constitucional, como defende Luis Roberto Barroso ao ressaltar a relevância dos
princípios à interpretação jurídica:
Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema,
integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas. De parte
isto, servem de guia para o intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela
identificação do princípio maior que rege o tema apreciado, descendo do mais
genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai
reger a espécie. Estes os papéis desempenhados pelos princípios: a) condensar
valores; b) dar unidade ao sistema; c) condicionar a atividade do intérprete
(BARROSO, 2001: 20).
Assim, a
ponderação entre princípios, visando-se à máxima harmonia possível do sistema
jurídico, pode permitir ao intérprete do caso concreto analisar com segurança
discussões cujo tema não se encontra literalmente transcrito nas normas, mas já
encontraria pleno tratamento jurídico. Torna-se imperativo interpretar a
situação real segundo os princípios vinculando assim com a devida racionalidade
normas já existentes. Cabe, assim, grande atenção ao art. 8º da CLT:
Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça
do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme
o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e
normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de
acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que
nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
Entre os
princípios específicos do Direito do Trabalho, prevalece aquele da primazia da
realidade nas relações de trabalho. Por este pressuposto, se as atividades do
trabalhador ocorrem predominantemente através do celular, automóvel, fac-simile,
computador portátil (notebook, handheld, palm, laptop), quando estes
instrumentos de trabalho estiverem em função da empresa estará o trabalhador em
jornada de trabalho. Logo, ocorrerá expansão do local de trabalho, com as
conseqüências legais aplicáveis, a todo local onde o trabalhador utilizar as
ferramentas que lhe permitem desempenhar sua função. Quando surgir dúvida
quanto ao local, diante de interpretações divergentes apresentadas aos meios
forenses em disputas particulares, será possível ainda apelar, diante da
ausência de lei específica e do silêncio doutrinário, à eqüidade,
ressaltando-se, com Luiz de Pinho Pedreira da Silva, a recordação da
pressuposta hipossuficiência do trabalhador na Justiça do Trabalho:
/.../ quase todos, senão todos os princípios
específicos do Direito do Trabalho poderiam ser sintetizados num só: o de
proteção ao trabalhador, que constitui a causa e o fim imediato deste Direito,
porque o seu objetivo mediato e último é o equilíbrio social (apud BARROS,
1998:241).
Porém,
para que se demonstre que a principiologia não estaria a arrebatar as próprias
normas mas garantindo a efetividade destas, há normas de eficácia já comprovada
pelo uso na legislação vigente que precisam ser examinadas na análise das
relações de tele-trabalho
4.Normas
pelos Limites ao Tele-trabalho
Basta que
nos lembremos da CLT para abusos nas relações "virtuais" de trabalho
serem evitados. A jornada de trabalho, segundo o art. 58 da citada lei, fixa a
jornada de trabalho diária em 8 horas, salvo as profissões que tenham
disposição legal diversa. Apesar de para atividades de trabalho à distância
ainda não existir norma específica, entende-se pela norma evidenciada que será
mantido o limite legal, pois as leis especiais determinam jornadas segundo
categorias profissionais, não restritas a métodos de trabalho específicos. O
art. 59 determina regimes de compensação usual de horas extraordinárias em duas
horas adicionais segundo indenização de, no mínimo, 50% do valor da hora
trabalhada.
Em caso
de excesso na jornada, se o empregador, dispondo e-mail, mensagens
gravadas ao telefone ou quaisquer outros meios que surtam efeito para enviar as
informações ao trabalhador, não o informa da obrigatoriedade de utilização de
medidas preventivas a doenças do trabalho, seja Lesão por Esforço Repetitivo, stress,
depressão, sedentarismo ou quaisquer outras que possam decorrer de trabalho
em casa, não preveni-lo, cabem as normas do art. 200, CF/88, bem como o dever
do art. 163 da CLT de criação de Comissão de Prevenção de Acidentes no âmbito
da específica relação de trabalho (se há comissão interna para aqueles que
trabalham no espaço da empresa, deve haver por interpretação extensiva em
benefício da saúde do trabalhador comissão externa, seja lá como se realize
isto). Ainda quanto à prevenção de acidentes, é interessante reler o art. 184
da CLT:
Art. 184 - As máquinas e os equipamentos deverão ser
dotados de dispositivos de partida e parada e outros que se fizerem necessários
para a prevenção de acidentes do trabalho, especialmente quanto ao risco de
acionamento acidental.
O
celular, o computador, são equipamentos de trabalho, e podem ser dotados de
dispositivos que permitam restringir o número de horas utilizadas, seja por
convênio da empresa com concessionária de serviços de telefonia, seja por
utilização de modelos específicos adaptados, que determinem horários em que
poderão ser utilizados. Além disto, não é por não existir local de trabalho
específico que o trabalhador estará impedido de devolver, após as oito horas
diárias, o carro, o celular, o computador ou quais sejam os instrumentos móveis
de trabalho para a empresa, permitindo-se assim delimitação evidente da jornada
diária.
Não se
tem plena certeza, ainda dos riscos de utilização constante de celular à saúde,
mas já foram citadas como exemplos de novas doenças do trabalho alguns males
que utilização contínua de computadores e automóveis podem causar. Cabe,
portanto, a aplicação do art. 184. Para sanar eventuais dúvidas, a própria CLT
contribui ao elencar possíveis causas de danos que fazem-nos lembrar a
tecnologia contemporânea habitual:
Art. 200
- Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições complementares às
normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as peculiaridades de cada
atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:
/.../
VI - proteção do trabalhador exposto a
substâncias químicas nocivas, radiações ionizantes e não-ionizantes, ruídos,
vibrações e trepidações ou pressões anormais ao ambiente de trabalho, com
especificação das medidas cabíveis para eliminação ou atenuação desses efeitos,
limites máximos quanto ao tempo de exposição, à intensidade da ação ou de
seus efeitos sobre o organismo do trabalhador, exames médicos obrigatórios,
limites de idade, controle permanente dos locais de trabalho e das demais
exigências que se façam necessárias; (grifos nossos).
Já
existem, portanto, normas suficientes para dar sustentação a jurisprudência e
acordos coletivos que regulamentem, na ausência de leis específicas, as
relações de tele-trabalho. Não são tão residuais quanto a omissão doutrinária
faz crer as intervenções dos tribunais sobre novas tecnologias, conforme será
adiante mostrado.
5.Jurisprudência
pela Regulação do Tele-trabalho
Alguns
temas que, à primeira vista, encontrar-se-iam periféricos à questão em tela
adquirem novo brilho quando abraçados pela hermenêutica, como dá-se com a tese
do reconhecimento do período de percurso ao local de trabalho como tempo de
trabalho, o chamado período in itinere.
As horas in
itinere, cuja recepção jurídica tem-se dado por enunciados do TST, permite
tracejar como se pode lidar juridicamente com o trabalho à distância. Em
princípio, parece ao empregador que, permitindo que seu empregado labute em
casa, esteja afastado de indenizá-lo por horas a serviço da empresa fora do
local de trabalho mas em sua direção. Não nos referimos a hipóteses que de
imediato viriam à mente, como o absurdo de indenizar trajeto do quarto à sala
em trabalho em casa, mas nas hipóteses de ausência de local de trabalho
específico. Nestas condições estaria a serviço da empresa enquanto os
instrumentos de trabalho estiverem em uso.
O
primeiro enunciado a se referir ao tema restringe sua aplicabilidade:
90 Tempo de serviço
O tempo
despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local
de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte regular público, e
para o seu retorno, é computável na jornada de trabalho.
Segundo o
Enunciado n.º 90, pois, é preciso que o veículo utilizado pelo empregado seja
fornecido pelo seu empregador, mas o local precisa ser de difícil acesso ou não
alcançado por transporte público. Estes limites foram ressaltados por outros
enunciados:
320 Horas in itinere. Obrigatoriedade de seu cômputo na jornada de
trabalho
O fato de
o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância pelo transporte
fornecido, para local de difícil acesso, ou não servido por transporte regular,
não afasta o direito à percepção do pagamento das horas in itinere.
324 Horas in itinere. Enunciado nº 90. Insuficiência de transporte
público
A mera
insuficiência de transporte público não enseja o pagamento das horas in
itinere.
325 Horas in itinere. Enunciado 90. Remuneração em relação a trecho
não servido por transporte público
Havendo
transporte público regular, em parte do trajeto percorrido em condução da
empresa, as horas in itinere remuneradas se limitam ao trecho não
alcançado pelo transporte público.
Todavia,
não há previsão legal quanto ao quantum das horas in itinere,
assim como o fim da restrição a hipóteses de trecho de difícil acesso. Do mesmo
modo, pode ser expandida a interpretação possível a partir do Enunciado n.º
325, permitindo, assim, que a utilização de transporte da empresa no trajeto,
uma vez que o trajeto é todo espaço empregado para realização da atividade,
seja expandida para o tele-trabalho. Em caso de ainda persistirem dúvidas na
aplicação prática desta interpretação, o mesmo Tribunal Superior do Trabalho já
decidiu, em 1997, pela autonomia da norma coletiva para sua fixação:
EMENTA:
Horas in itinere – Fixação em norma coletiva – Validade. O direito à percepção
de horas in itinere não está previsto em lei, tratando-se de construção
jurisprudencial consubstanciada no Enunciado nº 90/TST. Não se enquadram, assim,
as horas itinerantes no rol de direitos trabalhistas irrenunciáveis, a
justificar a decretação da invalidade da cláusula coletiva que restringe o
pagamento das mesmas. Não havendo, assim, violência a direito trabalhista
garantido em lei, há que ser respeitado o acordo coletivo que restringe o
pagamento de horas in itinere, nos moldes do art. 7º, XXVI, da Constituição
Federal. (TST – 4ª T – Ac. nº 1486/97 – Rel. Min. Galba Velloso – DJ 09.05.97 – pág. 18597).
No
entanto, outro caminho jurídico que ressalta a aplicabilidade das normas e dos
princípios como defendida no presente estudo tem-se consolidado nos tribunais a
partir da leitura de e-mails no ambiente de trabalho. Trata-se de
situações em que o local de trabalho é bem delimitado, mas o e-mail é
interpretado como instrumento de trabalho.
6.
Monitoramento dos meios de comunicação em tele-trabalho como prova da relação
de trabalho
A 13ª
Vara do Trabalho de Brasília, ao julgar o processo n.º 13.000613/2000,
considerou que o empregado, demitido por utilizar e-mail no local de
trabalho para distribuir fotos pornográficas, não estaria ensejando demissão
por justa causa, pois seu empregador descobrira sua falta através de meio
ilícito, qual teria sido o desrespeito a seu sigilo de correspondência,
conforme art. 51, X e XII da Constituição Federal, não importando no caso se a
conta de e-mail fora fornecida pelo empregador, pois não há exceção
legal neste sentido (www.ciberlex.adv.br). Logo, se prevalecer esta
interpretação, o controle das comunicações realizadas pelos empregados através
de computador da empresa não será juridicamente fácil e serão necessários
outros meios para provar faltas do trabalhador e limites de jornada.
Eliane
Saldan e Maritza Fabiane Milléo tornam mais clara a polêmica, prevenindo os
transtornos à relação laboral que a impossibilidade de monitoramento de e-mails
poderiam causar. Para isto, as pesquisadoras partem da natureza jurídica do
e-mail. Para elas:
O correio
eletrônico profissional poderia ser definido como uma ferramenta de trabalho
disponibilizada pelo empregador aos seus prepostos, ou disponibilizados aos
sócios de um empreendimento, para desenvolver atividade profissional. Logo,
pressupõe-se que o conteúdo do e-mail profissional sejam informações
pertinentes e interessantes à atividade do seu titular no exercício
profissional e, sendo assim, não diz respeito ao titular da conta se este
exerce atividade profissional remunerada por alguém. A outorga de uma conta de
e-mail profissional pode ser equiparada à entrega da chave de um carro do
patrão ao seu empregado, sem transferência de titularidade (MILLÉO &
SALDAN, 2000).
Deste
modo, não há violação de sigilo pois a correspondência não pertence ao
empregado, mas à empresa. Distingüe-se, portanto, o e-mail pessoal, para
comunicações privadas, da conta profissional, cuja finalidade encontra-se na
própria denominação. Com esta distinção, é evidente a ausência de fundamento na
discussão quanto a sigilo de e-mail na relação de trabalho e afasta-se a
aplicabilidade absoluta do art. 51, X e XII da Constituição Federal.
Além
disto, o inc. X do art. 5º da Constituição condiciona a indenização à
ocorrência de dano ao patrimônio material ou moral, afastando a hipótese de
dano moral por leitura de e-mails em rede monitorada. De acordo com
Renato Opice Blum, o debate sobre e-mail, e aqui tomamos a liberdade de inserir
a título de paráfrase o telefone celular como instrumento de comunicação
empresarial:
Não tem a
proteção do art. 5º, XII, da CF, e sim do art. 5º, X, salvo em caso de
interceptação do fluxo. Ademais, correspondência, pelo princípio da reserva
legal é dada pela Lei n.º 6.535/78, art. 7º, § 1º. São objetos de
correspondências: carta, cartão postal, impresso, cecograma e pequena encomenda
(BLUM, 2000).
Portanto,
mensagens enviadas através de celular, pager, fac-simile entre outros
meios não se aplicam ao tema e podem ser meios de prova (5) para
configurar relações de trabalho de área de trabalho indeterminada.
O
reconhecimento do monitoramento tecnológico dos trabalhadores por meios de
comunicação como meio de prova torna plenamente aceitável o tele-trabalho como
atividade profissional comum, uma vez que fecha o circuito necessário para a
comprovação judicial da existência de uma relação de trabalho.
7.
Conclusão
Por vezes
o debate jurídico pode gerar a sensação de que, a despeito da estabilidade
monetária nacional, exista inflação ainda crescente, senão financeira, mas de
leis, não apenas a partir do Congresso Nacional e das Medidas Provisórias
derivadas do "Poder Moderador" do Presidente da República. A inflação
de leis já teria criado raízes na consciência do jurista brasileiro.
Não é
difícil deixar de refletir sobre um tema à espera de lei específica, sendo
deste modo ignoradas as contribuições consolidadas pela jurisprudência, por
costumes do cotidiano forense e da doutrina. Corre-se o mesmo risco ao analisar
o tele-trabalho, paradigma laboral aparentemente novo mas que ronda as relações
empregatícias desde que o primeiro vendedor viajante trabalhou sem escritório,
respondendo a ordens à distância.
Através
dos princípios constitucionais e específicos do Direito do Trabalho é preciso
assegurar um rumo comum entre as relações de trabalho entre classes afastadas
mas ainda vinculadas hierarquicamente, restando ao jurista harmonizar, através
dos princípios gerais de Direito, este caminho com as normas já existentes que
tutelam trabalhadores que têm emprego com Cadastro de Endereçamento Postal
(CEP) próprio.
Os
estudos de caso advindos da jurisprudência e da doutrina que reflete sobre os
tribunais têm em mensagens eletrônicas fonte não apenas de Direito, mas de
esperança para novos estudos com base na antiga hermenêutica. Pensa-se no e-mail
a partir da lei que define as cartas que ainda exibem carimbo e selo
postais, e são assim trazidos a lume meios de prova para novos estudos
processuais, apesar de argumentos não necessariamente recentes. Pois o mundo
pode ter novos meios de produção, novas relações de trabalho, mas as leis
continuam regendo o mesmo capitalismo que desde a ascensão da Revolução
Industrial desperta a atenção de quem se preocupa em conhecer o que se passa
nas relações de trabalho mundiais.
8.
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__________.
"Siemens inicia programa de ‘home-office’. www.uol.com.br/gilbertodimenstein
<http://www.uol.com.br/gilbertodimenstein>. 30 de maio de
2001.
Notas
1..A
Shell do Brasil custeia despesas como telefone e energia elétrica para que seus
revendedores trabalhem em casa. Siemens permite aparato doméstico para seus
gerentes e coordenadores (SOUZA: 2001).
2.."/.../
as corporações que adotaram o ‘home-office’ têm optado por um sistema misto de
trabalho. ‘Elas promovem desde reuniões de equipe até cafés coletivos’, conta a
professora [Marisa Eboli/USP]. A idéia é manter atividades e encontros em que
possam ocorrer as comunicações informais. ‘Esses momentos têm papel
fundamental. As trocas de idéias e de experiências são importantes na
aprendizagem do trabalhador para internalização de valores e expectativas da
empresa’, acrescenta" (SOUZA: 2001). Cf.: Kodak e Hewlett-Packard
(FUOCO, 1998). Do mesmo modo,
cafés da manhã dos empregados da Márcio Raposo Imóveis, em Maceió, às
terças-feiras (www.marcioraposo.com.br)
<http://www.marcioraposo.com.br)/>.
3..Como
faz a Kodak, que instala para seus vendedores linha telefônica exclusiva,
computador, secretária eletrônica e pager em casa (FUOCO, 1998).
4..Os softwares
são denominados time sheets, planilhas instaladas no computador de
cada profissional para controlar horas e atividades por dia (POTENGY &
CASTRO, 2000).
5..No
mesmo sentido: MARCACINI (1999) e CASTRO (2001).
Retirado: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2895