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O combate à violência na mídia: aspectos jurídicos

 

 

Diego Custódio Borges

 

 

 

Resumo: O trabalho aduz sobre a problemática da violência na mídia, suas conseqüências no âmbito jurídico, com o escopo de traçar um panorama acerca dos aspectos jurídicos considerados relevantes, com vistas à alteração legislativa, tendo em vista o intuito de prevenir e combater a violência na mídia, incluindo a sociedade civil nesse processo.

 

I. Noções gerais

 

                                   O ser humano sempre procurou se comunicar. Nos tempos primitivos, se valia das gravuras em rochas e cavernas, da pintura rupestre. A necessidade de se comunicar, levou – o à descoberta da escrita.

                                   Os antigos desenhos se desenvolveram em signos, representativos do fonemas, da fala. Informa Darcy Arruda Minranda que “desde os remotos tempos em que os homens procuravam se entender através de símbolos e sinais, ou seja, desde a idade da pedra (paleolítica e neolítica), em que transmitiam os seus pensamentos por meio de incisões e pinturas rupestres – e até onde remontam, talvez, as origens do alfabeto – quando começava a estabelecer-se a diferença entre as representações artístico – estéticas e as de caráter prevalentemente comunicativo, a imprensa madrugava.” [1][1]

A travessia ao longo da História nos leva a concluir que o grande impulso da atividade midiática transcorreu com o advento da invenção da imprensa por Guntenberg, em 1436. Foi Guntenberg quem compôs e imprimiu com letras de chumbo o primeiro livro de que se tem notícia, surgia a tipografia. Desenvolveu-se, assim, os primeiros jornais, ainda que incipientes.

Recentemente na mídia, observa-se o debate sobre a violência. Elevam – se à categoria de celebridades, criminosos ou fatos trágicos como o assassinato de jovens em uma escola nos Estados Unidos da América. A mídia ao buscar rentabilidade, proporciona espetáculos que afrontam a dignidade da sociedade. Ao invés de cuidar da moralidade e dos interesses públicos, prefere-se utilizar de fatos que gerem insegurança e temor na sociedade, fatos nem sempre verídicos deve-se frisar.

                                   Com isto, discute-se a necessidade de um controle preventivo da mídia ao lado do controle repressivo dos abusos praticados nela.

                                   Esta  monografia visa trazer alguma contribuição à questão do controle da mídia face à violência que se instalou na mídia brasileira. A reflexão se fundamenta na análise dos direitos e princípios fundamentais da Lei Maior do país, a Constituição Federal, de 05/10/1988, e na interpretação de normas sobre a atividade da mídia. 

 

II. Da liberdade de pensamento

 

                                   O artigo 5º da Constituição Federal estabelece entre os direitos e deveres individuais e coletivos, a liberdade de pensamento, bem como as conseqüências do abuso desse direito nos incisos IV, V, IX, X e XIV, in verbis:

 

“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”

“V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.”

“IX – é livre a expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou prévia licença.”

“X – é livre a expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.”

“XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o acesso da fonte, quando necessário ao exercício profissional.”

 

                                   Diante desses preceitos, vislumbra-se que é livre e garantida a expressão do pensamento, afastando-se a censura ou licença. Neste ponto, Pinto Ferreira assinala que “o Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade, que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriozação da opinião, como sob aspecto negativo, referente à proibição de censura.”[2][2]

                                   A proteção contida no inciso X abriga um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas. Ao proteger a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem, objetiva-se garantir que os indivíduos não sofram intervenções do Estado ou de terceiros em suas relações mais íntimas, subjetivas, bem como nas suas relações sociais e na sua imagem frente aos meios de comunicação de massa.

                                   Os abusos violadores da intimidade, honra e imagem das pessoas deverão ser apreciados pelo Poder Judiciário, tendo em vista que se trata de lesão ou abuso de direito (CF, art. 5º, XXXV).

                                   No tocante ao aspecto tutelar, assevera Alexandre de Moraes que “encontra-se clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), com o direito à honra, à intimidade e à vida privada (CF, art. 5º, X) converter em instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de natureza tão íntima quanto falecimentos, padecimentos ou quaisquer desgraças alheias, que não demostrem nenhuma finalidade pública e caráter jornalístico em sua divulgação. Assim, não existe qualquer dúvida de que a divulgação de fotos, imagens ou notícias apelativas, injuriosas, desnecessárias para a informação objetiva e de interesse público (CF, art. 5º, XIV) que acarretem injustificado dano à dignidade humana autoriza a ocorrência de indenização por danos materiais e morais, além do respectivo direito à resposta.”[3][3]

                                   Quanto à expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, não poderá impor-se censura prévia de qualquer natureza (política, ideológica e artística) como determina a CF/88 no seu § 2° do art. 220.

                                   A liberdade de manifestação do pensamento consagra-se como um dos direitos da pessoa humana, impondo limites ao Estado no controle dos meios de comunicação, bem como constituindo-se como garantia do pleno exercício da liberdade de pensamento e expressão. Não obstante isto, o abuso praticado pela mídia, ao utilizá-la, deve ser reparado, haja vista as disposições constitucionais da matéria. Além disso, não pode-se deixar de consignar a previsão da liberdade de pensamento e expressão no art. 13 do Pacto de San José da Costa Rica, de 22/11/1969, promulgado pelo Decreto n° 678, de 6/11/1992, in verbis:

 

“Art. 13. Liberdade de pensamento e de expressão. 1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em qualquer forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel da imprensa, de freqüência radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção da infância e da adolescência, sem prejuízo do inciso 2. 5. A lei pode  proibir toda a propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.”

 

                                   Este dispositivo é válido em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista que os direitos e garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil for parte (CF, art. 5º, §2º). Com a promulgação pelo Brasil da Convenção Americana dos Direitos Humanos, assegura-se o reconhecimento da liberdade de pensamento e expressão como direito fundamental do ser humano.

 

III. Da comunicação social

 

                                   A Carta Magna preceitua normas no título VIII (da ordem social), capítulo V, a respeito da comunicação social. Trata-se da liberdade de comunicação social, sendo, portanto, conseqüência dos direitos e garantias individuais relacionados à liberdade de pensamento, regulamentando em um sentido mais estrito da noção de comunicação: jornal, revistas, rádio e televisão. Deve-se registrar que as publicações em veículos impressos de comunicação não dependem de licença de autoridade (CF, art. 220, § 6º), em oposição à necessidade concessão ou autorização às atividades de rádio e televisão pelo Poder Executivo (CF, art. 223)

                                   Neste capítulo, asseguram-se as liberdades garantidas aos meios de comunicação em geral, nos termos do art. 220 da Constituição Federal que preceitua:

 

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição observado o disposto nesta Constituição.”

 

                                   Com efeito, a tutela conferida neste capítulo, segundo Alexandre de Moraes, no sentido de “o que pretende proteger nesse novo capítulo é o meio pelo qual o direito individual constitucionalmente garantido será difundido, por intermédio dos meios de comunicação de massa. Essas normas, apesar de não se confundirem, completam-se, pois a liberdade de comunicação social refere-se aos meios específicos de comunicação” [4][4]

                                   O texto constitucional é cristalino em proibir qualquer tipo de restrição à liberdade de pensamento, criação, expressão e à informação, desde que não afrontem os limites previstos na própria Constituição.

                                   A par das restrições já mencionadas do art. 5º, deve-se aludir aos limites impostos a algumas atividades midiáticas estabelecidos na CF/88, art. 221:

 

“Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidade educativas, artísticas, culturais e informativas;

II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetiva sua divulgação;

III – regionalização da produção artística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.”

 

                                   Além desse dispositivo, ressaltam-se também as disposições estipuladas no Código de Ética dos Jornalistas:

“Art. 2º. A divulgação da informação, precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública, independente da natureza de sua propriedade.”

 

“Art. 3º. A informação divulgada pelos meios de comunicação pública se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo.”

 

“Art. 7º. O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação.”

 

                                   A fim de se garantir a efetividade dos princípios elencados no art. 221 da CF e no Código de Ética dos Jornalistas, a Carta Magna atribuiu competência à lei federal (CF, art. 220, §3º) para dispor sobre o seguinte: 1 – regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; 2 – estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádios e televisões que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.

                                   A lei prevista para o controle dos valores contidos nas normas da Constituição Federal não foi elaborada pelo Poder Legislativo, constituindo-se em uma grave omissão do seu dever ao constatarmos os 15 (quinze) anos de existência do texto constitucional de 1988.

                                   Quanto ao item nº 01, sobre a classificação dos programas e espetáculos públicos, não pode-se deixar de ressaltar o preceito da CF/88, art. 21, inciso XVI, que determina à União exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão. Em cumprimento a este dispositivo, o Ministério da Justiça expediu a Portaria nº 796/2000 que determina a classificação etária e horária para as diversões, apresentações de espetáculos públicos e programas de televisão.

                                   A responsabilidade do Poder Público frente ao serviço de radiofusão sonora, bem como ao de som e imagem (rádio e televisão), é de grande relevância, haja vista as disposições da CF/88, nos artigos 223 e 37, § 6º:

 

“Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiofusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementariedade dos sistemas privado, público e estatal.”

 

“Art. 37. A administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá  aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 6°. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável no casos de dolo ou culpa.”

 

                                   Desta maneira, as emissoras de rádio e televisão, como concessionárias de serviços públicos, podem ser responsabilizadas pela infração aos princípios constitucionais, pois conclui-se da análise do § 6º, do art. 37 que são responsáveis pelos danos causados à sociedade as pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos. 

                                   A responsabilidade civil conferida pela Constituição Federal aos seus agentes, significa, segundo informa José Afonso da Silva, “a obrigação de reparar os danos ou prejuízos de natureza patrimonial ( e, às vezes, moral) que uma pessoa cause a outrem.”[5][5]

                                   Verifica-se, portanto, que o serviço de radiofusão sonora e de sons e imagens se constituem em uma concessão, passíveis do controle do Estado se não observarem os ditames constitucionais. O Poder Executivo outorga e renova as concessões, autorizações e permissões, sendo apreciados pelo Congresso Nacional os atos de concessão de emissoras e renovação destes serviços (CF, art. 49, XII).

                                   Nesse sentido, poderá o Congresso deliberar pela não renovação da concessão ou permissão, dependendo da aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal (CF, art. 223, § 2º).

                                   Entretanto, o cancelamento da concessão ou permissão antes do vencimento do prazo, dependerá de decisão judicial (CF, art. 223, § 4º). Cabe,

 ainda, ao Congresso Nacional, instituir como seu órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social (CF, art. 224), previsto na Lei nº 8.389/1991, criado, há pouco tempo. Este órgão representa uma forma de controle social da mídia, inspirado no modelo português. Tem como atribuição (art. 2º da Lei nº 8.389/1991) a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações encaminhadas pelo Congresso Nacional em especial sobre: a) liberdade de manifestação do pensamento, da criação da expressão e da informação; b)diversões e espetáculos públicos; c) produção e programação das emissoras de rádio e televisão; d)finalidade educativa, artística, cultural e informativa da programação das emissoras de rádio e televisão; e) defesa da pessoa e da família de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Federal; f) outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiofusão sonora e de sons e imagens; g) legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.

 

IV. Do dano coletivo

 

                                   O dano moral coletivo relaciona-se com a atuação indevida dos meios de comunicação. Quando ocorre a infração aos princípios constitucionais que regem a comunicação social, se proporciona a lesão à moralidade pública, aos valores mais essenciais da sociedade. Essa lesão a valores que a sociedade tanto preza, caracteriza um interesse de titularidade de toda a coletividade, um interesse difuso.

                                   A violência mostrada na mídia de modo contrário aos princípios expressos no art. 221 da Constituição Federal provoca um dano moral coletivo, nos termos do inciso V, art. 5º da CF/88 (supracitado), e dos incisos VI e VII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor:

                                  

                                   “Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais, morais, individuais, coletivos e difusos;

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica dos necessitados.”

 

                                   Com isto, tratando-se os princípios do art. 221 da Constituição Federal da guarda dos interesses sociais e individuais indisponíveis, legitima-se o Ministério Público a agir quando existir violações da atividade midiática a tais princípios, pois é seu encargo zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nessa Constituição, promovendo o inquérito civil público e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros direitos difusos e coletivos.

 

V. Das disposições da Lei de Imprensa

 

                                   A liberdade de imprensa é o direito à livre manifestação do pensamento pela imprensa, limitada pelos direitos alheios, pela ordem jurídica que estabelece sanções para os abusos. Já assegurava o notável jurista Rui Barbosa quanto à liberdade de imprensa, que “é a da imprensa a mais necessária e a mais conspícua; sobranceia e reina entre as mais. Cabe-lhe, por sua natureza, a dignidade inestimável de representar todas as outras; sua importância é tão incomparável, que entre os anglo-saxônicos, os melhores conservadores e os melhores liberais do mundo, sempre foi gêmea do governo representativo a crença de que não se pode levantar a mão contra a liberdade de imprensa, sem abalar a segurança do Estado” [6][6]

                                   A par de se constituir em meio de expressão da atividade artística, intelectual e científica, a mídia, como assinalou Rui Barbosa, se instituiu em um instrumento de fiscalização do Estado nos regimes democráticos. Chega-se ao ponto de colocá-la como um verdadeiro “poder”, capaz de mobilizar toda a sociedade.

                                   Contudo, ao lado do relevante papel de garantir transparência das instituições, a mídia pode lesar direitos, destruir vidas por meio de publicações irresponsáveis.

                                   Tendo em vista esta possibilidade de abuso, advertiu Darcy Arruda Miranda que o “anseio surgido e ampliado pelas quebradas dos séculos transatos, apesar de leis sucessivas que realçavam e justificam, ainda hoje a liberdade de imprensa continua sendo o espantalho dos déspotas, o terror dos incompetentes, e ao mesmo tempo a válvula de segurança das instituições democráticas. Mas se a liberdade de imprensa é indispensável à vivificação da democracia, o abuso dela constitui um mal incalculável. A história está aí para demonstrá-lo. Bem por isto, por não se poder liberdade com licença, todas as legislações dos povos cultos, antigos e modernos, do mesmo passo que outorgam liberdade à imprensa, ressalvam, desde logo, a ocorrência de abusos. Tudo que excede aos limites normais do direito constitui abuso. Quer na exposição das idéias ou enunciação do pensamento, quer na maneira de buscar as fontes de informação, não pode o interessado transcender os lindes que a lei impõe, sem incursionar na área delituosa.”[7][7]

                                   Em razão desta potencial lesividade aos direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, a Lei nº 5.250/1967 vem regulamentar a garantia de que a honra, a vida privada e a imagem das pessoas são invioláveis. Proporciona aos lesados a oportunidade de buscar uma indenização por dano material, moral ou à imagem. Determina a Lei de Imprensa, no seu art. 12:

 

“Art. 12. Aqueles que, através de meios de informação e divulgação, praticarem abusos no exercícios da liberdade de manifestação do pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta lei e responderam pelos prejuízos que causarem.

Parágrafo único. São meios de informação e divulgação para efeitos deste artigo, os jornais e outras publicações periódicas, os serviços de radiofusão e os serviços noticiosos.”

 

                                   A Lei de Imprensa tipifica condutas na exploração ou utilização dos meios de informação e divulgação nos seus arts. 14 (quatorze) a 22 (vinte e dois). Entre os delitos previstos, no tocante à violência na mídia, deve-se ressaltar os arts. 16 (dezesseis), inciso. I; 17 (dezessete) e 19 (dezenove). O primeiro dispositivo alude à publicação ou divulgação de notícias falsas ou fatos verdadeiros truncados ou deturpados que provoquem perturbação ou alarma social.

                                   Neste delito, é necessário que o autor da notícia publicada tenha a plena consciência de sua falsidade, e tenha agido com a intenção, certa e determinada, de provocar alarma social.[8][8]

                                   O segundo preceito refere-se à ofensa aos bons costumes e moral pública, porém a lei não conceitua o que são bons costumes ou moral pública que dependeram da evolução natural da sociedade. A configuração do delito se subordina à intencionalidade do agente, ao órgão divulgador e publicidade da ofensa.

                                   O terceiro dispositivo diz respeito ao incitamento à prática de qualquer infração às leis penais, determinando que se a incitação for seguida da prática do crime, as penas serão as cominadas a este (Lei de Imprensa, art. 19, §1º). A apologia ao crime (Lei de Imprensa, art. 19, § 2º) consiste na “glorificação de uma infração penal exposta à leitura ou à audição dos leitores, ouvintes ou espectadores como capaz de descrever o entusiasmo pela repetição de tais atos condenáveis. Apologia do criminoso é a apresentação do deliquente como figura capaz de ser imitada, especialmente por pessoas de formação moral deficiente ou de baixos instintos.” [9][9]A consumação deste delito se configura com a divulgação, não importando os efeitos, ao contrário do crime de publicação de notícia falsa ou de fatos verdadeiros truncados ou deturpados que exige para consumação a perturbação da ordem pública.

                                   Um caso notório de apologia ao crime (Lei de Imprensa, art.19,§2º) provocou insegurança na sociedade recentemente. O fato transcorreu em um programa televisivo apresentado aos domingos, de grande audiência. Nele, veiculou – se uma suposta entrevista com integrantes de um grupo criminoso. Nesta, os criminosos se mostravam satisfeitos com sua condição, exaltando o crime e ameaçando personalidades públicas.

 

VI. Das Conclusões

                                   Após a apreciação das normas supracitadas, concluímos que os dispositivos legais são, de certo modo, suficientes na regulação da matéria. Contudo, a efetividade das normas não é total. Isto proporciona uma margem de atuação indevida dos meios de comunicação, afrontando os requisitos mínimos exigidos pela Carta Magna nas atividades da mídia, em especial nos serviços de radiofusão sonora e de sons e imagens (rádio e televisão).

                                   Deve-se ressaltar que o controle administrativo, exercido pelo Poder Executivo, não é meio mais adequado e eficaz no tocante à repressão da violência na mídia, tendo em vista a possibilidade de associação ilícita dos agentes políticos com os meios de comunicação (corrupção) e, ainda, a possibilidade de censura (controle prévio) que se caracterizaria em um retorno a época de desrespeito flagrante aos direitos fundamentais da pessoa humana. Conforme já mencionado, a única possibilidade de controle administrativo no Brasil (CF, art. 21, XVI) é a que atribui à União a competência para exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão.

                                   Quanto ao controle judicial, este é consagrado no nosso país por força do mandamento constitucional que assegura a apreciação pelo Poder Judiciário de qualquer lesão ou ameaça em seu direito (CF, art. 5º, XXXV). Este controle é acionado quando o exercício da liberdade de expressão viola a ordem jurídica, afetando direitos de outras pessoas. Trata-se de um controle imparcial do Poder Judiciário, obedecendo aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Este pode ser provocado por iniciativa individual (violação dos direitos à honra ou à imagem de um indivíduo) ou pelo Ministério Público (violação de interesses difusos e coletivos).

                                   No tocante à auto – regulamentação, configura-se no meio mais eficaz ao lado do controle estatal. Caracteriza-se em uma das melhores opções de controle, pois não envolve nenhuma interferência externa. A última tentativa de realização da auto – regulamentação no Brasil foi provocada pelo ex - Ministro da Justiça José Gregori junto às empresas midiáticas. Todavia, não obteve êxito sua proposta. Este controle, para torna-se um instrumento eficaz, exige mobilização e cooperação das concessionárias. Não obstante as disposições do Código de Ética da Radiodifusão Brasileira e dos Jornalistas, não houve predisposição das empresas, já que trata-se de um processo complexo.

                                   Com isto, o controle social representado pelo Conselho de Comunicação Social junto ao Congresso Nacional, configura-se na atual conjuntura no meio possivelmente mais eficaz no controle dos excessos da mídia. Segundo Luís Roberto Barroso, o controle social “envolve a atuação organizada da sociedade civil, instituindo mecanismos de coordenação e cooperação para a promoção dos objetivos comuns. Substituem eles as relações verticalizadas e de imposição que caracterizam a atuação estatal. Os controles sociais se inserem em um estágio político mais avançado de participação e exercício da cidadania”.[10][10]

                                   Com efeito, a sociedade brasileira é cada vez mais consciente e cobra seus direitos, tanto dos seus representantes no Congresso Nacional como do Poder Executivo por meio do Poder Judiciário. A par disto, a sociedade organiza-se em organizações não governamentais a fim de suprir a ausência do Estado em vários setores.

                                   Deste modo, o controle social com a atuação do Conselho de Comunicação Social torna-se ideal no controle da mídia especialmente quanto à violência. O que sugerimos com o intuito de transformá-lo no fiscal efetivo, tornando-o a referência no planejamento das atividades midiáticas, são duas alterações na Lei nº 8.389, de 30 de dezembro de 1991, que o institui.

                                   A primeira sugestão é o acréscimo de dois parágrafos ao artigo 2° do ordenamento supracitado. No primeiro parágrafo, recomenda-se a inclusão de mais uma atribuição ao Conselho. Este seria responsável pelo controle repressivo da mídia, expedindo recomendações às empresas da mídia quando verificar-se infração às alíneas a; b; d; f; g; i do art. 2º da Lei nº 8.389/91.

No segundo parágrafo, deveria ser incluído que as recomendações, estudos, pareceres encomendados pelo Congresso Nacional fossem remetidos aos órgãos representativos dos meios de comunicações, aos Ministérios da Justiça e das Comunicações, e ao Ministério Público nas hipóteses de abuso da liberdade de expressão. Tendo em vista a relevância dos estudos realizados, toda a sociedade deve conhecê-los. Com isto, o envolvimento da sociedade tornar-se maior, mobilizando-a .

                                   A segunda sugestão é a alteração do modo de escolha dos membros do referido Conselho. Ao invés das entidades representativas dos setores mencionados nos incisos I a IX do art. 4º da Lei nº 8.389/91 poderem sugerir nomes à Mesa do Congresso Nacional (§ 2º, art. 4º, Lei nº 8.389/91), os membros serão escolhidos dentre os enviados de uma lista tríplice encaminhada pelas entidades. Com o objetivo de torná-lo mais independente, deverá se proporcionar um aumento do número de membros da sociedade civil. Desta forma, o inciso IX e o § 2º do art. 4º da Lei nº 8.389/91 seriam alterados.

                                   A redação dos dispositivos seria a seguinte:

 

Art. 2º

§1º. O Conselho fiscalizará as atividades da mídia, devendo expedir recomendações aos meios de comunicação que não observarem o disposto nas alíneas a; b; d; f; g; i deste artigo. §2º. Os estudos, pareceres, recomendações realizados por este Conselho serão encaminhados aos órgãos representativos dos meios de comunicação, ao Ministério da Justiça e das Comunicações e ao Ministério Público. Ao órgão do Ministério Público serão remetidos as recomendações previstas no parágrafo anterior. 

Art. 4º

Inciso IX: 10 (dez) membros  representantes da sociedade civil.

§2º. Os membros do Conselho e seus respectivos suplentes serão eleitos em sessão conjunta do Congresso Nacional, sendo que a escolha deverá ser feita em lista tríplice encaminhada por cada entidade representativa dos setores mencionados nos incisos I a IX deste artigo.

 

FONTE: http://www.prgo.mpf.gov.br/doutrina/x.htm



[1][1] MIRANDA, Darcy Arruda. Comentários à Lei de Imprensa. 3a Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1995. P.37

[2][2] FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva. 1989. P. 68.

[3][3] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9ª edição. São Paulo: Atlas. 2001. Pgs. 73/74.

[4][4] MORAES, Alexandre de. Ob. Cit. P. 649

[5][5] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: RT. 6ª Edição. Pg. 567

[6][6] MIRANDA, Darcy Arruda. Ob. Cit. P. 64

[7][7] MIRANDA, Darcy Arruda. Ob. Cit. P. 148

[8][8] SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE ,Fabiano. Leis Especiais Anotadas. 3a Edição. 2002. Campinas: Millennium. P.344

[9][9] SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson. GENOFRE ,Fabiano. Ob. Cit. P. 347

[10][10]BARROSO, Luís Roberto. Temas de Direito Constitucional. 2a Edição. 2002. Rio de Janeiro: Renovar. P. 353.