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A publicidade enganosa via Internet
Daniel da Silva Ulhoa procurador da
Fazenda Nacional, MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV
I – Introdução
Segundo
dados fornecidos por Renato M. S. Opice Blum (1), o Brasil já conta
com aproximadamente oito milhões de internautas e previsões de movimentar U$ 60
bilhões no comércio eletrônico em 2.004. O crescimento da rede, a nível global,
iniciou-se por volta de 1995 e, desde então, segue crescendo vertiginosamente.
No
Brasil, a exploração da Internet configura mercado bastante promissor. O
país apresenta um dos maiores contingentes de internautas de todo o mundo e um
considerável número de usuários em potencial.
Paralelo
a isso, a imprensa noticia (2) que o número de reclamações no PROCON
relativas a compras pela Internet tem aumentado a cada dia, o que
demonstra a importância assumida pelo tema das relações de consumo no comércio
eletrônico.
Muito
se tem discutido sobre a aplicabilidade das normas do Código de Defesa do
Consumidor em relação ao comércio eletrônico, mais exatamente no âmbito das
relações travadas no chamado B2C, Business-to-Consumer. Mas, atualmente,
é relativamente pacífico o entendimento de que o CDC regula tais relações, ao
menos quando decorrentes de negócios travados pela Internet, quando uma
das partes caracterizar-se como consumidor (art. 2o do CDC) e quando
na espécie a legislação brasileira reputar-se competente para regular tais
situações, nos termos do art. 9o, caput e § 2°, da Lei de
Introdução ao Código Civil.
Dentro
da complexa e premente temática do Comércio Eletrônico relacionado ao Direito
do Consumidor, relevância não menos acentuada assume a questão da Publicidade
Enganosa via Internet, questão esta que pretendemos desenvolver no
presente estudo.
E
aqui é importante dizer que o objetivo proposto é o de analisar alguns aspectos
importantes relacionados ao tema da Publicidade Enganosa via Internet,
trazendo-os ao debate e delineando-os, da melhor forma possível, bem como,
abordar algumas condutas freqüentemente praticadas por fornecedores na Internet,
possivelmente caracterizáveis como publicidade enganosa, extraindo, ao final as
conclusões decorrentes do estudo ora empreendido.
Mas
antes de adentrarmos propriamente na análise do tema proposto, algumas considerações
preliminares são interessantes, no sentido de bem delimitar o campo de estudo a
ser desenvolvido.
I.
I. DAS PARTES ENVOLVIDAS
A
publicidade a ser aqui estudada é aquela prevista no Código de Defesa do
Consumidor, mais exatamente nos artigos 36, 37 e 38 do referido diploma
legislativo.
O
conceito jurídico de consumidor encontra-se no art. 2o do CDC:
"Art. 2o Consumidor é
toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como
destinatário final."
Do
ponto de vista do elemento pessoal, ou subjetivo, o conceito é
sobremaneira amplo. Comporta, no seu âmbito, as pessoas físicas e jurídicas,
vale dizer, todas as pessoas que têm personalidade podem, potencialmente,
ocupar esse pólo da relação de consumo.
Quanto
ao elemento objetivo, diz respeito à destinação do produto ou serviço. De
fato, somente pode ser considerado consumidor a pessoa física ou jurídica que
utilize o produto ou serviço como destinatário final.
Há
também um elemento relacional que não está explícito na definição legal,
mas que decorre da própria estrutura da relação de consumo. Significa que a
relação só pode ser qualificada como de consumo se, além de possuir, num dos
seus extremos, alguém que possua os elementos subjetivo e objetivo do conceito
de consumidor, apresente, na outra extremidade, alguém que se enquadre no
conceito de fornecedor.
Demais
disso, pode-se falar, ainda, nos consumidores por equiparação legal, definidos
no parágrafo único do art. 2o, no art. 17 e no art. 29 do CDC. No
que diz respeito à publicidade enganosa, é de grande relevo o artigo 29 que
assim dispõe:
"Art. 29. Para os fins deste
Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas
determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas." (Grifamos).
Naturalmente,
porque quando se fala em Internet, deve-se ter em mente a democrática
forma de acesso que a mesma representa e o universo de pessoas que freqüentam a
rede. Desta forma, o preceito contido no art. 29 do CDC, no que tange aos
potenciais consumidores que navegam na Internet, tem o efeito imediato
de estender sua tutela inclusive àqueles que não se enquadrem na definição
legal do art. 2o do CDC, mas que tão somente estejam expostas às
práticas previstas nos Capítulo V ("DAS PRÁTICAS COMERCIAIS") e VI
("DA PROTEÇÃO CONTRATUAL") do Código de Defesa do Consumidor.
Sendo
a Seção III, do Capítulo V, do CDC, justamente aquela onde estão contidos os
artigos relativos à Publicidade, forçoso é concluir que, na disciplina do
Código, equiparam-se ao conceito de consumidor, para os efeitos do referido
capítulo, todas as pessoas, determináveis ou não, que estejam sujeitas à
publicidade enganosa.
Assim,
toda aquela pessoa que esteja submetida aos efeitos da publicidade enganosa
vinculada através da Internet será equiparada ao conceito de consumidor
do art. 2o do CDC.
Já a
definição de fornecedor encontra-se no art. 3o do CDC:
"Art. 3o Fornecedor é
toda pessoa, física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira,
bem como os entes despersonalizados, que desenvolvam atividades de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação,
distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços."
Do
ponto de vista do elemento pessoal, é conceito de grande extensão –
abrange até mesmo os entes despersonalizados. O elemento objetivo do
conceito é a noção de atividade – fornecedor é a pessoa física ou jurídica, ou
ente despersonalizado, que desenvolve quaisquer das atividades elencadas no
art. 3o, desde que o faça profissionalmente. Por fim, o elemento relacional,
isto é, só se considera fornecedor a pessoa física ou jurídica, ou ente
despersonalizado, se e enquanto existe uma relação jurídica com alguém que se
enquadre no conceito de consumidor.
Questão
pertinente aos sujeitos da relação de consumo e que se pretende discutir
adiante, em tópico à parte, é da responsabilização do "provedor de
acesso" pela vinculação de publicidade enganosa de terceiros anunciantes
em seu site.
I.II.
DA DESNECESSÁRIA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE CONSUMO
É
bom destacar que, quanto ao tema ora em análise, isto é, da Publicidade
Enganosa via Internet, as conseqüências jurídicas decorrentes da
vinculação pela rede deste tipo de publicidade não dependerão da efetiva
ocorrência de um contrato de consumo, já que a publicidade existe anteriormente
aos contratos.
Mas
não deixa de ser importante abordar os conceitos de consumidor e de fornecedor,
tal como delineados no CDC, haja vista que a publicidade aqui analisada será
aquela realizada por um fornecedor de bens e serviços, através da Internet,
visando atingir os potenciais consumidores freqüentadores da rede.
Ademais,
como já se ressaltou alhures, a definição de consumidor, segundo a disciplina
consumerista, no que pertine à publicidade enganosa, abrange, inclusive, as
pessoas tão somente expostas aos efeitos da publicidade ilícita, mesmo que não
tenham adquirido ou utilizado produtos ou serviços como destinatário final. Isto
é, são também considerados consumidores, embora por equiparação legal (art. 29
do CDC).
I.III.
DA APLICAÇÃO DO CDC A FORNECEDORES ESTRANGEIROS
É
preciso atentar que embora seja pacífica a incidência das normas do CDC em
relação a fornecedores localizados no país, o mesmo não acontece no que diz
respeito a fornecedores estrangeiros.
Mas
não é incomum a celebração de contratos de compra de produtos ou prestação de
serviços entre os chamados "ciber-consumidores" nacionais e
fornecedores estrangeiros, que muitas vezes não possuem estabelecimento físico
em nosso país, bem como qualquer representação ou filial. Em contrapartida,
sendo a rede de acesso mundial, estão os consumidores nacionais em contato com
publicidade divulgada por sites de todos os cantos do mundo.
Havendo
irregularidade nestas transações internacionais, notadamente estando
configurada a hipótese de publicidade enganosa, a solução do problema de
confronto entre as normas de proteção ao consumidor e as regras do comércio
mundial, demandará a verificação do local do estabelecimento físico do
fornecedor, que, é bom que se diga, não se confunde com o seu endereço na Internet.
Em
se tratando de fornecedor estrangeiro com estabelecimento físico no exterior, é
bom perquirir acerca da existência de Tratado ou Convenção Internacional que
discipline a matéria ou da existência de escritório ou representação em
território nacional.
Neste
último caso, o Superior Tribunal de Justiça, em recente julgado (RESP no.
63.891) posicionou-se pela possibilidade de a representação local da empresa
estrangeira responder, em consonância com a legislação consumerista nacional,
pelos danos causados ao consumidor.
O
Relator para o acórdão, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, reconheceu em
seu voto que:
"Se a economia globalizada não mais
tem fronteiras rígidas e estimula e favorece a livre concorrência,
imprescindível que as leis de proteção ao consumidor ganhem maior expressão em
sua exegese, na busca do equilíbrio que deve reger as relações jurídicas, dimensionando-se,
inclusive, o fator risco, inerente à competitividade do comércio e dos negócios
mercantis, sobretudo quando em escala internacional, em que presentes empresas
poderosas, multinacionais, com filiais em vários países, sem falar nas vendas
hoje efetuadas pelo processo tecnológico da informática e no fator mercado
consumidor que representa o nosso país.
(...)
O mercado consumidor, não há
como negar, vê-se hoje ´bombardeado´ diuturnamente por intensa e hábil
propaganda, a induzir a aquisição de produtos, notadamente os sofisticados de
procedência estrangeira, levando em linha de conta diversos fatores, dentre os
quais, e com relevo, a respeitabilidade da marca.
(...)
Se as empresas nacionais se
beneficiam de marcas mundialmente conhecidas, incumbe-lhes responder também
pela deficiência dos produtos que anunciam e comercializam, não sendo razoável
destinar-se ao consumidor as conseqüências negativas dos negócios envolvendo
objetos defeituosos...". (Grifamos).
Obviamente,
o entendimento de que são aplicáveis as normas do CDC aos fornecedores
estrangeiros, com representação nacional, é perfeitamente cabível em sede de
Propaganda Enganosa via Internet, mesmo porque o trecho acima transcrito
reconhece os efeitos da propaganda dos produtos de procedência estrangeira.
Inexistindo
tratado ou convenção internacional acerca do tema e ausente qualquer
escritório, representação ou assistência em território nacional, aplicam-se, em
princípio, as leis do país onde se encontra o proponente (art. 9o, §
2o da LICC e art. 1.087 do CC). Em princípio porque, conforme alerta
Paulo Henrique dos Santos Luncon (3), o art. 17 da LICC estabelece
que a lei e as declarações de vontade estrangeiras não terão eficácia no Brasil
quando houver ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes.
Além disso, o art. 5o, XXXII da CF/88m estabelece que "o Estado
proverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" e o art. 70, V, erige a
defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica.
Todavia,
prudente é concluir, como faz o autor supracitado, à vista do art. 1o,
caput e § 1o da LICC, que, "não se pode afirmar
categoricamente que o Código Brasileiro de Defesa do Consumidor será sempre
aplicado, principalmente porque algumas ofertas de contratação serão
expressamente regidas pela lei estrangeira. A questão parece situar-se na
validade e eficácia extraterritorial da lei brasileira."
I.IV.
UMA OBSERVAÇÃO PERTINENTE
À
guisa de conclusão deste breve intróito, entendemos ser interessante anotar que
o que distingue a relação de consumo corriqueira daquela que se efetua via Internet
é exatamente o meio em que ela se trava e o documento em que ela se concretiza.
Com efeito, o comércio efetivado mediante o intercâmbio eletrônico de dados (e-commerce)
é uma das modalidades de contrato à distância.
Assim,
os preceitos, relativos à publicidade enganosa, delineados no Código de Defesa
do Consumidor (art. 37, caput, e §§ 1o e 3 o)
aplicam-se, com os temperamentos que o tema merece, do mesmo modo, quando este
tipo de publicidade ocorrer via Internet.
Portanto,
o que se pretende é fazer uma análise partindo das peculiaridades da
publicidade enganosa vinculada através deste meio chamado Internet,
peculiaridades estas decorrentes justamente do novo universo que tal meio
proporciona.
II - PUBLICIDADE NO CDC
Publicidade
comercial é definida pelo Código Brasileiro de Auto-Regulamentação como
"toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem
como promover, instituições, conceitos, idéias".
Já
no sistema do CDC, publicidade é "toda informação ou comunicação difundida
com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição de
um produto ou a utilização de um serviço, qualquer que seja o local ou meio de
comunicação utilizado" (4). É elemento caracterizador da
publicidade no CDC, portanto, a finalidade consumista.
Paulo
de Vasconcelos Jacobina (5), comentando o disciplinamento da oferta
no Código do Consumidor, ensina que "não se destinando a oferta, a
princípio, à formação de apenas um contrato, mas de contratos, esse instituto
sofre a tutela jurídica não só com relação aos contratos posteriormente
formados – tutela jurídica no nível individual – mas também independentemente
deles – tutela jurídica no nível difuso – e até mesmo posteriormente a eles –
tutela jurídica de garantia ou de reposição."
Interessa-nos,
no presente estudo, principalmente a tutela jurídica independente do contrato,
ou em nível difuso, ou seja, quando a lei disciplina a oferta ao público de
per si, exigindo-lhe, por exemplo, correção, veracidade, clareza etc.
Ensina,
ainda, o autor antes mencionado que: "Extracontratualmente, ou até
supracontratualmente, o controle da publicidade tem uma característica muito
forte de tutela dos interesses difusos, e portanto, tem um caráter abstrato, e
independe de eventuais lesões a interesses individuais, contratuais ou
não".
III - DA PUBLICIDADE ENGANOSA
A
publicidade, em si, é lícita. Não se pode negar que seu objetivo primordial não
é informar, mas induzir a compra. Em suma, publicidade não é informação, é
persuasão (6). Mas deve pautar-se pelos princípios básicos que guiam
as relações entre fornecedores e consumidores, especialmente o da boa-fé. Assim,
as relações de consumo, mesmo em sua fase pré-contratual devem guiar-se pela
lealdade e pelo respeito entre fornecedor e consumidor.
Proíbe
o CDC a publicidade enganosa em seu art. 37 caput e §§ 1° e 3°, verbis:
"Art. 37 É proibida toda
publicidade enganosa ou abusiva.
§1° É enganosa qualquer modalidade de
informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente
falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro
o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade
propriedade, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
...
§3° Para os efeitos deste Código, a
publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado
essencial do produto ou serviço."
Como
se percebe da leitura dos dispositivos transcritos, o parágrafo primeiro do
Art. 37, do CDC reconhece o direito do consumidor de não ser enganado por
qualquer informação inteira ou parcialmente falsa ou fraudulenta, capaz de, por
ação ou omissão, induzi-lo em erro a respeito da natureza, características,
qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados
sobre produtos e serviços.
Exige-se
assim a veracidade da informação veiculada através da publicidade, de modo a
que o consumidor possa fazer a sua escolha livre e consciente.
Conforme
lição de Antônio Herman Benjamin (7), a publicidade será
enganosa não só pela fraude ou falsidade nela contida, mas também por qualquer
meio que seja potencialmente capaz de levar o consumidor a erro.
Significa
que não é forçoso que ele tenha sido enganado. A enganosidade é aferida em
abstrato, não se exigindo o prejuízo individual. O que se busca é a capacidade
de indução ao erro. A simples utilização da publicidade enganosa presume, juris
et de jure, o prejuízo difuso. O erro real consumado é um mero exaurimento
que é irrelevante para a caracterização da enganosidade.
Assim,
a publicidade que desrespeite a imposição legal de correção e for enganosa,
fere o interesse de toda a coletividade de pessoas a ela expostas,
determináveis ou não, e que são equiparadas ao conceito de consumidor nos
termos do Art. 29.
IV – PUBLICIDADE NA INTERNET
A Internet
é "uma rede internacional ou de computadores interconectados que permite a
comunicação entre si de dezenas de milhões de pessoas, assim como o acesso a
uma colossal quantidade de informações de todo o mundo" (8).
Consiste
na interligação de milhares de redes de computadores do mundo inteiro, através
da utilização dos mesmos padrões de transmissão de dados, os chamados
protocolos. Graças a essa uniformização na transmissão das informações, as
diversas redes passam a funcionar como se fossem uma só, possibilitando o envio
de dados e até mesmo de sons e imagens a todas as partes do mundo, com uma
considerável eficiência e rapidez.
Mas,
acima de tudo, a Internet representa um valioso instrumental a serviço da
propaganda e da publicidade de milhares de empresas com sites na rede,
facilitada pela conjugação da tecnologia de telecomunicação com a informática,
denominada telemática.
Fábio
Pugliese (9) considera o site comercial como "equivalente, do ponto
de vista do usuário do comércio eletrônico, à sensação de mergulhar em um
cartaz, conhecer a estrutura organizacional, a situação financeira, o negócio
da empresa, os diversos produtos e até viabilizar o acesso a outras home
pages (este é o negócio das search engines) tudo em escala muito
maior que outros meios de divulgação".
Para
fins didáticos, poderíamos dividir a publicidade enganosa via Internet
em dois grupos. O primeiro deles diz respeito aos casos de publicidade enganosa
que são em tudo semelhantes à publicidade vinculada através das outras formas
de mídia. Isto é, apenas se diferenciam pela vinculação através da Rede Mundial
de Computadores.
Assim,
a Internet aqui apenas funciona como uma forma a mais de propaganda. Exemplo:
o fornecedor X anuncia determinado produto (ou serviço) Z via Internet
e, em virtude de a propaganda ter sido, inteira ou parcialmente falsa, ou, por
qualquer outro modo, ter induzido o consumidor Y a erro a respeito da
natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço
ou quaisquer outros dados sobre o referido produto (ou serviço), entende-se
configurada a publicidade enganosa.
Assim
ocorreria publicidade enganosa via Internet no caso de oferta de
produtos em determinada página ou site, que não existissem no estoque do
fornecedor anunciante, com o intuito de atrair o consumidor a entrar na loja
virtual ou página na Web. Estar-se-ia diante da chamada oferta como
chamariz.
Percebe-se
claramente a semelhança do caso acima com qualquer relação de consumo induzida
por outro tipo de publicidade (através de televisão, rádio, jornal, etc).
Obviamente,
que, em virtude das informações contidas na home page terem o caráter de
promover o produto, é indispensável que não haja omissões sobre as
características, propriedades, origem, preço e outros dados que possam
interferir na compra pelo consumidor, a fim de que este não tenha uma idéia
falsa do produto ou do serviço recebido. Além disso, as informações contidas na
home page são consideradas como parte da oferta do fornecedor do produto
ou do serviço, constituindo uma autêntica promessa de sua parte ao público
potencialmente consumidor e vinculando-o para todos os fins. Equivale, pois, em
termos gerais, a uma cláusula escrita no instrumento contratual.
Assim,
a home page deve revelar todas as informações consideradas relevantes,
tais como limitações para uso de idade, cuidados que devem ser tomados com o
produto, valores não inclusos no preço, etc. A exemplo do que já é apresentado
em outdoors e propagandas em revistas. Como a home page tem um
caráter dinâmico, é imprescindível que as informações na tela devem ser
inteligíveis, permanecer o tempo necessário para que se capte, leia e
compreenda a mensagem, cuidar para não haver na tela outros sinais ou imagens
que distraiam a atenção do consumidor no momento em que efetua a compra ou
conhece as propriedades e atributos do produto ou serviço e, acima de tudo,
colocar as informações relevantes antes do ato da compra.
Um
ponto relevante, e peculiar, que se poderia analisar seria a questão da prova
da publicidade e da enganosidade, em ambiente da Internet, discutindo-se
a utilização, por exemplo, do e-mail como prova. Quanto a esta polêmica,
a posição mais comum é a de que se trata de um frágil elemento de prova. Sobre
o tema, merece referência o seguinte trecho do interessante artigo de Ângela
Bittencourt Brasil (10):
"... a prova da existência de um
e-mail, como verdade real, se torna extremamente frágil, servindo apenas como
indícios da existência do fato, sem falar na premência de legislação que
normatize a comunicação virtual, como garantia de seus usuários, tanto para
consigo próprios quanto para todas as relações interpessoais e mesmo
empresariais."
Todavia,
mais interessantes são os casos de publicidade enganosa próprios, isto é,
peculiares à Internet. Aí estaria o segundo grupo de nossa análise. Tais
formas peculiares de publicidade enganosa estão associadas à conjugação da
tecnologia de telecomunicação com a informática, denominada telemática, às
formas de interação entre os usuários ou navegantes da Web e os sites
onde são buscados produtos ou serviços na rede, etc.
Muitas
são as formas de utilização dos recursos que a Internet proporciona para
fins de publicidade enganosa, mesmo porque a cada dia, novas tecnologias são
desenvolvidas, aperfeiçoadas e inventadas. A pretensão do presente trabalho,
portanto, não é, de maneira alguma, a de abordar todas as formas de publicidade
enganosa na rede.
Pretende-se,
isto sim, trazer, a título ilustrativo, alguns casos que, sem sombra de
dúvidas, em nosso sentir, configuram hipóteses de publicidade enganosa, bem
como fazer as considerações que entendemos pertinentes, no sentido de, de
alguma forma, contribuir para o debate sobre tema.
V – EXEMPLOS DE PUBLICIDADE ENGANOSA VIA
INTERNET
Três
exemplos de publicidade enganosa que ocorrem com certa freqüência e
constatáveis por todos aqueles que navegam na Web podem ser mencionados.
Ricardo
Luis Lorenzetti (11) trata da técnica denominada metatag, que
considera como um caso de publicidade enganosa. Consiste essa técnica na
inclusão em uma página na Internet de palavras-chaves que nada tem a ver
com o conteúdo da mesma, mas que são muito empregadas ou procuradas pelos usuários.
Assim, quando da utilização de sites de busca ("buscadores", searchers)
pelo "internauta", se este efetuar uma pesquisa com alguma das
palavras-chave incluídas, aparecerá a página em questão, embora não tenha uma
relação direta com tais palavras. O autor supra lembra que uma das páginas mais
visitadas em 1996 incluía como metatag mais de 500 palavras relacionadas
com o sexo, porém o conteúdo da página nada tinha a ver com o tópico.
Sem
dúvida a enganosidade é evidente, já que o § 1° do art. 37 do CDC estabelece
que "É enganosa qualquer modalidade de informação ou
comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou,
por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o
consumidor a respeito da natureza, características, qualidade,
quantidade, propriedade, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos
ou serviços."
Ora,
a inserção na página de palavras desvinculadas do conteúdo do site
possui intuito publicitário, tanto que objetiva a seleção pelos "buscadores".
Todavia é falsa e visa induzir a erro o consumidor que, só acessará aquela
página na esperança de localizar um serviço relacionado àquela palavra
pesquisada.
Outra
prática que, em nosso sentir, pode configurar a publicidade enganosa via Internet
é a utilização dos chamados cookies, que, muito embora sejam comumente
abordados sob o ponto de vista da proteção da privacidade, possuem aspectos
que, em certos casos, podem conduzir à caracterização de enganosidade
publicitária.
Pois
bem, o chamado cookie é um arquivo texto que, via de regra, é gravado no
hard disk e utilizado pela memória RAM enquanto o internauta navega na Web.
Deste
modo, quando de sua primeira visita a um Website podem lhe ser
formuladas perguntas que vão de seu nome a informes financeiros. Tais
informações serão gravadas no cookie que será colocado em seu sistema
para que sua futura navegação seja "personalizada" (12).
Entretanto,
quando o usuário daquele site não é notificado previamente da presença
de tais fichários e não lhe é requerido o seu consentimento, entendemos que se
configura aí omissão sobre dado essencial do serviço, no caso, a página a ser
acessada (§ 3° do art. 37 do CDC).
Com
efeito, não seria absurdo supor que, muitos daqueles que acessam determinadas
páginas da Web, pensariam duas vezes antes de fazê-lo novamente se
soubessem que seu hard disk estaria sendo infestado por esse tipo de
arquivos e que informações pessoais do "internauta" poderiam estar, a
partir daquele momento, indo compor um banco de dados que, por sua vez, não se
sabe que destino terá e nem se está resguardado por qualquer proteção contra
invasões de terceiros ou utilizações indevidas.
E
entendido o dado essencial, de acordo com o magistério de Antônio Herman de
Vasconcellos e Benjamin (13), como sendo aquele dado que tem o
poder de fazer com que o consumidor não materialize o negócio de consumo, caso
o conheça, não há como afastar a enganosidade por omissão.
Finalmente,
outro caso de publicidade enganosa bastante comum no meio Internet é a
utilização de banners ou mesmo de mensagens divulgadas por correio
eletrônico (e-mail), com dizeres chamativos, mas nem sempre verdadeiros,
do tipo: "Ganhe muito dinheiro sem qualquer esforço" ou "Clique
aqui e ganhe prêmios". Na verdade, tais mensagens para os freqüentadores
mais familiarizados com a Internet não passam de chamariscos.
Mas,
como bem anota Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin (14), não
se afere a enganosidade pela menção ao homo medius – vez que não é
apenas ao cidadão regular que a mensagem está dirigida. Tutela-se, também, a
boa-fé da criança, do homem do campo, do ignorante, do desprotegido, etc.
Mesmo
porque, como já se ressaltou, a Internet tem como característica
principal a de ser um meio de comunicação democrático, de livre e fácil acesso.
Ali navegam pessoas de todos os tipos, inclusive crianças, às quais devem ser
asseguradas práticas de publicidade pautadas pela lealdade, boa-fé, pela
veracidade e clareza das informações.
VI – responsabilidade dos provedores de acesso
à Internet PELA VINCULAÇÃO DE PUBLICIDADE ENGANOSA
Questão
bastante pertinente é suscitada acerca da responsabilização do provedor de
acesso por publicidade enganosa vinculada na rede. Isto é, responde o provedor
de Internet por todos os conteúdos ofertados por terceiros, dentro de
uma responsabilidade extracontratual, que ultrapassa a gama de serviços e
produtos por ele diretamente disponibilizados para o consumo direto de seus
serviços? (15).
Como
se sabe, o provedor de Internet coloca à disposição de usuários o acesso
à rede mundial de computadores, usualmente via fax modem, mediante
conexão telefônica.
Ricardo
Luis Lorenzetti (16) cita três posições acerca da temática do
provedor de acesso: a) são meros intermediários e equiparáveis ao titular de um
cartão de crédito ou de uma linha telefônica, que dão provimento, mas não
respondem pelos atos de que os utilizam. Ou seja, o provedor concede o uso e o
gozo de um site virtual contra o pagamento de um preço, com o que não
assume responsabilidade frente a terceiros; b) além de suprir o uso e o gozo
também é o organizador e criador do site, protegido por direitos
autorais, e por isso sua posição jurídica, não é passiva, mas ativa. Em
contraposição, alega-se que essa tese tende a transformar o provedor numa
espécie de censor institucional; c) por fim, uma posição intermediária: em
regra, o provedor de acesso não é responsável, mas pode ser imputado se teve a
oportunidade de valorar a ilegalidade do conteúdo da informação (no caso a
enganosidade da publicidade).
Em
nosso sentir, diante dos princípios norteadores das relações consumeristas no
Brasil, da vulnerabilidade evidente do usuário da Internet frente à
agressiva publicidade vinculada pela rede, diante do art. 6o, IV, do
CDC que estabelece como direito básico do consumidor a proteção contra a
publicidade enganosa e abusiva, bem como olhos postos no parágrafo único do
artigo 7o do CDC, que prevê a responsabilidade solidária quando a
ofensa tiver mais de um autor, não há como afastar uma eventual
responsabilização do provedor de acesso se teve a oportunidade de valorar a
ilicitude do conteúdo (no caso a enganosidade da publicidade), vez que é
responsável pela criação, organização e funcionamento do site.
VII – as alternativas do consumidor
O
CDC, nesses casos, concede ao consumidor (individual ou coletivo), a utilização
de vários mecanismos de defesa, como pleitear indenização por danos morais ou
materiais, a imposição de multa e contrapropaganda, a suspensão da publicidade
com a pena de execução específica em caso do não cumprimento da obrigação
imposta na sentença.
Deve-se
ressaltar a importância das ações cautelares, com a concessão de liminares, ou
as antecipações de tutela, visando à suspensão imediata da veiculação da
publicidade enganosa ou abusiva na rede. Por fim, ainda fica sujeito, o
responsável, ao enquadramento penal.
Na
concretização dos mecanismos previstos pelo CDC contra a publicidade enganosa e
abusiva, é de se registrar a atuação do Ministério Público e de Associações
Civis de Defesa do Consumidor, tanto através de meios judiciais (ações
coletivas) quanto extrajudiciais, como sejam, os inquéritos civis, a vigilância
dos meios de comunicação, a mobilização popular.
VIII – CONCLUSÃO
Como
se pode depreender do que foi discutido até agora, a Internet vem
trazendo, e certamente trará a cada dia, novos desafios às relações humanas e à
estrutura que até então procura regular estas relações.
Tendo
sempre em vista a aplicabilidade dos preceitos do Código de Defesa do
Consumidor, a sociedade em geral e os freqüentadores da Web em especial,
devem estar atentos a toda e qualquer forma de publicidade enganosa,
denunciando sempre este tipo de prática e se valendo dos meios de proteção
albergados pelo CDC.
Ademais,
interessa também aos fornecedores, que se valem da rede como forma de
incremento de vendas de bens e serviços, a vigilância constante contra esse
tipo de publicidade, prejudicial não só aos consumidores, mas também à boa e
leal concorrência entre fornecedores.
Não
se pode esquecer que a credibilidade da Internet como instrumento de
negócios e como veículo de comunicação deve ser consolidada a cada dia visando
a canalização de mais e mais consumidores para o comércio virtual, sem dúvida
mais rentável, principalmente devido à redução de custos que proporciona.
Por fim,
em que pese o fato de o Código de Defesa do Consumidor aplicar-se às relações
de consumo travadas pela rede, aspectos específicos do comércio eletrônico B2C,
em especial da publicidade enganosa, podem e devem ser regulamentados por uma
legislação complementar. Não obstante, tal legislação deve levar em
consideração as dimensões da rede mundial, a quantidade de informações nela
contidas, bem como as características dessa forma revolucionária de
comunicação.
Dentre
tais características está a liberdade de informação e de expressão, a autonomia
dos usuários e o caráter democrático da rede.
Não
obstante, isso não significa a total falta de controle da informação e da
publicidade vinculada pela Internet. Afinal, a própria Constituição
Federal, no art. 5o, XXXII da CF/88m estabelece que "o Estado
proverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" e o art. 70, V, erige a
defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica.
Por
conseqüência, a liberdade de expressão não pode ser, de maneira nenhuma,
incondicionada, mormente no que tange às relações que envolvam os consumidores
nacionais protegidos que estão pelos preceitos do CDC e pela CF/88.
Em
nosso sentir, uma solução legislativa possível para o controle e punição da
publicidade enganosa vinculada pela Internet, passa pela adoção de
tecnologias de filtragem de conteúdo, a serem utilizadas por um órgão público
com competência para examinar e julgar casos de publicidade enganosa.
Assim,
verificada por esse órgão a ocorrência de prática de publicidade enganosa por
determinado site, ainda que estrangeiro, uma das sanções
aplicáveis seria o bloqueio, em nível nacional, do conteúdo daquele site,
por determinado período (ex. um ano).
A
nosso ver, essa solução é perfeitamente possível em nosso ordenamento jurídico
e preserva a liberdade de expressão característica da Internet sopesada
pelos preceitos de proteção ao consumidor contra a publicidade enganosa.
IX-NOTAS
01.
BLUM, Renato M. S. Opice. "A Internet e os tribunais",
http://www.ciberlex.adv.br/intertribunais.htm.
02.
Estado de São Paulo, 29/05/2000.
03.
LUCCA, Newton de, SIMÃO FILHO, Adalberto, et. Al.. Direito & Internet –
Aspetos Jurídicos Relevantes. Editora Edipro. 1a edição, São Paulo,
2000, Pág. 354.
04.
MARQUES, Cláudia Lima, Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo
regime das relações contratuais. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais,
1992. Pág. 138.
05.
JACOBINA, Paulo Vasconcelos, A Publicidade no Direito do Consumidor. Rio de
Janeiro. Editora Forense, 1996. Pág. 87.
06.
JACOBINA, Paulo Vasconcelos, op. citada. Pág. 15.
07.
BENJAMIN, Antônio Herman, in "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor
Comentado pelos Autores do Anteprojeto". Ed. Forense Universitária,
1992, p. 197, 243.
08.
Cfr. "Reno vs. Aclu", 521.US.844, citação feita por Ricardo Luís
Lorenzetti, em Direito & Internet – Aspetos Jurídicos Relevantes,
coordenada por LUCCA, Newton de, SIMÃO FILHO, Adalberto. Editora Edipro. 1a
edição, São Paulo, 2000, Pág 423.
09.
PUGLIESE, Fábio. "O Site e a Lei", <http://www.ciberlex.adv.br/artigos/ositeealei.htm>.
10.
Brasil, Ângela Bittencourt. "O e-mail e a prova judicial",
http://www.ciberlex.adv.br/artigos/emailprova.htm
<http://www.ciberlex.adv.br/artigos/emailprova.htm>.
11.
LUCCA, Newton de, SIMÃO FILHO, Adalberto, op. Cit., pág. 441.
12.
NETO, Amaro Moraes e Silva. "Cookies, esses indigestos
biscoitos...", http://www.advogado.com/Internet/zip/cookies.htm
<http://www.advogado.com/internet/zip/cookies.htm>.
13.
Benjamin, Antônio Herman de Vasconcellos e, et alli. Código Brasileiro de
Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto, 2a ed.,
Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária, 1992, pág. 205.
14.
Benjamin, Antônio Herman de Vasconcellos e, et alli. op. Cit., pág. 199.
15.
RÜCKER, Bernardo. "Responsabilidade do Provedor de Internet Frente ao
Código do Consumidor", http://www.apriori.com.br/artigos/provedor_de_Internet_e_cdc.htm
<http://www.apriori.com.br/artigos/provedor_de_internet_e_cdc.htm>.
16.
LUCCA, Newton de, SIMÃO FILHO, Adalberto, op. Cit., pág. 447
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