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Sigilo das mensagens eletrônicas dos funcionários de empresas e órgãos públicos
Marcos Antonio Cardoso de Souza
Inicia-se
a presente abordagem com menção aos recentes relatados da ação de
"hackers", que se utilizam de recursos tecnológicos dos escritórios
em que trabalham, como meio a viabilizar suas práticas condenáveis. Através dos
computadores de empresas e órgão públicos, os mencionados criminosos invadem
banco de dados, destroem arquivos e propagam vírus de efeitos devastadores.
Diante
destes precedentes, o acesso aos "e-mails" dos empregados das
repartições representaria meio eficaz no auxílio à prevenção e detecção dos
crimes praticados no ambiente virtual. Registra-se que, na Inglaterra, tal
medida já se reveste de licitude.
Em nosso
país, iniciam-se as discussões, acerca da possibilidade jurídica de se
conferir, através de instrumento normativo, prerrogativa aos responsáveis por
empresas e órgãos públicos, no sentido de devassar o correio eletrônico de seus
funcionários.
Para a
apreciação da matéria, ora sugerida, torna-se indispensável a análise de
preceitos constitucionais, os quais se encontram inseridos no Título II, da
Carta Magna, o qual é intitulado "Dos Direitos e Garantias
Fundamentais". Reservou-se tal seção do referido diploma legal para a
tutela do particular contra a ação infundada, ou lesiva, do Estado e dos demais
membros da coletividade. A tutela do sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5° , XII, CF) representa dispositivo fundamental para a consecução de um
Estado de Direto, com respeito às prerrogativas do indivíduo. Temerária,
contudo, seria a hipótese em que esta garantia fosse imposta de forma absoluta.
Os direitos individuais devem ceder em face de interesses mais abrangentes, que
repercutem em toda a sociedade. Assim, a própria norma constitucional, in
fine, prevê exceção (art. 5° , XII, parte final) à exigibilidade
do sigilo dos dados mencionados.
"Art. 5° . (omissis)
(...)
XII. é inviolável o sigilo da correspondência e das
comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo,
no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei
estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual
penal;"
Divergências
doutrinárias existem quanto à amplitude da ressalva à garantia inserta na Carta
Magna. Dúvidas, não subsistem, contudo, no que cerne à circunstância, em que
tal hipótese pode ser aplicada: para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal. Tão-somente com este escopo, pode-se denegar a alguém o
direito ao segredo das informações indicadas no texto legal.
Tendo em
vista os argumentos expostos, reveste-se de patente inconstitucionalidade,
qualquer norma ordinária, que disponha sobre faculdade, atribuída de forma
genérica às empresas, de violar o conteúdo das mensagens eletrônicas de seus
funcionários. Ao se corresponder, por meio do correio eletrônico, o usuário do
serviço compartilha, com o receptor, informações de cunho pessoal, as quais não
podem ser violadas, sob pena de se incorrer em mácula ao direito de
privacidade. A Lei Máxima tutela expressamente a intimidade e a vida privada,
de cada indivíduo.
"Art. 5° . (omissis)
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano
material ou moral decorrente de sua violação;"
Cumpre
ressaltar que o estudo da questão não deve se limitar à interpretação dos
ditames legais pátrios. Os problemas decorrentes da fabulosa e contínua
expansão da Internet demonstram-se comuns a todas as nações. Com isso, não só é
viável a realização de um esforço global; como também tal medida revela-se
imprescindível, para a consecução de eficazes normas, a punirem os agentes dos
denominados "ciber crime".
Para se
atestar a procedência da assertiva acima formulada, propõe-se a formulação de
caso hipotético, com base em fato mencionado no início do presente texto. Legalizou-se
na Inglaterra a violação das mensagens eletrônicas dos funcionários de empresas
por seus patrões. Esta determinação tem a finalidade de facilitar o
procedimento investigatório das transgressões, promovidas por intermédio da
Internet. Acontece que, constata-se ser bem mais provável que os ataques aos
computadores ingleses sejam originários de quaisquer outras localidades do
mundo. Com isso, nas situações de maior incidência, as normas inglesas
restariam inócuas; na medida que não se pode, a princípio, submeter os cidadãos
de outras nacionalidades aos ditames legais da Inglaterra.
Resta
claro, portanto, que iniciativas isoladas de determinados países,
provavelmente, produziram efeitos pífios, ou, até mesmo, nulos. Faz-se
necessária a promoção de amplas discussões internacionais, as quais conduzam à
assinatura de tratados, que versem sobre matérias relativas à grande rede.
Ao se
transpor a conclusão acima para o objeto desta exposição, verifica-se que,
mesmo que se determine através de acordos multinacionais a possibilidade de se
violar o conteúdo dos "e-mails" de um indivíduo, persistiria a
inconstitucionalidade do dispositivo correlato. Isto decorre o fato de que tal
dispositivo representaria exceção ao sigilo das correspondências, o qual se
consubstancia em garantia fundamental do particular, prevista no diploma pátrio
de máxima hierarquia. No que cerne à relação entre os tratados internacionais e
os direitos e garantias, estipuladas no art. 5° , da Carta
Magna , o legislador constituinte dispôs da seguinte forma
"Art. 5° . (omissis)
(...)
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte."
Desta
forma, através da interpretação gramatical do dispositivo compilado, observa-se
que, com o emprego da expressão "não excluem outros decorrentes (...) de
tratados internacionais", concede-se margem à inclusão de direitos e
garantias não previstas nos incisos do art. 5º, da Constituição Federal. Não se
coaduna, contudo, com o teor do parágrafo acima, o estabelecimento, por força
de instrumento de Direito Internacional, de restrições ao exercício das
garantias fundamentais do indivíduo, tais como o sigilo de correspondência. As
ressalvas, nesta esfera, somente se caracterizam como constitucionais, caso
indicadas expressamente no texto da Lei Máxima.
Em
conclusão, revela-se incompatível com as hodiernas diretrizes do Direito
nacional qualquer estipulação normativa, que venha a legalizar a quebra do
sigilo das mensagens eletrônicas, dos funcionários de empresas e repartições, em
circunstâncias diversas daquela prevista na Constituição.
Retirado: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1788