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A Proteção Legal ao Sigilo e à Privacidade frente às Tecnologias Digitais
                                                   Liliana Minardi Paesani



Direito Brasileiro – Garantias Constitucionais e Infra-constitucionais – A situação do E- Mail pessoal de Empregados


O uso de ferramentas da Web, entre elas, o e-mail, torna-se uma realidade cada vez maior nas empresas. Mas, também desperta polêmicas e discussões.

No entanto, mesmo na falta de uma legislação específica sobre o tema entendemos que em determinadas situações é possível aplicar uma demissão por justa causa nos casos de uso indevido da web.

É importante salientar que para justificar a demissão não basta alegar que o funcionário acessou um site de interesse pessoal, mas sim que a atitude do mesmo causou danos ao patrimônio ou à imagem da empresa.

Muito embora a discussão se tenha estabelecido na esfera eminentemente constitucional que garante a privacidade do empregado, não se pode negar a existência do poder de comando e o direito de propriedade do empregador.


1- Evolução do conceito de Privacidade


O nascimento da informática colocou em crise o conceito original de Privacidade. As informações cruzadas, sistematizadas e combinadas traçam um perfil dos usuários dos meios informáticos. Essas informações são consideradas mercadorias que tem considerável valor econômico. A web transformou-se num mercado e, nesse processo, fez a privacidade passar de um direito a uma commodity.

A partir dos anos oitenta passamos a ter um novo conceito de Privacidade que corresponde ao direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações mesmo quando disponíveis em bancos de dados.

Por obra do judiciário alemão nasce o direito a “autodeterminação da informação”, ou seja, o poder de acesso e controle dos próprios dados pessoais e o direito de selecionar o que cada indivíduo quer expor de si mesmo aos outros através da manifestação do consentimento. Logo, o consentimento do interessado é o ponto de referência de todo o sistema de tutela da Privacidade.


2- Fundamentação Legal


O artigo 5.o da Constituição brasileira dispõe:

X- “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
XII- “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas.”

XXII- “é garantido o direito de propriedade”;

XXIII- “a propriedade atenderá a sua função social”;


3- Antinomias Jurídicas


O Professor Tércio Sampaio Ferraz afirma que ”antinomia é a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular”.
Maria Helena Diniz acrescenta que o Direito deve ser visto em sua dinâmica como uma realidade que está em perpétuo movimento acompanhando as relações humanas. Esclarece que conflito não é contradição mas desacordo entre normas jurídicas de igual valor.
Norberto Bobbio finaliza dizendo que “o critério dos critérios para solucionar o conflito normativo seria o princípio supremo da justiça : entre duas normas incompatíveis dever-se-á escolher a mais justa. Isto é assim porque os referidos critérios não são axiomas, visto que gravitam na interpretação ao lado de considerações valorativas, fazendo com que a lei seja aplicada de acordo com a consciência popular e com os objetivos sociais. Portanto o valor justum deve lograr entre duas normas.”

Concluímos que não há liberdade individual absoluta e que a situação de conflito e a colisão de direitos se resolve pelo princípio do moderno direito constitucional; o princípio da proporcionalidade com o qual se busca estabelecer qual direito constitucional deve ser preservado.


4- O monitoramento do E- Mail pessoal de empregados


O tema começa a receber análises e estudos de juristas brasileiros e estrangeiros e a fazer parte de jurisprudências. Indaga-se quanta privacidade tem direito o empregado que utiliza os sistemas informáticos da empresa?

Considerando que de um lado temos a defensável posição da Empresa que, enquanto proprietária dos equipamentos de informática, procura resguardar seu nome e imagem e tenta evitar prováveis prejuízos monitorando o envio e recebimento de mensagens dos seus empregados. Vale ressaltar, que o direito à propriedade é garantia constitucional.
Por sua vez, os empregados alegam o direito à privacidade e à intimidade, bem como, o direito à inviolabilidade de correspondência que são princípios igualmente garantidos pela Constituição Federal.

Parte-se do princípio de que o empregador está agindo de boa- fé, sem excessos, e tendo como único objetivo resguardar a sua imagem e garantir a idoneidade e segurança da empresa.
Conforme entendimento de Goulart Penteado advogados, quando o empregado recebe da empresa para a qual trabalha endereço eletrônico com o seu nome, não lhe está sendo outorgado um direito nem parcela dele.

Complementa esclarecendo que na verdade o que acontece seria mais ou menos o que se dá quando é endereçado um envelope à empresa, aos cuidados de determinado funcionário. A destinatária continua sendo a empresa, que, por se tratar de personalidade jurídica, atua através de empregados e prepostos. Entretanto, o conteúdo da correspondência continua sendo do empregador.


5- Poder de Direção e Responsabilidade do Empregador

O poder de direção (art. 2o da CLT) compreende não só o de organizar as atividades do empregado, como o de controlar e disciplinar o seu trabalho
Quando o empregado utiliza meios informáticos da empresa para fins alheios à sua atividade transgride a boa-fé contratual e viola o dever de boa conduta que se impõe ao trabalhador.
A responsabilidade objetiva da empresa por uma mensagem enviada por um computador de sua propriedade justifica o monitoramento de e-mails do empregado e segundo o ordenamento da CLT, a empresa é responsável pelos atos dos seus funcionários. Portanto, a quebra de sigilo é justificável para criar provas e salvaguardar a imagem da empresa.

6- Regulamento da Empresa



Regulamento da empresa é o conjunto sistemático de regras, estabelecidas pelo empregador, com ou sem a participação dos trabalhadores, para tratar de questões de ordem técnica ou disciplinar no âmbito da empresa.

O regulamento da empresa, possui aspectos contratuais (modalidade de contrato de adesão), bem como aspectos institucionais, decorrentes do poder de direção do empregador ( lei interna do empregador) .

O requisito básico para a validade do regulamento da empresa é sua publicidade, ou seja, o conhecimento do respectivo regulamento por parte do empregado. As cláusulas do regulamento interno da empresa inserem-se no contrato de trabalho, sendo parte integrante deste último.

O regulamento pode prescrever uma política interna de monitoramento de e-mails, com conhecimento do empregado que à semelhança da área de telemarketing a quebra de sigilo é usual pois a maioria das empresas grava as ligações e a prática é considerada normal e lícita.


Exceções:

Liberdade Sindical.

Pelo disposto na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 8o impondo respeito por parte do Estado à liberdade sindical de organização, filiação e manifestação sem interferências maiores na sua atividade desde que os mesmos estejam em conformidade com o interesse comum.
Conforme entendimento do professor Amauri Nascaro Nascimento “com base no reconhecimento da liberdade sindical dificilmente vingaria qualquer atitude das Empresas no sentido de restringir este princípio através da censura no recebimento de e-mails veiculando informações sindicais sob pena de violar comandos assegurados em nossa Carta Magna”.

Escritórios de advocacia

As informações de caráter confidencial estão protegidas por norma reguladora que considera como direito do advogado o sigilo profissional, a inviolabilidade do seu local de trabalho, de seus arquivos e dados, de suas correspondências e de suas comunicações, inclusive telefônicas ou afins (Lei n. 8906/94- Estatuto da OAB).


Conclusão

No Brasil, os regulamentos da empresa são facultativos, privados, independem de homologação para ter validade, sendo geralmente unilaterais. O enunciado 77 do TST mostra que o regulamento tem efeitos obrigatórios para as partes e estabelece que o empregador não poderá alterá-lo em prejuízo do trabalhador. Por sua vez, o empregado que viola alguma obrigação legal ou contratual, permite ao empregador a rescisão do contrato de trabalho por justa causa.

A difusão da informática nos locais de trabalho demanda um monitoramento das mensagens eletrônicas que partem e chegam nas empresas, através de seus funcionários. A adoção de uma política interna de comunicação para explicar o uso correto do correio eletrônico, enquanto ferramenta de trabalho fornecida pelo empregador e a possibilidade de monitoramento dos usuários de e- mail cria uma política de transparência e previne punições para aquele que violar norma interna.

Consideradas as peculiaridades de cada caso aguardamos até que a jurisprudência reflita o posicionamento majoritário quanto ao tema que será no sentido de acompanhar a evolução tecnológica e suas necessidades.


- 16º Seminário Internacional da ABDI -

 Retirado: http://www.abdi.org.br/index_wca.html