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A decadência no Direito Previdenciário brasileiro
Bruno Marcos Guarnieri
I – Breve Retrospectiva Histórica
A instituição do prazo decadencial para o ato de
revisão dos critérios constantes do cálculo da Renda Mensal Inicial (RMI) dos
benefícios previdenciários é uma inovação.
A inclusão do instituto foi efetuada pela nona reedição
da Medida Provisória nº 1.523, de 27 de junho de 1997, posteriormente
convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997 (1).
Após a edição da famigerada Lei nº 9.711, de 20 de
novembro de 1998, o caput do artigo 103 recebeu nova feição reduzindo o prazo
decadencial inicial de 10 (dez) para 5 (cinco) anos (decorrente da conversão em
Lei da MP 1663-15, de 22 de outubro de 1998) (2). Sucede que a Lei nº 9.711,
publicada no DOU de 21/11/1998, em seu artigo 30 convalidou os atos praticados
com base na Medida Provisória nº 1663-14, de 24/09/1998, razão pela qual a
norma restritiva introduzida pela MP nº 1663-15 formalmente não foi
convalidada. Este fato nos leva à conclusão de que a redução do novo prazo
vigorou apenas a partir da edição da Lei nº 9.711/98. (3)
Em 20 de novembro de 2003, após o alvoroço nos Juizados
Especiais Federais e nas Agências do INSS, o Presidente da República Luiz
Inácio Lula da Silva publicou a Medida Provisória nº 138/03 (4) alterando
novamente o prazo decadencial para 10 anos.
II – Decadência: Instituto de
Direito Material e Princípio da Irretroatividade
Atualmente, no caso de o valor da renda mensal inicial
do segurado ter sido calculada de forma equivocada – após o transcurso do prazo
decadencial de 10 anos o erro tornar-se-á definitivo. Anteriormente, era
possível sanar o vício a qualquer momento, entretanto, as diferenças devidas
relativas a competências anteriores ao qüinqüênio legal não poderiam ser
cobradas por conta dos efeitos da prescrição. (5)
Porém, há de observar-se que como o direito de revisão
está vinculado ao aspecto temporal, os benefícios concedidos sob a égide da MP
1523, de 27 de junho de 1997, estão sujeitos à novel decadência: os anteriores
são a ela estranhos.
Esta noção conceitual é fundamental. E assim entendo
por razões simples. Um benefício implantado antes da nova regra estava
desvinculado do fator tempo. A inclusão da decadência em sua definição
representaria evidente depreciação da situação material do segurado. O que
ocorreria em tal caso seria indevida retroatividade da lei prejudicial. (6)
No ordenamento jurídico brasileiro, as leis destinam-se
a regrar fatos que lhe são posteriores. A aplicação da lei nova ao fato
pretérito é viável, mas exige expressa previsão normativa. A lei é sempre
prevista para regulamentar o futuro, salvo expressa exceção e desde que não
afronte a Constituição Federal.
O prazo de decadência para revisão da renda mensal
inicial, estabelecido pela nona edição da Medida Provisória nº 1.523/97, de
27/06/1997, somente pode atingir as relações jurídicas constituídas a partir de
sua vigência, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de
instituto de direito material. Para os benefícios previdenciários concedidos
entre 28/06/1997 e 20/11/1998 o prazo é de 10 anos. Para os benefícios
concedidos após 20 de novembro de 1998, o prazo decadencial de cinco anos foi
majorado para dez anos pela MP 138/2003.
Nesse sentido, transcrevo os seguintes julgados:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. REVISÃO DA
RENDA MENSAL INICIAL. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 103 DA LEI Nº 8.213/91, COM A
REDAÇÃO DA MP Nº 1.523/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.728/97. APLICAÇÃO ÀS RELAÇÕES
JURÍDICAS CONSTITUÍDAS SOB A VIGÊNCIA DA NOVA LEI. 1. O prazo de decadência
para revisão da renda mensal inicial do benefício previdenciário, estabelecido
pela Medida Provisória nº 1.523/97, convertida na Lei nº 9.528/97, que alterou
o artigo 103 da Lei nº 8.213/91, somente pode atingir as relações jurídicas
constituídas a partir de sua vigência, vez que a norma não é expressamente
retroativa e trata de instituto de direito material. 2. Precedentes. 3. Recurso
especial não conhecido. (STJ -
RESP 479964/RN; 6ª Turma; DJ:10/11/2003 - PG:00220; Rel. Min. PAULO GALLOTTI).
PROCESSUAL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DISSÍDIO NÃO
CARACTERIZADO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 103 DA LEI
8.213/91, COM A REDAÇÃO DA MP 1.523/97 CONVERTIDA NA LEI 9.528/97 E ALTERADO
PELA LEI 9.711/98. I - Desmerece conhecimento o recurso especial, quanto à
alínea "c" do permissivo constitucional, visto que os acórdãos
paradigmas se referem aos efeitos de lei processual, enquanto o instituto da
decadência se insere no campo do direito material. II - O prazo decadencial do
direito à revisão de ato de concessão de benefício previdenciário, instituído
pela MP 1.523/97, convertida na Lei 9.528/97 e alterado pela Lei 9.711/98, não
alcança os benefícios concedidos antes de 27.06.97, data da nona edição da MP
1.523/97. III - Recurso conhecido em parte e, nessa desprovido." (STJ -
REsp nº 254.186/PR, 5ª Turma, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJU de 27/8/2001).
Assim, tratando-se a decadência de instituto de direito
material, não há como emprestar efeitos retroativos à MP 1523/97, pena de
manifesta afronta ao disposto no art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil
Brasileiro e ao artigo 5º, inciso XXXVI da CRFB/88.
Ressalta-se, ad cautelam, que a regra de caducidade
abrange somente os critérios de revisão da renda mensal inicial. Não pode ser
invocada para afastar ações revisionais que visam a correção de reajustes
aplicados erroneamente às prestações previdenciárias. Nesses casos, o pagamento
das diferenças apuradas encontrará como único obstáculo o lapso temporal
abrangido pela prescrição. (7)
III – Restrição à Aplicação
Imediata da Lei Nova aos Benefícios em Manutenção
Esquecendo agora a lícita retroação, muitos operadores
do direito e toda a imprensa nacional sustentaram – nos últimos dias – que a MP
nº 1523/97, convertida na Lei nº 9.528/97, teria aplicação imediata apanhando
as relações jurídicas em curso.
Ocorre que a
aplicação imediata da lei nova encontra restrição quando a nova regra for
prejudicial ao segurado. No caso em tela, é impossível incidência imediata da
MP nº 1523/97, sob pena de quebra do princípio de proteção ao hipossuficiente.
Se a legislação dá novo tratamento à relação de direito previdenciário,
ampliando os direitos do destinatário da norma, esta a ele aproveitará. Caso
contrário não. Não há, nessa construção normativa, retroatividade, somente
aplicação imediata, mas SEMPRE NA PRESSUPOSIÇÃO DE VANTAGEM AO SEGURADO. (8)
In casu, a instituição do prazo decadencial pela MP
1523/97, não pode ter aplicação imediata aos benefícios em manutenção porque a
nova norma não é mais benéfica aos segurados da Previdência Social.
IV – Considerações Finais
A intenção deste pequeno ensaio é contribuir de alguma
forma para o aperfeiçoamento do estudo sobre a questão e a conclusão que se
impõe é a seguinte:
Segundo tranqüilo entendimento a instituição do prazo
decadencial nas ações de revisão da renda mensal inicial somente pode atingir
as relações jurídicas constituídas a partir da vigência da nona edição da MP
1.523/97, vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto
de direito material.
Além disso,
aludida Medida Provisória acarreta evidente depreciação da situação material do
segurado sendo impossível – ao meu ver – aplicação imediata da norma aos
benefícios concedidos antes de 27/06/1997.
Em termos práticos: para a revisão da renda mensal
inicial dos benefícios concedidos antes de 27/06/1997 não há prazo decadencial.
Nesses casos, o pagamento das diferenças apuradas na ação revisional encontrará
como único obstáculo o lapso temporal abrangido pela prescrição. Para os benefícios
previdenciários concedidos entre 28/06/1997 e 20/11/1998 o prazo é de 10 anos.
Para os benefícios concedidos após 20 de novembro de 1998, o prazo decadencial
de cinco anos foi majorado para dez anos pela MP 138/2003.
Ressalto, ainda, que a caducidade abrange somente os
critérios de revisão da renda mensal inicial. Não pode ser invocada para
afastar ações revisionais que visam a correção de reajustes aplicados
erroneamente às prestações previdenciárias
NOTAS
1 Confira a redação original do art.103 da Lei nº
8.213/91: "Sem prejuízo do direito ao benefício, prescreve em 5 (cinco)
anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria resguardados
os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes".
E agora confira a redação do artigo 103 da Lei nº
8.213/91 dada pela nona reedição da Medida Provisória nº 1.523, de 27 de junho
de 1997, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997:
"É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do
segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a
contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação
ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão
indeferitória definitiva no âmbito administrativo".
2 "Art. 103.
É de cinco anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação
do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a
contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação
ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão
indeferitória definitiva no âmbito administrativo".
3 Cf. ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JUNIOR, José
Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 3. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 294.
4 "Art. 103.
É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação
do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a
contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação
ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão
indeferitória definitiva no âmbito administrativo."
5 Súmula nº 85 do STJ – Nas relações jurídicas de trato
sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido
negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas às prestações
vencidas antes do qüinqüênio anterior à propositura da ação.
6 Cf. PEREIRA, Hélio do Valle. Prescrição e Decadência
no Direito Previdenciário. IN: Revista de Previdência Social, v.23, n.226, p.
751-763, set. 1999.
7 O preceito contido no artigo 79 da Lei nº 8.213/91
impede também o curso dos prazos de prescrição e decadência contra menor,
incapaz ou ausente.
8 Cf. PEREIRA, Hélio do Valle. Prescrição e Decadência no Direito Previdenciário. IN: Revista de Previdência Social, v.23, n.226, p. 751-763, set. 1999.
Retirado de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5377