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A caminho da cidadania virtual

 

 

Fernanda de Carvalho Papa

 

 

Internet e sociedade no Brasil:

problemas e perspectivas para o desenvolvimento.

 

 

NOTA DE APRESENTAÇÃO: O texto apresentado aqui busca ser um resumo das diferentes posições manifestadas entre palestrantes e debatedores durante a conferência “A caminho da cidadania virtual? – Internet e sociedade no Brasil”, realizada no dia 5 de maio de 2000, em São Paulo. A iniciativa e a organização do evento foram da Fundação Friedrich Ebert/ ILDES (http://www.fes.org.br/), que se responsabiliza por todo o conteúdo deste texto. Dados pesquisados além do encontro e reunidos aqui terão suas fontes citadas. O evento contou com palestras de Sandra Pecis, diretora de conteúdo do Terra Networks, Demócrito Filho, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Informática, Márcio Pochmann, pesquisador do CESIT/UNICAMP, e Carlos Alberto Afonso, diretor da Rede de Informações do Terceiro Setor (RITS). Participaram ainda 48 convidados, entre representantes de ONGs, sindicatos e entidades voltadas para o estudo ou trabalho com temáticas da Internet.

 

 

 

 

O POTENCIAL DA INTERNET

 

 

Praticamente inexistente uma década atrás, a Internet está aparecendo com grande vigor no cenário nacional. Nas grandes cidades, os OUTDOORS dos portais - como Terra, Globo, UOL, IG e muitos outros - competem com a propaganda das empresas da velha economia, indicando uma acirrada disputa por um mercado totalmente novo e cujas perspectivas ninguém pode prever. Por outro lado, só uma ínfima parte dos mais de 5000 municípios do país dispõem de servidores que possibilitam o acesso à rede, anunciando uma divisória digital que separa o cidadão online do ciber-analfabeto desconectado, aprofundando ainda mais as já acentuadas desigualdades na sociedade brasileira.

 

Tudo indica que o desenvolvimento explosivo do uso da Internet no Brasil vá continuar e que em poucos anos a quantidade de usuários alcançará um número maior que 10 milhões de pessoas. Cada vez mais serviços estão disponíveis na Internet, desde a compra de uma pizza no bairro, passando pelo pagamento dos impostos online, até o planejamento de viagens pelo mundo inteiro. Cada vez mais entidades - sejam elas empresas, prefeituras, ONGs, sindicatos, etc. - estão presentes com páginas próprias, comunicando-se com seus clientes, usuários, eleitores ou membros; e oferecendo informações, serviços, mercadorias ou entretenimento.

 

Embora as máquinas de busca já registrem milhões de sites acessíveis de qualquer computador conectado a um servidor da Internet, os infinitos recursos da world wide web (rede mundial de computadores, www) parecem ainda pouco explorados e sub-utilizados. Concentram-se muito na troca de informações entre pessoas e instituições via e-mail ou documentos que podem ser carregados e salvos no próprio computador, no uso comercial.

 

São ainda pouco exploradas as possibilidades da Internet no trabalho das organizações sociais, na educação pré-universitária e na relação entre os cidadãos e seus governos. Mas até isso está mudando com grande velocidade: já é possível obter informações da maioria dos ministérios federais via Internet, o número de prefeituras com presença na rede aumenta cada dia e nos Estados Unidos já se realizaram as primeiras eleições online.

 

Quais as questões que se apresentam frente a essa nova realidade?

 

· Tudo indica que em poucos anos as pessoas sem acesso à rede estarão em desvantagem com relação às pessoas conectadas: a questão da universalização do acesso emerge como uma das grandes perguntas a serem respondidas: quais as políticas - e de quem é a responsabilidade - para aumentar o acesso e levá-lo até os pontos mais remotos do país?

 

· A universalização do acesso, apontada como caminho, depende do desenvolvimento da infra-estrutura física da rede e do sistema de telecomunicações em geral. Precisa-se de uma política tecnológica com definições de backbones e Network Acess Points - quais os atores desta política, qual a "divisão de trabalho" entre os setores público e privado?

 

· O surgimento do e-commerce (comércio eletrónico) que conecta diretamente as empresas com seus clientes ou provedores leva a expectativas e temores com relação ao impacto da Internet sobre a economia e o mercado de trabalho: será que as novas tecnologias de comercialização darão um impulso à produtividade e ao crescimento, ou elas se revelarão como grande destrutor de empregos e oportunidades?

 

· A Internet é um espaço aberto e de fácil acesso para indivíduos, empresas, governos e organizações sociais. Nem sempre os motivos são louváveis, nem sempre as informações são confiáveis, nem sempre os dados dos usuários são protegidos, nem sempre o material que circula pela rede é legal. As questões relacionadas com a segurança das transações (comerciais, bancárias, de informação e comunicação) e a privacidade dos usuários, a proteção do consumidor e de direitos autorais, etc. são ainda pouco exploradas. Governos e a justiça enfrentam desafios totalmente novos e difíceis de responder: quanto governo queremos na Internet e quanta interferência dos poderes é necessária?

 

· Para as organizações sociais, partidos e sindicatos, a Internet oferece novas perspectivas para seu relacionamento com suas bases, para aumentar sua presença nos debates políticos e para mobilizar mais pessoas com interesses afins para objetivos específicos. Em que medida a Internet ajudará para que estas instituições se constituam em verdadeiros intermediários entre os indivíduos e a sociedade?

 

Finalmente, a Internet abre inúmeras perspectivas para um novo relacionamento entre os cidadãos e seus governos, seja no âmbito local, estadual ou nacional - e até, porque não, internacional. Já existem exemplos suficientes para se constatar que os recursos da Internet podem aumentar a transparência na gestão pública e a participação dos cidadãos nas decisões de governo. Quais as iniciativas a serem tomadas, de quem e como?

 

 

 

QUE ESPAÇO OCUPA O BRASIL NO MUNDO VIRTUAL?

 

A Internet foi introduzida no Brasil no início dos anos 90, conectando a Rede Nacional de Pesquisa com diversas universidades. Em 1995, a Embratel instalou seu backbone – espinha dorsal que conecta a rede nacional com a rede mundial - e passou a disponibilizar os serviços de conexão para o público em geral, iniciando a era comercial da Internet no país.

 

Estima-se que o número de usuários no Brasil esteja entre quatro e sete milhões de pessoas. A versão mais otimista vem de grandes provedores, que anunciam ainda a expectativa de o país atingir 10 milhões de usuários até o final do ano 2000. Já o dado de que o Brasil teria atualmente 4,12 milhões de usuários foi anunciado pela União Internacional de Telecomunicação, em estudo divulgado na Cúpula Econômica do Mercosul, em maio último.

 

O mesmo estudo aponta o Brasil com 41% dos usuários da Internet na América Latina, em oposição aos 54% divulgados por consultorias. Sobre o crescimento dos servidores de rede na América Latina, os números são mais animadores, chegando a 136% nos últimos quatro anos, o que supera as outras partes do mundo (América do Norte, em segundo, com 74%, a Ásia, em terceiro, com 61% e a Europa, em quarto, teve crescimento de 30%). Outro dado interessante: a cada dia, 1.200 novos domínios são registrados no Brasil.

 

Tais informações não revelam, por exemplo, o fato de que embora o Brasil tenha maior número de pessoas que acessam a Internet no continente, é o quarto país em número de usuários por habitante, com cerca de 3% da população acessando a rede. A porcentagem equivale à do número de computadores pessoais por habitante também.

 

Sobre os pontos de acesso, sabe-se que há em torno de cem deles distribuídos pelas principais cidades brasileiras, em contraste com o total que gira em torno de 5.000 municípios em todo o país. Isto revela um limitado acesso nacional às espinhas dorsais da Internet, prejudicado ainda pelo custo da infra-estrutura, com suas linhas dedicadas, por exemplo, entre as mais caras do mundo.

 

Outro problema apontado por especialistas é o do possível esgotamento do mercado de provedores, como aconteceu com as televisões a cabo, que já não tem mais para onde se expandir entre as classes com poder de consumo no Brasil. Vale lembrar aqui que o custo do impulso telefônico na conexão da Internet é ainda um obstáculo para a utilização do novo instrumento. Há dados, segundo o Comitê Gestor Internet Brasil, mostrando que os países que deram os maiores saltos no uso da nova comunicação, contavam algumas horas diárias para chamadas telefônicas grátis.

 

A briga pelas ainda apertadas fatias do mercado, no Brasil, explicaria a atual guerra entre os grandes portais horizontais (agregadores de conteúdo e audiência, com diferentes canais temáticos, destinados aos diversos tipos de internautas, em oposição aos verticais, centrados em um tema específico, com conteúdo aprofundado), que já condenam, aliás, os pequenos provedores de acesso. Para se ter uma idéia, em 1999, estas grandes empresas investiram R$ 500 milhões apenas em publicidade. E aguardam o retorno, não só vindo do lucro com anunciantes, mas principalmente no e-commerce, o comércio eletrônico.

 

 

 

 

Reflexos do crescimento – Mercado de Trabalho

 

A tecnologia trazida pela Internet tem reflexos positivos e negativos na organização do trabalho em diferentes setores. O mercado para profissionais de comunicação, requisitados para produzir conteúdo aos sites, e o mercado para profissionais de informática, como webdesigners e programadores, essenciais à criação das páginas, por exemplo, foi aquecido. Todavia, falta um estudo de impacto quantitativo para comprovar as mudanças neste segmento restrito e em outros.

 

Em termos mais abrangentes, a temática da Internet e das novas tecnologias, com seu impacto sobre o mercado de trabalho, ainda são pouco investigadas. Ainda se discute se ela representa, ou não, uma nova fase de expansão do capitalismo e se fundamenta alguma nova forma de acumulação.

 

Sob uma ótica pessimista, há quem sustente que a microeletrônica não se mostrou suficiente para produzir um salto na economia capitalista, do ponto de vista do emprego, e a Internet, por enquanto, estaria incluída nesta constatação. O índice Nasdaq, que representa nos EUA as empresas de alta tecnologia, por exemplo, já tem valor equivalente a dois terços da PIB norte-americano, mas seu impacto no emprego não chega a ser proporcionalmente expressivo - com 5%.

 

O governo brasileiro, por outro lado, aposta no desenvolvimento da chamada economia da informação, a qual já estaria participando com 10% do PIB nacional, segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia.

 

E para que o setor cresça, conforme o esperado, é necessário que o governo se envolva realmente com a questão, não permitindo que os rumos a serem tomados dependam apenas de quem já está produzindo e lucrando com a nova economia. A opinião de Ivan Moura Campos, coordenador do Comitê Gestor Internet Brasil, é a seguinte: “Desenvolvimento não pode ser deixado para o mercado decidir, pois as forças do mercado não fazem justiça social.”

 

 

 

AS DÚVIDAS PARA O DIREITO

 

Se há dúvidas quanto aos impactos da Internet no mercado de trabalho brasileiro, o Direito também se coloca em posição de incertezas. Sabe-se que há necessidade de seguir os passos do “fenômeno tecnológico”, que cada vez mais demanda regulamentação, mas a legislação não acompanha o desenvolvimento da sociedade, muito menos no ritmo em que a Internet e seus dilemas têm se desenvolvido no Brasil. Daí o estágio em que estamos atualmente, com muitas dúvidas e poucas respostas.

 

- Não existe lei a respeito de uma ética na Internet, uma espécie de “Internetics”? O que fazer diante do fluxo de informações transnacionais em contexto de legislações nacionais? O Judiciário controla provedores de acesso? Será que não estão abrindo o arquivo log das pessoas e sabendo o que elas fazem na rede? Como funciona a legislação para direitos autorais? E para a defesa do consumidor? A Internet pode ajudar no problema da lentidão da Justiça? Pode agilizar petições, tomar depoimentos à distância? Como regulamentar tudo isso?

 

O governo coloca a regulamentação da Internet entre as prioridades em meio a todos os aspectos que tocam o tema. E transfere ao setor privado a tarefa de implementar as regras, colocando-se em posição de defesa da auto-regulamentação e assumindo o papel de apenas sugerir o que virá a ser determinado nesta frente.

 

A auto-regulamentação, que resultaria da reunião dos interesses de vários organismos para estabelecer as regras de funcionamento da Internet para provedores, usuários e etc, já é adotada nos EUA com relação à privacidade na rede, por exemplo. No Brasil, há quem aponte um problema relevante para a opção pela auto-regulamentação, com o argumento de que se estaria colocando barreiras em algo que deveria ser público.

 

 

 

 

Os problemas da Internet para o Direito

 

A regulamentação do trânsito de informações é atualmente a principal questão para o estudo da Internet do ponto de vista da legislação. E aí estariam incluídos todos os conteúdos, como os que caracterizam crime pornográfico, por exemplo. Nenhum país tem ainda um conjunto de leis para regulamentar as responsabilidades civil e criminal sobre as informações que circulam na Internet.

 

Diante disso, há quem defenda a chamada a teoria da responsabilidade, segundo a qual todo material divulgado na rede aberta implicaria responsabilidade do editor que responde pelo site onde aparece a informação. Trata-se de fazer um paralelo com o que ocorre na já regulamentada mídia tradicional.

 

A coleta de dados dos usuários também tem levantado muita polêmica acerca das políticas de privacidade estabelecidas pelas empresas – na medida em que não existe regulamentação ainda, cada um impõe os limites mais convenientes. Desta forma, instalar mecanismos como cookies caracterizaria um caso de privacidade violada? E como reagir a essa regulamentação que não é pública, mas privada, em um contexto em que políticas de privacidade não são feitas pelos internautas, mas pelas corporações que têm interesses em obter seus dados, por meio de mecanismos como esses?

 

 

 

 

O que tem sido feito

 

- Os dois projetos de leis que atualmente estão em discussão no Congresso Nacional tratam justamente a questão da coleta de dados dos usuários. De autoria do deputado Luis Piauhylino (PSDB-PE), um dos projetos propõe uma lei de caráter criminal com princípio que considera atividade não lícita toda coleta de informação não autorizada pelo usuário.

 

- O outro projeto, do senador Lúcio Alcântara (PSDB-CE), tem características semelhantes, porém diferencia dois tipos de dados: os sensíveis (ideológicos, políticos, sexuais etc.), que devem ser protegidos, e os gerais (idade, estado civil e etc), que dispensam os mesmos cuidados. De acordo com o projeto, a coleta de dados seria autorizada desde que observada a diferenciação entre os conteúdos dos tipos sensível e geral. As empresas, consequentemente, poderiam coletar dados, mas sem a possibilidade de comercializá-los e apenas até determinado grau de informação.

 

- Além destes projetos de lei, há cerca de outros vinte que tratam de algum tipo de regulamentação no campo da Internet. A OAB, por exemplo, desenvolve projeto para regulamentar o comércio eletrônico, passando pela questão da assinatura digital, do documento eletrônico e de certificadores digitais.

 

- Neste sentido, a lei 9800, mais conhecida como a lei do e-mail, é vista como um primeiro passo para o avanço na utilização das novas tecnologias no meio judicial. Isto porque permite a remessa de peças processuais por fax ou outros meios eletrônicos, implicando mais comodidade e economia de tempo no envio de petições aos Tribunais de Justiça e etc. A criptografia também está em pauta e deve ser utilizada para a autenticação das assinaturas eletrônicas.

 

Um último obstáculo, que extrapola as muitas dúvidas apontadas aqui, diz respeito à falta de políticas governamentais e judiciárias para tratar a questão da Internet. A tese, segundo alguns juristas, é a de que haveria uma carência de homens honestos na administração pública, impedindo que assuntos ligados ao tema sejam tratados com a devida importância. A aprovação de leis, por exemplo, é muito demorada com relação ao timing da Internet, sobretudo porque há lobbies de grandes interesses para aprovar ou não determinadas coisas.

 

 

 

 

A NECESSIDADE DE UMA POLÍTICA NACIONAL

 

Num cenário em que metade da população do planeta nunca fez uma chamada telefônica – dados do Banco Mundial -, imagina-se que o Brasil, como 13º país do mundo em número de computadores ligados à Internet, esteja bem em sua adaptação e desenvolvimento na sociedade da informação.

 

De certo modo sim, mas poderia estar melhor. O país ainda está totalmente ligado aos EUA no que diz respeito às suas conexões com a Internet e é urgente que se construa um repertório de interesses aqui para que a relação seja mudada, a exemplo do que acontece na Ásia e na Europa Ocidental, que estão tentando implantar seus pontos de acesso à rede (NAPs – Network Point Access) nos próprios continentes.

 

Embora pareça óbvio que a espinha dorsal (backbone) para reger o trânsito de informação do Brasil com os vizinhos Argentina, Chile, Uruguai e etc. deveria estar localizada na América do Sul, este tráfego regional é difícil de ser estabelecido, mesmo já existindo um projeto de interconexão, resultado de anos de negociações. O problema, aqui, é não haver um consenso sobre onde colocar o NAP sul-americano, pois todos querem hospedá-lo.

 

E diante do impasse, o usuário nacional continua pagando mais caro pelo serviço, em valores totais altíssimos. Isso porque, no caso do Brasil, por exemplo, paga-se à operadora pelas ligações telefônicas e esta, por sua vez, paga para a Embratel, responsável pela contratação da conexão com os EUA. Para a Embratel trata-se de um grande negócio, já que o ponto de chegada nos EUA é a MCI, empresa à qual ela está ligada.

 

O mercado pode ser vantajoso para a grande tele, mas não compreende a maior parte da população brasileira, que continua alheia ao universo da sociedade da informação. Conforme dito no início deste texto, o limitadíssimo acesso à Internet no país tende a ser mantido, a menos que seja desenvolvida uma política em defesa do acesso universal.

 

Nos últimos cinco anos, entretanto, não houve sinais de que algo caminhasse para isso. A política, aliás, é a mesma, com o mercado de provedores crescendo apenas nas cidades maiores onde há capacidade para o consumo, em detrimento dos pequenos municípios, que precisam, em muitos casos, contratar serviços interurbanos para se conectar à rede - ou ficam simplesmente sem conhecer a Internet. Não existe perspectiva de mudança de quadro sem que haja um intervenção em escala nacional. O acesso universal, portanto, significa propor e executar uma política que seja desenvolvida no país inteiro.

 

Um modelo de representação para ele (o acesso universal) é a figura de um tetraedro, cujas pontas combinariam a infra-estrutura que deve ser distribuída em proporções muito maiores que as atuais, com a capacitação mínima para o usuário descobrir o universo de conteúdos disponíveis e com o acesso, disponibilizado pelo governo, para garantir que o contato com a Internet aconteça. O tetraedro representa, assim, a criação de uma estratégia para que seja resolvida a questão da info-exclusão, a exemplo do que propõe o programa da sociedade do conhecimento, na Europa – (no Brasil, não é difícil perceber que a info-exclusão reproduz o padrão de exclusão de outros setores de sua sociedade). Uma boa e mais próxima experiência no trabalho desta questão é a implantação de tele-centros nas comunidades.

 

- O Peru e a Argentina, por exemplo, já trabalham com este projeto. Implantar tele-centros significa não só a apresentação da Internet às comunidades, como também a capacitação dos cidadãos para que possam fazer melhor uso dela – não apenas ligando “o fiozinho ao tecladinho”. O espaço é normalmente de multi-propósito, pois visa-se aprender, utilizar e comunicar.

 

- Na América Latina, aliás, os telecentros também já estão em El Salvador e na Costa Rica. Um exemplo mais distante e impressionante é o do Camboja, país do sudeste asiático que até 1997 enfrentava o problema da colocação de minas terrestres pela guerrilha do Khmer Vermelho e que, atualmente, já tem seus modelos de telecentro em desenvolvimento. E as pessoas, em quaisquer destes países, não usam necessariamente a Internet para fazer compras ou algo parecido. A rede é, sim, um meio de comunicação com outras comunidades e o telecentro, por sua vez, preserva a autonomia local.

 

- Se o Brasil adotasse um projeto nos mesmos moldes, precisaria implantar cerca de seis mil telecentros, o que, com sucesso, no Peru, é feito com mil unidades.

 

- As perguntas práticas sobre isso: Os telecentros podem mesmo garantir o acesso universal? São viáveis do ponto de vista da acessibilidade? É possível estabelecer lei nacional para garantir que telecentros tenham linha de acesso gratuita? Será que Anatel ou Ministério das Comunicações têm poder para fazer isso?

 

Outra idéia no trabalho da questão da info-exclusão seria começar a trabalhar o acesso universal pelas escolas públicas. Embora não seja possível querer adotar as mesmas soluções que os países centrais, até pelos poucos recursos que o Brasil tem, já existem projetos na sociedade com este objetivo.

 

- Um exemplo está no trabalho do Comitê para a Democratização da Informática, que já vislumbra a perspectiva de instalação de redes no Brasil conectando as escolas, na tentativa de alterar o quadro atual de que só as escolas particulares têm o acesso à Internet. Essa realidade confere ao Brasil o estigma de estarmos “em uma ilha de excelência num mar de iniquidade”.

 

Como mudar isso? A pergunta vai para o Estado, que não deveria estar discutindo um provedor público? Uma parceria que garantisse placa de bond, linha telefônica, configuração de e-mail? Por quê não existe perspectiva de um município com número pequeno de habitantes ter provedor público que lhe dará acesso aos espaços públicos? Isso tudo é pressuposto para se discutir a democratização da informática.

 

 

 

O Programa Sociedade da Informação

 

Uma possibilidade real de que o Estado coloque seu olhar sobre estas questões está no Programa Sociedade da Informação (PSI), desenvolvido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e que está em sua fase final de elaboração de propostas. De acordo com o que foi divulgado pelo ministério, trata-se de um “conjunto de iniciativas, que prevê ações dos governos federal, estaduais e municipais, junto com a iniciativa privada (...), pretendendo viabilizar um novo estágio de evolução da Internet e suas aplicações no Brasil, tanto na capacitação de pessoal para pesquisa e desenvolvimento, quanto na garantia de serviços avançados de comunicação e informação.”

 

- Parte do Plano Plurianual 2000-2004, o PSI tem investimentos previstos de R$ 3,4 bilhões – dos quais R$ 400 milhões virão diretamente do orçamento nacional - para este período, tempo em que espera “criar bases para que aumente substancialmente a participação da economia da informação no PIB – hoje estimada em dez por cento. As indústrias e as empresas brasileiras deverão ser os setores mais beneficiados, tornando-se mais competitivas no mercado internacional”, divulga o Ministério da Ciência e Tecnologia.

 

Muito bem, mas e o cidadão comum? Como poderá ser beneficiado, conforme apontam especialistas, em um cenário em que a Anatel é quase toda “controlada” pelas empresas de telecomunicações? O negócio da Internet é vantajoso para estas empresas, a exemplo da Telemar, no Rio, que teve 20% de seu faturamento de 1999 vindo dos acessos à Internet e espera para este ano crescimento entre 30% e 50% com relação ao ano passado. Diante deste contexto, qual a real preocupação do PSI com o desenvolvimento social do Brasil?

 

Para se ter uma idéia, as discussões iniciais sobre o PSI no Brasil, há alguns anos, não chegaram a levar em conta que vivemos o problema da info-exclusão, cabendo aqui a pergunta: para onde será que preferirão destinar o Fundo de Universalização das Telecomunicações – repasse de 1% das arrecadações mensais para um fundo que já deve haver cerca de R$ 3 bilhões acumulados? Se a sociedade não se posicionar e fizer ouvir, o risco deste 1%, que ainda está sem uso por falta de regulamentação, ser mal utilizado é grande.

 

Em recente apresentação no II Fórum Global – Estado Democrático e Governança no Século XXI, Tadao Takahashi, coordenador do PSI, apresentou o programa, sem ser específico ao ponto de revelar como serão distribuídos os recursos, mas destacando suas vertentes, não apenas com relação ao apoio para o desenvolvimento da economia da informação, como também no que diz respeito à questão do acesso universal.

 

Os objetivos foram resumidos em: Articulação de novo salto para evolução da infra-estrutura e dos serviços; Articulação de ações entre o setor público e o setor privado; e fomento ao desenvolvimento da Internet na sociedade. Já as ações, que não se limitam ao executivo, mas passam pelos outros poderes também, foram divididas da seguinte forma:

 

- Mercado de trabalho - Como gerar novo impulso na economia para movimentá-lo;

- Universalização do acesso / dos serviços – Utilizar legislação, fundos e grandes parceiros para alcançar objetivos;

- Capacitação de recursos humanos – Como modernizar a administração e como utilizar a Internet para levar informação ao público com mais rapidez;

- Colocar o governo On-line – Uma parte já está;

- Ter infra-estrutura avançada.

 

Sobre a questão do acesso universal, ou acesso como função socializada, usando os termos do PSI, também foram apresentadas as idéias que deverão ser contempladas por ele – o que não estabelece, por enquanto, perspectivas para concretização do que está sendo proposto. De qualquer forma, aqui aparecem também os já citados telecentros comunitários, além de bibliotecas públicas, quiosques e repartições públicas, como pontos de referência para o cidadão ter acesso gratuito e ser capacitado para a utilização da Internet.

 

As variáveis que condicionam a possibilidade de implantação desses projetos parecem ser o maior desafio para o governo e a sociedade no momento. Como o Brasil pode atacar o problema do acesso universal de acordo com o programa que está propondo? As perguntas agora estão em torno da capilarização do acesso (como conectar o máximo de municípios, incluindo os mais longínquos, à Internet), dos custos envolvidos e da capacitação das pessoas para receber e se envolver com a tecnologia.

 

Esta discussão sobre o programa está acontecendo em vários setores da sociedade e precisa ser mais divulgada. O PSI tem grupos de trabalho, envolvendo 120 pessoas, subdivididos para a discussão dos temas (pesquisa e desenvolvimento; cooperação internacional; processamento de alto desempenho; regionalização e integração; empreendedorismo; educação) que deverão formar seus pilares de ação. Por quê não procurar as pessoas que estão trabalhando nisso? Mandar-lhes e-mails, telefonemas, sugestões? Estamos diante de uma janela de oportunidade grande que pode rapidamente se estreitar, pois em pouquíssimo tempo a proposta estará fechada.

 

Obs: De acordo com o cronograma do PSI, a primeira proposta abrangente – livro verde - será fechada até o final do mês de junho/ 2000. Em outubro, pretende-se fazer uma consulta à sociedade e, em novembro, concluir o trabalho de elaboração – livro branco.

 

 

 

 

A importância da potencialização dos atores da sociedade civil

 

A questão que acabamos de abordar sobre o acesso universal é o ponto central na discussão à qual nos propusemos com este texto, mas vai além. A preocupação deve cair também sobre a potencialização dos atores da sociedade civil que, como vimos acima, têm papel relevante na construção dos caminhos para a democratização da Internet no país. Vale lembrar, aliás, que a Internet surgiu dentro da sociedade civil, nas universidades, fazendo com que o ponto aqui não seja a entrada neste mundo novo, mas sim a sua retomada.

 

Como está a mobilização para que a América Latina não dependa mais dos EUA? E os sindicatos, como estão usando a Internet? Como está o diálogo entre ONGs e a sociedade civil que tem dificuldade para entender o poder da Internet?

 

Não adianta fazer grande campanha para que as pessoas aprendam sobre Internet e acabem só usando chat ou fazendo compras - é importante estimular ações para a produção de conteúdo. Temos potencial muito maior que o chat na utilização da estrutura que existe, os chamados portais verticais que estão se desenvolvendo aos poucos são o maior exemplo.

 

Não se pode ficar esperando a implantação de um modelo de acesso universal para capacitar e para aumentar a capacidade de intervenção da sociedade, é necessário agir, como formigas até, e que isso aconteça desde já. Alguns movimentos, apesar de limitados, já são conhecidos e revelam como a experiência de sustentabilidade na sociedade civil existe e pode crescer. O CDI é um exemplo e esse tipo de iniciativa nascida na comunidade tem de ser divulgado.

 

À medida que a Internet conseguir criar junto ao movimento social o peso que ela já tem em outros setores, conseguiremos mais sucesso na iniciativa. Ainda não existe cultura sobre a importância da Internet no movimento social. Se isso crescer, cresce o sucesso da iniciativa pelo acesso universal. Como podemos ajudar nesta massificação?

 

Precisamos de transparência e de decisão política. A Internet em termos de tecnologia já nos está apresentada, mas a disseminação do que se passa nela não existe como deveria. O governo não gasta com isso, e deveria. Se não houver pressão da sociedade para que este gasto seja concretizado, não acontecem investimento, capacitação e democratização.

 

A tecnologia não vai trazer emprego nem acabar com a fome, mas pode aumentar o poder de barganha da sociedade, que terá condições de pressionar para que as pontas do tetraedro estejam agindo contra o aumento da info-exclusão. “Ou a gente fica junto, se comunicando, ou vamos para a forca sozinhos.”

 

Este é um alerta urgente, sobretudo porque ainda não existe um construir coletivamente. Fala-se muito, mas ainda não se fez de fato. Ainda temos postura passiva, falamos de interatividade mas agimos com passividade e isso diante de um tempo em que já se discute a existência de interesses em se criar controles na sociedade digital. Quem pode pensar em controle perante um instrumento que justamente propõe a descentralização e a democratização do acesso à informação, trazendo uma nova possibilidade do exercício da cidadania?

 

Não existe um modelo pronto para o Brasil no momento. Mas há vários que precisam ser discutidos. É necessário conquistar outros canais para dar continuidade à discussão que iniciamos aqui. Tentemos formular alguma coisa neste curto espaço de tempo. Vamos ver se juntos podemos testar esse tipo de modelo, o acesso universal. Ele pode permitir, mais do que gerar emprego, que a gente tenha cidadãos com massa crítica, de fato sujeitos sociais.

 

E não se esqueçam, em poucos dias, a proposta estará fechada.

 

 

Links úteis ligados ao tema:

 

http://www.socinfo.org.br/ (Programa Sociedade da Informação)

http://www.cg.org.br/ (Comitê Gestor Internet Brasil)

http://anatel.gov.br/ (Anatel)

http://www.rits.org.br/ (RITS)

http://www.provedores.org.br/ (Associação dos Provedores de Internet)

http://www.democracia.com.br/ (Site democracia.com)

http://www.cdi.org.br/ (Comitê para Democratização da Informática)

 

... ... ...

 

Observações ao artigo:

 

- * (FES-Brasil) : "Friedrich Ebert Stiftung" - Fundação Friedrich Ebert no Brasil - ILDES (Instituto Latino-Americano de Desenvolvimento Econômico e Social):

 

 

"Fundada em 1925 como legado político do primeiro presidente alemão democráticamente eleito, a Fundaçao Friedrich Ebert (FES) é a maior e a mais antiga das seis fundações políticas alemãs, com quase 600 funcionários e atividades em mais de 100 países.

 

 

Em 2000, somente na Alemanha participaram mais de 150.000 pessoas em cerca de 3.000 atividades.

 

1.700 estudantes - 340 do exterior - se beneficiaram do programa de bolsas no ano 2000. O orçamento da Fundação, proveniente maioritáriamente de recursos públicos, é de 100 milhões de Euros, aproximadamente.

 

 

A FES baseia seus programas no ideário da social democracia alemã e européia e mantém escritórios em mais de 70 países do mundo, sempre com a finalidade de cooperar na consolidação e o desenvolvimento de regimes democráticos e participativos. Geralmente realiza suas atividades junto com parceiros nacionais, públicos ou privados, igualmente comprometidos com o progresso democrático dos seus países.

 

 

A atuação da FES no Brasil começou em 1976, quando foi estabelecido no Rio de Janeiro o Instituto Latino-Americano de Desenvolvimento Econômico e Social (ILDES), sob o patrocínio da FES. Em 1986 a sede do ILDES foi transferida para São Paulo e, desde o ano 2000, a FES está funcionando como fundação, de acordo com a legislação brasileira" (in http://www.fes.org.br ).

 

 

 

 

 

Retirado de: http://www.adperj.com.br/publique/cgi/public/cgilua.exe/web/templates/htm/_template02/view_0910arti_outros_caminho_da_cidadania_virtual.htm?user=reader