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Solução de conflitos
Lula tem obrigação de
acabar com irregularidades em CCPs
Por Francisco Fausto
A figura do juiz classista, extinta por emenda constitucional, cuidou de
assegurar o seu retorno à solução das demandas, lançando sombras sobre a
Justiça do Trabalho, a partir de uma idéia bem intencionada dos próprios
ministros do Tribunal Superior do Trabalho.
As CCPs (Comissões de Conciliação Prévia) foram concebidas para desafogar
os tribunais do excesso de processos, mas resultaram em instrumento de juízes
leigos, cuja pressão sobre o Poder Legislativo impediu um controle mínimo de
sua atuação, ao afastar os juízes trabalhistas das decisões finais de
homologação de acordos. Por essa razão, defendo a extinção dessas comissões,
ou, no mínimo, uma mudança radical na sua forma de atuação.
Proponho a instalação de juízos conciliatórios presididos pelos juízes
trabalhistas ou que se torne obrigatória a homologação desses acordos das CCPs
pela Justiça do Trabalho. As irregularidades e os abusos existentes nas
comissões não oferecem outra perspectiva. Essa parece ser a melhor proposta de
moralização. Se extintas as CCPs, a parte apresentaria a sua reclamação ao juiz
conciliatório e, se não houvesse conciliação, o processo seria distribuído para
outras varas do Trabalho. Transformadas numa espécie de justiça paralela, sem
nenhuma fiscalização, elas têm caminho aberto para práticas eticamente
inadmissíveis.
Tomei conhecimento de que, em São Paulo, há comissões que se instalam em
gabinetes com placas nas portas, identificando-as como "tribunais de conciliação".
Há conciliadores que chegam a receber R$ 50 mil por mês em outras regiões do
país. Como só são remunerados quando é feito acordo entre as partes, eles
forçam o acordo, quase sempre com enormes prejuízos para o trabalhador. A
portaria que regulamentou precariamente as Comissões de Conciliação Prévia
(baixada pelo então ministro do Trabalho Paulo Jobim) determina que elas não
podem cobrar do trabalhador percentuais sobre o valor acordado. É uma balela,
porque, em último caso, quem está pagando é o trabalhador. Isso funciona no
seguinte esquema: se o empregador tem R$ 500 para dar ao trabalhador e tem de
pagar R$ 100 de despesas processuais, ele só oferece R$ 400.
A portaria do ex-ministro do Trabalho, por outro lado, não comina pena
nenhuma para quem comete irregularidade. A cobrança de percentuais pelos
conciliadores sobre o valor da verba trabalhista estipulada no acordo está, de
fato, proibida por portaria do ministro do Trabalho, porém não é respeitada,
porque não estabelece punição.
Por essa razão, defendo o registro das CCPs no Ministério do Trabalho.
Caso continuem com as irregularidades, que tenham o registro cassado. Esta
seria a punição.
Como a Justiça do Trabalho não tem nenhuma ingerência nas CCPs, o TST
hoje só pode exercer uma pressão política. O governo, porém, com suas
prerrogativas, pode fazer mais, encaminhando ao Congresso um novo projeto de
lei para a instalação de novas comissões, com a retomada da idéia original, que
foi deturpada no Legislativo.
As comissões de conciliação não têm relação com a jurisdição do Estado
exercida pela Justiça do Trabalho. Elas constituem uma nova forma de jurisdição
extrajudicial. Assim, acredito que, se fosse retomado o projeto original que os
ministros do TST imaginaram, sem dúvida nenhuma seria uma boa forma de ajudar
na solução dos conflitos trabalhistas. Se isso não for possível, é preferível
extinguir as comissões.
A moralização das conciliações prévias não interessa apenas aos
trabalhadores. As atuais também acarretam prejuízos para a União. A Justiça do
Trabalho arrecada, anualmente, aproximadamente R$ 700 milhões ou mais para a
Previdência Social, e mais um punhado de reais para o Imposto de Renda. Essas
comissões não arrecadam nada. Os descontos devidos estão sendo sonegados.
Há também que registrar outra distorção nas Comissões de Conciliação
Prévia, que é o fato de as empresas encaminharem todas as rescisões contratuais
de trabalho para serem homologadas. A lei não deu às comissões o poder de
homologar rescisões contratuais; no entanto elas estão usurpando esse poder
conferido aos sindicatos e às Delegacias Regionais do Trabalho, valendo-se,
também, da eficácia liberatória, que impede que o trabalhador vá à Justiça.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por todo o seu envolvimento
com a causa dos trabalhadores, tem obrigação moral de tomar uma providência de
ordem prática e eficiente para acabar com as graves irregularidades que
continuam ocorrendo na atuação das CCPs e que acarretam enormes prejuízos às já
precárias relações trabalhistas no Brasil.
Artigo transcrito da Folha de S.Paulo
Revista Consultor Jurídico, 27 de outubro de 2003.