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PORNOGRAFIA INFANTIL NA INTERNET,
REDUNDÂNCIA LEGISLATIVA!
*Alexandre Jean Daoun
Inicialmente,
cumpre esclarecer que muitos se referem à pornografia infantil como pedofilia.
Isso é um erro. Pornografia infantil é crime; já pedofilia é a qualidade ou
sentimento de pedófilo (derivada do grego paidóphilos e que
significa aquele que gosta de crianças,
na forma mais ampla da expressão).
Ainda
no campo da nomenclatura, especialistas, ponderam que pedofilia pode ser
entendida como anomalia, implicando em inimputabilidade ou semi-imputabilidade
do agente[1].
Sob
todos os aspectos, os números que envolvem internet, são crescentes.
Cresce
o número de usuários, cresce o número de pessoas que praticam comércio
eletrônico e crescem os investimentos na internet em geral.
De
outra parte, cresce, de forma avassaladora, o número de notícias e ocorrências
referentes à divulgação de fotos pornográficas envolvendo crianças e jovens na
internet.
Desde
que o mundo é mundo, a libertinagem ligada à infância e juventude sempre
existiu.
Na
história antiga, seja nas peripécias libidinosas do Grande Rei persa, Dario II
(por volta do ano 320 a.c.) com seus jovens pajens, seja nas belíssimas
pinturas em que artistas gregos expressavam hábitos e costumes da época, sem
que houvesse sequer reprimenda moral, já se tinha notícia do envolvimento de
jovens e crianças em festins licenciosos e orgias.
A
pornografia, por exemplo, ou até a mera representação da sexualidade e do nu de
,jovens e adultos, rigidamente regulamentadas pelas nossas autoridades, parecem
não ter incomodado minimamente os antigos atenienses. Justamente nesse período,
a pintura em cerâmica mostra-nos cenas de simpósio[2]
muito ousadas, com práticas sexuais e explícitas e extremas.
No
transcorrer da história, seja no Império Romano, nos Feudos ou na Colonização
das Américas, a exploração ligada à infância e a juventude, mesmo que em menor
intensidade, de alguma forma esteve presente.
Com
o advento da internet e as facilidades carreadas pela rede, tem-se a impressão
que o dragão adormecido, acordou e com seu fogo usa maldade no ambiente
virtual.
“A
internet é um terreno abandonado para os pedófilos. Eles não precisam sair de
casa para ir ao parque mais próximo: sentem-se anônimos, podem manter seus
contatos com outras pessoas igualmente perversas e conversar com crianças sem
problemas”, lamentou Nigel Willians, diretor do Childnet International,
uma organização não governamental (ONG) britânica.[3]
Essa
facilidade propiciada pela via informática, qual seja, a ocultação da
identidade, deflagra, ainda, os desvalores de uma sociedade deficitária em
padrões éticos e morais (são milhares de simpatizantes, que, por hobby e para
satisfação de sentimentos menos nobres ou até para dar vasão a sensações primitivas
visitam sites com este teor, pois não há necessidade da atuação de mecanismos
inibitórios, já que o usuário sente-se escudado pelo anonimato).
O
tráfego de imagens contendo pornografia infanto-juvenil na web,
constitui verdadeira teia inexpugnável. É a rede dentro da rede, podendo ser
equiparada, inclusive, à outra igualmente abominável: rede internacional de
drogas.
Agências
internacionais noticiam a prática da conduta execrável. Sabe-se que existe na
Europa uma quadrilha que já propagou mais de três mil fotos contendo cenas
pornográficas envolvendo crianças com menos de três anos de idade.
Da
mesma forma que houve a progressiva prática da pornografia infantil na rede
mundial de computadores, aumentou também a mobilização para o repúdio e combate
à mórbida prática.
A
home page www.abusi.it, com chancela da Unicef, tem por escopo receber
denúncias e concentrar informações a fim de combater a pornografia
infanto-juvenil.
Em
janeiro de 1999, mais de 300 especialistas ligados à proteção do menor e meios
de comunicações se uniram na sede da UNESCO em Paris para estudar meios de
combate à pornografia e a pedofilia na internet, [4]
emitindo uma declaração específica sobre o assunto.
O
www.ultimosegundo.com.br,
em 28/11/01, noticiou que, em conjunto com outros países, a Grã Bretanha por
intermédio do Esquadrão Nacional Criminal (NSC), monitorou usuários de 30
(trinta) sites da internet que ofereciam pornografia infantil. “Forças
policiais de todo o mundo detiveram mais de 130 pessoas na quarta feira em uma
operação inédita contra a pornografia infantil, afirmou a polícia britânica.”
Na mesma notícia: “Vi imagens horripilantes, que vão de bebês sofrendo abuso
sexual por homens a fotos de adolescentes nus fazendo poses – chefe da
investigação Peter West”.
No
Brasil, a chamada Operação Catedral, realizada no Rio de Janeiro, exitosamente
apreendeu vasto material e prendeu criminosos.
A
legislação pátria penal prevê punição rígida para a pornografia infantil.
O
artigo 241 do E.C.A. (Estatuto da Criança e do Adolescente) reza que é crime
“fotografar ou publicar cenas de sexo explícito ou pornográfica
envolvendo crianças e adolescentes”
estabelecendo pena de reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Desde
setembro de 1998, o STF apontou que o referido artigo tem aplicação para atos
perpetrados pela internet: o crime previsto no art. 241 da Lei nº 8.069/90 é
norma aberta, caracterizando-se pela simples publicação, seja qual for o meio
utilizado, de cenas de sexo explícito ou pornográficas que envolvam crianças ou
adolescentes que insiram fotos de sexo infantil e juvenil em rede BBS/Internet
de computador, sendo irrelevante a circunstância de o acesso reclamar senha
fornecida aos que nela integrem. [5]
Analisando
o tipo penal, verificamos que a simples conduta de publicar caracteriza o
crime. Independendo do número de visitas ou ainda mesmo que ninguém tenha
acessado o site que disponibilizou o material, o delito está
caracterizado.
Segundo
Nélson Hungria, publicar significa tornar público, permitir o acesso ao
público, no sentido de conjunto de pessoas, pouco importando o processo de
publicação.[6]
Todavia,
por mais repugnante que possa parecer, o envio de um e-mail contendo
material infanto-juvenil pornográfico, com destinatário(s) definido(s) e pouco
importando a quantidade dos destinatários, não constitui fato típico.
Ponto
crucial a ser observado pelo julgador penal, refere-se à identidade da vítima.
Em se tratando de cenas envolvendo jovens ou crianças, com base unicamente na
foto não será possível concluir com a certeza, necessária à condenação, a idade
da jovem vítima retratada, ou seja, se possui 16, 17 ou mais de 18 anos. Em que
pese o dolo eventual ser admitido, muitas vezes o conhecimento da identidade da
vítima torna-se essencial.
Outra
questão de grande relevância a ser discutida, é a chamada ‘inflação
legislativa’, a normatização excessiva, ou seja, o ‘legislar sobre o já
legislado’.
A
legislação existente e o alerta do Judiciário em brilhantes decisões sobre a
pornografia infanto-juvenil não fazem eco no Congresso Nacional, onde tramitam
vários projetos de Lei sobre o assunto.
A
conduta criminosa já está definida em nossa legislação penal em vigor. A
internet é apenas uma ferramenta para o cometimento do crime. Explicitamente,
nossos tribunais superiores já reconheceram a pornografia infantil como crime,
independentemente do instrumento de que o agente se vale para cometê-lo.
________________________________________________________
* Alexandre Jean Daoun, advogado em São Paulo; pós-graduado em direito processual penal; coordenador do site jurídico: www.advogadocriminalista.com.br
[1]
Sobre o assunto, Flávia Rahal e Roberto Soares
Garcia in Crimes e Internet – Breves notas aos Crimes Praticados por
meio da rede mundial e outras Considerações; Boletim IBCCrim, nº 110 – janeiro
2002 p.8: “É preciso estabelecer ser um equívoco chamar pornografia infantil ou
juvenil de pedofilia, já que esta é uma doença que leva os seus portadores a serem considerados, em
seara penal, semi-imputáveis ou inimputáveis (cf. art.26 do Código Penal), é
este o entendimento.”
[2]
Na Atenas antiga, a palavra simpósio nada mais
significava do que “beber juntos”, mas indicava uma espécie de drinking
party de cunho exclusivamente masculino; como apontou Valério Máximo
Manfredi in, Akropolis, a grande epopéia de Atenas/ tradução de Mário
Fondelli. – Rio de Janeiro: Rocco, 2001. p.42.
[3] http://www.direitonaweb/dweb.asp?ctd=771&ccd=8
[4] ARAÚJO DE CASTRO, Carla Rodrigues. Crimes de
informática. Ed. Lúmen júris. RJ. 2000. p. 179.
[5] HC nº 76.689-0/PB, 1ª turma, j.22.09.98, DJU 06.11.98, RT 760/519.
[6]
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. R.J.. ed. Forense. 1958. p.340