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Sentença por processamento eletrônico
PEDRO MADALENA e ÁLVARO BORGES DE OLIVEIRA
Em
parceria compusemos artigo intitulado “O Judiciário e os Sistemas
Informatizados”. Nele procuramos demonstrar a possibilidade do uso, pelo
Judiciário, de sistemas que utilizam técnicas de IA, de modo que o
gerenciamento das informações pertinentes aos procedimentos judiciais, dispense
a maioria das tarefas manuais e intelectuais dos juízes e de seus auxiliares.
Nesse trabalho deixamos consignado: “Encerrada a audiência, o juiz, no mesmo
instante ou após, em gabinete, julgaria a ação de embargos, utilizando o modelo
de sentença previamente previsto para o caso no sistema que sempre aproveitaria
os dados então existentes (sem repetir digitação), principalmente para a
composição do relatório”. Acerca desse importante ato jurisdicional – sentença
- é que retornamos ao assunto da informatização dos serviços judiciários. Hoje
a informática dispõe de técnicas de programação que ajudam o ser humano em
tarefas nas quais se requer “inteligência”. Neste paper nos propomos a mostrar
a aplicação de um sistema especialista (software) que, já contendo o
conhecimento de um especialista humano, pode inferir respostas a questões
levantadas dividindo o processo através de uma interação com outro
especialista. Sabe-se que as ações propostas em juízo dependem de importante
ato privativo de responsabilidade do magistrado, que nós o conhecemos como
sentença. No cível, por exemplo, ao que parece as ações de maior volume
estatístico estão relacionadas com a execução por quantia certa contra devedor
solvente, decorrentes de títulos executivos judiciais e extrajudiciais, e
talvez grande parte não apresente temas intricados. De que modo o juiz pode
atender essa demanda de forma rápida e eficiente, a fim de dedicar-se ao exame,
estudo e julgamento de outras causas que envolvam questões complexas?
Entendemos que o auxílio jurídico deva resultar da combinação da informática
com o assessoramento humano. Como poderia o magistrado obter os necessários
subsídios do computador para proferir sentenças, além do simples manuseio do
editor de texto? Tentaremos, sem ingressar nos meandros da análise e
programação, expor caso prático em que o magistrado pudesse praticar o
principal ato jurisdicional – julgamento/sentença – com auxilio de um sistema
especialista. Simulemos a hipótese da execução de título executivo
extrajudicial com base em duplicata, seguida de embargos do devedor opostos
após regular formalização da garantia de juízo. Como é sabido, são duas ações
que tramitam apensas entre si. Para essa hipótese, o sistema estaria composto
de regras empíricas baseadas na experiência de um ou mais especialista
consultado, nesse caso um juiz com vasta experiência no assunto. Desta forma o
relatório da sentença a ser processada na ação de embargos do devedor seria
gerado automaticamente. Restritivamente à hipótese enfocada, quando o
magistrado aciona o menu sentença/execução/duplicata, abre-se um questionário
(a título de ilustração) contendo mais ou menos os seguintes quesitos:
1. o caso comporta julgamento antecipado da lide? sim/não;
2. proferir sentença homologatória do acordo celebrado em termo à parte?
sim/não;
3. a duplicata está aceita? sim/não/não questionado;
4. foi protestada? sim/não/não questionado;
4.1 – embora protestada, existe prova do envio do título ao sacado que
indevidamente o reteve? sim/não/não questionado;
5. há prova documental da entrega da mercadoria? sim/não/não questionado;
6. há prova documental de que no prazo de dez dias (art. 211 do C.Comercial) o
sacado devolveu ou colocou à disposição do sacador a mercadoria apontada como
defeituosa? sim/não/não questionado;
6.1 - existe prova pericial, documental ou oral comprovando satisfatoriamente
defeito da mercadoria? sim/não/não questionado;
6.2 - existe valor a ser abatido do quantum debeatur? sim/não questionado;
6.3 - R$;
7. existe prova documental convincente de pagamento total do título?
sim/não/não questionado;
8. existe prova documental convincente de pagamento parcial do título?
sim/não/não questionado;
9. R$;
10. há prova suficiente do executado ser parte ilegítima? sim/não/não
questionado;
10.1 - e quanto ao exeqüente? sim/não/não questionado;
11. a ação executória está prescrita (art.18 da LD)? sim/não/não questionado;
12. existe documento comprobatório de que o vencimento originário do título
tenha sido alterado para data superior à do dia do ajuizamento da execução?
sim/não/não questionado;
13. honorários integrais por conta do d/c;
13.1 - fixados em ___ % sobre o valor de R$;
13.2 - em quantia certa fixada em R$;
13.3 - proporcionais por conta do devedor;
13.4 - fixados em ____% sobre o valor de R$;
13.5 - em quantia certa fixada em R$;
13.6 - proporcionais por conta do credor;
13.7 - fixados em ____% sobre o valor de R$;
13.8 – em quantia certa fixada em R$;
14. o devedor deve pagar juros? sim/não;
14.1 - % sobre R$..., no período de v até x;
15. o devedor deve pagar correção monetária? sim/não;
15.1 - pelo índice adotado pelo TJ, sobre R$..., no período de y até z;
16. custas integrais por conta do d/c;
16.1 - proporcionais por conta do devedor;
16.2 - fixadas em ____% sobre o valor de R$;
16.3 - em quantia certa fixada em R$;
16.4 - proporcionais por conta do credor;
16.5 - fixadas em ____% sobre o valor de R$;
16.6 - em quantia certa fixada em R$.
Digamos que num determinado caso de duplicata no valor de R$ 7.800,00 (sete mil
e oitocentos reais), o embargante/executado alegue pagamento parcial da dívida
por meio de recibo no valor de R$ 3.200,00 (três mil e duzentos reais), no qual
há referência de quitação parcial da duplicata objeto da execução, e de que o
saldo remanescente deve ser pago em data certa posterior a do vencimento
originário do título, tudo mediante assinatura de agente da firma
embargada/exeqüente.
Diante dessas alegações e das provas colhidas no processo físico ou eletrônico,
o julgador responderia o referido questionário mais ou menos assim:
1. sim; obs.: com o não, o processo voltaria ao cartório para marcação de data
para audiência de instrução e julgamento;
2. não; obs.: esta resposta é dada automaticamente pelo sistema quando a
proposta de conciliação for inexitosa;
3. não questionado;
4. não questionado;
4.1 – não questionado;
5. não questionado;
6. não questionado
6.1 - não questionado; obs.: a) com resposta sim ao item 6, é preciso saber da
existência ou não de prova satisfatória relacionada com defeito de mercadoria;
b) com o sim, eventual possibilidade de abatimento do valor fará parte de
resposta ao quesito 6.2; c) com o não, significa que é inviável o abatimento de
preço;
6.2 - não questionado; obs.: o sim conduz o julgador a responder o quesito
imediato;
6.3 - não questionado; obs.: a) com a resposta sim ao quesito anterior, o
sistema mantém a pergunta do questionário para que seja apontado o valor do
quantum debeatur; b) com o não, o sistema responde com a expressão
“prejudicado”;
7. não;
8. sim;
9. R$ 3.200,00 (três mil e duzentos reais);
10. não questionado; obs.: com o sim ou o não é preciso o julgador fundamentar
com texto próprio a sua convicção com base na prova produzida;
10.1 - não questionado; obs.: com o sim ou o não é preciso o julgador
fundamentar com texto próprio a sua convicção com base na prova produzida;
11. não questionado; obs.: com o sim, o sistema procura no cadastro do título
qual a data apontada como de seu vencimento para automaticamente processar a
sentença;
12. sim;
13. c;
13.1 - fixados em 20% sobre o valor de R$ 7.800,00 (sete mil e oitocentos
reais);
13.2 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
13.3 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
13.4 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
13.5 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
13.6 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
13.7 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
13.8 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
14. não;
14.1 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
14. - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
14.1 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
15. c;
16.1 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado” (em função
da resposta dada ao quesito 14);
16.2 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
16.3 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
16.4 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
16.5 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”;
16.6 - obs.: o sistema responde automaticamente como “prejudicado”.
A sentença seria processada pelo sistema especialista baseada nas respostas do
julgador e apresentaria certa redação, que neste trabalho, por brevidade,
estaria reduzida aos seguintes termos:
Vistos, etc... “A” propôs contra “B” neste juízo ação de execução por quantia
certa contra devedor solvente, no valor de R$ 7.800,00 (sete mil e oitocentos
reais). A inicial veio acompanhada da prova documental de envio do título ao
sacado para fins de aceite ou pagamento, da memória do cálculo, do instrumento
de protesto, da cópia da fatura, do comprovante de entrega da mercadoria, do
instrumento procuratório e da guia de recolhimento das custas judiciais
prévias. Após a prestação de regular garantia de juízo, o executado se opôs,
tempestivamente, com embargos do devedor, reagindo à pretensão do credor,
argumentando pagamento parcial da dívida e inexigibilidade do saldo
remanescente por ocasião da propositura do processo executório. Embargos não
impugnados. Assim relatado, decido. A execução se funda em duplicata, que é
título executivo extrajudicial consoante o disposto no artigo 585, I, do CPC.
Há garantia de juízo e os embargos foram propostos tempestivamente (arts.737/8
do CPC). O caso comporta julgamento antecipado da lide (art.330 do CPC), nesta
audiência de conciliação (art.331 do CPC) em que não compareceu representante
da embargada/exeqüente e nem seu procurador, embora previamente cientificados.
O embargante/executado produziu prova documental convincente de que do total da
duplicata de R$ 7.800,00 (sete mil e oitocentos reais), pagou parte no valor de
R$ 3.200,00 (três mil e duzentos reais), cujo saldo remanescente de R$ 4.600,00
(quatro mil e seiscentos reais) ficou de ser liquidado em data posterior àquela
originária do vencimento da duplicata. Com efeito, quando do aforamento da
execução, a quantia de R$ 4.600,00 (quatro mil e seiscentos reais) ainda não
era exigível. Ante o exposto, julgo procedentes os embargos ofertados por “B”
contra “A”, e reconheço como quitado o valor do título executivo extrajudicial,
o montante de R$ 3.200,00 (três mil e duzentos reais), nada impedindo que o
exeqüente reclame por via de outra ação, querendo o saldo remanescente de R$
4.600,00 (quatro mil e seiscentos reais). Condeno o embargado/exeqüente a pagar
honorários advocatícios na base de 20% sobre o valor de R$ 7.800,00 (sete mil e
oitocentos reais), como remuneração profissional para ambas as ações – execução
e embargos. Custas integrais pelo embargado/exeqüente. Transitada esta em
julgado, expeça-se mandado liberatório da penhora.
Como poderiam essas respostas tão sucintas proporcionar a composição do texto
completo de sentença? Cada quesito corresponde a um ou mais textos fragmentados
dentro do sistema. O conjunto de respostas e das suas combinações, em função do
Sistema Especialista, forma entre si o juízo técnico-jurídico humano
adredemente lançado na base de conhecimento, e com isso gera então o texto
completo do julgamento, exibindo relatório, motivação e parte dispositiva. Por
exemplo, caso o julgador respondesse aos questionários assim: não para o
quesito 3, sim para quesito 4, e não para quesito 5, o sistema informaria ao
usuário a falta do requisito certeza de que trata o caput do artigo 586 do CPC,
e conseqüentemente, geraria sentença fulminando de plano o processo de
execução, por via dos embargos do devedor, porquanto a falta de apenas um
daqueles requisitos, liquidez, certeza e exigibilidade, o processo de execução
forçada não pode prosperar. E diante desse resultado, a boa técnica
jurídico-administrativa estaria a aconselhar ao magistrado para deixar de
investigar outros temas argumentados no mesmo processo, eis que não está
obrigado a responder a todas as questões enfrentadas pelas partes, quando
apenas uma delas, eventualmente, define a quaestio juris. Apresentado pelo
sistema a redação da sentença processada eletronicamente, o julgador faz a
revisão, correção, aditamento ou supressão de texto, quando necessário. Ao
final do questionário, é conveniente que haja remissão ou até transcrição de
textos legais, doutrinários e jurisprudenciais, escolhidos pelos técnicos
planejadores, dentre os mais recentes e modernos entendimentos jurídicos.
Inclusive, tudo isto pode vir acompanhando o sistema de forma a permitir
consultas através de palavras ou expressões “chaves”. O questionário pode ser
respondido por assessor jurídico do magistrado. Gerado automaticamente o texto
da sentença, o magistrado, após revisá-lo, criptografaria o decisum, sendo que
qualquer alteração dependeria de obediência ao disposto no artigo 463 do CPC.
Para a completa celeridade da produção de sentença, é recomendável que esta não
contenha repetidas referências doutrinárias e jurisprudenciais, mas que espelhe
única e resumidamente a convicção do julgador. Em virtude do assustador aumento
de demandas judiciais no país, esse ato, que sempre foi tradição em algumas
vezes por constituir verdadeiro “monumento jurídico”, nos dias modernos não
mais se presta para isso, ante a existência de outros instrumentos para a
divulgação do progresso da inteligência jurídica nacional. Caso queira
apresentar contribuições literárias, o faça em salas de aula e de conferências,
ou em livros e revistas, o que por certo sensibilizará alunos, magistrados,
juristas, doutrinadores, pesquisadores e legisladores sobre novas descobertas
ou relevantes afirmações jurídicas. O questionário em referência, quanto mais
completo for, tanto mais servirá às sentenças sobre questões que se mostrem
rotineiras em processo de execução de duplicatas. Outros questionários, com mais
ou menos aqueles quesitos, servirão para situações de execução dos demais
títulos executivos. O trabalho de análise e programação depende de astúcia,
vontade de trabalhar, dedicação exclusiva, expressiva sabedoria em Direito
Processual e em Ciência da Computação. O empreendimento, em seu primeiro
estágio, realmente é penoso, porém depois de concluído e atualizado diante da
mutação do Ordenamento Jurídico, em muito contribuirá para a economia do
serviço forense, que está a depender de fundamental reforma, sob pena de
concretizar-se a médio ou a longo prazo a falência da administração dos
cartórios judiciais.
Encerrando, é de se perguntar qual a vantagem do novo sistema para a composição
de sentença, conforme aqui apresentado, em relação ao tradicional usado pelos
magistrados? O leitor poderá tirar suas próprias conclusões após a leitura do
seguinte:
I – Sistema tradicional
a) o julgador lê, examina e estuda o conteúdo do processo;
b) conforme o caso, terá que ir em busca de subsídios jurídicos, em livros,
revistas e em programas especiais informatizados (banco de dados);
c) após, ingressa na fase de convicção e decisão;
d) em seguida, passa a compor a sentença, mediante a digitação do texto;
e) ou quando não, dita os termos ao seu auxiliar-digitador;
f) finalmente, faz a revisão do texto, dá o comando à impressora e assina a
sentença;
g) esse trabalho pode durar horas ou dias, e sempre estará sujeito à omissão de
certos aspectos formais da sentença, exatamente pela falta de um bom modelo
planejado.
II – Sistema eletrônico
II-1 – trabalho do assessor jurídico (servidor depositário de alta
responsabilidade funcional)
a) lê, examina e estuda detidamente o contido no processo;
b) em seguida, no computador, entra no sistema (menu adequado para o caso sub
judice, por exemplo, sentença/execução/duplicata);
c) passa a responder ao questionário exibido pelo sistema;
d) dá o comando para a geração da sentença que aparecerá no vídeo ou no papel
extraído da impressora;
e) após, faz o confronto entre o texto e as respostas dadas;
f) finalmente, faz a revisão e correção de todo o texto, que é deixado
disponível ao julgador;
II-2 – trabalho do juiz togado
a) o juiz faz a leitura rápida do contido no processo;
b) extrai conclusões acerca dos temas enfrentados pelas partes;
c) lê o texto da sentença gerada pelo sistema;
d) olha os subsídios jurídicos apontados no rodapé do questionário;
e) após, ingressa na fase de convicção e decisão;
f) confirma ou não a sentença que lhe foi proposta pelo sistema ou programa;
g) pode ainda fazer revisão, correção e inserção no texto;
h) finalmente, num caminho aberto por senha especial, salva a sentença dentro
do sistema, de onde o próprio juiz e os usuários poderão apenas ler ou copiar
por via intranet ou internet.
É um projeto que colocamos à reflexão dos operadores do Direito.
Para quem sentir que a nossa proposição é inviável, impraticável, impossível ou
até excessivamente ousada, talvez deva refletir melhor após a leitura do artigo
Aspectos da Inteligência Artificial Jurídica, de autoria de Maria Francisca
Carneiro, Professora de Metodologia do Trabalho Científico (UFPR), Bacharel em
Filosofia, Mestre em Educação pela PUC/PR, Doutora em Direito pela UFPR e
Advogada (in Boletim Informativo n° 400, de 10.02.2000, do Instituto de
Pesquisas Jurídicas Bonijuris, de Curitiba/PR).
* Artigo cedido pela Editora Dey Rey
PEDRO
MADALENA - ÁLVARO BORGES DE OLIVEIRA
Pedro
Madalena - Juiz de Direito aposentado e Advogado/SC M.Eng.
Álvaro Borges de Oliveira - M.Eng. - Professor Adjunto da UNIVALI -
Doutorando da UFSC
http://www.jur.com.br