Tecnologia com alma
Andrea Ramal
Com
efeito, as relações interpessoais estão se modificando, e o elemento técnico já
é constitutivo da nova identidade humana.
Entretanto,
por um certo prisma, nunca fomos tão humanos. Antes, nas empresas em que a
informação digital não circulava permanentemente e não era necessário renovar
os conhecimentos a todo instante, havia funções cristalizadas - chefes que
detinham o poder e empregados que obedeciam cumprindo rigorosamente seus
papéis. Hoje, as empresas crescem na proporção em que são capazes de criar
novas redes de conhecimento entre funcionários e parceiros, e muitas o fazem
através de ambientes tecnológicos.
Isso
exige mobilidade, troca, diálogo. Faz rever paradigmas e conceitos. Os projetos
são assumidos por equipes multidisciplinares, que precisam negociar com olhares
diversos sobre o mesmo foco. Trabalhar é marcar presença com sua identidade, é
ser capaz de aprender e gerar mudanças. Tende a desaparecer o
trabalho-dependência do outro para surgir o trabalho-complementar ao do outro,
que integra e associa competências.
Nas
instituições educacionais, não se sustenta mais o sistema de ensino do
professor-transmissor que apresenta os mesmos conteúdos para turmas com alunos
tão diversos, e depois aplica uma única prova, como se os percursos fossem
idênticos.
Um novo
modelo pedagógico é exigido pela era da interatividade, das múltiplas janelas
abertas do zapping e da hipertextualidade, que torna as cabeças mais capazes de
lidar com várias situações em tempos diversos, que exige que se respeitem os
ritmos e os percursos individuais de navegação, que promove a criação de teias
curriculares e redes de aprendizagem cooperativa.
Tudo
isso desafia as salas de aula a criarem novos sistemas de relacionamento
interpessoal, nos quais professores e alunos são pesquisadores que aprendem em
colaboração em processos novos e criativos.
Os
estudantes que navegam pela rede aprendem a transitar num mundo onde há visões
e culturas diversas que são convidadas a produzir conhecimento coletivamente,
que trazem novos desafios éticos e novas questões sociais. Tende a desaparecer
o ensino-recepção da escuta do outro, para surgir a aprendizagem-com o outro,
na qual o estudante é um indivíduo com desejos e interesses, e interage com os
demais em processos flexíveis e dinâmicos.
Algo
semelhante vale até para as amizades, que alargam horizontes no mundo virtual -
hoje interagimos com amigos que sequer conhecemos pessoalmente, mas com quem
trocamos idéias e sentimentos. Alguns chegam aos 'ircontros' - encontros reais
com quem se conheceu no mundo virtual. Nos cursos mediados pelo computador, há
espaços nas ferramentas destinados exclusivamente à interação pessoal: ao
contrário do que ocorre nas salas de aula presenciais, os alunos têm
necessidade de se envolver, de partilhar suas impressões e suas histórias de
vida. A alta taxa de evasão em cursos à distância que não investem na criação
do conceito de comunidade comprova que só é possível aprender e envolver-se na
aprendizagem quando existe essa relação interpessoal.
A
palavra-chave deste momento é o link. 'Laço', em português. Laços entre
sujeitos que só podem entrar na roda, na rede, quando assumem o próprio papel e
ganham lugar no mundo, mostrando sua cara. Mais autônomos e também mais capazes
de ser com o outro. Possivelmente, mais seguros. Certamente, mais felizes. A
tecnologia, o hipertextual, apenas materializa, com seus links, o que já
estamos fazendo: tornando-nos protagonistas da navegação no mundo e
estabelecendo laços entre conhecimentos e pessoas.
Não
queremos nos tornar seres plugados em monitores; justamente por isso, parece
que estamos buscando maior qualidade ou, pelo menos, alternativas humanizadoras
para nossas relações.
Os
relacionamentos são agora mais complexos, devido à grande rede de pessoas com
quem nos comunicamos. O conceito de comunidade muda: de um bairro ou de uma
cidade, ampliamos o horizonte do local para o global. A tecnologia promove a
criação de uma espécie de interdependência social.
O
próximo passo: valer-nos da tecnologia para construir laços enquanto cidadãos,
para que estas identidades também ganhem espaço no jogo social, no qual ainda
prevalece a relação bipolar obsoleta das sociedades da era industrial, onde
poucos possuem o saber, o capital e o poder.
É
preciso concretizar o link na vida cidadã para associar competências, estender
o diálogo, garantir o espaço do povo através desse vasto mundo cibernético de
poder disseminado que se parece muito mais com a democracia. Essa é uma das
formas de utilização da Web ainda por explorar: seu enorme potencial
subversivo, contra a corrente da robotização.
É que
queremos mais do que simplesmente tecnologia: buscamos um universo digital para
servir melhor a essas pessoas que, através dos links, dos hipertextos e das
redes, expressam e acalentam um único desejo: ser plenamente pessoas, com toda
a humanidade que lhes foi destinada.
Andrea Ramal
Doutora em
educação pela PUC/Rio.
Retirado
de:
www.direito.adv.br