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A Influência da Informática nos
Direitos Individual e Processual do Trabalho 
Ricardo Georges Affonso Miguel(*)

 

INTRODUÇÃO:

 

                        Sensíveis às modificações que a utilização da internet e a informática de uma maneira geral vêm impondo ao direito do trabalho, vislumbramos a possibilidade de, assim como outros juristas, discutirmos algumas questões que entendemos serem de relevância para o cotidiano justrabalhista.

                        Com efeito, temos percebido que a grande maioria dos especialistas no ramo tem tratado a matéria mais à luz da intimidade e privacidade do empregado quanto ao e-mail. Porém, percebemos a necessidade de trazer à baila a questão relativa ao surgimento ou não de legislação específica, bem como as outras influências nos institutos de Direito do Trabalho e, ainda, no campo processual, o impacto nas provas a serem produzidas.

                        Baseados em diversos artigos que estão sendo escritos e na experiência adquirida na magistratura trabalhista, sem a pretensão de esgotar o assunto e recorrendo aos ensinamentos clássicos do Direito do Trabalho, esperamos contribuir para uma evolução desse ramo do direito, uma vez que, plagiando Georges Ripert, “o direito não deve ignorar a realidade. Quando o direito ignora a realidade esta se vinga e ignora aquele”.

 

EFICIÊNCIA, RISCO E INFLUÊNCIA DAS INOVAÇÕES – NECESSIDADE DE LEGISLAÇÃO:

 

                        Sem sombra de dúvida, o grande avanço que a internet e a informática trazem para o ambiente de trabalho é a maior velocidade nas comunicações aliada a redução de custos, seja pelo fator tempo, seja pelo fator espaço, já que uma das mais difundidas matérias em discussão pertinente ao assunto que aqui tratamos é o teletrabalho.

                        Assim sendo, tem-se percebido que as empresas que acompanharam a evolução dos meios de comunicação e trabalho têm hoje a possibilidade de reduzir espaços, pois não necessitam de grandes escritórios, já que os empregados podem trabalhar a distância. Isso implica em economia com todos os encargos relacionados aos imóveis, vale dizer, aluguel, condomínio, IPTU, luz, e outras despesas com mobiliário. Ademais, como não há locomoção do empregado, que pode trabalhar em casa, não há que se falar em concessão de vale-transporte e vale-refeição, em que pese este último não seja obrigatório.

                        Por outro lado, o barateamento dos custos de contatos telefônicos e a impessoalidade de comunicação por e-mail frente às ligações telefônicas convencionais é uma realidade, principalmente porque escreve-se e envia-se uma mensagem muito mais rápido que uma conversa ao telefone, pois esta enseja o contato pessoal tradicional inerente principalmente aos povos latinos.

                        Para o empregado também se verificam vantagens. Horários de trabalho sem rigidez, maior tempo com a família e no convívio social, além de fomentar o aumento da oferta de empregos em razão da redução de custos.

                        Desta maneira, é fácil concluir o porquê de tanto investimento na área da informática e a razão de tamanha influência no Direito do Trabalho. É lógico que esta não é uma relação de consumo, mas é um dos pilares de base na nossa economia.

                        De outro lado, concomitantemente com os avanços inegáveis que a informática impõe ao trabalho, surge o risco da sublimação da subordinação,  constitui um dos principais, senão o principal, requisito caracterizador do vínculo de emprego nos termos do artigo 3o. da CLT.

                        Tudo o que acima descrevemos como melhoria tecnológica faz com que o empregado passe a trabalhar mais longe do ambiente físico da empresa, vale dizer, longe dos olhos fiscalizadores do patrão. Caem por terra, de certa maneira, métodos clássicos de representação da subordinação como a fiscalização de horário e produção, por exemplo.

                        As tradicionais características do empregado ficariam atenuadas, passando-se a um conceito muito mais próximo do empregado autônomo. Amauri Mascaro Nascimento, in Iniciação do Direito do Trabalho, ed. LTr, 28a. edição – São Paulo/2002, pág. 163, diz:

 

                        “Na teoria não é difícil estabelecer o elemento fundamental que distingue o empregado do trabalhador autônomo: a subordinação. Empregado é trabalhador subordinado. Autônomo trabalha sem subordinação. Essa é a idéia básica.” 

 

                        E mais adiante ensina o que utilizamos no raciocínio da dificuldade para caracterização da subordinação do ambiente “informático” de trabalho:

 

                        “O empregado é um subordinado porque ao se colocar nessa condição consentiu por contrato que seu trabalho seja dirigido por outrem, o empregador. Este pode dar ordens de serviço. Pode dizer ao empregado de que modo deverá trabalhar, o que deverá fazer, em que horário, em que local, etc.” (grifos nossos). (ob. Cit. Pág. 164).

 

                        De fato, na teoria não é tão difícil. Mas na prática, que é a necessidade diária de advogados e juízes, muitas vezes torna-se um tormento solucionar a controvérsia da existência da relação de emprego, pois o alto empregado também tem a sua subordinação atenuada, mas nem por isso deixa de haver relação de emprego entre ele e o patrão.

                        Concluímos, portanto, que a dificuldade de caracterização da subordinação do empregado que trabalha através da internet, ou mesmo apenas da informática, é um fator de sublimação da subordinação principalmente porque não podemos nos olvidar de lembrar que nada seria mais econômico para o empregador do que passar a dispor apenas de mão-de-obra autônoma, o que seguramente gera o desemprego.

                        Nesse sentido, cumpre lembrar o crescimento do trabalho informal, que ocorre hoje no Brasil de forma alarmante, e que poderá continuar a crescer de forma descontrolada com a utilização da informática. 

                        Também há outro requisito do artigo 3o. da CLT que fica atenuado com a informatização e contribui para os riscos de implantação desta no ambiente de trabalho. Trata-se da pessoalidade.

                        Mais uma vez Amauri Mascaro Nascimento (ob.cit. pág. 162) lembra que o empregado não pode fazer-se substituir sem a aquiescência do empregador. E José Augusto Rodrigues Pinto, in Curso de Direito Individual do Trabalho, editora LTr, 4a. edição, São Paulo – 2000, pág. 102, salienta o mesmo que Amauri acrescentando as conseqüências:

 

                        “E, sempre que houver tal substituição, formar-se-á entre o empregador e o substituto uma relação individual nova e distinta, ao mesmo tempo em que se suspenderá a execução da relação com o substituído porque, se a troca do prestador importar na extinção de seu contrato, já não se tratará de substituição de empregados e sim de sucessão de contratos.”

 

                        Pensamos nestas hipóteses porque aquele que trabalha remotamente, ou seja, de casa, em domicílio, através da informática, só poderá ser visto por web câmera ou em vídeo conferência. Todos esses meios deverão ter hora para acontecer. Logo, nada impedirá que o empregado esteja se utilizando da mão-de-obra de outro que estará a fazer o seu trabalho, o que atenua a pessoalidade. Pior: A extingue. 

                        Vamos então mais longe. Se o contrato de trabalho admite a forma tácita de contratação e a responsabilidade pela fiscalização da prestação de serviços é ônus do empregador, nada impedirá que posteriormente esse terceiro venha pretender o reconhecimento de relação de emprego.

                        Segundo Amauri (ob.cit. pág. 164), “subordinação e poder de direção são verso e reverso da mesma medalha.” De fato, não se pode entender perfeitamente um conceito sem o outro e ambos são fundamentais para a boa compreensão da influência da informática no Direito do Trabalho.

                        Octavio Bueno Magano (ABC do Direito do Trabalho, editora Revista dos Tribunais, 2a. edição, São Paulo – 2000, pág. 38), de forma resumida mas com muita propriedade, define o poder diretivo do empregador:

 

                        “O poder hierárquico do empregador corresponde à capacidade que lhe é atribuída de dirigir a prestação subordinada de serviço, subdividindo-se em poder diretivo strictu sensu, poder de fiscalização e poder disciplinar. 

                        O poder diretivo consiste na prerrogativa de determinar o conteúdo da prestação obrigacional; o de fiscalizar, na de acompanhar a atividade decorrente das ordens dadas e o disciplinar, na de impor punições, compreendendo advertências, suspensões e despedidas.”

                       

                        Portanto, tem-se que o poder diretivo do empregador, que para nós é um direito potestativo seu, subdivide-se em um conceito restritivo de direção e nos conceitos de fiscalização e de punição.

            Ao mesmo tempo em que essas definições doutrinárias nos servem para mostrar as questões relativas à relação de emprego propriamente dita, servem para a fundamentação de atitudes referentes a outros institutos do Direito do Trabalho. 

                        A jornada de trabalho, por exemplo: Assim como dissemos acima, há meios de o empregador controlar o horário de trabalho, se exigir que o empregado permaneça conectado na rede durante período previamente estipulado, ou se utilize de outras ferramentas. Mas não podemos nos esquecer da precariedade da comunicação e da possibilidade de falhas, o que torna frágil a fiscalização.

                        O empregado que trabalha longe da fiscalização e do ambiente normal, gerencia melhor seus horários. Porém, nada impedirá, também, que passe a adotar horário de trabalho nada ortodoxo e com isso labore em horário noturno pretendendo, então, além de possíveis horas extras, o adicional noturno.

                        Outro problema conhecido é o da autenticidade das comunicações via e-mail. Uma hipótese de aviso prévio, por exemplo. O superior hierárquico do empregado trabalha em outra localidade e todas as comunicações ocorrem pela rede. Um terceiro, em disputa por determinado cargo, sabendo a senha e código de acesso do chefe, aproveitando-se de uma eventual ausência deste, remete mensagem eletrônica dispensando o empregado e determinando que o mesmo aguarde em casa a comunicação para a homologação da dispensa. Este aquiesce em resposta e afasta-se do trabalho, resposta essa que é lida e excluída pelo empregado farsante. Dias depois, o empregado supostamente dispensado recebe comunicação de abandono de emprego. As mensagens não necessariamente são impressas. Todas as máquinas são de propriedade da empresa. Está instalada a discussão acerca da natureza da ruptura do pacto laboral, sendo certo que o empregador negará a dispensa...

                        É apenas uma hipótese a se discutir a natureza da comunicação eletrônica e sua validade.

                        Para o aspecto salarial também não faltam especulações a respeito. Diversos empregados recebem por comissão. É realidade que pode-se fazer compras diretamente pela internet e que essas são entregues em sua residência e muitas das vezes o preço do produto é menor do que na loja. Perguntamos: O incremento de vendas pela internet não implicaria em uma redução real da remuneração do empregado comissionista?! Afinal, ninguém intermedeia a venda realizada na forma remota.

                        Outra vertente no mesmo assunto seria a equiparação salarial. Tanto se discutiu acerca do conceito de mesma localidade do artigo 461 da CLT. Agora, com a internet, essas localidades ficaram muito próximas umas das outras. 

                        Mais questionamentos: Consistiria salário utilidade a concessão de computadores portáteis ao empregado? Como tratar a situação de aumento de doenças decorrentes de digitação ou lesões de esforço repetitivo? A concessão destas máquinas consistiria em condição favorável de trabalho sem a possibilidade de posteriormente serem retiradas? Seria alteração ilícita a mudança do local de trabalho em escritório para residência e depois o retorno à situação original? Como evitar que o empregador requisite o empregado nas férias? Uma mera pergunta por comunicação eletrônica consistiria em trabalho no período de férias? O trabalho conectado a rede, ainda que em ambiente residencial, gera o sobreaviso? O trabalho em domicílio com todos os meios de comunicação hoje disponíveis não afetaria o instituto da licença maternidade?! Como ficaria a legislação relativa ao acidente de trabalho?

                        Questão curiosa seria a aplicação do princípio da lex loci executionis do Enunciado 207 do TST: Quando o empregado reside em um país, a matriz do seu empregador fica em outro, seu trabalho é remoto e distribuído para todas as filiais da empresa, considerando, ainda, que a contratação tenha se dado em outro país. Qual seria a legislação a ser aplicada?

                        A legislação trabalhista veda o trabalho do menor, salvo na condição de aprendiz. Sabemos que são os menores e adolescentes que fazem melhor uso da informática. Vários dedicam-se e acabam transformando-se em verdadeiros experts na matéria. Admitindo a possibilidade de contratação via e-mail, assim como trabalho prestado da mesma forma, não seria difícil imaginar uma verdadeira fraude. O empregado, menor, faz-se passar-se por maior, frauda dados, e passa a desenvolver as atividades laborais normalmente até que um dia é descoberto. Como implementar a ruptura deste contrato que não tem a culpa do empregador envolvida, mas por outro lado este se beneficiou do trabalho do menor?

                        Enfim, estas e outras colocações que ainda abordaremos surgem quando tratamos da revolução provocada por meio de comunicação e trabalho tão inovador. As respostas para as perguntas acima não nos cabe dar neste trabalho. Temos o nosso posicionamento, mas somos sabedores que divergências existem.

                        A CLT dispõe de vasto material que pode ser utilizado para solucionar as controvérsias. Artigos 4o e 6o, por exemplo, tratam de tempo à disposição e trabalho em domicílio, nessa ordem. Os artigos 458 e 468 referem-se ao salário utilidade e à alteração contratual, respectivamente. A doutrina fala das ferramentas de trabalho; contudo, todo o assunto passa por terreno interpretativo e, conseqüentemente, movediço.

                        Desta maneira, caberá, por ora, à jurisprudência o fardo de solucionar as controvérsias daí advindas. Porém, preocupante é a possibilidade de decisões antagônicas em casos semelhantes. É a insegurança das relações jurídicas carentes de uma legislação específica. Tão melhor seria se esta fosse logo editada. Melhor do que o que vem ocorrendo. Periodicamente temos notícia de uma nova legislação referente à informática. Todavia, ainda não temos a integralidade e as soluções acabam sendo casuísticas. 

                        Segundo Cássio Mesquita Barros, o trabalho à distância não se encaixa perfeitamente no arcabouço jurídico trabalhista tradicional, afastando, assim, a tutela normal desse ramo do direito. Outrossim, sugere modificações para uma maior proteção dessa natureza de trabalho, porém não com a observância da legislação existente (Cássio Mesquita Barros, Teletrabalho – artigo publicado em Direito e Internet, Relações Jurídicas na sociedade informatizada – coordenação: Marco Aurélio Greco e Ives Gandra da Silva Martins, editora Revista dos Tribunais, São Paulo – 2001, pág.40).

                        Não concordamos totalmente com esta posição. É verdade que necessitamos de uma nova legislação, como defendemos neste trabalho. Porém, isso deverá acontecer dentro dos limites do Direito do Trabalho.

                        O que nos aflige é a mitigação do Direito do Trabalho. Como dissemos acima, a subordinação e a pessoalidade, além do poder diretivo do empregador, ficam atenuadas e às vezes tornam-se quase imperceptíveis. Passamos, então, a relações autônomas, sem grandes intervenções estatais, para o que nossa cultura não está preparada, tendo em vista que fomos colônia e nos acostumamos a sermos explorados. Necessitamos de alguém que defenda nossos interesses e esse alguém é o Estado através das regras específicas. Exemplificativamente em relação ao risco de redução de empregos para a economia autônoma temos a França, citada por Pinho Pedreira (O Teletrabalho. Artigo publicado na revista LTr. Vol. 64, no. 5, pág. 583, maio/2000):

 

                        “A França estimula o teletrabalho autônomo, o que está de acordo com o barateamento do custo de mão-de-obra para ganhar competitividade, determinante, entre outros, da adoção do teletrabalho. Assim, a Lei Madelin, de 11 de fevereiro de 1994, dando nova redação ao artigo 120-3 do Código do Trabalho, dispôs que o trabalhador que se houver inscrito como comerciante ou artesão, agente comercial, presumir-se-á não estar vinculado por um contrato de trabalho, na execução da atividade que deu lugar à matrícula. Cria-se, deste modo, uma inversão do ônus da prova, competindo ao teletrabalhador provar que existem no caso os caracteres da subordinação jurídica.

 

                        Note-se que o caminho lá imposto é o do incentivo à relação autônoma, justamente o nosso temor.

                       

A CORRESPONDÊNCIA ELETRÔNICA – ASPECTOS CONSTITUCIONAIS E TRABALHISTAS:

 

                        Até hoje a questão relativa à natureza jurídica da comunicação eletrônica – e-mail – não foi resolvida. Para uns a equiparação à correspondência comum, escrita, postal é viável. Para outros, que consideram seu conteúdo aberto, tratar-se-ia de cartão postal (Luiz Alberto de Vargas, artigo: Direito de Privacidade do Correio Eletrônico no Local de Trabalho: O debate nos Estados Unidos. Revista Trabalhista Direito e Processo – vol. I – Anamatra, ed. Forense – 2002). O que podemos dizer é que segundo a lei 6.538/78, que regula o serviço Postal no Brasil, e o disposto no artigo 21, X da CRFB acerca da exclusividade da União na exploração do serviço postal, não podemos comparar a correspondência eletrônica com a correspondência postal, escrita, convencional.

                        A discussão que paira refere-se ao fato de poder ou não o empregador fiscalizar as correspondências eletrônicas enviadas e recebidas pelos seus empregados.

                        Não é, como dissemos, nosso objetivo tratar especificamente da questão da privacidade e intimidade do empregado. Contudo, esse assunto tangencia o poder diretivo do empregador, o direito de resistência do empregado e gera efeitos no aspecto processual da produção de provas.

                        Em princípio, todo o material de trabalho utilizado pelo empregado é do empregador. É este quem fornece a máquina e programas para os trabalhos a serem desenvolvidos pelo empregado, bem como custeia todos os recursos de manutenção. Dessa forma, trata-se de ferramenta de trabalho.

                        A conta de correio eletrônico, por sua vez, é aberta pelo empregador, custeada por este, quando se trata de correio corporativo, ou seja, o domínio é da empresa (empregador) e o empregado detém um endereço eletrônico dentro deste domínio.

                        Estes são os instrumentos de trabalho relativos à comunicação eletrônica. Nos parece que, ainda que nada tenha sido regulamentado entre empregado e empregador, este último terá, com fulcro no seu poder diretivo fiscalizador, direito de verificar as mensagens enviadas e recebidas pelo seu funcionário sem que esteja invadindo a sua privacidade ou sua intimidade.

                        Não se pode afirmar que só porque o empregador silenciou em regulamento foi dado ao empregado o direito de utilizar-se de ferramenta de trabalho para assuntos pessoais. Mesmo porque, se o fizer em ambiente laboral estará gazeteando o trabalho para depois pretender horas extras!

                        Destarte, entendemos que violação do empregador à privacidade e intimidade do empregado só ocorrerá se houver sido dada permissão expressa ou tácita (esta última traduz-se na tolerância do empregador) para uso particular, mas se esta não for respeitada pelo patrão, ou se a máquina e a conta de correio eletrônico forem particulares do empregado.

                        Registre-se que o direito do empregado de não ser fiscalizado nesse aspecto passa ao largo do seu direito de resistência, eis que este só se apresenta quando há excesso no poder diretivo do empregador. Afinal, o intuito da fiscalização patronal é apenas defender seus interesses econômicos e sua responsabilidade por mensagens que trafegam na rede. Isso porque, dependendo do conteúdo das mensagens, poderá haver implicações comerciais, cíveis e criminais.

                        Concluímos, pois, que sendo o empregado subordinado, tendo o empregador o poder diretivo, sendo este o titular dos equipamentos de informática e contas de correio eletrônico, o empregado despe-se da sua intimidade e privacidade no uso do equipamento em trabalho. Se quis fazê-lo para uso pessoal não poderá insurgir-se quanto ao conhecimento do conteúdo do material verificado e, como veremos adiante, responderá pelo que disso decorrer. Não há, portanto, qualquer infração à lei 9.296/96, que regulamentou o artigo 5o, XII, da CRFB no que concerne à escuta telefônica, seja porque o correio eletrônico não é comunicação telefônica na interpretação restrita da legislação, seja porque não houve violação e sim fiscalização de material de propriedade do empregador.

                        O direito comparado corrobora nossa conclusão. Segundo Luiz Alberto de Vargas, que cita Eric S. Freinbrum (ob. Cit. Pág. 68):

                        “Nos Estados Unidos, quando não existe uma “razoável expectativa de privacidade”, pois estão claras as intenções de controle e revista por parte da empresa, há uma forte corrente que sustenta a inexistência de direitos do empregado a qualquer privacidade em suas comunicações por “e-mail” em sistemas de propriedade da empresa.”

 

                        Já Amaro Moraes e Silva Neto (Privacidade na Internet – Um enfoque jurídico, Edipro edições profissionais ltda., São Paulo – 2001, pág. 50) contam:

                        “ O Governo da terra dos bretães, no ano 2000, autorizou as empresas a interceptarem os e.mails de seus contratados, considerando que elas têm o direito de zelar pelo correto uso de seus recursos. Curiosamente, neste peculiar recanto plenário (onde o direito à privacidade depende dos humores dos aplicadores do common law), o Lioyd Bank avisou seus funcionários que seus e.mails seriam monitorados. E eles aceitaram!” 

 

                        Em que pese a opinião do autor, do qual divergimos, entendemos como correta a manifestação dos britânicos.  

                        Na mesma obra cita o autor que os franceses não concordaram com tal medida, o mesmo ocorrendo com os espanhóis. Ocorre que, também salienta que a jurisprudência deste último país entendia pela possibilidade de fiscalização dos correios eletrônicos, tendo sido necessária uma regulamentação do governo em sentido contrário. Faz-se a ressalva, contudo, que o direito a inviolabilidade espanhol restringe-se ao local de trabalho e de descanso, não se estendendo às atividades inerentes ao emprego (ob.cit., pág. 50). Portanto, corroborada a nossa tese.

 JUSTA CAUSA E RESCISÃO INDIRETA:

 

                        Ao lado da questão relativa à privacidade e intimidade do empregado no que concerne ao correio eletrônico posicionam-se duas outras situações de implicação trabalhista grave. Trata-se da justa causa e da rescisão (ou despedida para alguns) indireta. Analisaremos separadamente.

 

JUSTA CAUSA DO EMPREGADO:

 

                        Diversas notícias têm sido publicadas em jornais e circulam diariamente na rede acerca de dispensas por justa causa em decorrência da utilização do correio eletrônico no trabalho. É sabido que boa parte das empresas já teve um caso relativo à dispensa motivada decorrente da internet. Os motivos são os mais variados. Neste trabalho, preferimos nos olvidar de transcrever as decisões que estão sendo tomadas, considerando que não temos notícias da definitividade de nenhuma delas. Assim, nos limitaremos a comentar as hipóteses e conseqüências do assunto em tela.

                        O artigo 482 da CLT enumera as hipóteses de justa causa e nos prenderemos à análise deste dispositivo legal, em que pese haja outras hipóteses de justa causa ao longo do texto consolidado e da legislação esparsa, mas que para os objetivos do nosso trabalho nada acrescentam.

                        Magano (ob.cit., pág. 77, apud Evaristo de Moraes Filho, A justa causa na rescisão do contrato de trabalho, Rio de Janeiro: Forense, 1968, pág. 105) define assim justa causa:

 

                        “Justa causa é todo ato doloso ou culposamente grave, que faça desaparecer a confiança e a boa-fé que devem existir entre empregado e empregador, tornando assim impossível o prosseguimento da relação”.

 

                        Essa definição, que aliás é clássica em direito do trabalho, contém todos os elementos necessários para o exame dos efeitos do uso da internet na relação de emprego.

                        Segundo o texto acima, agindo o empregado deliberadamente com a intenção de fazer algo que sabe não poder; ou sendo negligente, imprudente ou imperito estará correndo o risco de ver a confiança que seu empregador lhe deposita se esvaziar. O contrato de trabalho é baseado justamente nessa confiança, na fidúcia, na cumplicidade que existe entre as partes contratantes. Maculando-se isso, haverá causa concreta motivadora do rompimento do casamento de trabalho.

                        A utilização da internet e especificamente o uso do correio eletrônico, como discorremos acima, facilitam a ausência de fiscalização efetiva do empregador. Logo, propiciam um incentivo à burla do horário de trabalho e das atividades propriamente ditas. Isto ocorre porque nem sempre, exceto com fiscalização mais atuante, será possível dizer se o empregado está trabalhando ou divertindo-se em seu computador, na sua mesa de trabalho...

                        Logo, apenas por existir, a internet já abalou um pouco da confiança que os empregadores depositavam em seus funcionários. Claro que nada condicionante. Mas hipoteticamente pode-se dizer que o empregador não poderia atestar, sem fiscalizar, que o empregado esteve trabalhando ao longo das oito horas normais de jornada. 

                        O exame individual de cada alínea do artigo 482 da CLT mostrará que inúmeras são as possibilidades de enquadramento da conduta do empregado como motivadora da dispensa. Porém, antes de passarmos à análise dos casos pormenorizada, necessário referir-se mais uma vez à Magano (ob.cit.pág. 78), quando diz que apesar de serem taxativas as hipóteses de justa causa (afinal trata-se de penalidade, e, assim, merece interpretação restritiva) atribui a elas um caráter mutável, de adaptação, para que se complete a atividade de subsunção do fato à norma, vale dizer, a efetiva atividade jurisdicional que se traduz na entrega do direito ao concretizar a norma que, por natureza é abstrata.

 

                        “As justas causas, de caráter taxativo, estão previstas no art. 482 da CLT, e em outros textos legais esparsos. Ao contrário das figuras típicas do Direito Penal, funcionam como standards, ou seja, indicações dotadas de flexibilidade a se amoldarem às características de cada caso concreto”.

 

                        A primeira justa causa tipificada no art. 482 da CLT é o ato de improbidade. Esta modalidade está ligada a desonestidade. Poder-se-ia dizer que é a de maior gravidade dentre as outras hipóteses, apesar de não existir hierarquia formal entre elas. Fato é que com base da fidúcia que acima mencionamos, a honestidade torna-se fundamental, o que aliás ocorre em qualquer relação humana.

                        Através da rede o empregado, por exemplo, poderia, utilizando-se do hardware e do software do empregador, criar diversas condutas relacionadas ao estelionato; buscar contas bancárias de terceiros para transferências financeiras para sua conta pessoal etc. Descobrindo e provando tal fato, estará o empregador respaldado para dispensar o empregado por justa causa.

                        A incontinência de conduta e o mau procedimento consistem em práticas relacionadas à atividade sexual e a vida desregrada, respectivamente. São conceitos amplos, principalmente o segundo, o que torna fácil e ao mesmo tempo difícil tipificar uma justa causa com essa natureza, seguindo o próprio ensinamento de Magano acima transcrito, assim como o de Amauri (ob.cit., pág. 466) que ensina ser tênue a diferença entre os dois institutos.

                        De toda a sorte, poder-se-ia dizer que a pedofilia (prática repulsiva, mas infelizmente comum atualmente) e a pornografia de um modo geral incluem-se como incontinência de conduta. Já o mau procedimento seria um comportamento irregular e reprovável que não se espera do homem comum. Falta de caráter, mentiras, enfim, o elemento desagregador que nenhum ambiente coletivo comporta.

                        Quanto à negociação habitual, não será difícil encontrar exemplos. Porém, antes há que ser feita uma ressalva. Não há necessidade da configuração de concorrência desleal, ou seja, que o empregado esteja particularmente exercendo a mesma atividade fim do empregador, utilizando-se dos seus clientes, mas cobrando em separado e mais barato pelo serviço. Se houver, obviamente configurada estará a negociação habitual ou mesmo a improbidade.

                        Não havendo a concorrência, o que impede a negociação habitual é o fato de o empregado desvirtuar toda a força laborativa “comprada” pelo empregador durante o horário de trabalho para agir em benefício próprio, muitas vezes usando o nome da empresa. Não seria difícil realizar compra e venda de automóveis pela rede, por exemplo, com toda a máquina do empregador...

                        Também como negociação habitual ou mesmo como mau procedimento pode-se considerar o uso do ambiente informático de trabalho para remessa de curriculum para outra empresa.

                        Desídia seria a negligência no trabalho. Os famosos joguinhos de computador são os grandes motes da desídia. O trabalho não é feito mas o empregado tem a graduação máxima de pontos em determinado jogo. Ou navega na internet em diversos assuntos postergando a conclusão das sua atividades preponderantes.

                        Creio que poderemos tipificar como desídia a participação nos chamados chats, o download de programas e jogos nada relacionados ao trabalho e que simplesmente contribuem para a paralisação do sistema de informática, o recebimento e a  propagação de vírus por todo a rede de computadores, etc. 

                        Naturalmente que o envio de um e-mail durante a jornada não caracteriza a desídia, como já entendeu um Tribunal Regional (TRT/SP – 6a. turma, RO 20000437340). Mas sem dúvida que se a perda de tempo de trabalho passar a ser considerável, estará configurada a falta.

                        A violação de segredo da empresa estaria ligada à figura do hacker. Ou mesmo que o empregado não seja um grande especialista, nas áreas de acesso restrito na informática não poderá entrar, não poderá buscar a senha de outrem para conhecer as informações ali contidas. Desnecessário será propagar a informação, pois a quebra da confiança dá-se tão somente com a violação do ambiente reservado – privativo. Aliás, como ocorre com a correspondência comum, em que a violação é do meio e não do conteúdo em si.

                        Podemos exemplificar como tal o repasse a concorrentes dos segredos corporativos, o que também estaria tipificado em negociação habitual.

                        Indisciplinado é o empregado que não cumpre ordens genéricas e insubordinado o que não cumpre os comandos específicos. O regulamento da empresa proíbe o uso de jogos eletrônicos no ambiente de trabalho, por exemplo. O empregado que desobedece é indisciplinado. Já um empregado específico que descumpre uma ordem de não se conectar à rede no horário de trabalho e o faz é insubordinado.

                        Acerca do ato lesivo à honra e boa fama do empregador ou de terceiros em serviço ou não também é possível na rede, pois o empregado poderá enviar mensagens, ou repassá-las, com cunho ofensivo ao empregador, superiores hierárquicos e colegas de trabalho.

                        A prática constante de jogos de azar é uma hipótese curiosa, mas possível. Imagine-se um empregado que promove apostas com base em jogos de carteado em computador, por exemplo. Estaria, pois, inserido na conduta que enseja a dispensa.

                        Enfim, essas seriam as possibilidades que vislumbramos sofrerem interferência da informática. Provadas, essas condutas legitimam a adoção da dispensa por justa causa. Ocorre que, para obter tal prova será necessário que o empregador entre no ambiente informático de trabalho do empregado, vale dizer, fiscalize a sua caixa de correio eletrônico, monitore os acessos à rede e descubra que páginas e sites estão sendo acessados. Paira, assim, a pergunta: Poderá o empregador fazê-lo, ou estará violando os direitos de propriedade, intimidade e privacidade do empregado? Pelo que já discorremos ao longo deste trabalho não temos dúvidas em afirmar que o empregador estará agindo legitimamente ao promover verdadeira devassa no ambiente de trabalho do empregado. Os grifos são propositais. Afinal, está-se buscando uma conduta irregular em um ambiente que não é do empregado, mas sim do empregador. Logo, o direito de propriedade é seu. E, muitas vezes, quem teve a honra, a intimidade e a privacidade invadida foi o empregador, pois não só pelas justas causas acima elencadas, mas também pela exposição negativa que tudo poderá gerar para o bom nome do negócio da empresa.

                        O empregador, de acordo com o artigo 1521 do Código Civil responde pelos atos ilícitos praticados por seus empregados. Por outro lado, muitas vezes não estará indicado no que circula indevidamente na rede o nome do empregado, mas sim o da empresa. Traçando um paralelo, seria próximo de o empregado cometer um ato ilícito vestindo o uniforme do seu empregador!

                        Naturalmente, que o melhor será regulamentar a matéria. As empresas já estão fazendo isso, mas o processo é lento e muitas vezes surgem novos casos diferentes. Os regulamentos internos das empresas deverão estabelecer todas as regras de utilização dos equipamentos informáticos sem receio de ferir qualquer direito do empregado, pois tudo decorrerá do seu poder diretivo.

 

RESCISÃO INDIRETA – JUSTA CAUSA DO EMPREGADOR:

 

                        Mas a informática e a internet não podem ser utilizadas maliciosamente apenas pelo empregado na relação de emprego. O empregador também pode incorrer no mesmo erro e a CLT, no artigo 483, tipifica condutas do empregador que permitem ao empregado considerar rescindido o contrato. Destarte, analisaremos as hipóteses assim como fizemos com as condutas do empregado.

                        A exigência de serviços alheios ao contrato, contrários à lei e aos bons costumes é a primeira hipótese legal. Com efeito, caso o empregador venha a exigir que o empregado utilize a rede para ilicitamente buscar benefícios pessoais ao patrão ou corporativos, estará incorrendo na justa causa do empregador, aproveitando-se, assim, dos profundos conhecimentos técnicos do seu subordinado.

                        Idem na hipótese de as ferramentas de trabalho serem do empregado (hardware e software ou mesmo a conta de correio eletrônico) e o empregador invade, aí sim, o ambiente profissional, pessoal e íntimo do empregado. É o caso de tipificação como risco de mal considerável do empregado, face à possível violação de intimidades e tratamento com rigor excessivo, pois não haveria legitimidade para tanto.

                        Pelo mesmo exemplo e motivo a divulgação da vida pessoal do empregado e seus familiares resultaria em ofensa à honra e boa fama. Ainda nesse sentido, a criação de uma “lista negra” eletrônica de empregados e divulgação disso a outras empresas; ou propagar na rede informações relativas à conduta profissional do empregado, até mesmo em se tratando de dispensa por justa causa, o que ensejaria danos morais.

 

CONCLUSÃO PARCIAL:

 

                        A informática não gera efeitos apenas no âmbito do Direito material do Trabalho, mas também na área processual, que será objeto da nossa abordagem a seguir. Porém, por razões didáticas, preferimos expor nossas conclusões separadamente.

                        De tudo que expusemos acima concluímos que indiscutivelmente a informática contribui em larga escala para o avanço da relações sócio – econômicas e trabalhistas. Os benefícios são sentidos pelos empregadores com a redução de custos e pelos empregados com melhores condições de trabalho. Porém, há que se ter a necessária cautela para que não se incorra na sublimação de direitos trabalhistas e, por via de conseqüência, na diminuição de relações de emprego, que ficariam substituídas por relações autônomas.

                        A informática e principalmente a internet influenciam diretamente os institutos específicos do Direito do Trabalho, que deverá adaptar-se para entender e solucionar os conflitos que daí decorram. Apesar da existência de dispositivos legais que podem ser aplicados quase que com perfeição, a questão é muito subjetiva e interpretativa, o que pode vir a ensejar decisões antagônicas colocando em cheque talvez o principal ideal buscado em direito: o da segurança das relações jurídicas.

                        Os direitos de propriedade, privacidade e intimidade do empregado não existem em relação ao ambiente de trabalho quando todas as ferramentas são propriedade do empregador. Em outras palavras, tais direitos são do empregador. Logo, não haveria violação ou dano moral em fiscalizar o empregado, exceto quando houver autorização expressa para uso pessoal de ferramentas de trabalho, ou estas ferramentas sejam de propriedade do empregado.

                        Pelos mesmos motivos acima, o uso indiscriminado da internet pelo empregado e pelo empregador enseja a justa causa e a despedida indireta.

                        Portanto, faz-se urgente a edição de uma legislação que venha regular o “ambiente de trabalho cibernético”, sob pena de estarmos permitindo uma regressão e não um progresso tecnológico.

 

ASPECTOS PROCESSUAIS:  A PROVA NO PROCESSO DO TRABALHO INFORMATIZADO

 

                        As provas documental, testemunhal, pericial e o depoimento pessoal, todas elas, podem ser objeto de influência da informática.

                        Quanto à prova pericial, na verdade o que ocorreu foi o surgimento de uma nova modalidade de perícia, vale dizer, a que vasculha computadores na busca de dados apagados e de rastro de acessos remotos a outros computadores ou mesmo à internet e ao envio de e-mails.

                        Acerca da prova documental já existe um relevo maior. Basicamente podemos dizer que documento é tudo capaz de representar um fato. Então, documento em sentido lato não é apenas o documento escrito (sentido estrito), mas também fitas, vídeos, disquetes de computador, etc. 

                        Portanto, é viável a apreensão de computadores inteiros, considerados assim como documentos, pois neles há gravações no “HD” (hard disk), nas quais possivelmente estará a prova de algum fato. Para efetivar-se por completo essa prova, cremos na necessidade de realização da perícia nesses documentos.

                        Questão que tem sido colocada em juízo refere-se ao valor probante do documento impresso (escrito) relativo a e-mail. Tudo passa próximo à discussões que acima mencionamos sobre a natureza jurídica da mensagem de correio eletrônico. Como entendemos tratar-se de um novo modelo, preferimos analisar a prova sem vinculação com outras já existentes.

                        Sem dúvida alguma que o e.mail serve como prova documental que é. O problema é o seu valor probante, tendo em vista as dúvidas quanto à autenticidade da mensagem e sua autoria. Hoje existem as assinaturas eletrônicas e certificados de autenticidade. Porém, não podemos ser ingênuos ao ponto de pensar que isso não poderia ser burlado. No mesmo sentido, Mário Antônio Lobato de Paiva em Princípios Universais do Direito Informático (principio da subsidiariedade) - artigo publicado no Boletim Informativo Juruá, número 323, pág. 14.

                        Outro impasse se refere ao momento da produção do e.mail. É certo que estes contêm data e hora. Contudo, por outro lado, também é certo que nem sempre a data e hora ali lançadas correspondem a realidade, pois dependerá do provedor de acesso à rede.

                        De toda a sorte, tudo isso não tem força para afastar o valor da prova. Caso não haja impugnação da parte contrária a que produziu a prova, o valor desta será normal. Na hipótese de impugnação, a parte que a houver formulado atrairá o ônus de provar a falsidade da prova. Enfim, surgirá um incidente de falsidade que deverá ser solucionado, quem sabe, também com o uso dos recursos informáticos.

                        Nós mesmos já admitimos como prova de horas extras e.mails juntados ao processo que continham data e hora da elaboração e envio. Como o empregador silenciou a esse respeito não impugnando o documento, reconhecemos validade ao mesmo, sequer sendo necessária a oitiva de testemunhas.

                        Conforme conclui Ivo Teixeira Gico Júnior (O documento eletrônico como meio de prova – artigo publicado em Novas fronteiras do Direito na Informática e Telemática, coordenação de Luiz Olavo Baptista, Editora Saraiva, São Paulo – 2001, pág. 118), os problemas de utilização da prova documental informática podem ser sanados pelo próprio Código de Processo em vigor, porém, ficando a cargo do Juiz a livre investigação da prova. Isso, certamente, gera instabilidade nas partes, razão pela qual defendemos a necessidade de legislação pertinente. 

                        José Rogério Cruz e Tucci (Eficácia probatória dos contratos celebrados pela internet – Coordenação Newton de Lucca e Adalberto Simão Filho – Direito & Internet: aspectos jurídicos relevantes – Edipro, São Paulo – 2001, pág. 280), citado por Mário Antônio Lobato de Paiva (ob.cit. pág. 13) também conclui dessa maneira:

 

                        “ Conclui-se pois que a eficácia probante dos contratos eletrônicos deve ser autorizada sem quaisquer óbices e subordinada à prudente análise do julgador, que poderá por certo, quando se fizer necessário (art. 383, parágrafo único do CPC) recorrer aos demais meios de prova, em especial, à prova pericial para certificar-se da autenticidade do respectivo documento.”

  

                        Assunto que se tem discutido é a licitude ou não da prova de comunicações realizadas pela internet, ou seja, acerca da sua obtenção, se imprescindível a autorização judicial, no caso de se entender que não se trata de correspondência postal, mas sim de transmissão de dados por voz, comparando-se à escuta telefônica.

                        Trata-se da interpretação do art. 1o. e seu parágrafo único, da lei 9296/96 que se divide em duas correntes. Uma, capitaneada por Vicente Greco Filho (citado por Luiz Fávio Gomes – nota abaixo), entende que a comunicação via internet não é comunicação telefônica, pois não há efetiva comunicação de voz, sendo mera transmissão de dados. Portanto, nos termos do art.5o, XII da CR o dispositivo da lei seria inconstitucional e não estaria sujeita à situação de autorização judicial para interceptação.

                        Já para a outra corrente, a qual é defendida por Luiz Flávio Gomes, a lei é constitucional, dizendo que há uma constitucionalidade “restrita”, pois o parágrafo único trata da telemática, que seria a união da comunicação telefônica com a informática, e esta comunicação telefônica não poderia ser confundida com conversação, podendo sim haver transmissão de dados. (Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini. Interceptação Telefônica. Ed. Revista dos Tribunais – São Paulo – 1997, págs. 171 e 172).

                        Para nós não se trata de correspondência postal, como já tivemos a oportunidade de dizer. Trata-se de uma nova modalidade de comunicação. Mas a lei é constitucional e nos dispositivos citados quis fazer referência expressa à comunicação através da internet. Em sendo assim, há que se tecer as seguintes considerações: se a mensagem é dirigida a alguém que a utiliza como prova, não há ilicitude, pois era o próprio destinatário da comunicação. Se a prova foi obtida por terceiro, há que se saber se houve ilicitude na maneira pela qual a mesma foi obtida, o que, em caso positivo, anula a força probante. E, ainda, se obtida por terceiro, ainda que por meio lícito, se houve a autorização de uma das partes da comunicação para o uso judicial da prova. Portanto, tudo passará por quem detém a titularidade ou propriedade do meio de comunicação. Urge a regulamentação dessa matéria de forma mais específica.

                         No que concerne às provas orais, ou seja, depoimentos pessoal e testemunhal, deparamo-nos com um problema subjetivo.

            A grande inovação que a informática trouxe para esses meios de prova é a possibilidade de colheita remota, isto é, sem o deslocamento do Juiz ou das partes pode-se obter o depoimento através de transmissão de imagens. É a chamada prova a distância, que inegavelmente agilizaria em muito os processos, dando mais segurança em diversos casos, e sepultando as demoradas cartas precatórias inquiritórias.

            Ocorre que, a contrapartida a esse avanço é perigosa. Entendemos que o mais importante no depoimento pessoal e na prova testemunhal é justamente o contato visual entre o Juiz e o depoente. É o olhar nos olhos, o escutar o tremor da voz, etc. Por mais que tudo isso seja possível através de equipamentos de última geração, jamais será o mesmo, razão pela qual não somos amplamente favoráveis à produção desse meio de prova a distância.

            Hoje há o projeto de lei 5.828/01, já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e Redação da Câmara dos Deputados que prevê a possibilidade de transmissão de peças processuais por meios informáticos. O avanço é fantástico e a lei regula, inclusive, os aspectos de segurança e prazo para a validade dos atos praticados. Não menciona a produção de provas, mas entendemos extensivamente que e-mails poderão seguir anexados às peças valendo como prova, fazendo-se a ressalva da possibilidade de impugnação pela parte contrária, é óbvio.

           

CONCLUSÃO PARCIAL II:

 

                        Acerca do aspecto processual, cremos que é imprescindível a regulamentação da matéria com a observância de critérios de segurança e do exame da licitude ou ilicitude da prova produzida.    

                        O direito processual está aberto a obter como prova documental a mensagem eletrônica e a perícia em computadores; enquanto a prova oral produzida a distância, sendo ela uma realidade, deverá ser adotada pelo julgador com cautela.

 

CONCLUSÃO FINAL:

 

                        Finalmente, com esse trabalho esperamos estar contribuindo para a evolução do Direito do Trabalho, que poderá demonstrar a sua efetiva importância nos meios sociais, políticos e econômicos deste país. Mas, para isso, frisamos, é necessária uma mobilização em prol de uma reforma parcial na legislação trabalhista junto com a criação de uma nova legislação que observe e regulamente as situações surgidas com o advento daquilo que alguns chegam a chamar de “nova Revolução Industrial”.

 

Bibliografia:

Barros, Cássio Mesquita. Teletrabalho. Direito e Internet, Relações jurídicas na sociedade informatizada. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo/2001;

Gico Júnior, Ivo Teixeira. O documento eletrônico como meio de prova. Novas Fronteiras do Direito na Informática e Telemática. Ed. Saraiva, São Paulo/2001;

Gomes, Luiz Flávio. Interceptação Telefônica. Editora Revista dos Tribunais, São Paulo/1997.

Magano, Otávio Bueno. ABC do Direito do Trabalho, ed. Revista dos Tribunais, 2a. edição, São Paulo/2000;

Moraes e Silva Neto, Amaro. Privacidade na Internet – um enfoque jurídico, Edipro, São Paulo/2001;

Nascimento, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho, ed. LTr, 28a. edição – São Paulo/2002;

Paiva, Mário Antonio lobato de. Boletim Informativo Juruá, no. 323;

Pedreira, Pinho. O Teletrabalho. Revista LTr, vol. 64, no. 05, maio/2000;

Pinto, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho, ed. LTr, 4a. edição, São Paulo/2000;

Vargas, Luiz Alberto de. Direito e Privacidade do correio eletrônico no local de trabalho. O debate nos EUA. Revista Direito e Processo, vol. I, ANAMATRA, ed. Forense, 2002;





(*) O autor é Juiz do Trabalho no RJ; professor do Decisum Estudos Jurídicos e de cursos de graduação, pós graduação e especialização
www.cursodecisum.com.br
 

 

 

 

 

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