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Informática Jurídica, Direito e Tecnologia
Grupo de pesquisa do CNPQ

Data da publicação: 25 de setembro de 2001.

BRYAN, Cathy, TSAGAROUSIANOU, Roza, TAMBINI, Damian. Electronic democracy and the civic networking movement in context. In: Cyberdemocracy. Technology, cities and civic networks. London: Routledge, 1998, p. 1-17.

Roza Tsagarousianou é professora universitária e pesquisadora do Centro para Estudos da Comunicação e Informação (Centre for Communication and Information Studies) da Universidade de Westminster. Damian Tambini é membro pesquisador na Universidade Humboldt, Berlim. Cathy Bryan é pesquisadora do Informed Sources e está interessada com os desenvolvimentos nas tecnologias de mídia e comunicações.

Resumido por Anderson Alves Elesbão:

  •  OBJETIVO: Encontrar o ponto de convergência entre as diferentes teorias que tratam das potencialidades das novas tecnologias da informação em ampliar a democracia e desafiar monopólios, bem como descobrir a delimitação que os conceitos de serviço público e acesso universal receberão. O foco principal é analisar o advento das redes cidadãs como fruto da nova mídia e deste novo contexto social, político, econômico e tecnológico.

  • ANTECEDENTES HISTÓRICOS

    • A sociedade pós-industrial, principalmente com as tecnologias da informação e comunicação, alterou o senso de espaço, tempo, social e político, urbano e rural, público e privado.

    • Desde os anos 60 já se divulgava a utopia da 'democracia eletrônica', que hoje começa a se concretizar. Exs.: cidades com páginas na web e redes cidadãs (EUA, Europa - Holanda); telecidades.

    • Ocidente no pós-guerra ficou marcado pela apatia, ou mesmo a hostilidade do eleitor às questões políticas, seja pela perda de confiança nos partidos políticos, seja pela mistura de ideologias dentro de um partido.

    • Contexto sócio-político e econômico quase sempre dificultaram a exploração de todo o potencial da mídia (de Sola Pool)

    • Num estágio de pré-convergência, nos EUA e Europa disseminou-se os princípios de acesso universal às redes de telecomunicações e uma função, para a TV, de serviço público patrocinado pelo Estado.

    • A normatização da CMC não se ateve à comunicação democrática, utilizando metáforas desprovidas de conteúdo ("infraestrutura de comunicação", "Superestrada da Informação", "Sociedade da Informação").

    • "Superestrada da Informação": termo cunhado por Al Gore , no início dos anos 90, fruto de uma retórica política de criação de empregos, reativação da indústria, e bastante popular, idéias que levaram à elaboração do NII Agenda for Action, em setembro de 1993 (em 1963, numa conferência do Partido Trabalhista Britânico, Harold Wilson já fazia algo semelhante com o termo "revolução científica"

    • Década de 60, grandes promessas com a televisão.

    • Décadas de 70 e 80: idéia utópica de cidade da informação (projeto QUBE, Columbus, EUA; projeto Hi-Ovis, Japão).

    • Em 1993, relatório do National Heritage Comittee sobre o futuro da BBC, anunciou uma extraordinária revolução tecnológica que transformaria o atual aparelho de televisão em ilimitada fonte de entretenimento, trabalho, compras, e talvez em urna de votos.

    • Em 1994, o Economic and Social Reasearch Council, no Reino Unido, elaborou o ousado Programme on Information and Communication Technologies definindo, em relatório do House of Commons Trade and Industry Select Comittee, o termo "Superestrada da Informação" como "um serviço de comunicação de banda larga com a capacidade de transmitir quantidades enormes de informação a alta velocidade; a capacidade para comunicação bidirecional (interatividade); e a capacidade de comunicar-se com qualquer mídia, incluindo vídeo, áudio e texto" (p. 10). Ainda sugere que ela seria uma rede das redes, proporcionando uma interconexão sem interrupções num "ambiente aberto" que permita a competição no provimento de serviços.

    • Em 1995, Tony Blair celebrou acordo com a British Telecom para instalar cabos de fibra ótica em toda escola e hospital brit6anico em troca de regras "assimétricas" para que as empresas de TV a cabo explorassem os serviços de entretenimento com exclusividade.

    • Em fevereiro de 1995, o Economic and Social Comittee da União Européia publicou o Opinion on Europe's Way to the Information Society. An Action Plan, baseado no relatório de Bangemann (Europe and the Global Information Society), sustentou a liberalização da infraestrutura das telecomunicações. Tal ambiente competitivo foi definido no Green Paper para ser efetivado na UE até 1.01.1998.

    • O First Reflection Report, de um grupo americano de experts declarou que "a Sociedade da Informação deve tratar de pessoas. Nós devemos deixar as pessoas responsáveis pela informação, ao invés de usar isso para controlá-las" (p. 11).

    • Em 1996, o Green Paper pelo European Comission, já previa a proteção dasminorias e da dignidade humana na mídia eletrônica. O seu objetivo era promover um sistema de autoregulamentação e harmonização entre as legislações nacionais já existentes.

  • PRESSUPOSTOS:

    • Progressos tecnológicos, sócio-econômicos e infraestruturais (, convergência das mídias, interatividade, influência das redes na econômia, embate entre a mídia e as empresas de telecomunicações, novas justificações para investimentos públicos e privados na mídia).

    • Digitalização de dados.

    • Compressão digital.

    • Redes de alta capacidade (fibra ótica, ISDN, satélite, microondas, cabo).

    • Tecnologias avançadas de troca de dados (ADSL - bidirecional).

    • Evolução dos protocolos de rede (multimídias).

  • CONTEXTO DA NOVA MÍDIA:

    • A mídia não é mais um-para-vários. Ela está se tornando cada vez mais interativa, institucionalizando o direito de resposta.

    • A Superestrada da Informação está sendo utilizada para driblar a problemática e anacrônica questão da propriedade dos meios de comunicação. Michael Grade defende a abolição de tais restrições. A tendência de tratar todos meios de comunicação como uma única mídia (convergência).

    • Verifica-se que a Internet está sendo usada mais no downstream, transformando em monólogo o que deveria ser um diálogo, em detrimento da interatividade e bidirecionalidade da comunicação em redes de banda larga.

    • A interferência do Estado nas organizações que desenvolvem estas novas tecnologias não é mais bem aceita. Os imensos investimentos que esta área necessita afasta os governo, favorecendo a gestão pelo capital privado.

    • Privatização e desregulamentação do setor. Na Europa e EUA favoreceu a multiplicação de fornecedores e transmissores de telefonia.

    • As políticas governamentais de infraestrutuera, controle de preços e fornecimento de serviços em telecomunicações têm sido dirigidas pela noção de interesse público. Não obstante, a mídia está submetida a uma regulamentação complexa e com regras de estilo delicadas.

  • CONTEXTO POLÍTICO DOS DIREITOS DA CIDADANIA:

    • O declínio dos partidos políticos vem acompanhado pelo crescimento das organizações voluntárias, grupos de pressão, lobbies, ONG's, cada vez mais impessoais, com membros sem expressão, limitados a contribuir com doações pecuniárias e assinaturas à causas distantes. Estão cada vez mais perdendo a sua legitimidade.

    • O atual problema é de exercício dos direitos.

    • Ausência de espaços públicos apropriados, "uma esfera pública não colonizada pelos Estados e pelos partidos políticos e não sujeita às lógicas comerciais e mercantilistas" (p. 4).

    • Situação de comercialização, sensacionalização, trivialização e colonização estatal da esfera pública.

    • A infraestrutura social para o debate público e a ação política foi minada.

    • Troca de direitos do cidadão por direitos do consumidor - valorização dos interesses de mercado.

    • "o movimento das redes cidadãs é conduzido por duas forças distintas: aqueles que estão procurando por uma solução para estes problemas da democracia, e aqueles que estão buscando novos usos e novos mercados para a nova tecnologia" (p. 3).

    • O processo de tomada de decisões no campo da ciência e tecnologia é pouco democrático. Questões muito técnicas afastam a participação do grande público. Mesmo movimentos como a Campaign for Civic Networking e a Eletronic Frontier Foundation se distancia do grande público ao promover debates somente pela Internet.

    • O mundo acadêmico está afastado das questões envolvendo a ciberdemocracia o que significa ausência de teorias críticas a respeito. Isso favorece a incursão de discursos políticos inexperientes, reinventando conceitos como o de serviço universal e comunicação de serviço público (O Federal Communications Comission está para definir serviço universal, por ocasião do Telecommunications Act, de fevereiro de 1996).

    • Satisfazer as exigências de concretização dos direitos do cidadão tem se revelado bastante onerosa, de maneira que atualmente estão passando a se travestir de direitos dos consumidores

  • NATUREZA POLÍTICA E IDEOLOGIAS:

    • As novas tecnologias da I+C para contornar as intervenções da mídia tradicional.

    • "As iniciativas de redes cidadãs não são, entretanto, conduzidas tão somente pelo governo; elas também têm uma base crescente sustentada pela população em geral, particularmente nos EUA. Os partidos políticos de todos os tamanhos e matizes ideológicas, organizações voluntárias, grupos de pressão e outras organizações da sociedade civil estão explorando a comunicação por intermédio do computador [CMC] como um meio não somente de alcançar potenciais patrocinadores e ultrapassar os filtros tradicionais dos meios de comunicação, mas de interligarem-se uns com os outros, compartilhando informações e recursos. Para muitos, o CMC guarda a chave para o aprimoramento dos aspectos democráticos do processo político, e para a criação de novas oportunidades à participação dos cidadãos nas esferas políticas local e nacional" (p. 2)

    • Eficiência e facilidade de acesso à informação (quantidade, velocidade e qualidade). É uma forma de concretização dos ideais de eficiência pública e transparência (Itália), e facilidade e justiça no acesso às informações governamentais (Agenda para Ação - NII, EUA)

    • As novas tecnologias facilitam as pesquisas de opinião, o que, por construir um contexto mais próximo da realidade, estimula a participação, mesmo das minorias. A Holanda, pela sua cultura, é um ambiente propício à  "teleparticipação".

    • A CMC propicia novas possibilidades de organização de grupos, ampliando as tendências de fragmentação e proliferação dos movimentos políticos. Ex.: do Philadelphia's Neighborhoods-Online onde há mais participação em grupo que individual.

    • A rede, de certa forma, identifica-se com uma comunidade política anárquica, sem território ou coerção estatal, muito embora tenha sido criada pelo próprio Estado. Ela proporciona uma comunicação mais horizontal, reunindo comunicação, sociedade e política. "A nova ordem política é a estrutura de comunicações" (Williams apud Arterton, p. 7).

    • A interatividade é a palavra-chave da nova mídia, colocando o usuário na condição de sujeito ativo da informação, podendo contestá-la tão logo a receba. "Os cidadãos moldarão as idéias que moldarão as suas cidades" (p. 7).

    • A CMC proclama o fim dos mediadores da comunicação (jornalistas, parlamentares, partidos, ...), afastando a censura, o sigilo das informações. São características que propiciam uma representatividade mais direta dos interesses dos cidadãos.

    • Eficiência no serviço de provimento, adequando os serviços públicos às necessidades/desejos do cidadão/consumidor. Faz parte da filosofia da "nova administração pública", tratando a política como uma pesquisa de mercado isenta de distorções ideológicas.

    • A CMC como solução de alguns dos principais problemas e dilemas da democracia representativa na prática (representação proporcional, bases territoriais, ...).

    • Eficiência e competitividade como argumento econômico a favor das redes cidadãs.

  • QUESTÕES EM DEBATE:

    • Os princípios da imparcialidade, do serviço de interesse público, da universalidade de acesso não se compatibilizam perfeitamente com uma mídia controlado pela iniciativa privada.

    • Crise do serviço público de transmissão, colocando em dúvida a questão do interesse público.

    • James Fishkin culpou a "mídia-chavão" (soundbite media) pela superficialidade do debate político. Já vivemos na democracia eletrônica por causa da mídia, mas é preciso ampliar o debate, a participação.

    • Para Douglas Kellner, é necessário uma nova regulamentação para ampliar o acesso público e a disponibilização de informações, para superar o fracasso da TV com a sua superficialidade e sensacionalismo os debates políticos.

    • Visão habermasiana: novos meios de comunicação moldam uma nova esfera pública para substituir a velha mídia, fragmentada e mercantilizada.

    • A liberdade de expressão, apesar de ponto central das redes cidadãs, é vista com cautela pelos legisladores a fim de coibir desvios (terrorismo, mensagens de ódio, pornografia, difamações, pirataria), principalmente no que se refere à proteção das crianças.

    • A possibilidade dos servidores oferecerem endereços anônimos, aliado as tecnologias de criptografia apresentam-se como problemáticas, pelos desvios que permitem.

    • Relatório de Bangemann favorece sistemas com filtros configurados pelo usuário, com códigos de conduta estabelecidos pelas próprias empresas.

    • Princípios atuais de serviço público e acesso universal não se compatibilizam com a garantia de paridade entre qualidade de serviço de informação recebido e capacidade de usar e pagar por ele. Já se atenta para o surgimento de uma subclasse da informação (mesmo a Internet tem uma via rápida e uma via lenta), limitada pela disponibilidade, custos e qualidade dos serviços das novas tecnologias de informação e comunicação.

    • Defensores da privatização das telecomunicações argumentam que esta é a forma mais eficaz para realizar a liberdade de comunicação, a distribuição mais equânime de benefícios sociais e econômicos. Mas seria o lucro, ao invés do interesse público, a mola propulsora das transformações políticas nesta área (Garnham).

  • CONCLUSÕES:

    • As transformações tecnológicas não foram os únicos aspectos que influenciaram na transformação das políticas de telecomunicações.

    • A política de mídia (propostas, demandas, competitividade, financiamento) está intrinsecamente ligada a um contexto político e econômico.

    • A mídia é um ponto estratégico para as políticas do governo.

    • A Comunicação Mediada pelo Computador (CMC) vai desfazer os estragos políticos da velha mídia, criando novas esferas públicas para o debate e a participação.

    • A cultura da Internet repudia a regulamentação estatal (Barbrook), mas alguma intervenção é necessária para garantir serviços públicos e universalidade de acesso.

    • Em geral, as iniciativas de redes cidadãs são híbridas (estatal e privada), mas em muitos casos tais iniciativas dependem excessivamente de financiamentos centralizados, como forma de manter o foco dos objetivos de longo prazo

    • O contexto nacional colide com o internacional em dois pontos: regulamentação do conteúdo e serviço público/universal.

    • Se o acesso não for universal, os problemas da velha mídia (exclusão) se repetirão.

    • Conforme provam os projetos apresentados no livro, a alteração da forma da comunicação muda o seu conteúdo, o que pode ser utilizado para estimular a participação.

    • É necessário uma investigação crítica sobre as bases empíricas das reivindicações dos defensores da democracia eletrônica.

    • Os objetivos dos defensores das redes cidadãs devem ser realistas.

    • Ainda é cedo para julgar o sucesso ou o fracasso das redes cidadãs.