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Cibernética Penal
Túlio Lima Vianna*
O futuro chegou; não há mais como ignorá-lo.
A passagem de milênio, simbólica para todos
os que se utilizam do bom e velho calendário gregoriano, faz lembrar que o ano
de 1984 encontra-se completamente superado, mas que o futuro imaginado pelo
escritor britânico George Orwell torna-se cada dia mais atual.
Ainda pouco estudada a fundo, a cibernética
desponta como um poderoso instrumento do conhecimento humano que, caso não seja
bem utilizado, tornará os piores pesadelos de Orwell, sonhos de criança.
A palavra cibernética tem sido utilizada
vulgarmente como sinônimo de informática ou computação, mas tem um significado
próprio bastante distinto. O termo foi empregado pela primeira vez por Nobert
Wiener em seu livro Cibernética e Sociedade: o uso humano de seres humanos e
tem origem na palavra grega kubernetes, que pode ser traduzida por
timoneiro.
O vocábulo é bastante sugestivo e expressa
bem o objeto de estudo da cibernética que é, precisamente, a sistematização de
uma teoria geral do controle. A idéia é estudar as semelhanças existentes entre
os mecanismos de controle de uma máquina (um computador, por exemplo), de
animais e dos próprios seres humanos.
Nas palavras de Alexandre Freire Pimentel:
"quando colima fazer um paralelismo
analógico a respeito dos problemas da informação nos seres vivos e nas máquinas,
a cibernética é considerada como a teoria geral dos sistemas mecânicos e
biológicos. É fato ainda que a cibernética estuda as diversas formas de
controle e as leis que regem o comportamento, tanto da natureza quanto da
sociedade."
Uma aplicação prática da cibernética
bastante difundida atualmente é a Inteligência Artificial (IA), que busca
simular em sistemas computacionais o raciocínio humano. Também nas áreas de
automação e robótica a cibernética tem se demonstrado como uma ciência de
utilidade incontestável.
Se, por um lado, o uso da cibernética como
instrumento para o aperfeiçoamento de sistemas informatizados é louvável, o seu
emprego como técnica de controle de seres humanos surge como ameaçadora arma a
ser utilizada por regimes autoritários e, claro, pelo Direito Penal.
O filme Laranja Mecânica nos dá uma
boa idéia do que seria um controle cibernético de seres humanos e de como seu
uso, a pretexto de ressocialização, poderia se tornar sedutor. O protagonista
do filme acaba sendo forçado a um processo de ressocialização que visava o
ajustamento de sua personalidade a padrões socialmente desejados.
Evidentemente uma apenação como esta ofende
diretamente o princípio constitucional da liberdade de manifestação de
pensamento, pois a norma não pode cercear o direito natural do ser humano ao
livre arbítrio.
O indivíduo deve poder escolher entre
realizar uma conduta ilícita e ficar sujeito a uma apenação pelo Estado ou
renunciar à realização da ação típica e permanecer imune às sanções estatais.
Não pode, pois, ser condicionado a não
realizar aquela ação, por qualquer meio, pois estar-se-ia tolhendo, no caso, o
próprio direito de escolha inerente a todo ser humano. É por este mesmo motivo
que seria completamente absurda a imposição de uma pena de castração química a
estupradores.
Diretamente relacionadas com o pressuposto
filosófico do livre arbítrio também estão as teorias criminológicas
neopositivistas que se baseiam em estudos biogenéticos que nada mais são do que
uma manifestação da cibernética como instrumento de controle social a partir do
estudo do DNA humano.
Tais teorias ressuscitam o positivismo
lombrosiano, travestido de modernidade, tão somente pelo fato de não mais
classificar criminosos pelo tamanho de suas orelhas, mas pela combinação das
bases nitrogenadas adenina, guanina, citosina e timina.
As conseqüências lógicas de tais estudos
seriam os abortos de potenciais criminosos, baseados em estudos genéticos e as
condenações à esterilização em virtude da corolária hereditariedade das
tendências criminosas. Nos homens em que os genes indicassem uma pré-disposição
a taras sexuais, a castração química preventiva poderia ser diagnosticada como
solução eficaz na proteção da sociedade.
A primeira hipótese é uma clara ofensa ao
princípio do nullum crimen sine lege, a segunda um atentado à garantia
de que nenhuma pena passará da pessoa do condenado e a terceira e última, como
vimos, uma ofensa irreparável ao direito de escolha que deve ser garantido a
todo indivíduo para optar entre cometer ou não um delito.
Evidentemente em todos estes exemplos
estar-se-ia retrocedendo ainda a um completamente superado direito penal de
autor que só pode encontrar embasamento teórico em argumentos mecanicistas que
procuram transpor para as ciências sociais uma exatidão que desde Einstein não
existe sequer na Física.
Está claro, pois, que a biogénetica como
ciência auxiliar da cibernética tem muito pouco a oferecer às Ciências
Criminais.
A Ciência da Computação e a Informática, por
outro lado, são importantes instrumentos cibernéticos que, em alguns casos,
podem ser utilizados adequadamente pelo Direito Penal, ainda que empregados com
muita cautela.
A tecnologia possibilitará a implantação de
minúsculos chips no corpo humano capazes de transmitirem para um computador
central a exata localização do indivíduo no qual foram implantadados.
Seguramente uma forte afetação no direito à privacidade do indivíduo, mas
certamente menos prejudicial ao réu do que o cárcere.
Assim, tal mecanismo possibilitaria uma
segura efetivação de prisões domiciliares e a progressão de regime dar-se-ia
para um regime de liberdade vigiada, no qual seria permitido o livre trânsito
do condenado, com vigilância via satélite a todo instante.
Um sistema como este terá um custo menor do
que o de manter o condenado em uma cela e criará uma maior chance de
ressocialização. Pode representar o início do fim das penas privativas de
liberdade como as concebemos hoje.
Os avanços da cibernética parecem indicar
que as penas restritivas de liberdade tendem a se transformar em penas
restritivas de privacidade o que, em princípio, é um avanço.
Tal mecanismo cibernético deve ser usado com
muita moderação, pois não é improvável que surjam idéias de implantação de
pequenos eletrodos capazes de imobilizarem por meio de choques elétricos a ação
dos condenados quando na iminência de realizarem uma ação potencialmente
ilegal, o que seria um abuso injustificável.
A monitoração via satélite provavelmente
virá seguida de propostas de um controle direto através de câmeras de vídeo
estrategicamente localizadas nas ruas das grandes cidades, como já é feito hoje
em dia em estabelecimentos comerciais. Sob o argumento de melhoria da segurança
pública estar-se-ia legitimando uma aterradora ofensa à privacidade não só dos
condenados, mas de todo e qualquer cidadão que transitasse em frente ao longus
oculus do Big Brother. Certamente a implantação de um sistema como este não
poderá ser legitimado num Estado Democrático de Direito, devendo ser relegado
aos governos autoritários.
Uma pena de liberdade vigiada tem um caráter
eminentemente de prevenção especial e, ainda que o cerceamento do direito de ir
e vir não ocorra, a restrição à privacidade muito se assemelha à própria
privação da liberdade. Em princípio a hipótese poderia ser vista como um
retrocesso nas garantias fundamentais do ser humano, porém é necessária uma
discussão profunda sobre o tema, pois não se pode olvidar que qualquer pessoa
em sã consciência iria preferir ter seus movimentos monitorados do que se ver
privada deles. Além do mais, o condenado fica livre para trabalhar, estudar e
buscar a necessária reinserção no meio social.
Se, por um lado, a cibernética apresenta
soluções alternativas às penas privativas de liberdade até certo ponto viáveis,
por outro lado, pode representar um grave perigo à reinserção social do
condenado.
É muito provável que, dentro de poucos anos,
seja criado um cadastro nacional em que cada cidadão receba um único número que
o identifique, substituindo assim uma série de documentos como identidade, CPF,
carteira de motorista, título eleitoral, PIS/PASEP, etc.
Certamente os antecedentes criminais ficarão
vinculados a tal número, o que facilitará em muito o acesso de tais informações
por terceiros, podendo causar graves dificuldades de reinserção social de um
condenado, principalmente na obtenção de empregos, já que os empregadores
poderiam consultar os antecedentes dos candidatos muito facilmente. Um controle
social certamente excessivo e marginalizador que deverá ser minimizado
restringindo-se o acesso a tais bancos de dados por parte de terceiros.
O cadastro nacional único poderá ser
posteriormente vinculado através da biometria às impressões digitais de cada
pessoa. Assim, não se usará mais cartões bancários, pois a simples impressão
digital, seguida de uma senha, possibilitará as transações financeiras. Um
condenado por assaltos a bancos poderia, assim, ser impedido de adentrar nestas
instituições por um certo período de tempo.
As implicações do uso de mecanismos
tecnológicos no combate à criminalidade são quase que infinitas e certamente
justificariam texto bem mais extenso do que o presente. Buscou-se aqui, tão
somente, suscitar o tema tão pouco discutido nos meios jurídicos.
A cibernética como mecanismo de controle
social certamente é um importante instrumento a ser estudado pelas Ciências
Penais. Se bem usada pode significar o fim das penas privativas de liberdade,
se mal instrumentalizada, pode fazer-nos sentir vontade de retornarmos a 1984.
Retirado de: http://www.apriori.com.br/artigos2/cibernetica_penal.htm
Contato com o autor: www.tuliovianna.org
tuliovianna@pucminas.br