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®BuscaLegis.ccj.ufsc.br Eu e o Computador
Minha vida profissional pode ser dividida em duas
partes: antes e depois do computador e da Internet.
Oficiando em processos criminais como Promotor de Justiça, Procurador de
justiça, escrevendo livros, teses e conferências sobre Direito Penal e
Processo Penal e artigos para revistas e jornais, meu instrumento de
trabalho, por longos anos, foi uma máquina datilográfica. Primeiro manual,
depois elétrica. As
dificuldades eram enormes. P. ex., terminado um trabalho, já pronto para ser
remetido ao jornal, relendo-o, percebia um erro. Tinha que datilografá-lo por
inteiro. E, às vezes, eram dezenas de páginas. Na elaboração de livros, se
precisava ampliar um texto, restringi-lo, corrigir erros, mudar títulos, era
obrigado a digitá-lo outra vez. Era um serviço moroso, extenuante e
desagradável. Usava tesoura, papel e cola. Remendado, mandava xerocopiar a
colcha de retalhos e o resultado era o original. Da
velha máquina de datilografia para a elétrica foi um avanço. Mas ainda era
infeliz sem saber.
Tive uma fase pela qual todos passam: a da repulsa ao computador. Durante
algum tempo, talvez dois anos, inventei todas as desculpas imagináveis para
fugir ou retardar a troca da velha máquina de escrever pelo micro. Como
defesa, atribuia a ele todos os defeitos que lhe podiam sem imputados: embota
a criatividade, é muito complicado, tira as emoções da escrita, mecaniza a
mente etc. Acomodado, era contrário a novidades, como muitos.
Tive três grandes incentivadores: Hugo Nigro Mazzilli, Cláudio Ferraz de
Alvarenga e Oswaldo Baio, este o mesmo que me trocou a máquina datilográfica
manual pela elétrica. Hugo Mazzilli fez-me a primeira demonstração do uso do
micro. Na Associação Paulista do Ministério Público, em São Paulo, abriu no
computador minha ficha pessoal e lhe acrescentou o número do meu CIC. Salvou,
saiu do sistema, voltou, carregou a ficha e lá estava o número. Fiquei
impressionado, mas não o bastante para abandonar a minha máquina de escrever.
A burrice é teimosa.
Naquele tempo, idos de 1987, almoçava todas as semanas com Cláudio Ferraz de
Alvarenga, então Assessor do Procurador-Geral de Justiça. E lá vinha ele
todas as semanas perguntar se eu já havia ingressado na era da Informática. E
minha resposta era sempre: "vou começar no próximo mês, no início do ano
que vem, quando terminar o próximo livro...". Até que um dia ele me
disse: "Damásio, me desculpe, mas isso é ignorância". Fiquei muito ofendido.
Meu amigo dizendo uma coisa daquelas... Resolvi dar o troco: contratei um
professor de Informática, o Mílton da Taisei de São Paulo, e durante quatro
meses tive aulas semanais até ficar um craque. Ao mesmo tempo, comecei a ter
duas aulas semanais de inglês, imprescindível para quem deseja, nos manuais e
revistas estrangeiras, aprofundar-se no uso do computador (queria ficar
melhor do que o Cláudio). Telefonei para Cláudio dando a grande notícia e
recordei a ofensa. Ele explicou-me que aquela frase fora a única maneira que
havia encontrado de me fazer entrar na era do micro.
Hoje, tendo também informatizado o meu Curso Preparatório, trabalho com o que
há de mais moderno em Informática e continuamente estou substituindo a
aparelhagem pessoal por outra mais moderna. A parafernália é incrível: novos
programas, notebooks, scanners manuais e de mesa, CD-ROM,
impressoras a laser e coloridas. O micro também está acoplado a vários
sistemas: fax, máquinas de emissão de cheques, TV, câmera fotográfica e
filmadora. Pelo Modem, consigo, de Bauru, entrar nos programas dos
meus computadores de São Paulo e vice-versa, transportando e recebendo
documentos e informações; dos tribunais, consigo informações sobre processos
em andamento. Em disquetes, recebo ementas de acórdãos e as transporto
diretamente para os originais dos meus livros. Sem falar na Internet. Os
avanços nesse campo são fantásticos. Irrecusáveis. É como realizar uma tarefa
em meia hora e ser inventada maneira de fazê-la em dez minutos. Impossível
não avançar. Há alguns anos, a antiga máquina de escrever já era decoração.
Só a utilizava para preencher envelope. E quando era um só. Hoje, nem para
isso. Quando são muitos uso o programa mala direta. A
diferença entre a primeira e segunda fase, a anterior com a máquina de
escrever e a atual, com o micro, é a mesma entre andar no lombo de um burro e
voar num jato. Um abismo. Irreversível. Atualmente, a tarefa de escrever
artigo, livro ou tese, emendá-los, ampliá-los, restringi-los, corrigir erros
ou mudar títulos é realizada em muito menos tempo. Alguns trabalhos são
feitos em minutos; as correções, emendas, supressões etc., em segundos.
Terminado um trabalho, como se ele fosse uma estátua e eu o escultor, vou
alterando, melhorando, substituindo palavras e frases. Dou-me ao luxo de
procurar palavras repetidas no mesmo parágrafo ou na mesma página para
substituí-las por sinônimos. Os
originais da primeira edição do meu livro Prescrição penal, à moda
antiga, foram escritos em dois anos na máquina datilográfica. Lei das
Contravenções Penais anotada, o primeiro que escrevi no computador, com o
mesmo número de páginas, levou apenas seis meses para ser elaborado.
Acompanhar a legislação, no Brasil, é tarefa incessante. Mudam as leis todos
os dias. Em meados do primeiro semestre de 1993, passei vinte dias no
exterior. Quando voltei, haviam alterado vários dispositivos do Código Penal.
Luiz Alberto Machado, membro da Comissão Revisora do Código Penal, passou o
Primeiro de Ano em Roma. Em sua ausência, foi editada a Lei n. 9.777, de 29
de dezembro de 1998, alterando os arts. 132, 203 e 207 do estatuto penal. Na
reunião de 11 de janeiro de 1999, quinze dias depois da última reunião da
Comissão, teve que alterar os fundamentos de um voto escrito em face da
alteração da legislação.
Agora mesmo estão sendo realizados estudos para mudanças na Parte Especial do
Código Penal, Lei de Imprensa, Lei de Tóxicos, Lei dos Crimes Hediondos,
prisão temporária, Código de Defesa do Consumidor, Lei de Falências etc. Sem
falar na reforma penal pontual. Para quem milita no fórum, como juiz,
promotor, advogado etc., ou é professor de Direito, manter-se atualizado na
legislação é muito importante. Pode-se perder uma causa, prejudicar uma
decisão ou cometer erro em aula com a citação de um dispositivo revogado.
Hoje, com a facilidade da Internet, a atualização é simples e rápida. O
computador tem algo de divino. Só Deus me permite, com um toque, operar
milagres. E a
Internet! Consulto bibliotecas; compro livros; transfiro e recebo documentos
do outro lado do mundo. Mas
não sou escravo de tudo isso. A vida não é só Direito Penal. Ainda tenho
tempo para os meus flamingos... Retirado de: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1755 |