® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br 

 

Certificação digital

Sugestões para o peticionamento eletrônico

 

Alexandre Atheniense*

 

"Toda novidade, mesmo a felicidade, assusta"
Johann Cristoph Friedrich von Schiller

Durante a XIV Conferência Nacional da Ordem dos Advogados que se realizou em Vitória no ano 1992, pela primeira vez o Conselho Federal da OAB tomou a iniciativa de criar um painel para debate sobre o tema Informática Jurídica.

Naquela oportunidade concluímos:

1. Sobre a necessidade de se criar o Departamento de Informática na OAB;

2. Incentivar a iniciação dos advogados à informática, inclusive nas Faculdades de Direito e em cursos outros; pugnar para que a Entidade acompanhasse todo o processo de informatização que diga respeito à Justiça, inclusive junto ao Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia, Governo etc.

3. Estimular uma participação conjunta dos advogados, juízes e promotores na busca de uma substituição progressiva do serviço cartorário manual por registros eletrônicos; objetivando que o acesso à informação processual fosse através do livre acesso não só dos advogados, mas de modo a beneficiar toda a comunidade jurídica e a população.

4. Propugnar para que os sistemas de acesso aos bancos de dados dos Tribunais fossem uniformizados e simplificados; estimulando a criação de uma única rede de comunicação de dados jurídicos nacional, provendo de dados jurídicos uniformemente acessados,

5. Discutir, inclusive do ponto de vista da criação legislativa, a proteção do sigilo dos dados armazenados pelos advogados em seus computadores e escritórios.

Satisfatoriamente, muitas destas idéias evoluíram ou se concretizaram dez anos depois:

O Conselho Federal através da iniciativa visionária do Presidente Rubens Approbato, instituiu a criação da Comissão de Informática, que vem atuando em duas frentes. No auxílio estratégico da Diretoria no tocante aos problemas internos da instituição relacionados com a Informática em sintonia com a equipe de profissionais deste Setor, emitindo opinião legal sobre os temas inerentes a esta área nos projetos de Lei em trâmite no Congresso Nacional.

No campo acadêmico, o número de congressos e seminários sobre o tema tem se multiplicado a cada ano, bem como várias Faculdades de Direito já incluíram no seu plano de ensino a disciplina de Direito de Informática,e, para o próximo ano, está previsto o lançamento de cursos de atualização e pós-graduação "lato sensu".

No tocante ao acompanhamento processual através do meio eletrônico, hoje contamos aproximadamente com 57 Tribunais que dispõem de consulta a andamentos processuais através da Internet.

O Projeto Infojus, liderado pelo Supremo Tribunal Federal, foi instituído com a missão de viabilizar a comunicação eletrônica entre os diferentes órgãos e esferas do Poder Judiciário e desenvolver uma rede de prestação de serviços de informação que atenda às necessidades e requisitos de seus membros,especialmente os magistrados.

Neste espectro, distingue-se, na proposição para o Infojus, a segurança dos dados, a maior facilidade e velocidade de comunicação e o caráter oficial das informações fornecidas.

A Rede Informatizada do Poder Judiciário - Infojus, tem por objetivo principal prover o Poder Judiciário de informações e prestação de serviços especializados através de infra-estrutura tecnológica que possibilite a conexão virtual de todas as suas instâncias.

Em uma primeira fase estarão disponíveis serviços sem distinção de perfil de acesso, ou seja, que não requerem uma infra-estrutura mais complexa. Em uma segunda, fase novos serviços serão agregados, assim como, serão definidos perfis específicos para magistrados, advogados e funcionários do Poder Judiciário.

A maior importância para a comunidade introduzida pelo Infojus foi determinar o livre acesso a informação processual pela Internet para toda a população. Espera-se que este Portal possa ser o marco inicial para que a demais entidades de classe, que compõem a comunidade jurídica possam discutir idéias e propostas para implantação gradativa de novos procedimentos processuais através do meio eletrônico.

Pensando nisso, a OAB vem se preparando para este cenário iniciando neste ano o projeto de recadastramento dos seus inscritos, através do cartão de identidade do advogado, emitido pela Casa da Moeda do Brasil,cujo modelo único para todo o território nacional terá validade de três anos.

O resultado deste recadastramento importou na criação do Banco de Dados do Cadastro Nacional dos Advogados, cuja atualização será mantida diariamente pelas Seccionais cuja consolidação dos dados será armazenada no Conselho Federal.

Com isto será possível a qualquer Tribunal Brasileiro ter acesso a esta base de dados para averiguar se o profissional da advocacia, está apto ao exercício profissional ante as informações fornecidas pela própria OAB.

Some-se, ainda, o fato de que além deste banco de dados, algumas Seccionais da OAB, como Minas Gerais e São Paulo concederem aos seus inscritos gratuitamente correios eletrônicos cujo domínio corresponde ao formato @adv.oabuf.org.br (ex: joão@adv.oabmg.org.br), ou no caso do estagiário maria@est.oabsp.org.br.

Este endereço só será concedido após verificação dos dados cadastrais e atestada a regularidade do exercício profissional, podendo ser cancelado, em qualquer caso de irregularidade na inscrição.

Sucede que vários Tribunais que adaptaram o seu regimento interno à adequação do permissivo legal da Lei 9800/98, que validou a transmissão eletrônica das peças processuais, não atentaram para a necessidade de aferição da autenticidade do remetente que deveria ser atestada pela entidade representativa dos advogados.

Isto, talvez se deva a dois motivos: primeiramente porque o conteúdo das peças transmitido não era considerado válido, devendo a versão original em papel, ser juntada pelo advogado até cinco dias após a remessa eletrônica, acresce que diversas Seccionais da OAB ainda não haviam introduzido o sistema de cadastramento de endereços eletrônico dos seus inscritos.

Desde o advento da Lei 9800/98, a comunidade jurídica vem dando mostras que a idéia inicial da validade da transmissão eletrônica para o envio de peças processuais, merece ser reavaliado e ampliado para maiores aplicações que concorrerão para a celeridade e agilidade processual.

Neste sentido, foi louvável a iniciativa da Ajufe - Associação dos Juízes Federais elaborando o texto original do Projeto de Lei nº 5828/2001, o seu objetivo, entre outros, consistiu não somente em validar a transmissão, mas, também, o conteúdo enviado pelo meio eletrônico dispensando a juntada posterior da peça em papel através do uso de senhas gerenciadas pelos Tribunais.

Reputo que toda iniciativa dos magistrados no sentido de agilizar o trâmite processual deverá ser recepcionada com a maior relevância e merecer aplausos de toda sociedade.

Os estudos iniciais deste Projeto de Lei, proporcionaram elaboração de um texto prematuro, independente de um debate sobre a utilização da certificação digital nos documentos eletrônicos.

Entende-se por certificação uma identidade digital concedida por uma entidade para que o indivíduo possa praticar atos de manifestação de vontade através do meio eletrônico, cujo conteúdo será válido. Não haverá repúdio quanto à autenticidade do emitente nem quanto a integridade da informação transmitida desde que seja utilizado criptografia assimétrica.

Diversos países já adotaram em sua legislação a validade dos certificados eletrônicos. No Brasil, desde o ano passado está vigente a Medida Provisória 2200-2, que reconhece como válido o certificado eletrônico desde que seja utilizada a criptografia assimétrica.

O artigo 1º da MP define o alcance da norma:

Art. 1º - Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.

O art. 10, contém os pré-requisitos de validade legal do documento eletrônico intercambiado entre as partes.

Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória.

No parágrafo primeiro, há menção aos certificados emitidos pela ICP-Brasil, Infra-Estrutura de Chaves Públicas do Governo Federal.

Art. 10 § 1º - As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil.

Neste caso, há uma presunção da validade "erga omnes" do documento eletrônico, desde que o mesmo tenha sido gerado por uma autoridade certificadora homologada pela autarquia governamental encarregada desta função.

Alternativamente, o parágrafo segundo do mesmo artigo, estabeleceu:

§ 2º:- O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

Depreende-se, portanto, que caso as autoridades certificadoras queiram emitir certificados e assinaturas eletrônicas com validade jurídica, terão que adotar o mesmo critério do uso da criptografia assimétrica. Neste caso, opera a denominada certificação cruzada: duas entidades certificadoras se reconhecem mutuamente e validam os documentos eletrônicos intercambiados.

O suporte legal nesta hipótese, respalda-se no princípio inserto no art. 131 do Código Civil, reproduzido literalmente no art. 219 do novo Código, proclamando que as declarações constantes dos documentos assinados serão presumivelmente verdadeiras em relação aos signatários, cabendo a estes se for o caso o ônus da prova.

Código Civil - Art.131. - As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários. Parágrafo único. Não tendo relação direta, porém, com as disposições principais, ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas não eximem os interessados em sua veracidade do ônus de prová-las. (Redação dada pelo Decreto do Poder Legislativo nº 3.725, de 15.1.1919)

É discutível o conceito discriminatório imposto pela Medida Provisória de que somente os certificados da ICP-Brasil gozarão de validade "erga omnes". Em nenhum País do mundo, até hoje, existe legislação análoga que atribua somente a um órgão estatal o "munus" de atestar sobre a validade do documento eletrônico.

Se o Judiciário vier a instituir a sua própria Infra-Estrutura de Chaves Públicas e optar pelo reconhecimento do ICP-OAB, todos os documentos eletrônicos trocados entre ambos poderão ser considerados válidos.
Isto significa dizer que se considera dispensável o Judiciário filiar-se a ICP-Brasil além de arcar com os altos custos fixados para obtenção e manutenção de sua adequação especificamente para validar o trâmite dos procedimentos processuais através do meio eletrônico, nos casos em que for necessária a conferência da autenticidade do signatário de certificado emitido pela OAB.

Neste diapasão, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil editou o Provimento nº 97/2002 que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas da Ordem dos Advogados do Brasil, também conhecida como ICP-OAB.

Este importante passo visou tornar a Ordem dos Advogados habilitada para as futuras relações processuais que se realizarão através do meio eletrônico. A entidade passará a fornecer aos inscritos uma identidade digital para a prática de tais atos.

No dia 11 de outubro de 2002, após seis meses de fase de testes iniciada na OAB/SP a experiência atingiu a OAB/MG. Ocorreu então o lançamento da chave raiz da entidade com as duas Seccionais começando a emitir os certificados eletrônicos para os seus inscritos.

O próximo passo consistirá na iniciativa de Tribunais em parceria tecnológica com a OAB, visando obter acesso ao cadastro dos advogados aptos para o exercício da profissão, com o reconhecimento da validade dos certificados emitidos pela entidade de representatividade máxima dos advogados.

Em contrapartida, os Tribunais terão plena segurança quanto a prática dos atos processuais pelo meio eletrônico, seja porque o advogado será identificado tanto pelo endereço @adv.oab bem como pelo certificado digital emitido especificamente para aquele endereço.

Some-se, ainda, o fato de que cada Tribunal ao receber a petição, consultará instantaneamente o cadastro de advogados aptos mantidos diariamente pela OAB. Haverá, assim a segurança quanto a eventual interceptação da mensagem. Esta estará assinada digitalmente utilizando-se a criptografia assimétrica, que possibilitará a indicação de vestígios nos casos de qualquer adulteração em seu conteúdo.

Aliado ao emprego desta segurança as partes transacionantes estarão validando reciprocamente o conteúdo do documento eletrônico intercambiado, consoante o permissivo legal do art. 10, parágrafo segundo da MP 2200-2.

É de se admitir que o peticionamento com uso de certificados eletrônicos emitidos pela ICP-OAB, seja apenas a porta de entrada de um projeto mais amplo, que em fases posteriores ensejaram um estudo conjunto das entidades de classe no estudo gradativo de diversos projetos para adequação de ritos processuais através do meio eletrônico que poderão culminar no processo inteiramente digital.

Para tanto ser necessário um cuidadoso estudo na elaboração de projetos sobre o fluxo de documentos, planos de organização e métodos, que poderão ser discutidos conjuntamente entre os representantes dos magistrados, advogados, ministério público e serventuários da justiça.

Na atualidade é necessário que este trabalho tenha início de imediato. Há notícia de algumas tentativas isoladas de magistrados de certos Tribunais, Juizados Especiais e Fórums. Estes indicativos, muito embora mereçam as sinceras homenagens pela louvável intenção em agilizar o processo, vem sendo adotados de forma desarmônica, tanto através de uso de senhas que tornam o controle da identificação do remetente vulnerável ou face a incerteza se o peticionante está apto para exercer a advocacia.

É chegada a hora de inserir o Poder Judicário Brasileiro a participar mais efetivamente da utilização da informática buscando a validação da prática de atos de manifestação de vontade através do meio eletrônico, objetivando a desmaterialização documental no sentido de praticar os atos processuais pelo meio digital e quem sabe o processo como um todo.

O melhor do novo é que sempre responde a um desejo antigo!

Concluímos esta dissertação conclamando a Ordem dos Advogados do Brasil a pugnar para o reconhecimento da ICP-OAB pelos Tribunais Brasileiros. É a única entidade capaz de aferir a aptidão profissional dos seus inscritos, concedendo ao Poder Judiciário, em contrapartida, o acesso ao cadastro nacional dos advogados brasileiros, visando obter o reconhecimento legal previsto na MP 2200-2 na busca da validação dos atos processuais praticados pelo meio eletrônico. Não, apenas, pela sua transmissão conforme previsto anteriormente pela Lei 9800/98, mas também pela íntegra do conteúdo eletrônico transmitido dispensando a juntada de originais posteriormente.

 

http://conjur.uol.com.br/view.cfm?id=15070&ad=a