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A CIÊNCIA DO DIREITO INFORMÁTICO (PARTE II)

 

Mario Antonio Lobato de Paiva

 

VIII - Princípios norteadores

Princípios são aquelas linhas diretrizes ou postulados que inspiram o sentido das normas e configuram a regulamentação das relações virtuais, conforme critérios distintos dos que podem ser encontrados em outros ramos do direito.

Segundo AMÉRICO PLÁ RODRIGUES princípios "são linhas diretrizes que informam algumas normas e inspiram direta ou indiretamente uma série de soluções pelo que, podem servir para promover e embasar a aprovação de novas normas, orientar a interpretação das existentes e resolver os casos não previstos"(2).

Transpondo a noção de princípios gerais do direito, válidos em todo o direito, para os princípios do Direito Informático, aplicáveis somente na área deste direito, podemos dizer que são as idéias fundamentais e informadoras da organização jurídica virtual. São eles os seguintes:

a) Princípio da existência concreta - revela a importância, não só das manifestações tácitas durante a vigência do pacto, mas também o predomínio das relações concretas travadas pelas partes sobre as formas, ou da própria realidade sobre a documentação escrita ou virtual. O que deve ser levado em consideração nas relações virtuais é aquilo que verdadeiramente ocorre e não aquilo que é estipulado em, por exemplo, contratos virtuais. Significa referido princípio que em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que surge de documentos e acordos se deve dar preferência ao que sucede nos terrenos dos fatos. O desajuste entre os fatos e a forma pode evidenciar a simulação de uma situação jurídica distinta da realidade viciada por um erro na transmissão de dados e informações.

b) Princípio da racionalidade - consiste na afirmação essencial de que o ser humano procede e deve proceder nas suas relações virtuais conforme a razão. Os revolucionários burgueses creditavam na força da razão. Por isso que a lei não passava, para eles, de norma descoberta pela atividade racional, razão pela qual não poderia ela atentar contra a justiça e a liberdade. Os revolucionários, neste caso, não faziam mais do que conciliar as lições pronunciadas pelos arautos do racionalismo iluminista: entre tantos, MONTESQUIEU e ROUSSEAU.

Sua característica essencial é a flexibilidade, já que é um critério generalizado, de natureza puramente formal, sem um conteúdo concreto e de forma nitidamente subjetiva.

A pertinência de um princípio dessa natureza parece resultar mais naquelas áreas, onde a índole das praxes normativas deixa amplo campo para a decisão individual. Mas essa amplitude da margem de atuação derivada da impossibilidade mesma das previsões que não podem confundir-se com a discricionariedade, nem com a liceidade de qualquer comportamento, por arbitrário que seja.

Trata-se, como se vê, de uma espécie de limite ou freio formal e elástico ao mesmo tempo, aplicável naquelas áreas do comportamento onde a norma não pode prescrever limites muito rígidos, nem em um sentido, nem em outro, e, sobretudo, onde a norma não pode prever a infinidade de circunstâncias possíveis.

Em conclusão: na aplicação do direito, não há uniformidade lógica do raciocínio matemático, e sim a flexibilidade do entendimento razoável do preceito. É surpreendente observar que, já em 1908, nosso grande CLÓVIS BEVILÁQUA tivera nítida percepção destas idéias, pois, ao expor as doutrinas hermenêuticas de sua preferência, assim as sintetizava nesta fórmula precursora:

"Em conclusão, na interpretação da lei deve atender-se antes de tudo ao que é razoável, depois às conseqüências sistemáticas e, finalmente ao desenvolvimento histórico da civilização"(3).

RECASÉNS SINCHES, ao considerar os vários métodos modernos-métodos teleológico, método histórico-evolutivo ou progressivo, "método da 'vontade da lei', nos mostra que cada um deles encerra uma parte de verdade, mas que em sua síntese final, em cada caso concreto, será dada pelo 'logos do razoável'. Mal comparando, a operação interpretativa se assemelha à execução de uma partitura musical. Vários são os instrumentos - no caso os métodos de interpretação - mas eles devem formar um conjunto harmônico, sob a batuta do maestro, no caso, o logos do razoável, o qual, como veremos em breve, 'informado pela idéia básica do bem comum"(4).

c) Princípio da lealdade - Todo homem deve agir em boa-fé, deve ser verdadeiro: ex honestate unus homo alteri debet veritatis manifestationem, e é este um princípio que foi incorporado pelo direito.

Muitas leis da nossa disciplina o recolheram como um dos princípios dirigentes nas relações entre as partes. Conseqüentemente a boa fé e o respeito mútuo entre as partes para o fiel cumprimento das obrigações estabelecidas ou pactuadas.

A boa fé, entendida no significado objetivo do cumprimento honesto e escrupuloso das obrigações, se distingue da boa fé subjetiva ou psicológica abrangente o erro ou falsa crença, significa lealdade de conduta completamente leal nas relações virtuais.

Ao princípio da boa-fé empresta-se ainda outro significado. Para traduzir o interesse social de segurança das relações jurídicas, diz-se, como está expresso no Código Civil alemão, que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Em uma palavra, devem proceder com boa-fé. Indo mais adiante, aventa-se a idéia de que entre o credor e o devedor é necessária a colaboração, um ajudando o outro na execução do contrato. A tanto, evidentemente, não se pode chegar, dada a contraposição de interesses, mas é certo que a conduta, tanto de um como de outro, subordina-se a regras que visam impedir dificulte uma parte a ação da outra.

Nos contratos, há sempre interesses opostos das partes contratantes, mas sua harmonização constitui o objetivo mesmo da relação jurídica contratual. Assim há uma imposição ética que domina toda matéria contratual, vedando o emprego da astúcia e da deslealdade e impondo a observância da boa-fé e lealdade, tanto na manifestação da vontade (criação do negócio jurídico) como, principalmente, na interpretação e execução do contrato. "As partes são obrigadas a dirigir a manifestação da vontade dentro dos interesses que as levaram a se aproximarem, de forma clara e autêntica, sem uso de subterfúgios ou intenções outras que não as expressas no instrumento formalizado. A segurança das relações jurídicas depende, em grande parte, da lealdade e da confiança recíproca. Impende que haja entre os contratantes um mínimo necessário de credibilidade, sem o qual os negócios não encontrariam ambiente propício para se efetivarem. E esse pressuposto é gerado pela boa-fé ou sinceridade das vontades ao firmarem os direitos e obrigações. Sem ele, fica viciado o consentimento das partes. Embora a contraposição de interesses, as condutas dos estipulantes subordinam-se a regras comuns e básicas da honestidade, reconhecidas em face da boa-fé que impregna as mentes"(5).

O interprete, portanto, em todo e qualquer contrato tem de se preocupar mais com o espírito das convenções do que com sua letra. "L'espirit prime la lettre; la volonté réelle domine le rite; le droit n'est plus dans les mots, mais dans les réalités. Ceux-là ne peuvent, en aucun cas, permettre de défòrmer celles-ci"(6).

É o que se prevê no art. 85 do Código Civil brasileiro, quando se ordena que "nas declarações de vontade se atenderá mais a sua intenção que ao sentido literal da linguagem".

Além de prevalecer à intenção sobre a literalidade, compreende-se no princípio da boa-fé a necessidade de compreender ou interpretar o contrato segundo os ditames da lealdade e confiança entre os contratantes, já que não se pode aceitar que um contratante tenha firmado o pacto de má-fé, visando locupletar-se injustamente à custa do prejuízo do outro. O dever de lealdade recíproca (honestidade) acha-se explicado no Código Civil alemão e prevalece doutrinariamente em todo o direito de raízes romanas.

A boa-fé subjetiva diz respeito à ignorância de uma pessoa acerca de um fato modificador, impeditivo ou violador de seu direito. É, pois, a falsa crença acerca de uma situação pela qual o detentor do direito acredita em sua legitimidade, porque desconhece a verdadeira situação.

Já a boa-fé objetiva, pode ser definida, a grosso modo, como sendo uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações virtuais. Não o equilíbrio econômico, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de relações virtuais, como regra, há um desequilíbrio de forças. Entretanto, para chegar a um equilíbrio real, somente com a análise global do contrato, de uma cláusula em relação às demais, pois o que pode ser abusivo ou exagerado para um não será para outro.

Assim, quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, na atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes no âmbito virtual.

d) Princípio intervenção estatal - a intervenção direta do Estado para garantir efetivamente as relações virtuais, não só visando a assegurar o acesso a produtos e serviços essenciais como para garantir qualidade e adequação dos produtos e serviços (segurança, durabilidade, desempenho).

Tal garantia está em consonância com os demais princípios legais e constitucionais antes retratados da garantia de dignidade da pessoa humana.

Deve ser estabelecida uma "política nacional das relações virtuais", por conseguinte, o que se busca é a propalada "harmonia" que deve regê-las a todo o momento. Além dos "princípios" que devem reger referida política, terão relevância fundamental os "instrumentos" para sua execução, pois cabe ao Estado não apenas desenvolver atividades nesse sentido, mediante a instituição de órgãos públicos de regulamentação e fiscalização das relações virtuais, como também incentivando a criação de associações civis que tenham por objeto a referida missão.

O Direito informático pretende realizar uma igualdade substancial (não apenas formal) entre os envolvidos na relação virtual, opondo-se a essa desigualdade, criando as condições de uma igualdade prática pela concessão às partes de um aparato legal institucional propício e seguro a essas relações. Ë conhecida a frase de SAVATIER: "a igualdade jurídica não é mais do que um pobre painel por detrás do qual cresceu a desigualdade social".

e) Princípio da Subsidiariedade - apesar de não concordarmos que a utilização da legislação vigente para dirimir conflitos provenientes de relações virtuais, a realidade da carência de normas e institutos que ainda devem demorar muitos anos para surgir em sua plenitude nos faz admitir que este princípio atualmente é fundamental para o desenvolvimento do Direito Informático. Porém, referidas normas, institutos e estudos da doutrina do direito em geral só poderão ser aplicados se: a) não esteja aqui regulado de outro modo ("casos omissos", "subsidiariamente"); b) não ofendam os princípios do Direito Informático ("incompatível"); a aplicação de institutos não previstos não deve ser motivo para maior eternização das demandas e tem que adapta-las às peculiaridades próprias. O interprete necessita fazer uma primeira indagação: se, não havendo incompatibilidade, se permitirão a celeridade e a simplificação, que sempre são almejadas na solução dos conflitos.

f) Princípio da efetividade - significa que o juiz é incompetente para proferir sentença que não tenha possibilidade de executar. É intuitivo que o exercício da jurisdição depende da efetivação do julgado, o que não exclui a possibilidade de ser exercida a respeito de pessoas que estejam no estrangeiro e, portanto, fora do poder do tribunal. O que se afirma é que, sem texto de lei, em regra o tribunal deve-se julgar incompetente quando as coisas, ou o sujeito passivo estejam fora de seu alcance, isto é, do alcance da força de que dispõe. Este princípio é fundamental para dirimir as relações virtuais em virtude da mobilidade das transações, bem como as questões de fixação de competência e atribuição para execução do julgado.

g) Princípio da submissão - significa que, em limitado número de relações virtuais, uma pessoa pode, voluntariamente, submeter-se à jurisdição de tribunal a que não estava sujeita, pois se começa por aceitá-la não pode, pois, pretender livrar-se dela. Mas este princípio está sujeito a duas limitações: não prevalece onde se encontre estabelecida por lei à competência de justiça estrangeira, e não resiste ao princípio da efetividade, isto é, não funciona quando este deva funcionar. Por conseguinte, no silêncio da lei indígena, o tribunal deve declarar-se incompetente quando não tenha razoável certeza de que poderá executar seu julgado.

O elenco desses princípios é inconcluso, melhor dizendo, aberto no mais amplo sentido. Limitou-se a expor aqueles princípios considerados fundamentais. Mas, eles não estão enquadrados em moldura fechada e congelada. Não se pode descartar a possibilidade de incorporar outros, como resultado do próprio dinamismo da vida virtual ou como furto de observações, críticas e sugestões de quem aprofunde seu estudo ou discorde de nossas afirmações ou desenvolvimentos.

IX - Conclusão

E nesta ordem de idéias, é fundamental então concluir que em Direito Informático existe legislação a nível mundial específica que protege o campo informático. Talvez não com a mesma trajetória e evolução utilizada pela legislação que compreende outros ramos do direito, porém podem ser vistos no Direito Informático legislação baseada em leis, tratados e convênios internacionais, além dos distintos projetos que se levam a cabo nos entes legislativos de nossas nações, com a finalidade de controle e aplicação lícita dos instrumentos informáticos.

Com respeito às instituições próprias que não se encontram em outras áreas do direito (campo institucional), se encontram o contrato informático, o documento eletrônico, o comércio eletrônico, delitos informáticos, firmas digitais, entre outras, que levam a necessidade de um estudo particularizado da matéria (campo docente), buscando resultados através de investigações, doutrinas que tratem da matéria (campo científico). Além disso, podem ser conseguidas atualmente grandes quantidades de investigações, artigos, livros e inclusive jurisprudência estabelecendo fortes laços entre o direito e a informática, criando-se com isso seus próprios princípios e instituições, como se tem constatado em Congressos Ibero-americanos de Direito e Informática.

Advertimos aqueles que negam a autonomia e os princípios do Direito da Informática, no sentido de que analisem novamente os princípios que regem autonomia de um ramo do direito, pois verificarão a existência dos mesmos contundentemente no Direito Informático. Com respeito àqueles que consideram o Direito Informático como um ramo em potencial, estes devem ter cuidado, pois referido critério de potencialidade pode perpetuar-se já que o Direito Informático possui peculiaridades não observáveis em outros ramos do direito, principalmente por não ter nenhum tipo de restrição em seu desenvolvimento, uma vez que está sempre em evolução no tempo e para o futuro, e assim como não se pode divisar o limite do desenvolvimento informático, tampouco o da autonomia do Direito Informático, uma vez que este sempre deverá dar solução aos conflitos que surjam em conseqüência do desenvolvimento da tecnologia. Este ponto deve ser exaltado, porque uma das razões que sustenta a doutrina que estima o potencial a autonomia do Direito da Informática, e que este não dá solução imediata a certas situações.

Por último, deixaremos bem clara nossa posição de que o Direito Informático constitui um ramo atípico do direito, e que encontra, sim, limites visíveis, porém referido direito sempre tentará buscar proteção e solução jurídica a novas instituições informáticas utilizando-se de seus próprios princípios informadores, desenvolvendo com isso, ainda mais suas bases à medida que for solucionado de maneira autônoma as discussões jurídicas envolvendo relações virtuais.

Notas

(1) PINTO, J. M. F. de Souza. Primeiras linhas sôbre Processo Civil Brasileiro, Rio de Janeiro, 1850.

(2) RODRIGUES, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho, editora Ltr 5 tiragem 1997, tradução de Wagner Giglio, São Paulo, página 16.

(3) SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica Jurídica: Seus princípios fundamentais no Direito Brasileiro. Editora Brasiliense, Brasília-DF, página 147

(4) SINCHES, Recaséns Sinches. Tratado General de Filosofia del Derecho. Ed. Porrua, México, 1959.

(5) RIZZARDO, Arnaldo. Contratos, Rio, Aide, 1988,Vol. I, nº 8.6, ps. 5-46.

(6) PAGE, Henri de. Traité Élementaire de Droit Civil Belge, 2º ed., Bruxelas, E. Bruylant, 1948, t. II, nº 468, ps. 439-440).

 

 

Bibliografia Consultada

PAIVA, Mário Antônio Lobato de. "A Mundialização do Direito Laboral". In LEX- Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ano 23, julho de 2001, n 271. São Paulo: Editora Lex. S/A, p. 5.

________. "O e-mail como instrumento de divulgação sindical". In Jornal Trabalhista Consulex. Ano XVIII, n 863, Brasília, 14 de maio de 2001, p. 6.

________. "A informatização da justa causa". In Jornal Trabalhista Consulex. Ano XVIII, n 849, Brasília 5 de fevereiro de 2001, p. 8.

________. "Aspectos Legais na Internet". In O Liberal, caderno atualidades, 28 de setembro de 2000, p. 2.

________. "Os crimes da informática". In O Liberal, caderno atualidades, 12 de fevereiro de 2000, p. 2.

________. "O impacto da informática nas relações laborais". In Repertório da jurisprudência da IOB. N 6, 2O quinzena de março de 2001.

________."O Impacto da alta tecnologia e a informática nas relações de trabalho na América do Sul". In Justiça do Trabalho: Revista de Jurisprudência Trabalhista, nº 209, mio de 2001, HS Editora, página 7.

________."O Documento, a Firma e o Notário Eletrônico". In Separata da Revista Trimestral de Jurisprudência dos Estados. Vol. 181-182 Abr.-Jun./ 2001, p. 39

________. "O impacto da informática no direito do trabalho". In Direito Eletrônico: A Internet e os Tribunais. 1. ed., Edipro, 2001, p. 661.

 

Retirado de: http://www.mundolegal.com.br