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Privacidade funcional

Correio eletrônico versus correio postal

 

Mário Antônio Lobato de Paiva *

 

Mais uma vez somos levados a comentar alguns aspectos sobre o correio eletrônico utilizado pelo empregado no estabelecimento onde trabalha.

 

O que nos chamou atenção foi o posicionamento adotado no voto do Juiz Douglas Alencar Rodrigues quando diz ao proferir seu voto em decisão sobre justa causa e utilização de e-mail pelo empregado que "não há como reconhecer a existência de direito a privacidade na utilização de equipamentos concebidos para a execução de funções geradas por contrato de trabalho" e, ainda, "Considerando os objetivos que justificam a concessão de e-mail pelo Reclamado, não há como equipará-lo as correspondências postais e telefônicas, alcançadas pela tutela constitucional inscrita no artigo 5º, inciso XII, da CF".

 

A Ementa de seu voto diz o seguinte:

 

EMENTA: RESOLUÇÃO CONTRATUAL. SISTEMA DE COMUNICAÇÃO ELETRÔNICA. UTILIZAÇÃO INDEVIDA. ENVIO DE FOTOS PRONOGRÁFICAS. SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA. QUEBRA. INOCORRÊNCIA. Se o e-mail é concedido pelo empregador para o exercício das atividades laborais, não há como equipará-lo às correspondências postais e telefônicas, objetos da tutela constitucional inscrita no artigo 5º, inciso XII, da CF. Tratando-se de ferramenta de trabalho, e não de benefício contratual indireto, o acesso ao correio eletrônico não se qualifica como espaço eminentemente privado, insuscetível de controle por parte do empregador, titular do poder diretivo e proprietário dos equipamentos e sistemas operados. Por isso o rastreamento do sistema de provisão de acesso à internet, como forma de identificar o responsável pelo envio de fotos pornográficas a partir dos equipamentos da empresa, não denota quebra de sigilo de correspondência (art. 5º, inciso XII, da CF), igualmente não desqualificando a prova assim obtida (art. 5º, inciso LVI, da CF), nulificando a justa causa aplicada (CLT, art. 482). (TRT-DF-RO 0504/2002)- Acórdão 3º Turma).

 

Apesar do brilhantismo do juiz temos outro posicionamento sobre o assunto que ora descreveremos. Ressalvando que em momento algum pretendemos ser o dono da verdade. Almejamos apenas evoluir o estudo sobre essas questões buscando assim uma solução mais coerente e justa para os que clamam por justiça.

 

Correio eletrônico versus correio postal

 

As diferenças entre as duas comunicações não podem ser consideradas de maneira radical pois apesar de terem suas peculiaridades ambos devem respeito a ordem legal vigente. Devemos nos ater que estamos diante de uma nova realidade que não pode ser desconsiderada. Além disso consideramos que os velhos institutos não estão aptos a resolver tais questões de maneira satisfatória. Por isso, para resguardar o respeito a alguns princípios elevados a esfera constitucional poderemos estatuir algumas diferenciações no momento da aplicação e confrontação com outros direitos de mesma ou superior hierarquia.

 

Sabemos que além da garantia constitucional, a violação de correspondência também é prevista pelo Código Penal Brasileiro em seu artigo 151 onde dispõe: "Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada, dirigida a outrem". Pena de detenção, de 1 (um) a seis meses, ou multa.

 

A respeito cabe aduzir que na legislação espanhola por exemplo o Código Penal já equipara em seu artigo 197.1 o correio postal e correio eletrônico, castigando a vulneração da intimidade de outro por parte de quem "sem seu consentimento, se apondere de seus papéis, cartas, mensagens de correio eletrônico", o "intercepte suas telecomunicações ou utilize artifícios técnicos de escuta de transmissão, gravação ou reprodução de som ou imagem, ou de qualquer outro sinal de comunicação".

 

No entanto necessitamos estudar e aplicar de maneira diferente a legislação direcionada ao correio postal e não aplicada ipse literis ao correio eletrônico, uma vez que as condições de envio e a questão da propriedade dos meios utilizados dentre outros fatores que não podem ser considerados da mesma forma.

 

Assim entendemos que o sentido de correio é similar aos dois porém o modo de execução é diferente. Levando em consideração este principal fator é que o aplicador do direito deve transmutar essa diferença na ora de analisar e interpretar lei que não deve servir para beneficiar esse ou aquele empregado ou empregador e sim aproximar-se do justo.

 

Poder de direção do empresário e a intimidade pessoal do trabalhador

 

Nos resta indubitável que o princípio constitucional a privacidade pessoal incide nas relações de emprego entretanto essa diretriz não deve ter o condão de ser um direito absoluto, e sim integrar-se como o conjunto de preceitos legais de maneira sistemática, entre os quais encontramos a faculdade do empresário de estabelecer mecanismos de monitoramento dos empregados para fiscalizar a realização devida, comprovando, por exemplo a produtividade para bem aplicar sanções disciplinares, com o devido respeito a normas fundamentais. Portanto proteção civil do direito a honra, a intimidade pessoal e familiar e a própria imagem não poderá ser rompida por intromissões ilegítimas aquelas que suponham, sem consentimento do trabalhador a colocação em qualquer lugar de aparatos de escuta, de filmagem, de dispositivos óticos ou de qualquer outro meio apto para gravar, reproduzir a vida íntima das pessoas ou de manifestações ou cartas privadas não destinadas a quem faça usos de tais meios, assim como sua gravação, registro e reprodução.

 

O exercício do poder diretivo e fiscalizador do empregador não pode servir em nenhum momento para a produção de resultados inconstitucionais, lesivos dos direitos fundamentais do trabalhador, nem a sanção do exercício legítimo de tais direitos por parte daqueles. Nos casos em que surjam conflitos aonde haja direitos fundamentais em questão - como o direito a intimidade e ao segredo das comunicações - deve ponderar-se, mediante a aplicação do princípio da proporcionalidade, como medida de respeito ao direito. Aplicando este princípio será possível conciliar direitos sem que os mesmos tenham o condão de lesionar garantias previstas quando forem confrontados.

 

Na relação de trabalho devem ser respeitados os preceitos constitucionais, já que a celebração de um contrato de trabalho não pode suportar por si mesmo a renúncia dos direitos fundamentais, pois ditos direitos podem ser objeto de certas restrições desde que com a necessária justificação moral e legal do empresário. Entendemos que a intimidade do trabalhador deve ser respeitada em qualquer ocasião no ambiente de trabalho, e o segredo das comunicações em qualquer que seja a modalidade em que se transmita. Porém nenhum desses direitos deve ser absoluto e se sobrepujar a outros de mesmo nível hierárquico devendo ceder ambos em sua aplicação quando for necessário para alcançar o fim último do direito.

 

A intervenção no correio eletrônico da empresa

 

É obvio que a fiscalização exaustiva e injustificável do correio eletrônico dos trabalhadores nas empresas deve ser considerada condenável com base na doutrina constitucional anteriormente exposta, pois o contrato de emprego não é uma área autonôma alheia a vigência da Constituição. Por essa razão, o acesso indiscriminado ao correio eletrônico, por exemplo, vulnera o direito do trabalhador em seu sigilo nas comunicações e a reserva sobre a comunicação emitida, com independência do conteúdo da mesma.

 

Porém, a questão não se limita apenas a uma única análise já que comporta situações dicotômicas como por exemplo a do correio eletrônico proporcionado pela empresa e aquele de uso particular do trabalhador, contratado por ele mesmo a margem de sua relação laboral com a empresa.

 

No primeiro caso a poder de controle e direção que corresponde ao empresário no uso da liberdade de empresa tem lhe permitido estabelecer, se for o caso, medidas impeditivas e condicionantes sobre o uso particular do serviços que oferece na internet.

 

Certamente, a liberdade da empresa supõe o poder de decisão do empregador sobre a estrutura e funcionamento daquela; A disponibilidade sobre os meios de produção; a direção da prestação de trabalho do pessoal contratado, de acordo com as condições pactuadas no contrato de trabalho. Porém um contrato que não pode ignorar que as relações laborais se baseiam em princípios de boa-fé e diligência profissional. E, como é óbvio, aquelas condições não podem estabelecer-se com abstração dos direitos reconhecidos pela constituição. A autonomia organizativa do empresário não é nem pode ser ilimitada.

 

Por outro lado o correio proporcionado pela empresa deve ser destinado necessariamente ao uso estritamente profissional, como uma espécie de ferramenta de trabalho de propriedade da empresa, não podendo o empregado a princípio, utilizá-lo para fins particulares. Nesse caso entendemos que a empresa detêm a faculdade de controle sobre o correio desde que comprove realmente que a fiscalização do correio eletrônico serviu para o fim a que se destina, sem maiores intervenções que pudessem revestir-se de ilegalidade e lesão a direitos postos. O simples fato de ser um correio eletrônico proporcionado pela empresa, uma ferramenta de trabalho, não deve ser suficiente para permitir a interceptação do mesmo de forma arbitrária pelo empregador sob pena de ser considerada lesiva para aos direitos fundamentais do trabalhador.

 

E no que diz respeito ao correio eletrônico particular do trabalhador, é evidente que qualquer intromissão do mesmo poderá ser considerada uma violação a direitos constitucionais de cidadão. Isso não obsta a que a empresa imponha levando-se em consideração a faculdade diretora da relação trabalhista, a proibição ou restrição no que concerne a utilização do correio eletrônico particular durante a jornada laboral, como uma espécie de incumprimento das obrigações por parte do trabalhador gerando sanções fundamentadas nos incisos do artigo 482 da Consolidação das Leis Trabalhistas, incluindo em resilição do vínculo empregatício em caso de reiteração.

 

Em todo caso, resulta fundamental informar ao trabalhador dos meios que serão utilizados para verificar o cumprimento do pactuado e estabelecer uma normativa interna, buscando incluir o consentimento tanto do trabalhador como de seus representantes.

 

A adoção de medidas de controle será considerada válida a nosso sentir, em princípio, quando seja estabelecida uma clara política por parte da empresa a respeito. Tais medidas podem ser publicizadas ou normatizadas por exemplo por intermédio de um código de conduta onde seja comunicado aos empregados em caráter periódico e que indique cristalinamente as regras que a que os trabalhadores devem ser submetidos quando utilizem os meios técnicos postos a disposição da empresa para realização de sua prestação laboral. Também são aconselháveis outras medidas, como a separação do correio eletrônico pessoal do profissional, o controle gradual das comunicações, mas que porém devem ser verificados de acordo com as peculiaridades de casa situação.

 

Tivemos notícia de que em uma grande montadora no Estado de São Paulo já ocorre em determinados setores da empresa, no momento da assinatura do contrato de trabalho o convite para que o mesmo firme uma renúncia a privacidade do correio eletrônico disponibilizado pela empresa, pelo qual o consentimento expresso prestado por um indivíduo converte aparentemente em legítima a intromissão em suas comunicações. Tais procedimentos são extremamente condenáveis e devem sofrer uma rápida repressão por parte dos órgãos fiscalizadores no sentido de punir os transgressões da lei aplicando-lhe multas por desobediência ordem constitucional.

 

Em virtude da falta de uma regulamentação legal que carecemos, e com o objetivo de solucionar eventuais conflitos envolvendo referidas questões, aconselhamos o atores sociais a estabelecer acordos entre empregados e empregadores relativos ao correio eletrônico no sentido de regulamentar seu uso através de regulamentos de empresa ou convenções coletivas. Uma informação clara e inequívoca aos empregados sobre o correto uso do mesmo, e sobre o sistema e características de controle do correio profissional geraria um standart adequado para o uso eficiente e pacífico desta ferramenta de comunicação e trabalho. Não obstante, apesar de que a autoregulamentação é o mesmo mecanismo que tem sido aplicado para o desenvolvimento do direito no que envolve tecnologias de informação, não se pode desejar o puro consenso das partes em determinados temas especialmente sensíveis como o da privacidade, devido a que na prática dito consenso não é mais que aparente, tratando-se mais de simples mecanismos de adesão.

 

O controle do e-mail pelo empregador

 

Continuando o raciocínio complexo do item anterior verificamos que as questões que envolvem o correio eletrônico são deveras delicadas por envolveram uma série de direitos e garantias constitucionais além de gerarem discussões em uma área que já traz consigo uma certa conflituosidade natural como é a do Direito do Trabalho.

 

Os bens em jogo podem sofrer uma vulneração que permite denotar que nenhum direito é absoluto seja ele o de liberdade de organização da empresa, a titularidade na propriedade do correio eletrônico, a inviolabilidade sem restrições do sigilo de dados. Assim o empregador não possui o poder acessar de maneira irrestrita o correio eletrônico do trabalhador nem o empregador tem o direito de acesso e utilização de sua conta de e-mail para quaisquer fins alheios a prestação de serviço.

 

A palavra-chave para essas dúvidas no modo de aplicação do direito chama-se equilíbrio, ou seja a proporcionalidade de cada direito em virtude da falta de legislação existente somos chamados a aplicar normas gerais que não vislumbram de forma clara a limitação existente por exemplo no direito a intimidade. Daí a necessidade da interpretação responsável e coerente para resguardar o poder diretivo do empregador para comandar a empresa sem que implique em lesão ao direito do empregado de acessar os serviços eletrônicos.

 

Muitas das vezes constatamos uma certa erronia na conceituação do direito a intimidade pois por, exemplo a funcionalidade do e-mail fornecido pelo empregador permite uma certa abstração de confidencialidade pois se olharmos por esta ótica poderemos perceber que não se trata da privacidade do empregado e sim de mero ofício encaminhado ou proposta de venda. Daí podemos assegurar que não se trata de uma correspondência intima e sim de um mero expediente utilizável e aberto a todos os que trabalhem na empresa.

 

Este pode ser absolutamente profissional, e portanto não seria invocável o direito a intimidade, ou pode conter aspectos próprios daquilo que define intimidade: o âmbito privado das pessoas, inacessível aos demais. E neste último caso, naturalmente, o trabalhador tem que saber que este instrumento não tem o condão de proteger sua intimidade, mas sim de veicular produtos ou serviços da empresa.

 

Devemos partir da premissa de que o e-mail dos trabalhadores na empresa é um instrumento de trabalho e, em determinadas circunstâncias e com determinadas políticas, é possível que o empresário possa conhecer o conteúdo desses e-mail's em situações de abuso a respeito das quais haja indícios objetivos de que estão sendo perpetrados.

 

Esses indícios devem ser baseados em critérios objetivos como por exemplo a freqüência no número de comunicações de caráter pessoal, ou o título próprio das mensagens no caso do correio eletrônico. Nesses casos, se o empresário tiver um indício objetivo de que está produzindo-se uma situação de abuso deverá ser permitido o controle, estabelecendo o mínimo de garantias exigíveis, por parte do trabalhador, a respeito de seus direitos.

 

Em primeiro lugar deverá existir uma comunicação prévia do afetado para essa vasculha; em segundo lugar, haverá de contar com a presença de um representante sindical, que tutele os direitos do trabalhador controlando as garantias de transparência; e por último, um procedimento que busque o nexo causal e a proporcionalidade entre a prática abusiva e a sanção aplicável ao fato.

 

Atualmente não existe um regime de sanções para faltas relacionadas com o uso das novas tecnologias, muito menos uma graduação da sanção, com qual se produz uma situação de arbitrariedade que provoca falta de defesa do trabalhador pela ausência do princípio da proporcionalidade.

 

O que não podemos aceitar é que este poder de controle do empresário autorize uma intromissão indiscriminada em qualquer caso ao conteúdo das comunicações de seus trabalhadores via e-mail. Há que se estabelecer neste campo as regras do jogo, e a via para fazê-lo que pode ser por meio da lei, convenção ou acordo coletivo.

 

Defendemos que o empresário pode acessar o e-mail de seus empregados porém não de uma forma indiscriminada e sistemática já que o trabalhador tem direitos que podem ser invocados legitimamente como o direito a inviolabilidade das comunicações e direito ao exercício de trabalho em condições dignas. E portanto, o trabalhador tem direito a não sofrer intromissão em sua atividade.

 

Em todo o caso devem ser respeitados os princípio básico a que regem qualquer contrato de emprego como por exemplo o da boa-fé, dentre outros pautados na exata consecução das relações de trabalho. Assim no que diz respeito aos limites para o uso profissional do correio eletrônico, seja no contrato de trabalho de forma individual ou nas convenções coletivas de trabalho, as partes tem que acordar as condições que regulem a utilização profissional do e-mail obedecendo as diretrizes legais e contratuais do direito do trabalho.

 

Não defendemos que os empregados fiquem isolados do mundo quando estiverem em serviço sem qualquer possibilidade de comunicação com a família e amigos. Esta deve ser comedida e de preferência restrita a outros meios menos dispendiosos até que em último caso se chegue ao e-mail. Assim deve o empregador salientar que o e-mail não é um meio idôneo para comunicação pessoal, e pôr outros meios, se possível a disposição do trabalhador para que este possa comunicar-se pessoalmente fora da vigilância e controle da empresa de forma razoável e desde que não traga prejuízos consideráveis a empresa.

 

Repetiremos por fim que as inovações trazidas ao universo jurídico trabalhista já são uma realidade e que somente agora começam a despontar em litígios nos Tribunais por isso desde já urge que tenhamos consciência de que a realidade nos força a regulamentar estas situações através dos convenções coletivos estabeleçam a partir de agora condições para o uso racional do e-mail por parte do trabalhador e condições de acesso a seu conteúdo por parte do empresário. Esses são os grandes traços, nossa proposta a respeito seria a de regular o tema do uso pessoal do e-mail não só nos convenções coletivas mas também na CLT, como norma trabalhista básica.

 

O uso social do e-mail

 

Não temos mais como fechar os olhos para a tecnologia e muito menos continuarmos a traçar soluções assemelhadas as anteriores. Hoje o contrato de trabalho possui inúmeras modificações que precisam ser acompanhada por nós.

 

Estamos diante de modificações nunca antes previstas e que precisam ser assimiladas pelos empregados e empregadores. Limites de horas passaram a ser relegados e foram substituídos pela produtividade. Criatividade é a palavra de ordem para que o empregado se mantenha no trabalho.

 

Ou seja valores totalmente diferentes foram sendo solidificados e colocados em seus devidos graus de importância. Por isso não há mais lugar no mundo moderno para idéias retrógradas, bem como o estatismo desses pensamentos.

 

Portanto uma empresa para se desenvolver no mercado deve ser flexível e ter a visão de que outros tipos de produção podem ser benéficas para a desenvoltura da empresa.

 

Assim utilizamos como exemplo o chamado uso social do e-mail. Não há porque o empregador não permitir esta prática pois dela podem advir benefício para empresa, pois tal prática desde que não abusiva e desde que não traga prejuízo para a empresa ou queda na produtividade permite uma maior liberdade para o empregado realizar suas atividades sem que esteja com o medo constante de ser demitido pela simples utilização nos moldes que dissemos do e-mail.

 

Por isso entendemos que o empregado que possui este liberdade limitada de uso do e-mail tem mais estímulo para desenvolver sua função e quem sabe até criar idéias através de seu manuseio dos instrumentos tecnológicos a sua disposição, criando um ambiente mais agradável de trabalho.

 

O uso social do e-mail é uma teoria nova que deve ser melhor desenvolvidas através de mesas redondas compostas por representantes de empregados e empregadores para lograrem um consenso.

 

Assim a empresa moderna que almeje que o empregado não seja um simples robô cumpridor de ordens e limitado ao poder diretivo do empregador deve permitir o uso social do e-mail como uma forma de estímulo a produtividade e ao bem estar necessário em um ambiente de trabalho.

 

Processo de evolução

 

Em matéria de relações trabalhistas temos passado por grandes mudanças. Essas transformações estão dentro de um âmbito mais amplo: O direito na internet. Estamos assistindo ao nascimento do Direito das novas tecnologias. Uma espécie de ciência autônoma do direito que atinge e influi em todos os ramos do Direito.

 

Estamos em um impasse objetivo, uma vez que os protagonistas das relações laborais, tantos sindicatos como empresários, estão acostumados a um sistema de organização de trabalho próprio do fordismo, da grande empresa, do trabalho em cadeia, o que não corresponde mais ao modelo hoje visto em uma empresa moderna e competitiva.

 

A revolução tecnológica tem sido tão avassaladora que tem transformado completamente o cenário da organização do trabalho. Agora a indústria flexibiliza os turnos de trabalho, descentraliza a empresa operando através de sujeitos infinitamente mais pequenos e dispersos no território.

 

Estamos vivenciando um dilema pois nosso especialistas e legisladores estão arraigados a velhos institutos tradicionais e os sindicatos amarrados a peias retrógradas e limitados em seu poderio são inibidos a praticar mudança e inserir cláusulas em convenções estatuindo o modus operandi das maquinas eletrônicas. Seria portanto, impraticável, nesse contexto, a reprodução da atividade sindical feita nas grandes empresas, aonde todos trabalhavam nos moldes de grandes cadeias, em concentrações massivas de trabalhadores.

 

Possuímos um ordenamento jurídico inapto a conjuntura tecnológica e econômica. Tal situação traz uma série de malefícios para o contrato de emprego e as relações de trabalho como um todo pois sem esta adaptação a realidade tecnológica e a organização do trabalho, estamos contribuindo para o retrocesso da economia a medida em que criamos desestímulos legais para a implantação da tecnologia por gerar conflitos de difícil solução.

 

Para não sermos ameaçados com a extinção ou lesão de direitos fundamentais por exemplo devemos nos posicionar claramente sobre os fatos advindos do caso concreto estabelecendo diretrizes gerais que não beneficiem apenas umas das partes. Por isso somos favoráveis a interpretações e decisões baseadas no equilíbrio de direitos que permitam resguardar o direito do empregador de dirigir a empresa tendo acesso de forma razoável ao e-mail's dispostos e a liberdade de comunicação do empregado através do uso social do e-mail.

 

Cabe por fim a nós alertar a todos que passamos por uma revolução cibernética que atinge em cheio as relações de trabalho e que portanto devem ser estudadas e solucionados os conflitos provenientes dessas transformações munindo os atores sociais de arcabouços jurídicos e legais aptos para lidar com esses tipos de relações com vistas a criar um equilíbrio social entre os empregadores e empregados no trato das questões envolvendo as relações entre o direito do trabalho e a informática.

 

Revista Consultor Jurídico, 19 de agosto de 2002.

 


 

 

Mário Antônio Lobato de Paiva é advogado em Belém; sócio do escritório Paiva & Borges Advogados Associados; sócio-fundador do Instituto Brasileiro da Política e do Direito da Informática - IBDI; presidente da Comissão de Estudos de Informática Jurídica da OAB-PA; professor e conferencista.

 

Fonte: http//conjur.uol.com.br 

Era das Redes

Regulamentação da Internet: legislar ou reciclar?

 

José Caldas Góis Jr. *

 

Atualmente, quando se fala em controle das relações jurídicas realizadas via Internet uma tônica predominante é a afirmação de que a rede não dá ensejo a que se inicie um processo de criação legislativa voltado especificamente aos conflitos cibernéticos vez que, em linhas gerais, a rede seria somente um meio para realização de velhos crimes ou um novo lugar para as nossas velhas práticas associativas.

 

Nos últimos tempos tenho refletido muito sobre essa idéia. Por ocasião da realização da III Conferência dos Advogados do Maranhão tive, inclusive, a oportunidade de ouvir de viva voz as razões de tal posicionamento de dois grandes nomes na matéria, os advogados e professores Alexandre Jean Daun e Amaro Morais e Silva Neto, sem que, entretanto, minhas inquietações tenham cessado por completo.

 

A respeito é importante alertar que o entendimento de que a Internet não necessita de uma regulamentação especial contraria frontalmente uma das bases sobre a qual estabeleci a minha pesquisa de conclusão do mestrado e que acabou resultando no livro o Direito na Era das Redes. Naquela obra afirmo que a internet carregada sim um traço característico que lhe diferencia das formas de relacionamento humano havidas até o momento e este traço consiste precisamente no fato de que historicamente "as relações entre as pessoas têm se materializado, sempre, dentro do espaço físico em que a sociedade está inclusa. O laço do casamento pressupõe a coabitação; uma compra e venda, a tradição, e assim por diante, sempre numa cadeia de necessariedade em relação a um contato físico e material. No espaço cibernético as relações se estabelecem de maneira quase instantânea, indiferentemente de quão longe estejam as pessoas". (1)

 

Na Conferência que proferiu no Maranhão, a respeito da questão da prova nos processos que versam sobre questões ligadas ao uso das redes, Amaro de Morais foi enfático ao reproduzir a idéia, já exposta no seu livro Privacidade na Internet, de que o surgimento da eletricidade não deu ensejo a que se criasse um direito da eletricidade, nem o surgimento do rádio a que surgisse um direito do rádio de modo que não seria a Internet que haveria de merecer um direito próprio, construído em face de uma suposta nova realidade que decorresse dela.

 

A despeito das palavras do mestre e guru de muitos estudiosos da Internet no Brasil, continuo inquieto diante da questão e não posso me recusar a enfrentá-la mesmo sabendo que talvez não possa contribuir com respostas mas, tão-somente, com a dúvida.

 

A intenção, portanto, que me impulsionou a escrever o presente artigo foi a de trazer mais uma vez a matéria para o centro da discussão vez que, como já dito, a questão está sendo cada vez mais relegada ao lugar de uma premissa já afirmada dentro do discurso de que precisamos aprender a interpretar a legislação vigente de modo a aplicá-la à Internet. O espírito científico que me impulsiona a não somente repelir a tese contrária àquela que esposei no meu trabalho é o mesmo que me leva também a não aceitar como dada a premissa acima colocada sem antes um último esforço de indagação a respeito da sua veracidade.

 

Prefacialmente, portanto, necessário afirmar mais uma vez que não me considero um legalista que só consiga enxergar a possibilidade de ordenação das relações interpessoais através da criação de leis. Ao contrário, tenho procurado ao longo das minhas pesquisas me balizar pelas novas noções de Direito, derivadas da crítica ao modelo positivista e jusnaturalista. Tal posicionamento, entretanto, não me impede de reconhecer que a lei têm uma importante função instrumental dentro do processo de distribuição da justiça e, dentro de tal contexto, mudadas as condições da realidade a que se aplica, ela pode se tornar um ferramenta inadequada para os fim de pacificar e harmonizar as relações humanas.

 

De outro modo concordo com a idéia de que o trabalho de adequação interpretativa do ordenamento vigente para a regulação dos conflitos cibernéticos é mais simples, concreto e pragmático que qualquer esforço legislativo e louvo os progressos que já tivemos graças ao espírito científico de estudiosos como o Amaro de Morais e tantos outros. Um bom exemplo deste valoroso trabalho de "reciclagem legal" nós temos na proposta apresentada por Amaro no Maranhão de se utilizar a ata notarial, um instituto jurídico mais antigo que o próprio país, pois nos foi legado pelo Direito Português, para fazer prova de uma fato jurídico relevante ocorrido na internet. Pelo entendimento do Amaro, a quem remeto o leitor interessado em maiores esclarecimentos, o interessado em produzir a prova poderia se dirigir a um tabelião e pedir que o mesmo acessasse a página ou documento eletrônico e que depois fizesse constar num ato notarial o que viu, materializando assim aquilo que antes estava tão somente no etéreo ambiente do ciberespaço.

 

Entretanto, creio que nem mesmo o maior esforço de adequação vai nos permitir chegar a um sistema de controle eficaz das relações via rede de computadores se não partirmos para a criação de leis específicas enriquecidas já pelos novos conceitos que o ciberespaço nos propõe por mais difícil, demorado e oneroso que seja o processo legislativo na atualidade.

 

Pensemos naquelas áreas do direito que mereceram um esforço de especialização como, por exemplo, os recentes direito do consumidor e o direito ambiental e veremos que não existe no espaço próprio de positivação em que desenvolvem nenhum novo caracter que possa justificar tal aprimoramento. Ao contrário, o direito ambiental se desenvolve sobre um meio (-ambiente) e estabelece a sua tutela sobre objetos por vezes mais antigos que a própria ciência jurídica.

 

O que impede que se possa disciplinar uma relação de consumo com o direito civil comum ou um crime ambiental com o direito penal comum se a realidade é a mesma e todos os aspectos subjacentes à materialidade das relações são iguais àqueles tratados na teoria jurídica tradicional ?

 

O que justifica, então, a existência de um direito do consumidor? Uma relação de consumo poderia ser muito bem interpretada como uma compra e venda ou outro instituto cível se vista tão somente sob um ponto de vista mecânico procedimental.

 

Acho que a resposta está no fato de que as mudanças históricas causam alterações de princípios e conceitos que vão muito além da simples materialidade das transações e ou mesmo de uma mecânica inerente ao processo. Assim, um consumidor não é um simples comprador assim como matar um papagaio hoje não tem a mesma significação criminal que tinha há cem anos.

 

O que faz a verdadeira diferença numa relação de consumo não é nada relacionado com a troca de dinheiro por mercadoria ou serviço mas sim conceitos e princípios como o da hipossuficiência do consumidor, que reclama o estabelecimento de um direito também especial que equilibre as partes trazendo o prumo da justiça para o seu local adequado. Assim, vê-se, que o que reclama a especialização não é a materialidade da relação nem mesmo a sua mecânica; mas sim o uso de conceitos e princípios embasadores alterados em função da dinâmica histórica.

 

No meu livro cito diversos desses pressupostos que são bastantes para que se possa falar da necessidade de uma legislação voltada aos novos problemas surgidos com o advento do uso de redes de computadores. Para não me estender em exemplos citarei apenas um fundamental: a internet é um espaço sem fronteiras ou ulltrafronteiriço onde se dissolvem conceitos importantes do nosso direito como o conceito de território, o de jurisdição, o de materialidade e outros.

 

No último capítulo do meu livro enumerei algumas de tais características que adiante abordarei em síntese com o intuito único de provar que a questão não é tão simples como pode parecer a princípio, vejamos:

 

1 - A Internet hoje não é mais tão-somente o espaço libertário e romântico de uma democracia de informação, como se afigurou nos seus primórdios. Ao contrário, o que vemos atualmente é um avassalador processo de apropriação da rede pela sociedade capitalista transformando-a em apenas mais um meio de viabilizar o consumo em massa a nível global.

 

Dentro desse novo quadro, a luta pela liberdade na rede pode e está sendo usada numa perspectiva ideológica, mesmo que assim não tenha sido concebida. Sob o manto da preservação das liberdades públicas se escondem, por vezes, interesses econômicos vários, com o intuito de não estender ao ciberespaço a regulamentação existente no espaço social nacional e assim, tornar a rede uma espécie de paraíso liberal; deixa fazer, deixa passar.

 

2 - Muito mais que em qualquer outro, uma boa lei sem um arcabouço técnico operacional que lhe garanta aplicabilidade pode vir muito rapidamente a se transformar em apenas uma página de boas intenções. Assim é que nenhuma lei será realmente eficaz se não se desenvolverem, concomitantemente, técnicas e métodos de polícia investigativa e mecanismos de cooperação internacional que permitam ao menos se chegar ao ponto inicial da aplicação da lei: a constatação da prática do ilícito ou da negação a um direito garantido.

 

Assim, inicialmente, é necessário afirmar que, neste campo, nenhuma legislação que desconsidere os esforços mundiais de regulação poderá tornar-se efetiva.

 

Marcos Sakamoto, intitulado Direito das Gentes e Informática, faz uma longa demonstração de como o campo da informática reflete a tendência de formulação de padrões aceitos internacionalmente em detrimento das arquiteturas particulares. Segundo Sakamoto as forças de mercado e a pressão da competição reduziram o número de fabricantes de hardware e o mercado de software a seguidores de padrões básicos e estratificados vigentes internacionalmente.

 

Continua Sakamoto, demonstrando que sistemas inteiros de apoio ao comércio internacional: aquisição, armazenagem e recuperação de dados, foram montados sob plataformas comuns de modo a atingirem eficiência, em diferentes países do mundo, enquanto, em paralelo, ocorria uma revolução nas telecomunicações: facilidades de transportes de dados a preços menores e mais confiáveis.

 

Por fim, conclui que, uma vez que tal rede já se encontra montada e em funcionamento, constitui a Internet uma inegável força de pressão no sentido de que seja criada uma legislação compatível a atender demandas baseadas em tecnologia comum. Segundo o autor "uma base tecnológica comum (a rede mundial de computadores) gera uma nova dimensão de demandas, que possui uma identidade própria, são demandas baseadas não em uma cultura regionalizada, mas sim em uma cultura uniforme, toda ela baseada na informática. Não mais existem as fronteiras físicas, políticas... estamos diante de um fenômeno global" .

 

Segundo Sakamoto, a solução definitiva para algumas das questões previamente citadas passa não por uma adaptação, mas por uma revolução a nível da Estrutura e dos Conceitos do Direito como os conhecemos, aplicados a esta nova realidade.

 

3 - As formas atuais de limitação estatal ao uso das redes de computadores ainda estão quase que completamente ligadas a uma tentativa de controle político ou ideológico como é o caso do Afeganistão, da China e mesmo dos Estados Unidos, com o esforço de dar à rede um padrão adequado à cultura e à moral nacional. Tais países se sentem ameaçados com o modelo quase anárquico que a Internet propõe.

 

Entretanto, a tentativa de se estabelecer fronteiras na rede parece ser uma iniciativa fadada ao fracasso o que indica, mais uma vez, que o caminho tem que passar pela regulamentação internacional de certos aspectos da Internet.

 

Em alguns casos, é bem verdade, o nosso sistema legal nacional pode até ser suficiente para regular as relações via rede, já que muitas dessas relações são apenas aparentemente novas mas, na prática, repetem, tipos e modelos já encontrados na vida real.

 

Existem casos, entretanto, em que uma legislação de âmbito nacional será totalmente inadequada para dar uma resposta ao desajuste social criado por não contemplar tipos específicos ou simplesmente não conseguir conceber a complexidade desse novo meio de comunicação.

 

Visão global, regulamentação dinâmica e célere, respeito aos direitos individuais com a preservação dos valores sócio-culturais, cooperação a nível de política criminal e de polícia, são algumas das metas que precisam ser perseguidas a fim de que se consiga dar regulação às relações na Internet.

 

De outro modo, qualquer modelo nacional de regulação, por via de lei ou outra forma, tem que ter em vista as iniciativas que se desenvolvem nos outros países estabelecendo formas de cooperação e intercâmbio de informações, inclusive, a nível de polícia do ciberespaço.

 

Como dito, não tenho a intenção de apresentar respostas cabais mas tão somente de manter viva a chama da discussão colocando esta importante questão ainda no primeiro plano dos debates em torno da regulação das relações nascidas com o uso de redes de computadores.

 

Nota de rodapé:

(1) GOIS JR, José Caldas. O Direito na Era das Redes: a liberdade e o delito no ciberespaço. Bauru: EDIPRO, 2001, p. 46.

 

Revista Consultor Jurídico, 29 de agosto de 2002.

 

 

 

http://conjur.uol.com.br/view.cfm?id=12922&ad=aDebate instaurado

É possível divulgar listagem de clientes no site do TJ?

 

Sérgio Iglesias Nunes de Souza*

 

Novamente nos deparamos com mais um desnivelamento entre a informática e a lei. Em 3 de janeiro de 2001, publicamos o artigo Advogados e a Ética - copiar petição de colega é obter lucro fácil, na Revista Consultor Jurídico. Naquela ocasião, tratava-se de artigo sobre a divulgação de pesquisa através do nome do advogado e/ou seu número de classe através do site www.trf3.gov.br, referente aos processos existentes perante a Justiça Federal de São Paulo em primeira e segunda instância.

 

Solicitamos, em meados do ano de 2000, requerimento à Justiça Federal para cancelamento do serviço em nome não só deste advogado solicitante, mas de todos que labutem naquela instância federal. O requerimento ensejou em parecer proferido pela Ordem dos Advogados do Brasil, seccional de São Paulo, pelo Tribunal de Ética e Disciplina, aconselhando este órgão que a Justiça Federal alterasse o sistema informatizado, evitando tais pesquisas através do nome do advogado ou o seu número de classe (processo nº E-2.2220/00, v.u., em 14/09/00, do parecer e voto do Rel. Dr. João Teixeira Grande, Rev. Dr. Benedito Édison Trama, Presidente Dr. Robison Baroni. Boletim da Associação dos Advogados de São Paulo, nº 2.198 de 12 a 18/02/2001).

 

Recentemente, o Tribunal de Justiça de São Paulo criou o site www.tj.sp.gov.br, que, aliás, trata-se de uma medida elogiável e de grande valia e contribuição para a sociedade e aos setores da área jurídica. Contudo, também se criou procedimento semelhante ao existente, no passado, ao site da Justiça Federal, ou seja, possibilitando em determinado link a pesquisa feita através do nome do advogado e/ou por seu número de classe. Com tal possibilidade, mais uma vez, há a necessidade de algumas alterações no sistema informático ante o seu descompasso não só com a legislação, notadamente, com o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, a teor do inciso IV do art. 33, bem como em decorrência do interesse público primário (social) existente e, ainda, ante aos princípios norteadores do ato da administração pública: a necessidade, utilidade, razoabilidade, finalidade, motivação e supremacia do interesse público. Ainda, é necessário interpretarmos a norma do inciso IV do art. 33 do Código de Ética e Disciplina através não só de uma interpretação gramatical, mas também lógica, sistemática e teleológica, conforme pontifica Maria Helena Diniz, em Revista do Advogado, nº 67, agosto de 2002, p. 94/98.

 

Estabelece o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, nos termos do inciso IV, artigo 33, que:

 

"O advogado deve abster-se de:

 

IV - divulgar ou deixar que seja divulgada a lista de clientes e demandas" (Grifo nosso)

 

Analisemos o referido dispositivo através de alguns métodos da hermenêutica jurídica. Pelo critério gramatical, estabelece a referida norma jurídica que o advogado deverá tomar uma medida comissiva, isto é, positiva, com o intuito de evitar e não permitir que seja divulgada a lista de seus clientes e demandas. Trata-se de um dever obrigatório estabelecido pelo citado inciso IV do art. 33 do CEDOAB, que, implica, necessariamente, não só em um direito, mas um dever de todo o advogado de coibir a prática, sob pena de incidência do citado dispositivo.

 

Na seara da interpretação lógica, tem-se que a logicidade da conduta a ser exercida pelo advogado consiste no resultado negativo que sua abstenção, a partir do conhecimento do fato da divulgação pelo advogado, incida nos vetores da infração disciplinar.

 

Pela interpretação sistemática, é necessário avaliarmos o ordenamento jurídico integralmente. Ao mesmo tempo, utilizaremos a interpretação teleológica, acrescida das conclusões interpretativas anteriores: o Código de Ética e Disciplina, bem como o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil condena a prática do exercício da advocacia com caráter mercantilista, implicando em outros deveres do advogado, v. g., não fazer divulgação de seu nome desacompanhado de seu número de classe ou divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade; há o dever de sigilo do advogado de suas demandas, já que baseada esta atividade profissional no segredo profissional (este não interesse somente ao confidente e ao cliente, mas à sociedade inteira, pois o segredo só sairá da esfera do domínio contratual em virtude do interesse que a sociedade tem sobre determinada revelação) e na confiança com seu cliente e, ainda, é vedada a propaganda de forma exagerada e indiscreta ou, até, fazer comentários por meios jornalísticos de determinado processo judicial com o intuito de se promover. O advogado deverá manter os padrões da discrição, erudição, fazendo, quando declinado pela imprensa, comentários com caráter de orientação e indicar os meios hábeis para a defesa dos direitos do cidadão, aconselhando, por vezes, a população a buscar auxílio através de órgãos públicos de proteção, reconhecidos e idôneos. Dessa maneira, a finalidade que busca atingir o ordenamento positivo através do Código de Ética e seu estatuto é a respeitabilidade da profissão inerente à função de seu múnus público, já que no seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social (parágrafo 1º e 2º do art. 2º do Estatuto da Advocacia - Lei 8.906/94).

 

Pois bem, com a divulgação, ainda que pela internet, de possibilidade de criar-se uma "lista de clientes" de determinado advogado, possibilita-se a sua divulgação, pelos próprios advogados, de suas listas e demandas para seus clientes, apresentando-se em desconformidade com as noções e bases do instituto da ética e conduta. Permite-se, com tal prática, na possibilidade de determinado operador do direito valer-se de petições de determinado profissional, sabedor de que se trata de um atuante assíduo em determinado ramo do direito, para valer-se de suas técnicas, mecanismos processuais e fundamentos jurídicos, apenas copiando, sem expressa autorização dos autores de referidas petições.

 

Dentre outros fatores, cite-se a situação em que os próprios clientes, por vezes, mais curiosos, almejam saber como está a atuação profissional do advogado, se o mesmo tem muitos ou poucos clientes; se o causídico vem obtendo resultados favoráveis ou desfavoráveis em processos outros; se o mesmo tem obtido ordens judiciais liminarmente ou não, etc. E tal exposição pública do exercício profissional do advogado não se coaduna com nosso ordenamento jurídico, até porque, o resultado da demanda não depende deste, pois ao advogado somente resta o dever de diligenciar e cuidar de suas demandas com ética, profissionalismo, seriedade e zelo.

 

É importante tomarmos ciência, repita-se, do seguinte fato que tem ocorrido: o cliente contrata um advogado para promover uma demanda referente a ações que gozam de um caráter complexo e tema considerado, por muitos, de maior dificuldade. Pois bem, após a propositura da ação, o cliente, descontente com aquele profissional ou este próprio já não sabe mais dar continuidade ao feito, procura outro advogado que tomou conhecimento, através de indicações particulares, por ter maior domínio sobre o assunto, principalmente, pelas indicações de seus próprios clientes. Este novo profissional contratado depara-se com uma demanda em juízo proposta com os mesmos teores, fundamentos e até mesmas palavras desenvolvidas pelo autor da petição em outros processos seus. Ou seja, copiam as petições do advogado para alavancar clientela de forma fácil. Este advogado, por vezes, nenhuma medida toma contra o colega anterior, já que por questão de respeito e profissionalismo, prefere-se ignorar o fato. Até porque, aduzir que caberá ao advogado promover demandas contra seus plagiadores é inviável e não estaria, segundo nosso entender, em conformidade com o interesse social, já que isto causaria um aumento ainda mais de litígios perante o Poder Judiciário e, por vezes, difícil é a tarefa de apresentação da prova por quem originalmente foram feitos referidos arrazoados processuais. E, ainda, muitos Tribunais já interpretam de que não se trataria de direitos autorais a petição do advogado, não reconhecendo dito direito para tal hipótese, embora se reconheça que se trate de uma violação à intelectualidade alheia e o desrespeito com o profissional. No nosso entender, cabível será a indenização por danos à personalidade, causando, por vezes, um desgosto psicológico, ensejando, ainda, indenização por lucros cessantes ante vantagem sobre trabalho alheio. É imoral e viola o ordenamento jurídico referente à ética profissional. Ainda, a prática da pesquisa pelo nome do advogado possibilita, em tese, que se formem grupos de escritórios de advocacia, que, com um certo investimento, possam criar ou ampliar o seu mercado de atuação, desnivelando ainda mais a capacidade lucrativa àqueles operadores do direito que labutam em seu pequeno escritório de advocacia, por vezes, sozinho ou com apenas um colega, dedicando-se ao estudo e elaborando por dias ou semanas a defesa de seus clientes.

 

É preciso ter em mente que a finalidade daquele quem copia petição não é aprender, evidentemente. A finalidade é meramente lucrativa. Se o interesse do "copiador" fosse aprendizado, bastava este profissional adquirir as obras jurídicas existentes no mercado para conhecer o assunto de interesse e propor a demanda respectiva ou, talvez, participar de seminários, cursos, aulas expositivas, etc. Em cada processo judicial, existe uma lide de caso concreto, que não se trata de hipótese abstrata e nem tampouco contribui para o enriquecimento intelectual. Asseverar que o advogado que copia petição de colega é lícito porque propicia a difusão do conhecimento jurídico, data venia, com todo o respeito às opiniões em contrário, é pontificar, na prática, que o enriquecimento às custas e trabalho alheio tornou-se conduta lícita e em conformidade com os bons costumes. Entendemos, no entanto, que, para obter a difusão de conhecimento jurídico deve-se consultar obras doutrinárias, jurisprudências, participar de cursos e seminários e, quem sabe, assistir aulas e palestras em universidades, mas, nunca copiar petição de colegas.

 

Devemos enfatizar o papel do jurista no direito brasileiro e em outros sistemas jurídicos internacionais. Aquele que se dedica ao estudo do direito, elaborando livros, teses, opiniões referentes a determinado assunto, evidentemente, está construindo e elaborando CIÊNCIA. E, por se dedicar ao estudo do direito (ordenamento jurídico e princípios a este inerentes, até mesmo à filosofia do direito), tem-se a ciência do direito. Assim, os manuais de direito civil, verbia gratia, é ciência; os livros sobre assuntos referente a determinado assunto específico, como direitos da personalidade; divórcio; clonagem humana e pensão alimentícia, direito imobiliário, etc., é ciência. Por outro lado, não é só ciência os livros, mas os artigos publicados, as notas em revistas especializadas ou não. Até mesmo o advogado que elabora um parecer sobre determinado tema colhendo informações jurídicas e tratando o enfoque de determinada lei sobre algum fato concreto, porém, abstratamente considerado, estará, irremediavelmente, contribuindo para o enriquecimento intelectual e sua difusão do conhecimento jurídico à sociedade. No entanto, a petição do advogado, sejam elas petições iniciais, contestações, réplicas, memoriais, etc., em defesa de um cliente em específico, por vezes, tem cunho eminentemente de caráter público, mas em busca dos interesses e defesa da parte que advoga em seu favor. É o seu trabalho e contribuição ao cliente contratado que o advogado elabora suas defesas para o resultado final de uma demanda. Dessa maneira, o interesse público primário (interesse social) a que se destina tais peças processuais não é, evidentemente, trazer conhecimento jurídico para outros advogados, mas para o sucesso de uma demanda judicial (finalidade única), já que se trata de seu labor e dedicação. Portanto, os meios hábeis para difundir o conhecimento jurídico não são, flagrantemente, através de cópias de petições e minutas de outros operadores do direito. Quiçá fossem as cópias para servir de inspiração a outros profissionais, para elaborar e refazer fundamentos em defesa de seus clientes e melhorar a prestação jurisdicional. O resultado empírico que se tem constatado é tão somente a simples cópia e reedição das petições, alterando-se apenas o nome das partes e alguns valores pertinentes à causa, muito comum em litígios tributários. No mais, a petição é integralmente uma cópia, palavra por palavra, das idéias de outrem. Nem mesmo se dá o trabalho, alguns profissionais, lamentavelmente, de construir paráfrases da petição do colega. Evidentemente, porque alterar as petições não contribuiria para o fim almejado: a elaboração de demandas com agilidade e também o lucro fácil e retorno financeiro imediato. Aliás, alterar ditas petições tomaria tempo do profissional que copiou as petições e, portanto, se lhe toma o tempo, o mesmo terá uma menor produtividade em seu escritório. Notemos, que o estudo de tais petições também tomaria tempo de muitos, portanto, é mais fácil copiar as petições para o fim único almejado: alavancar clientela.

 

Logo, é necessária uma providência de caráter coletivo para dificultar este tipo de "trabalho", que se aproveita do suor alheio de um causídico determinado para obter lucro fácil. Pois, se de um lado, é lícito expor a público o conhecimento jurídico (pensamos que existe o meio hábil para isso: através de artigos em revistas ou livros, participação em seminários, cursos, aulas em faculdades, especializações e equivalentes), de outro, não é lícito copiar petições para obter clientela, sem mesmo tomar conhecimento ou aprender algo da petição copiada, pois, a verdade é nua e crua: busca-se copiar a petição inicial apenas para propor a demanda e conseguir o cliente, porém, no desenvolver do processo, surgem questões em que aquele profissional não tem o domínio necessário sobre o assunto copiado, causando, depois de alguns anos, ante a demora dos processos, diante da sobrecarga natural das demandas, lesão à própria coletividade (eis o sério risco de comprometimento social).

 

Além disso, a conduta praticada reiteradamente, está a causar problemas nos andamentos dos processos, posto que, por diversas vezes, o profissional verifica que seus processos estavam em xerox perante o Foro da Justiça Estadual, permissão dada por algumas varas, mesmo o requerente não estando na procuração do feito ou com substabelecimento.

 

Porém, este fato é impossível de se evitar, sejam por fatores de ordem física ou legal, já que o processo é público e todos teriam direito de solicitar cópias dos autos, principalmente, através do conhecido scanner portátil, muito útil aos operadores do direito. Essa prática, aliás, deve ser permitida, inclusive, para seus estagiários, segundo nosso entender, com ou sem carteira da OAB/SP (pois, afinal, os atos processuais são públicos), facilitando a vida do profissional e, ainda, permitindo que estudantes iniciantes do curso de Direito labutem nos escritórios de advocacia, conhecendo a prática jurídica nos escritórios e nos foros Estaduais e Federais. E, ainda, divulgar os processos via internet através do nome da parte ou número do processo é ato a ser exercido via computador pelo interessado que, de antemão, já tem conhecimento da existência de determinado processo, quer porque é a parte interessada, o próprio advogado ou, ainda que seja alguém que tenha tomado conhecimento de sua existência via Diário Oficial. Quanto a isto, não há objeção legal a ser feita, pois, afinal, se o interessado buscou o processo de outrem, por ser público, através do Diário Oficial, a negativa de seu acesso afetaria a natureza de seus atos processuais inerentes aos princípios do direito processual civil. Mas, para tanto, aquele que buscar analisar os processos via Diário Oficial para extrair cópias terá um longo trabalho a fazer, já que terá que buscar apenas as causas com conteúdo jurídico que lhe interessa e, ainda assim, só tomará conhecimento do exato teor das demandas através das sentenças ou de alguns despachos, principalmente, os saneadores. Portanto, a busca para tal fim, na prática, é, flagrantemente, infrutífera.

 

Em contrapartida, o que não é lícito, conforme tese que ora sustentamos, é a divulgação da lista de processos em pesquisa feita pelo nome do advogado ou o seu número de classe, pois isso causa um procedimento de seleção de clientela e da natureza jurídica das demandas, posto que sabe o pesquisador qual é a especialidade de determinado causídico. Com efeito, a busca na internet através apenas do nome do advogado ou de seu número de classe, provoca o aparecimento da lista da clientela de determinado profissional, o que viola frontalmente o referido inciso IV do art. 33 do CED.

 

Por fim, pelos critérios principiológicos adotados no âmbito da ciência e do ordenamento do direito administrativo, verificamos, s.m.j., que há total ausência da necessidade de divulgação de lista de processos através do nome do advogado ou de seu órgão de classe, pois tal atividade em nada contribuirá, bem analisando e repensando sobre o assunto, para a presteza ou agilidade do operador do direito ou da própria população. Além disso, o risco do prejuízo social e da lesão aos próprios deveres da conduta ética do advogado são maiores do que seu próprio benefício. Tal risco talvez, como sugestão de modo contributivo à melhor solução do impasse seria, segundo nosso entender, a inclusão de senhas criptográficas ou procedimento informático semelhante, para manter o sigilo de tais divulgações, tais como ocorrem com as senhas para aquisição de produtos do mercado virtual. Mas, ainda assim, o procedimento somente iria auxiliar o advogado da causa com o intuito de apenas levantar dados estimativos do seu número de processos existentes perante determinado foro judicial. Logo, recairemos, desse modo, no baixo índice funcional do referido ato, i.é., pouco utilitário. De sorte que, a sociedade (clientes e pretensos clientes) não terá nenhuma utilidade com a informação selecionada através da busca do número de processos pelo nome do advogado ou de seu órgão de classe. Para a verificação da idoneidade do advogado, se este for o interesse de algum consulente, o procedimento salutar é a busca de informações perante a Ordem dos Advogados do Brasil.

 

Trata-se, ainda, segundo nosso pensar, de ausência de motivação para a criação do referido link virtual, bem como refoge dos padrões da finalidade e da supremacia do interesse público, este último, como o mais importante princípio a ser interpretado para a hipótese. Isto porque, não é de interesse público, tido este como sendo interesse social, logo, primário, que se proceda a instauração de referida pesquisa pelo nome do advogado e, em contrapartida, é interesse público social e do próprio Estado (interesse secundário), que haja conduta do advogado em conformidade com o sentido e o alcance que deve atingir o inciso IV do art. 33 do Código de Ética e Disciplina da OAB. Logo, o Estado deve criar mecanismos que propiciem o respeito da boa ordem jurídica, dos costumes e da ética do profissional, protegendo a sociedade de advogados que apenas busquem conquistar a clientela, sem ter conhecimento jurídico sólido para a defesa de seus clientes.

 

Ante o exposto, esperamos que estas breves considerações possam também ser úteis para repensarmos nos problemas que a informática poderá trazer à sociedade, causando um desnivelamento com a ordem legal, e, dessa maneira, adequando-se a informática à lei, que velozmente, temos certeza, chegará para outras situações. Porém, desejamos que não obstante as medidas a serem adotadas, cada advogado busque maior determinação, no sentido de respeitar o colega, o seu trabalho e profissionalismo, de forma a não se utilizar do labor alheio para defesa de seus próprios interesses patrimoniais ou ainda vasculhar a vida de colegas, sob a violação da ética e da boa conduta moral, pois estas devem estar inerentes no âmago de todo operador do direito, principalmente, ante a necessária e difícil adequação das conquistas tecnológicas com as condutas de respeito e consideração ao próximo, pois estas últimas qualidades, apesar das inovações tecnológicas, já existem na maioria das pessoas e, certamente, não precisamos fazer referência a um passado necessariamente tão moderno.

 

Bibliografia

 

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 6a ed., São Paulo, Malheiros, 1995.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. São Paulo: Saraiva, 2002.

______. Revista do Advogado. Ano XXII, n. 67, agosto de 2002, AASP.

PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 4a ed. São Paulo: Atlas, 1994.

REALE, Miguel Reale. Lições preliminares do direito. São Paulo: Saraiva, 2001.

 

Segue, na íntegra, para conhecimento geral, o parecer a Ordem dos Advogados do Brasil:

 

EXERCÍCIO PROFISSIONAL - DIVULGAÇÃO DE CAUSAS E CLIENTES PELO NOME DO ADVOGADO NOS COMPUTADORES DA JUSTIÇA FEDERAL - DEVER DE COIBIR DIVULGAÇÃO DOS NOMES DOS CLIENTES - ART. 33,1V, DO CED - CÓPIA INDISCRIMINADA POR ADVOGADOS ESTRANHOS AO PROCESSO - Recomenda-se à Justiça Federal mudança no sistema de computadores para obstar o acesso de estranhos aos processos. É legitimado ao advogado pleitear a supressão de seu nome do sistema para preservação de seu trabalho e de sua clientela. O processo é público, mas não se justifica que o trabalho intelectual seja copiado sem autorização e por estranhos que visam ao lucro fácil. Advogado que assim procede falta com respeito ao colega e, portanto, com a ética. Processo E-2.220/00 - v.u. em 14/09/00 do parecer e voto do ReI. Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE - Rev. Dr. BENEDITO ÉDISON TRAMA - Presidente Dr. ROBISON BARONI. Tribunal de Ética e Disciplina - I, Primeira Turma.

 

Proc. N. 2220/2000

 

Consulente: Dr. Sérgio Iglesias Nunes de Souza

 

Relator: Advogado João Teixeira Grande

 

Revisor; Dr. Benedito Edson Trama

 

Relatório

 

O consulente é advogado e dirigiu carta à direção do Fórum da Justiça Federal em São Paulo, manifestando seu inconformismo com fatos que ocorrem naquele órgão. Trata-se de acesso possível ao sistema de informática, através do qual é possível se ter, via internet, a relação de causas e clientes de um advogado, desde que se digite o nome do mesmo. Essa prática faz com que pessoas estranhas à clientela e ao próprio relacionamento do advogado tenham acesso gratuito e indiscriminado à sua vida profissional, a ponto de autos serem remetidos à seção de xerox, a pedido de desconhecidos, para cópia de seus arrazoados. Embora o processo seja público, o trabalho intelectual merece mais respeito. Além disso, lembra o artigo 33, IV do Código de Ética e Disciplina, que dispõe: O advogado deve abster-se de: IV- divulgar ou deixar que seja divulgada lista de clientes e demandas. (grifo do consulente). A seguir, pleiteia seja seu nome cancelado do sistema de busca dos computadores da Justiça Federal.

 

O Juiz Federal Diretor do Foro oficiou o Presidente da OAB SP, solicitando manifestação da entidade a respeito. Cópias foram determinadas à Comissão de Informática, à Comissão de Prerrogativas e ao Tribunal de Ética e Disciplina. É o relatório.

 

Parecer.

 

A publicidade de que se revestem os processos judiciais que não tramitam em segredo de justiça se deve à transparência que deve existir em todo ato público, no regime democrático de Direito. Outrossim, essa característica não significa que o conteúdo dos processos possa ou deva estar a mercê de disseminação indiscriminada, mormente quando atinge limites que afetem direitos ou interesses de pessoas a ele vinculadas por questão de oficio, ou de beneficiários de serviços públicos.

 

Ao advogado é vedado se valer dos nomes de seus clientes para realçar seu trabalho perante terceiros ou perante o público, bem como é seu dever conter abusos de outrem nesse sentido. No caso presente, da Justiça Federal, não se chega à adjetivação de abuso, mas de descuido estar expondo nomes e trabalhos a um veículo tão rápido, amplo e gratuito. Uma certidão do distribuidor será cobrada e será do conhecimento apenas da parte interessada, restando sua força de alcance a círculos restritos. Ademais, não há certidão, mesmo cobrada, expedida pelo nome do advogado. Isso seria uma violação ao seu sigilo profissional. Da mesma forma que um advogado não pode levar a público o nome de um cliente, através protesto de titulo cambial, para preservação do sigilo, seus clientes não devem ser levados a público pela internet, sob o fundamento de facilitar exame de andamento de autos. Essa é uma prerrogativa que deve estar ao alcance somente do advogado e de seu cliente, mediante senha.

Há outra questão que merece exame. O trabalho desenvolvido por um profissional, fruto de muito estudo, dedicação e competência, constitui patrimônio intelectual que deve ser respeitado com, no mínimo, a citação do autor. E sabido, e bem sabido, ser prática corriqueira nos meios forenses a cópia pura e simples de fundamentações doutrinárias e jurisprudenciais, além (e principalmente) da interpretação do advogado, insertas em iniciais e arrazoados dos processos. A Justiça Federal tem sido palco de verdadeiras corridas em busca de lucro fácil, propiciado por atos do Governo Federal, alimentando a famigerada "indústria das liminares", na área econômica principalmente, como é público e notório, já há muitos anos. Isso levou à prática, sem nenhum pejo, de serem copiadas iniciais na ânsia de liminares, inclusive com várias distribuições de causas com o mesmo objeto e mesmas partes, forma de escolher juizes com entendimentos favoráveis. Essa atitude de copiar trabalho alheio sem autorização, ou no mínimo citando a fonte, não é ilegal, mas é muito feia, reprovável, aproveitadora e mercantilista, até, pois busca-se o ganho fácil.

 

Ao advogado, pois, é legítimo seja vedado acesso aos seus processos e clientes, no sistema de computadores, principalmente via internet, mediante bloqueio que a tecnologia bem sabe fazer. Ademais, seria de se recomendar mudança em todo o sistema, como medida salutar de preservação do trabalho profissional e do sigilo profissional, este de interesse público e muito mais social que a divulgação indiscriminada do saber alheio.

 

É o nosso parecer, que fica submetido ao crivo do Douto Colegiado.

 

JOÃO TEIXEIRA GRANDE

OAB SP 23.357"

 

Revista Consultor Jurídico, de setembro de 2002.

 


 

 

Sérgio Iglesias Nunes de Souza é advogado, mestre em Direito pela PUC-SP e professor de Direito Civil e Direitos Humanos no UNIFMU e Fisp.

 

Fonte: http//conjur.uol.com.br