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A guerra dos e-mails: as empresas podem demitir sem infringir a lei?


Os principais jornais brasileiros noticiaram, recentemente, que a GM teria dispensado 17 funcionários por terem enviado mensagens pornográficas usando os e- mails da empresa. Surge a questão: as empresas podem agir dessa forma sem infringir a lei?

Renato Opice Blum e Juliana Canha Abrusio

Não há dúvidas que as relações de trabalho sofreram grandes modificações com o advento do uso da internet. De fato, não se pode negar os benefícios trazidos por esta ferramenta digital. Por outro lado, ela trouxe questões nunca antes suscitadas, como a violação do e-mail do funcionário pelo empregador.

Um levantamento sobre ética no local de trabalho realizado pela “Society of Financial Service” apontou que 44% dos funcionários entrevistados declararam que o monitoramento no local de trabalho representa uma séria violação ética. A pesquisa de opinião também revelou que somente 39% dos patrões entrevistados reconheceram que o monitoramento dos e-mails é seriamente anti-ético.

Estatísticas à parte, resta-nos saber da legalidade da prática de monitoramento de e-mail em empresas.

Pois bem, nossa posição é intermediária e se concentra nas tendências internacionais. Nos Estados Unidos e em grande parte da Europa, a legislação permite o monitoramento desde que o funcionário seja avisado sobre o procedimento. Essa conduta visa quebrar eventual expectativa de privacidade (art. 5º, X, da Constituição brasileira). No Brasil essa premissa é idêntica e também deve ser adotada e formalizada em contratos, políticas de segurança e regulamentos, além do aviso ostensivo na tela dos computadores utilizados pelo staff.

As justificativas legais também se concentram em três pontos: o sistema pertence a empresa (direito de propriedade), a companhia é responsável pelos atos de seus funcionários (art. 1521, III, do Código Civil) e o poder de direção do empregador (organização, controle e disciplina, previsto na CLT). Nesse contexto, a empresa poderá fazer o controle do sistema, desde que, repita-se, o funcionário seja devidamente cientificado do ato.

Além disso, e como outras justificativas, lembramos que o custo do sistema é suportado pela empresa. Todavia, é bom lembrar que atualmente muitas das tarefas que fazíamos por telefone fazemos via Internet, como acesso ao banco, contatos com amigos, dentre outros, fatos que o empregador não pode deixar de lado e deve, ao nosso ver, criar meios técnicos para tanto, como, por exemplo, a possibilidade de criação e uso de uma conta pessoal do funcionário durante um período pré-fixado.

O monitoramento do correio eletrônico será cabido, portanto, quando: em primeiro plano, toda a estrutura que suporta o acesso e uso da internet, vale dizer, hardware, software, rede, provedor etc, forem fornecidos pela empresa; e em segundo, o empregado deve ser previamente comunicado que terá o seu e-mail monitorado pela empresa, consubstanciando, no mínimo, referida ciência em contrato de trabalho ou, na falta deste, em documento válido em separado.

Também é importante destacar que já existem inúmeras decisões no direito comparado permitindo o monitoramento, tais como: ITÁLIA, 14.06.01, Corte de Milão: autorizou a despedida em termos; Alemanha, Labor Court of Frankfourt: possibilidade de demissão c/ aviso; USA x Kennedy (subscrição de provedor é suficiente); Bolach x City of Reno (monitoramento em DP); Bonita Bourke x Nissan Motor Corp (c/ aviso); United States x Simons (c/ aviso); Thomasson x Bank of America (Gay Stripper); (UK) Franxhi x Focus: falta disciplinar (uso da web na jornada).

Outrossim, ressaltamos que, no Brasil conhecemos duas decisões contrárias, na esfera trabalhista não admitindo o monitoramento. Acreditamos que o Supremo Tribunal Federal deverá reformá-las, pois em assunto semelhante (revista íntima de funcionários) o entendimento foi favorável a empresa.

Quanto à legislação, a lei aprovada pelo Parlamento inglês, que autoriza o monitoramento de e-mails e telefonemas por empregadores gerou muita polêmica. Para os grupos de defesa de privacidade, a lei conhecida como RIP (“Regulation of Investigatory Powers”) estaria violando diretamente a lei de Direitos Humanos (“Human Rights Act”). Outros países, como a Holanda, Rússia e África do Sul, também discutem a legalidade de se monitorar e-mail.
No Brasil, a legislação, em tese, proíbe o monitoramento de correios eletrônicos, excetuando-se os casos de prévia ciência do empregado e de ordem judicial. Dessa forma, as empresas brasileiras que quiserem interceptar comunicações terão que se precaverem através de e políticas internas e elaboração de contratos com os empregados, comunicando-os, previamente, que serão monitorados.


RENATO M. OPICE BLUM - Advogado e economista; Professor coordenador de pós-graduação em Direito Eletrônico; Professor Conferencista da Florida Christian University, UNICAMP, UNESP, UNIMEP, UCAM, UNIFESP, UFU, ESA, FECAP, Academia Nacional de Polícia Federal, Fenasoft e outras; Pós-graduado pela PUC-SP, com extensão na Eastern Illinois University; MBA Essentials in Economics (University of Pittsburgh); Fundador e Conselheiro do Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática (IBDI); Presidente do Comitê de Direito da Tecnologia da Câmara Americana de Comércio (AMCHAM); Diretor Adjunto do G.U. de Legislação da SUSESU-SP; Membro da Comissão de Informática Jurídica da OAB/SP, do Conselho de Comércio Eletrônico da Federação do Comércio/SP, do Instituto dos Advogados de São Paulo e do Instituto Paulista de Magistrados; Autor / Colaborador das Obras: "Direito Eletrônico - a Internet e os Tribunais", "Comércio Eletrônico", "Direito & Internet - aspectos jurídicos relevantes", "Direito da Informática - temas polêmicos", "Responsabilidade Civil do Fabricante e Intermediários por Defeitos de Equipamentos e Programas de Informática", "O Bug do Ano 2000 - aspectos jurídicos e econômicos".

JULIANA CANHA ABRUSIO – Associada a Opice Blum Advogados Associados, formada pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Membro da Associação Brasileira de Direito de Informática e Telecomunicações (ABDI); Coordenadora da Comissão de Estudos e Pesquisa em Comércio Eletrônico da Faculdade de Direito Mackenzie; Palestrante Convidada no I Congresso da Comunidade Andina para o Desenvolvimento do Comércio Eletrônico dos Países Membros; Autora das Monografias “Aspectos Jurídicos do Comércio Eletrônico”, “Contratos Eletrônicos e a Assinatura Digital” e “O Comércio Eletrônico e a Privacidade no Ambiente Digital”.

Retirado de: www.direito.com.br