®BuscaLegis.ccj.ufsc.br

A Internet e seus problemas jurídicos

Alexandre Barros Castro
Membro conselheiro da Academia Brasileira de Direito Tributário. Integrante da Comissão de Estudos Tributários da FIESP. Graduado em Direito e Administração de Empresas, mestre e doutorando em Direito Tributário pela PUCSP. Professor Titular da cadeira de Direito Tributário no curso de Direito das Faculdades Padre Anchieta de Jundiaí. Autor de diversos livros jurídicos na área tributária. Advogado empresarial em São Paulo.

A rede mundial de computadores tem mudado de maneira significativa a vida do homem contemporâneo; sem dúvida demos um salto tecnológico extraordinariamente grande com o advento e desenvolvimento da Internet.

O Direito por seu turno, como sabemos, tem por escopo regular a vida social, possibilitando a vida na coletividade. Nesse sentido, a ciência jurídica adapta-se constantemente às transformações que lhe impõe essa mesma sociedade, reajustando-se àqueles novos comportamentos.

Claro está que a Internet traz uma série infindável de vantagens: a rapidez na transmissão das informações, a descaraterização do fator tempo, na medida em que os dados se transmitem em tempo real etc.; porém, mais importante que tudo isso é a criação de algo até então absolutamente desconhecido pela humanidade, qual seja, o comércio eletrônico.

Em verdade, assim como os grandes navegantes dos séculos XV e XVI, parece que descobrimos um novo caminho para as Índias e que por ele podemos trazer toda e qualquer “especiaria” existente em qualquer parte do mundo. Nos EUA, em 1999, as vendas pela rede mundial de computadores alcançaram o importe de US$ 13 bilhões, acreditando-se que até 2004 tal montante alcance a cifra de US$ 184 bilhões !!!

Na América Latina os valores são igualmente animadores, na medida em que por aqui as taxas de crescimento do comércio eletrônico superam as de todo o planeta. Temos na Latino-América um crescimento médio anual de 360%, já tendo sido atingida a cifra de US$ 6 bilhões, cabendo ao Brasil 60% desse volume, o que por óbvio nos tem transformado num excelente nicho para os investidores estrangeiros.

Assim como outrora, o Direito ressente-se de tamanha velocidade e de tão profunda mudança. Encontra a ciência normativa extraordinária dificuldade para, por exemplo, regrar a questão dos bens corpóreos transacionados pela grande rede.

Não há mais a figura do comerciante e do consumidor final, de modo que nos resulta, enquanto operadores do Direito, muito difícil versar acerca de institutos e conceitos que há mais de trezentos anos se encontram perfeitamente estruturados em nosso ordenamento, tais como, fundos de comércio, estabelecimentos comerciais, direitos autorais, títulos de crédito e até mesmo a moeda. Ressalte-se que já temos instituições bancárias operando nos chamados “Tigres Asiáticos” em que é plenamente possível adquirir moedas virtuais, bastando para tanto estar munido de um simples cartão de crédito; vale dizer, o próprio conceito de moeda como meio uniforme e intermediário das trocas sofreu sensível abalo, pois a partir do depósito inicial, ou do saque via cartão de crédito que propicie a aquisição da moeda virtual, o crédito escritural desaparece, restando apenas na rede um novo bem até então desconhecido e por conta disso absolutamente estranho ao ordenamento jurídico das nações.

Tampouco podemos abarcar com a atual legislação a questão de operações ou atos de comércio antes absoluta e inteiramente inseridos no sistema jurídico, como, por exemplo, o ato de importar ou exportar. Quando adquirimos um software por meio da Internet, estamos ou não exportando? Podemos ser considerados importadores e, por conta disso, passíveis de arcar com a tributação atinente ao imposto de importação? E se afirmativamente respondermos a essa questão, quem deverá ser enquadrado como exportador? Onde está seu estabelecimento? A qual país deve o Brasil se reportar para normatizar tal relacionamento comercial ?

O simples ato de clicar o botão do mouse e fazer downloads, implica uma verdadeira revolução no mundo jurídico, pois nos é absolutamente impossível alcançar, com nossas atuais regras, quem efetivamente está possibilitando a baixa do programa. Será ele o exportador, ou um mero intermediário nessa operação comercial?

Claro que o problema trazido pelas operações via Internet não deve ser estendido aos produtos que são adquiridos não pela Internet, mas na Internet, ou seja, a questão que se levanta refere-se aos bens que podem ser digitalizados, tais como livros, obras musicais, em outras palavras, aqueles em que toda operacionalização de aquisição de início ao fim se dá on-line. Os demais bens valem se apenas da Internet, como meio de comercialização, onde o indivíduo apenas usa a grande rede de computadores para acessar livrarias etc., meramente como mecanismo para facilitar e agilizar suas compras, que, a partir de tal acesso, passam a ser vistas e tratadas como outras quaisquer, valendo-se de meios sobejamente conhecidos para chegar ao destinatário final, tais como correio, meios de transporte em geral, dentre outros.

Quanto à tributação, a situação ganha contornos ainda mais inovadores, sobretudo no Brasil, onde a voracidade e a ânsia arrecadatória, como sabemos, é deveras avassaladora.

Nesse sentido a autoridade fazendária ora caminha no sentido de querer imputar aos provedores de acesso, por exemplo, a cobrança do ISS (imposto sobre serviços de qualquer natureza), de competência municipal, ora quer impingir aos mesmos provedores a cobrança do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços de comunicação interestadual e intermunicipal), de competência estadual.

O Fisco estadual em seu posicionamento apoia-se na tese de que tais serviços se caracterizam pela natureza de “comunicação”, e, por conta disso, passíveis de suportar a exação atinente ao ICMS. Nesse esteio de pensamento fundamentam-se os Estados-Membros no art. 2º , III da Lei Complementar n. 87 de 1996, que assim prescreve:

“O imposto incide sobre: (...); II – prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza”.

Já os municípios entendem que as empresas de acesso à Internet, em verdade, não estariam prestando qualquer serviço de comunicação, mas sim caracterizando tal prestação como serviços de valor agregado e não de telecomunicação, e, portanto, passível da incidência do imposto municipal, ISS. O fundamento é o disposto na Lei n. 9.295, de 1996, Lei Geral das Telecomunicações que em seu art. 10 assim reza :

“É assegurada a qualquer interessado na prestação de serviço de Valor Adicionado a utilização da rede pública de telecomunicações.

Parágrafo único: Serviço de Valor Agregado é a atividade caracterizada pelo acréscimo de recursos a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, criando novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação e recuperação de informações, não caracterizando exploração de serviço de telecomunicações”.

Se por um lado não assiste razão aos Estados Federados, para quererem tributar o acesso à grande rede mundial de computadores pelo ICMS, ante as razões já alinhavadas, tampouco há razão em quererem incidir o ISS sobre tal atividade, já que por certo, tal exação, como cediço, tem como hipótese de incidência constitucionalmente prevista a prestação de serviço efetuada por empresa ou profissional autônomo, que tenha ou não estabelecimento comercial determinado, onde lista anexa de serviços elenca expressamente quais as atividades passíveis de suporta aquela incidência impositiva.

O conteúdo formal das leis, só pode assumir três modais deônticos, como aliás nos ensina a teoria pura do Direito e a lógica jurídica: permissivo, proibitivo e facultativo.

Na seara tributária, de natureza pública, não há espaço para aspectos de mera vontade, ou para posicionamentos que gerem dubiedades. Nesse sentido, o comando normativo prescrito em nossa Constituição Federal é claro o suficiente para fixar a competência tributária da União, Estados, Municípios e do Distrito Federal, atribuindo-se à Lei Complementar a competência para regulamentar seus disciplinamentos no que couber.

Ora nossa Lei Maior não recepcionou como passíveis de tributação as empresas que tenham como atividade a exploração dos serviços de acesso à Internet. Tampouco encontra-se na lei complementar ou em qualquer outro veículo normativo tal previsão ou possibilidade jurídica, de modo que a intenção dos entes tributantes, quer estados e municípios, em querer tributar tal atividade não encontra qualquer guarida legal, resultando absolutamente ilegal qualquer exação que se queira impor.

Em suma, imprescindível se faz que haja uma emenda constitucional em que se crie nova competência tributária, o que nos parece absolutamente inoportuno e fora de cogitação ante o momento político por que passa o País; ou que via lei complementar agregue-se à base de incidência do ICMS ou do ISS o serviço de provedor de acesso à internet. Por certo, ainda assim, caberá analisar quais comandos tais normas trarão, e se, por óbvio, os mesmos coadunam-se com o sistema constitucional tributário existente, sob pena de igualmente serem absolutamente inconstitucionais e, portanto, resultarem não em solução para os questionamentos que agora se fazem presentes, mas, ao contrário, em nova fonte de debates e embates judiciais.

Tampouco percamos de vista que não poderá o Executivo, especificamente o Presidente da República, valer-se das malsinadas medidas provisórias, vez que aqui não se trata de extrema relevância e urgência nos termos legais, que empreendeu o legislador constitucional ao disciplinar o uso daquelas.

A questão deve ser analisada de forma serena e técnica, afastando-se essa natureza canibal do Estado que a tudo e a todos quer tributar, custe o que custar. Uma legislação equivocada poderá levar-nos a anos de atraso tecnológico, ao afastar o investidor estrangeiro e as novas tecnologias que ele traz consigo; à semelhança do que ocorreu com a reserva de mercado do setor de informática na década de 80.

Como se depreende, a questão relativa à Internet é extremamente nova, não havendo ainda soluções para uma série de indagações que agora surgem. À problemática da tributação e a outras, como, por exemplo, referentes aos direitos autorais e ao direito obrigacional como um todo, voltaremos futuramente.

Retirado de: www.saraiva.com.br