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Contratos em sistemas de inteligência artificial

 

Tarcísio Queiroz Cerqueira

 

Sob certos aspectos os contratos de desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial assemelham-se aos contratos de desenvolvimento de sistemas convencionais, ou contratos de desenvolvimento de sistemas comuns, sob medida, "taylor made", ou por encomenda.

Em vários pontos importantes, entretanto, o desenvolvimento dos sistemas de inteligência artificial e dos sistemas convencionais é diferente. Assim a tecnologia empregada em um e no outro, as atividades dos técnicos envolvidos, as responsabilidades e direitos das partes, etc.; o que resulta em básicas diferenças quanto aos contratos feitos para desenvolver tais sistemas.

Em ambos os sistemas destacam-se, sempre, obviamente, as figuras da empresa contratante, a que necessita do sistema, e a empresa contratada, a que vai prestar o serviço de desenvolvimento.
Todos os contratos de desenvolvimento de sistemas, sejam eles convencionais ou de inteligência artificial, são denominados "de trato continuado" (prestação de serviços contínuos), podendo durar meses, ou anos, e a maioria dos sistemas são desenvolvidos por etapas, ou fases. Em quaisquer contratos, que tenham como objeto o desenvolvimento de sistemas, podem ser, como são, usualmente, previstos pagamentos feitos em parcelas que devem ser quitadas após o término de cada uma das fases ou etapas.

Os contratos regulam as relações das empresas durante o desenvolvimento dos sistemas, por isso os contratos dependem dos sistemas que pretendem regular e são diferentes, na medida das diferenças entre os sistemas; daí a precariedade de se tentar estabelecer "modelos", ou formas padronizadas, de contratos, sejam de desenvolvimento de sistemas ou de qualquer outro tipo.

Sistemas convencionais realizam a equação entrada-processamento-saída da informação. Sistemas convencionais recebem uma informação-estímulo, que aciona um ou mais programas, e produzem uma informação-saída, ou produzem, como saída, informações e mais movimentos da máquina. Este modus faciendi possui influência direta na carga de direitos e deveres de cada uma das partes envolvidas: quem desenvolveu e quem encomendou o desenvolvimento.

Já os sistemas de inteligência artificial, recebem informação-estímulo, que aciona programas que acessam bases de conhecimento e retornam com (fornecem como saída) informações-resultados, ou com informações-resultados e mais movimentos da máquina. O desenvolvimento de sistemas especialistas consiste na "captura" - apreensão - do conhecimento do especialista humano e na sua codificação e gravação na "base de conhecimento" do sistema.

Os sistemas de inteligência artificial usualmente envolvem decisões que comparam e contrastam conceitos, ao invés de simples informação.

Os sistemas de inteligência artificial são baseados em conceitos radicalmente diferentes dos que orientam os sistemas convencionais, os quais são basicamente máquinas de cálculo automático, onde o programador deve explicar os passos a serem seguidos na solução de um dado problema. Os novos sistemas de inteligência artificial são baseados em conceitos de inferência - ou processo de dedução lógica. O programador, neste caso, não se preocupa em produzir um algoritmo especificando os passos a serem seguidos pela máquina, mas sim, em produzir (de uma forma declarativa) uma especificação das condições do problema, e deixando para a máquina a tarefa de descobrir quais as possíveis soluções.

Os analistas de sistemas convencionais identificam as informações, em um sistema, qualificam-nas, agrupam-nas em bancos de dados (Para os sistemas que se utilizam de bancos de dados) e produzem programas que acessam tais bases de dados para ler ou alterar a situação das informações, somente; além de fazerem cálculos, etc...

Em inteligência artificial os analistas de sistemas passam a ser engenheiros de conhecimento, necessitando dominar técnicas de psicolinguística e psicologia cognitiva, entre outras, uma vez que deve ser capaz de entrevistar um especialista humano, entender como este atua e representar seu conhecimento em um computador.

A arquitetura dos sistemas convencionais é diferente da dos sistemas de inteligência artificial, onde são utilizados conceitos como "shell", "motor de inferência", "base de conhecimento", etc...

Em sistemas convencionais, nas entrevistas para coleta de dados, o conhecimento é apreendido apenas pelo analista de sistemas, mantendo o usuário uma atitude de desconhecimento quanto à tecnologia de sistemas empregada; no desenvolvimento dos sistemas de inteligência artificial também o usuário adquire (novo) conhecimento e interage mais intensamente com o analista de sistemas.

Em sistemas convencionais as responsabilidades do usuário (adquirente, contratante) são relativas aos pagamentos, nas datas contratuais, ao uso adequado dos programas cedidos, ao correto fornecimento de informações, à permissão de acesso a informações e equipamentos, quando do levantamento de dados e outras obrigações, de praxe, como parte no contrato.

Em sistemas de inteligência artificial as responsabilidades do usuário (adquirente, contratante) são essas e, ainda, outras que se referem ao fornecimento de informações para formação da base de conhecimento, e o correto fornecimento dessas informações têm ligação direta com os resultados, ou com a "performance" do sistema.

Nesses sistemas a empresa contratada não só desenvolve um sistema novo, para a contratante, mas implanta um conhecimento de inteligência artificial, que engloba o fornecimento de sistemas (licenciamento de software) e uma ampla prestação de serviços que visam a implantação de uma nova cultura na empresa.

A empresa que desenvolve sistemas de inteligência artificial (geralmente são empresas) - e isto se aplica, da mesma forma, a empresas que desenvolvem sistemas convencionais - também desenvolveu, durante o tempo em que opera no mercado, sua tecnologia para tratamento e solução dos problemas. Tecnologia, esta, obtida a custo e dispêndio próprios.

Daí, por questão de direito, mas que carece ser prevista em contrato, pois a Lei 9.609, de 19 de fevereiro de 1998, prevê exatamente o contrário, são de propriedade, da empresa que desenvolve sistemas de Inteligência Artificial, não só os programas de computador já existentes ou desenvolvidos durante o contrato, mas as tecnologias, em geral, como, por exemplo, as de desenvolvimento e montagem da base de conhecimento. Além disso é importante ressaltar que:

a) os contratos de desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial envolvem não só a convencional prestação de serviços por engenheiros de conhecimento e analistas e programadores, em conformidade com as metodologias da empresa contratada, mas, também: 1) o fornecimento, ou licenciamento, de programas de computador, pré-existentes ou desenvolvidos especificamente, denominados ferramentas; 2) o desenvolvimento das bases de conhecimento que comporão o sistema, sua avaliação individual, integração das mesmas ao ambiente corporativo da organização e desenvolvimento de sua documentação individual;

b) as especificações e, consequentemente, o desenho do sistema só são totalmente conhecidos após o desenvolvimento e avaliação de protótipos de cada uma das bases de conhecimento do sistema;

c) há um maior envolvimento do usuário (da empresa contratante) com o desenvolvimento e com a empresa que desenvolve, principalmente nas fases de montagem das bases de conhecimento;

d) o contrato de desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial deve conter não só cláusulas que estabeleçam e cuidem da proteção à propriedade dos programas (ferramentas) licenciados, mas, também, se assim for convencionado, disposições que tratem da propriedade da tecnologia de desenvolvimento das bases de conhecimento e da sua arquitetura. De acordo com a lei, nada sendo dito no contrato a propriedade dos programas será de quem os encomendou.

Tarcisio Queiroz Cerqueira é advogado e Professor do Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá, Rio de Janeiro