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Substituição de suportes:

papel x microfilmagem x documento digital

Pedro Luiz Ricardo Gagliardi

 
RESUMO

Relata experiência junto ao Arquivo Judiciário do Estado de São Paulo para demonstrar a dificuldade de se encontrar um critério eficaz de classificação de processos, a fim de que sejam recuperados para pesquisa. Apregoa a necessidade de se estabelecer um suporte confiável e eficiente para o armazenamento dos arquivos judiciários, devido à sua importância para a preservação da memória nacional. Analisa as vantagens e desvantagens de três tipos de suporte: papel, microfilme e documento digital, concluindo pela maior vantagem comparativa dos documentos digitais.

ABSTRACT

It talks about the experience on the Judicial Filing System of the State of São Paulo to demonstrate the difficult in finding an effective method of processes classification, so that they can be retrievable for research. It announces the need that a reliable and effective back up be established for the storage of the judicial files, due to their importance for the preservation of the national memory. It analysis the advantages and disadvantages of three kinds of back up: paper, microfilm and digital document, concluding that digital documents offer a major comparative advantage.

SUPORTES DE INFORMAÇÃO:

PAPEL X MICROFILME X COMPUTADOR

O papel tem vida longa mas ocupa muito espaço.

É portátil e fácil de copiar.

É confortável no manuseio.

O microfilme tem vida longa e ocupa pouco espaço.

Precisa de equipamento, tanto para leitura quanto para ser copiado, e também para ser conservado.

É desconfortável na utilização.

Os chamados "suportes digitais", que prefiro designar simplesmente como "computador", ocupam pouco espaço, mas não são confiáveis quanto à durabilidade das informações que contêm.

Requerem equipamentos sofisticados, compatibilidade de sistemas e tecnologia de conservação.

A utilização é pouco confortável e depende de pessoal especializado.

São muito fáceis de copiar.

INTRODUÇÃO

O Arquivo Judiciário do Estado de São Paulo, pelo qual fui responsável durante alguns anos, é o maior arquivo judiciário das Américas, com mais de duzentos quilômetros de prateleiras lombares. Ele foi sendo incrementado no correr de mais de um século, consoante os critérios de classificação vigentes em cada época, já que coexistem diversos critérios classificatórios. Nem é preciso lembrar que o Arquivo passou por diversas mudanças de prédio, mais ou menos adequados, conforme as disponibilidades orçamentárias do momento.

Resultou disso um Arquivo muito difícil de ser operado, pois o encontro de processos antigos exigia que se conhecesse o caminho percorrido por quem o havia guardado. Parece coisa de somenos, mas não é. Houve época em que os feitos eram emprateleirados simplesmente por ordem cronológica; outra em que prevalecia a ordem alfabética do autor, porque as pessoas importantes eram autoras; outra ocasião, mais moderna, em que o mundo negocial tinha interesse nos antecedentes negativos das pessoas, a ordem alfabética era pelo nome do réu; houve época de se separarem os processos pela natureza da ação, e dentro dela usar a cronológica ou a nominal. Lembremo-nos de que nem sempre havia fichários indicativos dos pacotes ou que às vezes as fichas foram perdidas ou furtadas . . .

Por motivo de segurança, o Arquivo era fechado para o público e para as partes e somente atendia a requisições judiciais para que os autos fossem consultados no cartório de origem.

O interesse dos historiadores, muitos necessitados de fontes primárias da História, levou-me a credenciar alguns historiadores de mérito para acesso aos documentos lá guardados.

Dessa providência resultaram interessantes descobertas, como as Casas Bandeirantes, quantidade de escravos das famílias, personalidades mais ricas, além de contribuições mais óbvias de interesse dos lingüistas, dos encadernadores e dos datadores de documentos antigos, que dispunham, dessa forma, de um precioso material para confronto, altamente confiável.

Essas providências abriram um debate mais amplo, qual seja, o da memória nacional. Faço aqui um resumo em apertada síntese, para não sair do rumo. Estabelecemos, com Sebastião Witter, então Diretor do Arquivo do Estado de São Paulo, que os autos findos deviam ser guardados pelo Poder Executivo, por se constituírem parte da memória nacional. Para o Judiciário importava manter ad perpetuam rei memoriam a informação respeitante à decisão da causa. Os demais interesses que os autos ensejavam podiam ser satisfeitos na esfera administrativa por um guardador do Poder Executivo, mesmo que a informação correlatamente tivesse implicação em processo judicial.

Por exemplo: um advogado desejando fazer prova de tempo de serviço solicita certidão que efetivamente funcionou em determinado processo já arquivado.

Embora tenhamos chegado a uma conceituação teórica que resolvia a matéria, na prática, houve receio tanto do Judiciário quanto do Executivo em fazer a transposição dos autos findos para o Arquivo do Estado, pois este mesmo não estava adequadamente instalado para acomodar os documentos que já possuía, e muito menos para receber o gigantesco acervo do Arquivo Judiciário. Outros dois aspectos também pesaram contra a transferência: a segurança dos documentos era mais fácil de ser feita pelo Judiciário, habituado ao entrechoque de interesses nas demandas; e os funcionários que operam nosso Arquivo são escreventes e escrivães com larga prática e vivência no manuseio dos autos, o que não ocorria com os funcionários do Arquivo do Estado, acostumados a lidar com documentos limpos (isto é, o documento isolado para exame ¾ por exemplo, a carta de Pero Vaz de Caminha), enquanto num processo o formal de partilha pode ocupar apenas cinco páginas no meio de grossos volumes de mais de quinhentas folhas.

Por essas razões, o que poderia ter sido uma solução para o Judiciário não foi além de um progresso teórico a respeito da natureza jurídica dos autos findos e voltou-nos o problema de administrar monumentais arquivos que crescem na mesma proporção em que aumenta a litigiosidade dos povos civilizados contemporâneos.

Em face do tamanho astronômico dos arquivos judiciários, acrescentou-se aos problemas de conservação o item referente à recuperação do processo, ou da informação nele contida. Se é fácil encontrar autos em prateleiras que contenham alguns milhares, já não o será se tivermos de procurá-los entre dezenas de milhões! Não sei quantos processos estão arquivados em São Paulo, mas posso dizer que somente o distribuidor cível, ¾ por meio do qual se localiza o cartório, que por sua vez vai nos indicar onde está o processo ¾ possui um arquivo nominal de mais de cinqüenta milhões de pessoas. Uma falha aqui pode acarretar longa peregrinação por prateleiras intermináveis.

Mostrado o tamanho do problema, vamos equacionar uma solução, sem nos esquecermos de que neste caso a quantidade, por ser muito intensa, altera a qualidade do que se estuda.

A CRÍTICA

Os arquivos de papel, com os processos originais, se inviabilizaram por ocuparem espaço demais e, por conseqüência, implicarem altos custos de locação de imóveis; e por serem de difícil recuperação, o que demanda um batalhão de pessoal, cada vez mais caro. O problema da segurança é muito crucial, porque uma folha arrancada ou um processo furtado é muito difícil de ser reposto.

A microfilmagem resolve alguns dos problemas acima referidos, mas foi superada pela própria tecnologia que a introduziu. Os microfilmes têm longa duração mas requerem temperatura climatizada, ar purificado e utilizam maquinaria obsoleta, o que dificulta a reposição de peças e a aquisição de aparelhos novos. É uma estação de ferro num ramal desativado.

As técnicas digitais, ainda pouco usadas para que se tenha uma opinião solidamente fundamentada, apresentam- se como algo de extraordinário potencial, sem que se vislumbre nada que venha a inviabilizar sua utilização generalizada.

A SOLUÇÃO

Lembrando que linhas acima estabelecemos que os autos findos, na concretude de sua materialização, pertencem à memória nacional, temos que o corpo físico do processo deve ser facultado às partes, com um prazo para o retirar do cartório, após o qual ele seria encaminhado ao Arquivo do Estado, a fim de que se faculte o estudo de todos os profissionais interessados, tais como estudantes de Direito, historiadores, gráficos, papeleiros, lingüistas, datadores etc.

Resta saber como se guardarão as informações importantes contidas nos autos.

Primeiro é mister que se defina o que é importante. Uma sugestão que fazemos é arquivar o nome das partes, o pedido, eventual reconvenção, nomes das testemunhas, rol das provas, decisão, recursos. Algumas identificações igualmente interessam: nome dos advogados, do juiz, do curador, do escrivão, cartório, comarca, número do processo, datas — enfim, diversos dados de identificação do processo.

Dados esses parâmetros, resulta muito tranqüilo afirmar que o melhor meio de arquivo judiciário é o digital por computador. Soluciona o problema de espaço, de recuperação, dá rapidez às consultas, facilidade para certidões e apresenta como único obstáculo a necessidade de se dispor de equipamentos suficientemente poderosos para operar arquivos tão grandes, e, por fim, cruzarmos os dedos para que esse monstro não se torne obsoleto, que não seja substituído por engenhocas mais práticas e baratas que o inviabilizem e transformem nossos arquivos em santuários, como ocorreu com os de microfilme.

OS CUSTOS

Muitos estudos têm sido feitos para comparar os preços de cada suporte, sobretudo entre o microfilme e os digitais. Tenho informações interessantes a esse respeito, a maioria delas levantadas por produtores de equipamentos ou por sua encomenda. Todos são unânimes em mostrar as vantagens evidentes dos meios digitais, cada qual "puxando a brasa para sua sardinha", fazendo medições que, embora corretas, são dirigidas para as peculiaridades dos equipamentos que pretendem vender. É razoável que seja assim, mas é razoável também que os usuários estejam capacitados para fazerem os descontos adequados a fim de obterem dados mais proveitosos e realistas.

Os números dos custos se tornam obsoletos rapidamente, sempre se tornando mais baratos!

Bem-vinda a moderna tecnologia dos computadores ao mundo dos arquivos judiciários, seja SEAD, seja qualquer sigla que se use para designar o método. Vamos preparar nossos funcionários para operá-lo.

A PLURALIDADE DE ACESSOS

A insuperável vantagem dessa tecnologia digital é a pluralidade de acessos, o que antigamente era impensável.

Discutia-se a respeito de qual o melhor critério de classificação — entre os principais tínhamos o cronológico, por natureza da ação, pelo nome do primeiro autor, pelo nome do primeiro réu, nome do advogado, nome de cada autor, de cada réu, de cada cartório, de cada comarca, pelo valor da causa, pela pena, pelo recurso, pela competência originária, e assim por diante, numa infindável especialização tautológica, porque quanto mais se procurava simplificar, mais se complicava.

Agora se podem criar vários acessos, quantos quisermos, que o computador vai buscar os demais dados para identificar o processo por completo e facilmente localizá-lo onde estiver.

Isso apresenta, como subproduto, maior rapidez na distribuição da Justiça, dá segurança aos julgamentos e aumenta a confiabilidade no Poder Judiciário, justamente neste momento em que estamos necessitados de opor credibilidade concreta às invectivas que de várias partes atacam nossa Instituição. Por isso, podemos afirmar, encerrando essas palavras, que a modernização dos arquivos judiciários constitui-se num dos flancos em que a Justiça pode vencer a onda de um maremoto que tenta arrebentá-la.

Quadro comparativo entre vantagens e desvantagens dos três sistemas co-existentes para arquivos, no Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo:


  PAPEL  MICROFILME COMPUTADOR
QUANTO AO

ESPAÇO

QUE OCUPA

RUIM BOM ÓTIMO
QUANTO À

FACILIDADE DE

RECUPERAÇÃO

RUIM BOM ÓTIMO
QUANTO À

DURABILIDADE

ÓTIMO BOM RUIM
CONFORTO PARA

CONSULTA

ÓTIMO RUIM BOM
FACILIDADE PARA

CÓPIA

RUIM BOM ÓTIMO
EQUIPAMENTOS

NECESSÁRIOS

ÓTIMO RUIM BOM

Pedro Luiz Ricardo Gagliardi é Presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo

Retirado de http://www.cjf.gov.br/revista/numero6/artigo14.htm