® InfoJur.ccj.ufsc.br

Sistemas especialistas para mediação
Hugo Cesar Hoeschl(*)

Sumário:
Introdução
1. Mediação
2. Sistemas especialistas
3. Considerações finais
 

Introdução

O espectro de hipóteses genéricas de impactos resultantes das evoluções da informática no mundo jurídico é bastante amplo, ensejando a análise individualizada de alguns aspectos específicos, como a inteligência artificial e os sistemas especialistas, aplicando-os a uma realidade determinada, qual seja, a atividade de mediação. Para tanto, incidem alguns referenciais, como a demora da justiça formal, seu alto custo, a necessidade de soluções mais fáceis em determinados casos, a crescente discussão acerca da atuação de mecanismos antecedentes ao Poder Judiciário na avaliação de conflitos jurídicos, como a mediação, e, finalmente, a possibilidade de aproveitamento de certas facilidades que a evolução tecnológica vem apresentando diariamente,
como os sistemas especialistas.

1.Mediação

"Hoje em dia, nada agrada mais às empresas do que reduzir custos. E nada mais rápido, para cortar custos com litígios, do que evitar também os tribunais"(1).Tal opinião, de Margaret JACOBS, publicada pelo "The Wall Street Journal", merece dois remendos: 1° - é atinente à realidade dos EUA, onde os juizados de arbitragem privada estão já institucionalizados; 2° - está, como de regra no sistema econômico norte-americano, enfocando prioritariamente a questão dos custos. Inobstante, presta ao nosso cenário, com as devidas ressalvas. Em nossa cultura jurídica, por exemplo, o "custo" não é tão preponderante. Ressalvas à parte, independentemente de suas motivações, o mecanismo aventado apresenta grandes virtudes: rapidez, informalidade, simplicidade, e, o mais importante, altos índices de atendimento eficaz. Na realidade americana, a distinção entre mediação e arbitragem é bem definida. Esta se dá em uma audiência semelhante a um julgamento, perante um juiz privado. A mediação é ainda mais simples, rápida e barata, tornando-a, de regra, preferível à arbitragem no contexto dos EUA. No Brasil, sabe-se de diversas formas de mediação realizadas diariamente por diversos profissionais e instituições, em esferas informais. Quanto à arbitragem, foi recentemente objeto de regulamentação legal, através da Lei 9.307, de 23.09.96.
Sempre foi desagradável para o cidadão enfrentar um litígio na esfera do Poder Judiciário, principalmente se ele for a parte interessada em preservar um direito que a lei lhe garante. Poder resolver um conflito, fugindo dos altos custos judiciais, do longo e cansativo trâmite forense, e obter um resultado satisfatório, é, com certeza, o maior desejo daqueles que obrigatoriamente necessitam da proteção do Poder Judiciário. Diante desta expectativa, onde pequenas e grandes questões jurídicas surgem diariamente e têm sua solução adiada exatamente porque os custos judiciais (perícias, diligências, custas, precatórias, etc) não são compensados com os benefícios obtidos, um serviço substitutivo torna-se prioritário . A mediação possuiu semelhanças com empresas de assessoria jurídica, e, nos últimos anos, este tipo de especialização vem ocupando um
espaço e respeitabilidade cada vez maiores junto à comunidade e ao Poder Judiciário nos EUA, mais especificadamente nos Tribunais da Flórida, que têm solicitado às partes que, antes de levarem um caso a julgamento, tentem uma mediação. Antônio Carlos WOLKMER, em sua obra "Pluralismo Jurídico", adverte para a necessidade de se buscar soluções alternativas ao nosso modelo monista estatal de jurisdição, apontando formas de resolução institucionalizadas e vias não institucionalizadas.
Apresenta posicionamento esclarecedor, quanto ao primeiro ponto, iniciando pelo mecanismo da conciliação: "A ‘conciliação’ pode ser vista como uma prática judicial (instaurada a partir do processo) ou extrajudicial (alternativa para evitar o processo estatal), mais ou menos formal, podendo ou não ser institucionalizada, capaz de mediar controvérsias entre partes antagônicas,
conflitos de interesses e litigiosidade provenientes das relações de consumo. O crescimento dos conflitos de natureza coletiva e a impossibilidade da engenharia processual individualista de canalizá-los determinam, cada vez mais, na sociedade industrial de massa, a operacionalização alternativa do instituto da ‘conciliação’, considerando que sua natureza pode ser judicial ou extrajudicial, pública ou privada, facultativa ou obrigatória, a ‘conciliação’ revela-se não só como variante à solução dos litígios, mas, igualmente, como direção mais diferenciada e espontânea aos rituais canonizados da processualista estatal"(2).
Tal posicionamento segue uma tendência da doutrina nacional de alargamento da definição de conciliação, aplicando-a quase que como gênero, como sinônimo de resolução alternativa, denotadora da necessidade de se buscar uma forma mais fácil de definição para conflitos. WOLKMER estabelece, contudo, as bases de sua distinção para com a arbitragem:
"A ‘arbitragem’ é outro procedimento relativamente informal em que as partes conflitantes concordam em submeter suas divergências a julgadores ou árbitros externos, aceitando as determinações resultantes do parecer técnico. Não se trata propriamente de um acordo livremente efetivado, mas tão-somente da consensualidade das partes envolvidas na escolha do árbitro que tem legitimidade para proferir um laudo final, mas sem ser uma sentença judicial"(3). Tais posicionamentos referem-se a práticas reconhecidas e abrigadas pelo direito oficial. Inobstante, o mesmo autor prescreve opções dotadas de mais ousadia, por via não institucionalizada:
"Na medida em que o órgão de jurisdição do modelo de legalidade estatal convencional torna-se funcionalmente incapaz de acolher as demandas e de resolver os conflitos inerentes às novas necessidades engendradas pelos movimentos sociais, nada mais natural do que o poder societário instituir novas instâncias extrajudiciais assentadas na informalidade, autenticidade, flexibilidade e descentralização. A constituição de um novo paradigma da política e do jurídico está diretamente vinculada ao surgimento comunitário-participativo de novas agências de jurisdição não-estatais espontâneas, estruturadas por meio de processos de negociação, mediação, conciliação, arbitragem, conselhos e tribunais populares. Não se trata aqui das formas de conciliação, juízo arbitral e juizados especiais já previstas e consignadas no interior da legislação estatal positiva, mas de instâncias e procedimentos mais amplos, em regra informalizados e independentes, nascidos e instaurados pela própria Sociedade e seus múltiplos corpos intermediários quase sem nenhuma vinculação com os órgãos do Estado"(4). E prossegue: "O critério que deve nortear a ‘conciliação’ extra-oficial como ruptura e alternativa à justiça formal do Estado, não está na
aplicação da lógica fundante da atual legislação positiva, mas num novo tipo de interpretação emancipatória, norteada pela legitimidade de novas identidades sociais e firmada na eqüidade, na ordenação de justos interesses e na satisfação plena das necessidades humanas fundamentais."(5).
As diretrizes são proveitosas. O autor aponta não somente mecanismos alternativos, numa primeira etapa, mas também, numa segunda, uma forma diferente de analisar o tema em litígio, buscando referenciais mais profundos do que lei e jurisprudência.
No momento, os subsídios da primeira etapa são extremamente eficazes ao trabalho: cultuar uma instância informal, não-estatal e rápida para estabelecer direitos. Aqui a mediação, ou conciliação extrajudicial, pode ser encarada como uma atividade de orientação aos contendores, informando as tendências do direito positivo vigente e sua mais atual interpretação, como que apontando para os prováveis resultados de uma demanda judicial, sem emitir um laudo ou parecer vinculativo, somente opinativo, com o objetivo de facilitar as bases de um acordo, quando houver disposição para tal.
De uma forma ou de outra, fica patente a necessidade de soluções diversas das oficiais então vigentes, inclusive em benefício delas próprias, com redução da excessiva carga de trabalho na qual estão mergulhadas. Independentemente da definição semântica e da morfologia dos institutos (mediação ou conciliação extrajudicial), é importante destacar o  aspecto teleológico do tema, reforçando-o pela desnecessidade de convocar todo um aparato oficial para tutelar uma discussão que poderia ter
solução antecedente, desde que devidamente orientados os contendores. Tal orientação, no âmbito do fornecimento de informações sobre o  momentâneo trato do tema em discussão pela legislação vigente, sua interpretação jurisprudencial e até mesmo doutrinária, é campo de atuação de um sistema especialista, como veremos a seguir.
 


2. Sistemas especialistas



Produto da inteligência artificial, desenvolvido a partir da necessidade de se processar informações não numéricas, um sistema especialista é capaz de apresentar conclusões sobre um determinado tema, desde que devidamente orientado e alimentado.
Ao abordar o tema, surgem as iniciais e tradicionais dificuldades. Inteligência artificial é uma das principais atrações do mundo da informática nos últimos anos. Tida como "o passo adiante da computação", tem sido capaz de influenciar o desenvolvimento de programas, sistemas e equipamentos.
Sua conceituação é dificultosa, e RABUSKE faz uma advertência inicial: "Na verdade, a inteligência deve ser tratada como uma abstração feita com base em certos comportamentos. A partir do comportamento podemos deduzir inteligência. É este aspecto que, particularmente importa para a computação, onde se observa o comportamento do sistema que resolve problemas e faz inferências"(6).
Como observa o mesmo autor, é necessário compreender a inteligência dentro de contextos específicos. Assim, inteligência artificial, aqui, é "a parte da ciência da computação concernente ao projeto de sistemas computacionais que exibem inteligência humana: aprender novas informações, entender linguagens, raciocinar e resolver problemas!"(7).
O início das pesquisas na área motivaram especialistas ao desenvolvimento de uma máquina que resolvesse problemas. Diante das notórias dificuldades, principalmente a limitação dos sistemas, a idéia não foi longe, na época. Porém, os resultados apresentados permitiram a criação de sistemas para a resolução de problemas específicos, em áreas restritas.
Surgiram, então, na década de 70, produtos conhecidos como sistemas especialistas, destacando-se o Mycin (medicina) e o Prospector (exploração mineral), com o objetivo de apresentar soluções de forma semelhante a um especialista humano, caracterizados por um volume de conhecimento perito vasto, sistematizado de forma a tornar mais fácil a busca da resposta pretendida.
O armazanazento e a organização das informações são aspectos de importância central. Porém, a habilidade de aprenderem empiricamente e poderem explicar suas ações materializa o diferencial para com os convencionais sistemas de informação.
Existem componentes a serem analisados. Na ótica do autor ora analisado, Renato RABUSKE, a base de conhecimentos, a máquina de inferência, o quadro-negro, o sistema de justificação, o mecanismo de aprendizagem, o sistema de aquisição do conhecimento e o sistema de consulta são os elementos mais importantes.
Suas avaliações pormenorizadas fogem um pouco às questões jurídicas puras, caindo no campo da informática. Mesmo assim, alguns aspectos merecem destaque. A base de conhecimentos não é uma simples base de dados. Está interligada com outros componentes e possui algumas capacidades, como certos tipos de controle sobre si mesma.
O sistema de justificação oferece ao usuário os fundamentos utilizados para se obter uma determinada conclusão. Em outras áreas da ciência tal mecanismo é importante. Em Direito, porém, é fundamental, constituindo um aspecto valioso no contexto em discussão. Podemos ir mais longe: de que adiantaria a informação sobre uma conclusão sem seus fundamentos ? Fazendo um paralelo, equivaleria a uma sentença nula. O sistema de aquisição do conhecimento é o ponto nevrálgico da formação da estrutura. O mesmo se diga de sua atualização. No universo de redes apresentado a nós hodiernamente, a conectividade, como instrumento para formação e atualização da base de dados, é fundamental. A possibilidade de o sistema poder receber, diretamente, "on line", as publicações oficiais e, ele próprio, selecionar temas e proceder confrontações e alterações, apresentando uma definição sobre, por exemplo, o exato texto em vigor de determinado dispositivo legal, a vigência
ou não de uma medida provisória, ou revogação parcial de uma súmula, é algo fantástico. Até que se possa chegar, se possível, a tal ponto, muitos aspectos devem ser superados. Sistemas especialistas encontram dificuldades em representar o conhecimento temporal e espacial, em executar raciocínio de senso comum, em manipular conhecimento inconsciente e em
reconhecer seus próprios limites.
Provavelmente por tais motivos sua aplicação no mundo do Direito esteja ainda tão tímida. Cabe evidenciar ainda que a aquisição do conhecimento é apontada como o maior dos problemas. Paralelamente, há benefícios decorrentes das próprias dificuldades, como a eliminação dos elementos de ânimo quando da análise de um caso, motivadores de discrepâncias que geram soluções diferentes para situações similares. O afastamento da influência do inconsciente, em primeiro momento, é positivo. Seria, em tese, eliminado o problema psicológico do operador, que, por exemplo, teria tendência a ser mais compreensivo com o motorista que bateu por trás, em um acidente de trânsito, em razão de ter desempenhado tal papel em situação pessoal real. Tais características podem, e devem, ser aproveitadas em nosso cotidiano forense e acadêmico.
 
 

3. Considerações finais

A exemplo do que preconiza RUFINO(8), tais sistemas podem, em um primeiro momento, servir de ajuda a operadores diretos do direito. A proposta aqui articulada é o desenvolvimento de um SE que possa, em uma área específica, defrontar-se com um caso concreto, procurar a análise de diversos aspectos, preferencialmente passo a passo, pedindo sempre novas informações aos operadores, apresentando informações conclusivas, de caráter opinativo, sobre os pontos enfocados.
Há que se esclarecer que a disponibilidade da informação não significa dizer que tal será a diretriz adotada no mesmo caso se discutido em juízo, mas esclarece muito sobre as chances e possibilidades argumentativas.
É importante, para quem está participando de uma conciliação, saber, com precisão, quais as disposições em regra aplicáveis ao seu caso, tarefa difícil ao mediador comum, o qual vale-se de seus conhecimentos pessoais e pesquisas diretas.
Um mediador assistido pelo SE terá fácil acesso a diferentes informações, quase em tempo real, permitindo uma atuação mais dinâmica. Não tendo a preocupação com armazenagem de informações, o operador pode dedicar seu potencial laborativo às atividades de avaliação e reflexão, priorizando o raciocínio à memorização. Haverá mais tempo para pensar. Ainda, vale lembrar uma certa resistência humana aos mecanismos artificiais. Algumas observações são importantes: 1. o sistema é um
instrumento neutro de trabalho, orientado por seu operador e é este é quem lhe confere perfil; 2. a inteligência do computador sempre terá uma natureza diferente da humana, o que acarreta vantagens e desvantagens; 3. há certas coisas que um computador nunca conseguirá fazer.
Existem, finalmente, outros aspectos, a serem analisados em fases posteriores, como a mediação para conflitos em massa, a força da cláusula de mediação, o rito a ser estabelecido, estrutura, funcionamento e controle social, etc, mas sempre tendo em mente o desenvolvimento de uma estrutura, apoiada por um sistema, onde ambos são chamados não a decidir, mas a diagnosticar.

Notas:
(*) Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Informática Jurídica pela UNIVALI/SC. Mestre em Direito pela UFSC ("O tratamento normativo da telemática no Brasil"). Doutorando em Inteligência Aplicada no DEPS-UFSC. Ex-Promotor de Justiça. Procurador-chefe substituto da Procuradoria da União em Santa Catarina.

(1) "Escritórios evitam tribunais e faturam". Por Margaret A. Jacobs, do The Wall Street Journal, in Gazeta Mercantil, 08.03.95, p.33

(2) Wolkmer, Antônio Carlos. Pluralismo Jurídico. São Paulo, Alfa Omega, 1994, p. 266.

(3) Wolkmer, ob. cit., p. 267.

(4) Wolkmer, ob. cit., p.276.

(5) Wolkmer, ob. cit., p.277.

(6) Rabuske, Renato Antonio. Inteligência Artificial. Florianópolis, Ed. UFSC, 1995, p. 20.

(7) Rabuske, ob. cit. p. 21.

(8) Rufino, Humberto D’Avila. "Sistema de redação automática de julgamentos nos tribunais do trabalho", in anais do XXI Congresso Nacional de Informática.