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„ACCESS DENIED“

MARGINALIZAÇÃO NA ERA DA INFORMAÇÃO

 

Christiano German[1]

 

Durante o verão de 2000, registrou-se nos debates em torno das novas tecnologias a predominância de temas que insistem, com uma ênfase até então desconhecida, nos riscos inerentes às tendências atuais no desenvolvimento de áreas como a engenharia genética, a robótica, a nanotecnologia e, sobretudo, também as tecnologias de informação e comunicação (I+C). Enquanto a cúpula mundial do G-8, em Okinawa, provocava no mundo todo uma discussão em torno do termo “Digital Divide”, referindo-se ao abismo cada vez maior que separa os países ricos e pobres na utilização da internet e de outros meios de comunicação, começaram a ser detectados novos tipos de exclusão social também nas demais áreas citadas.

 

Sem a intenção de esgotar o assunto em toda a sua abrangência, a seguir pretendo apresentar e discutir o campo dos problemas mencionados numa perspectiva européia e, mais especificamente, alemã. Nesse contexto é impossível deixar de considerar o papel dos EUA, assim como se faz necessário abordar também os efeitos que essa dinâmica deve provocar numa região em desenvolvimento, como é o caso da América Latina. Quero apresentar também alguns projetos para uma possível solução dos problemas, comentando, p. ex., as iniciativas do governo alemão que visam superar a divisão digital da sociedade por meio de uma grande “ofensiva de internet” e da ampliação do “governo eletrônico” em todos os setores federais de prestação de serviços que possam ser integrados à internet.

 

1.       Engenharia Genética

 

Depois da decodificação do genoma humano em meados de 2000, foi sobretudo Jeremy Rifkin, crítico americano da sociedade e da tecnologia, que voltou a destacar os riscos de um novo tipo de categorização e vitimização dos seres humanos, depois de os velhos critérios de etnia, religião, língua e nacionalidade já terem trazido tanta desgraça para a humanidade. Uma nova forma de discriminação, essa bem mais séria, poderia redundar na classificação dos seres humanos segundo o seu genótipo.

 

A possibilidade de classificar os seres humanos em indivíduos ou grupos “superiores” ou geneticamente “comprometidos”, tendo como base testes genéticos, torna-se cada vez mais iminente diante das pesquisas médicas do genoma humano. Nos EUA, a utilização dessas informações da esfera íntima do ser humano já faz parte, até certo ponto, das práticas de muitas empresas na hora de selecionarem seus novos empregados. O Departamento de Neurobiologia da Universidade de Harvard mostrou num estudo sobre a discriminação genética, realizado este ano, que os testes genéticos são mais comuns do que se supunha. Muitas instituições, entre elas seguradoras, entidades de prevenção de saúde, repartições públicas, agências de adoção e escolas, praticam hoje nos EUA abertamente a discriminação genética. A associação de executivos americanos AMA já descobriu em 1997 que entre seis e dez por cento de todas as empresas americanas recorrem a essa prática para obterem informações sobre possíveis doenças graves e dispendiosas de seus empregados.[2]

 

Na Europa e na Alemanha tem-se a impressão de que os políticos e os cientistas pretendem aprender com a problemática evolução dos fatos que se constata nos EUA. Em primeiro plano trava-se inicialmente um debate de cunho ético[3]. Os convênios médicos e as seguradoras por ora estão mantendo uma certa cautela. A dimensão ética diz respeito, por exemplo, ao problema da autodeterminação do ser humano, aos deveres com os seres humanos e à não-comercialização do corpo humano diante da controvérsia sobre a utilidade de biopatentes.

 

Na Grã-Bretanha e na Alemanha ainda está se analisando, por parte dos governos, a adequação de diversos testes genéticos para a avaliação de riscos. Em países como a Áustria, a Bélgica e Luxemburgo já se proibiu a assim chamada “anti-seleção” baseada em testes genéticos, utilizada pelas seguradoras quando se trata de cobrar mais de clientes de risco ou de nem mesmo admiti-los como segurados. Na prática parece que hoje, na Alemanha, a introdução de testes genéticos abalaria tremendamente a imagem do setor de seguros, além de a maior parte dos testes genéticos serem ainda muito imprecisos para permitir um cálculo razoável dos riscos.[4]

 

Na América Latina e aqui no Brasil, essa discussão passará rapidamente das considerações acadêmicas à aplicação prática, acrescentando aos critérios tradicionais de divisão social, como p. ex. a faixa salarial e a escolaridade, novos critérios. Mas isso seria apenas o começo. Diante da perspectiva de melhora do material genético pela aplicação da engenharia genética, os abastados de todos os países poderiam passar a gerar filhos mais inteligentes, mais belos e alegres. Também no Brasil – que é famoso no mundo todo, entre outros motivos, pela qualidade de seus cirurgiões plásticos –  já estão sendo utilizados intensamente esses recursos ainda relativamente modestos.

 

 

 

 

2.  Robótica e nanotecnologia

 

Sem que a opinião pública da Europa e da América Latina se desse muita conta, o presidente Clinton declarou, em janeiro de 2000, a nanotecnologia e a combinação de engenharia genética e tecnologia de computação como tecnologias-chave do século 21. Assim, os nanotécnicos revolucionam as ciências trabalhando p. ex. na miniaturização microscópica de elementos eletrônicos. Nos anos 40, o computador tinha as dimensões de uma sala. Dentro de trinta anos, um supercomputador deverá caber dentro de um relógio de pulso ou, como prevê o teórico das ciências Ray Kurzweil[5], um mini-robô poderá estar percorrendo as veias de um homem.

 

Uma visão especialmente polêmica e controvertida no mundo todo partiu nesse contexto, em meados de 2000, de um artigo de Bill Joy, cientista-chefe da Sun Microsystems e inventor da linguagem de programação Java, publicado na revista de internet “Wired”.[6] Sem recapitular os detalhes desse debate entre os maiores críticos das novas tecnologias, os protagonistas da bio-informática e da engenharia genética e os visionários da computadorização e da nanotecnologia, quero lembrar que a discussão girou em torno da pergunta: como a ciência deverá lidar com essa nova caixa de pandora e poderá o ser humano transformar-se em espécie ameaçada por essas tecnologias poderosas?

 

Todos estão de acordo de que os riscos são potencialmente maiores do que as que acompanharam o desenvolvimento da bomba atômica. Um dos motivos está no fato de que, nas tecnologias nucleares, se podia distinguir com relativa clareza entre a utilização militar e a comercial; além disso, ficava mais fácil o controle por causa da radioatividade. Ainda persiste uma controvérsia a respeito da opinião de cientistas como o físico Freeman Dyson, de Princeton, que atribuem à engenharia genética bem mais riscos do que à tecnologia da informação e à nanotecnologia.[7]

 

Os riscos estariam no fato de o desenvolvimento de robôs poder dar um salto muito grande em virtude da integração das tecnologias mencionadas. Bill Joy supõe p. ex. que os cientistas de computação em tempo previsível estarão em condições de desenvolver máquinas inteligentes que saberão fazer tudo melhor do que o ser humano. Num mundo desses, todo o trabalho será realizado provavelmente por enormes sistemas de máquinas superorganizadas. O problema principal pode ser formulado assim: deve se permitir às máquinas que elas mesmas tomem as decisões? Pelo estado atual de nossos conhecimentos, as conseqüências seriam imprevisíveis, além de haver o risco adicional de uma reprodução autônoma dessas máquinas comandadas por softwares. Um exemplo bem conhecido de uma entidade auto-reprodutiva não-biológica é o vírus de computador.

 

Existe atualmente a perspectiva de que, dentro de uns trinta anos, o desempenho do computador poderá ser comparável ao de um ser humano. Segundo a “lei de Moore”, a velocidade dos computadores duplica a cada ano e meio.[8] Para o ano de 2019, Ray Kurzweil prevê que os computadores passarão no teste de Turing. Com isso teriam chegado à capacidade de intervir como seres humanos em qualquer diálogo, sem serem reconhecidos como computadores. Os projetistas dessa inteligência artificial acham que existe o risco de a consciência da máquina não se limitar à simulação do cérebro humano passando a criar seu próprio sistema evolucionário. Será possível, então, que o ser humano não sobreviva ao confronto com uma espécie superior de robôs. Isso levaria a uma total exclusão da entidade protéica que é o ser humano.

 

O debate brevemente delineado entre Joy e Kurzweil, ambos integrantes da equipe de assessores do presidente americano, foi recebido por muitos cientistas com reservas e até com alguma ironia. Quanto às previsões sobre o progresso da nanotecnologia, o cientista de materiais Rustom Roy fala até em bolhas de sabão de alta tecnologia. Jaron Lanier, que conta entre os teóricos de computação mais influentes dos EUA e que criou o conceito de “realidade virtual”, afirma ter mais medo de softwares burros do que de computadores inteligentes. Com toda a razão chama a atenção para o fato de os saltos de qualidade no hardware costumarem ser bem adiantados em relação ao software.

 

Da Alemanha vem a previsão confiante de que o ser humano deverá sobreviver. O filósofo Walther Zimmerli destaca que, por enquanto, só sabemos isso do futuro: que a probabilidade de ele não ser conforme as previsões é muito grande. Falta pouco para chegarmos ao ano de 2001, mas o computador assassino HAL do livro de Arthur C. Clarke e do filme homônimo de Stanley Kubrick continua não existindo, nem tampouco a “sociedade sem papel”.

 

Para muitos, a credibilidade das previsões sobre a divisão da sociedade em seres humanos, robôs e híbridos de ambos vem do fato de terem sido feitos por cientistas diretamente envolvidos no desenvolvimento dessas tecnologias poderosas. Sentindo-se responsáveis, advertem para as conseqüências desse trabalho, caso caia em mãos erradas. O professor alemão Zimmerli critica que “só notícias ruins são boas notícias”, mas ele esquece que é possível criar na opinião pública as condições para uma reação contra essa evolução das coisas, mesmo que seja apenas nos dias sem assunto do verão. Isso vale também para a América Latina, mesmo que o desenvolvimento tecnológico por aqui ainda não esteja tão adiantado. Nesse sentido, Bill Joy exige que se institua uma espécie de juramento hipocrático para cientistas e engenheiros, que se faça uma análise pública dos riscos e que se criem laboratórios internacionais com critérios especiais de segurança.

 

Resumindo os resultados do debate podemos afirmar, no entanto, que a renúncia – sobretudo à nanotecnologia – exigida por Joy não é nem viável nem razoável. Um país como os EUA não pode renunciar ao desenvolvimento dessas tecnologias potencialmente tão perigosas. O campo ficaria apenas à disposição de outros e acabaria faltando o conhecimento necessário à adoção de contramedidas adequadas, mesmo que seja apenas para o desenvolvimento de um certo programa antivírus.

 

3.       Tecnologias de informação e de comunicação

 

Um cenário de aspecto relativamente inofensivo descreve a idéia de uma divisão crescente das sociedades de todos os países em “conectadas” e “isoladas”, ou então de uma “Network High Society” e “Information Poor”. Essa nova forma de divisão da população mundial e dos habitantes de cada país já se vislumbrava em meados dos anos 90; mesmo assim, a problemática só foi identificada na política mundial depois que o Human Development Report de 1999 dedicara uma atenção maior ao fato.[9]

 

Em julho de 2000, o tema finalmente ganhou as manchetes da imprensa quando, na cúpula do G-8 numa ilha ao sul do Japão, ficou decidido, na “Carta de Okinawa sobre a sociedade global de informação”, opor resistência “à divisão digital” do mundo. O Japão foi o primeiro país industrializado a prometer subvenções e créditos num total de cerca de 30 bilhões de reais para diminuir o atraso na área da tecnologia digital. Entre outras vozes críticas fez-se ouvir também a do presidente da UNESCO, Philipe Queau.[10] Para ele, o “mundo da informação já se encontra numa situação enviesada”, uma vez que as comunicações na internet se realizam quase exclusivamente via EUA onde se localizariam as matrizes das 13 maiores empresas da internet. Uma delas, a MCI Worldcom, dominaria sozinha 30% de todas as conexões na internet. Mas não pretendo destacar aqui o predomínio tecnológico dos EUA e o atraso da Europa, antes quero fazer um breve levantamento da problemática e indicar possíveis soluções.

 

Dez anos depois do desenvolvimento do “World Wide Web” aparece no mapa mundial da internet um tipo novo de contrastes em relação aos países em desenvolvimento que já se vêem bastante prejudicados nos mercados de bens e capitais. Apesar da crescente necessidade de acesso aos conhecimentos para poder contar com alguma chance de desenvolvimento num mundo globalizado, a quinta parte mais pobre dos “Information Poor” dispõe de meros 0,2 por cento das conexões à internet, enquanto a quinta parte mais rica dos “Information Rich” chega a abocanhar mais de 93 por cento. No máximo, três por cento da população mundial dispõem atualmente de uma conexão à internet. E essa elite de informação encontra-se nos países industrializados do mundo ocidental, sobretudo nos EUA.[11]

 

A América Latina e o Caribe também estão tentando manter-se em contato com a era da informação. Ao todo são 0,8 por cento da população, ou seja, 3,2 milhões de seus cerca de 395 milhões de habitantes, que podem surfar na internet. Em primeiro lugar está o país mais populoso e extenso dessa região, o Brasil, que, com seus cerca de dois milhões de internautas, em 1998 já ocupava o oitavo lugar no mundo todo. Hoje seriam aproximadamente cinco milhões. Na própria América Latina seguem, com alguma distância, o México, a Argentina e o Chile.[12]

 

Nesse meio tempo, estudos empíricos comprovaram que também na Europa, em países com elevado desenvolvimento industrial, como é o caso da Alemanha, começa a surgir um novo tipo de exclusão social, sobretudo nas camadas dos mais velhos e pobres, bem como em pequenas empresas e entre seus empregados.[13] O risco de uma divisão visível da população européia em cidadãos com e sem conexão à internet já deverá existir dentro de três anos. Fala-se em três barreiras que ainda hoje manteriam afastados muitos cidadãos do ingresso no mundo da internet: os custos de aquisição de um computador e as despesas regulares de utilização são muito altos. Em segundo lugar faltam conhecimentos para possibilitar um aproveitamento econômico e cultural razoável do computador tanto na vida profissional quanto na particular. Em terceiro lugar, os serviços oferecidos pela internet não são suficientemente atraentes. O próprio comércio eletrônico na área do B2C (Business-to-Consumer) não está conseguindo o sucesso esperado, em parte por causa dos problemas com a criminalidade no cyber-espaço. Segundo especialistas de empresas de cartão de crédito, uma entre dez transações no mundo on-line é fraudulenta, e a tendência indica para um aumento desse tipo de fraude.[14] O único setor realmente bem-sucedido é o B2B (Business-to-Business) via internet ou intranet com grandes lucros e economias reais para as empresas.

 

Quanto aos modelos para possíveis soluções, convém adiantar que muitas dessas abordagens têm a sua origem na indústria que tem interesse numa interligação técnica abrangente visando um máximo de socialização do uso da internet na população. O grande dinamismo próprio do desenvolvimento tecnológico fez com que os políticos em toda a Europa tentem agora pular no trem que já está em movimento, contando com a ajuda da indústria. Mas os interesses da indústria estão ligados, naturalmente, a categorias como investimentos e lucros.

 

Atualmente, apenas 16 milhões de alemães, ou seja 34% da população adulta, utilizam a rede eletrônica, o que significa que seu número dobrou nos últimos três anos. Em comparação com outros países europeus, a Alemanha ocupa um lugar intermediário quanto ao acesso, à utilização e às compras on-line. Para melhorar esse atraso até mesmo dentro da Europa, Gerhard Schröder, o chefe de governo, anunciou em setembro de 2000 uma grande ofensiva nessa área pela aplicação de um programa de dez itens. Com a ajuda das empresas e por meio de incentivos fiscais, todas as 44.000 escolas e bibliotecas públicas deverão estar equipadas com PCs até o final de 2001 e ter acesso à internet. No momento são 11.000 as escolas que estão conectadas à internet, mas em muitos casos só através do micro do diretor.[15]

 

Em comparação com os EUA, essa iniciativa vem com um atraso de uns sete anos. A assim chamada Iniciativa Clinton-Gore já incentivara em 1993 a ampliação de sistemas de comunicação de alto desempenho em todo o país. O vice-presidente Gore prometeu conectar as infovias até o ano 2000 todas as escolas, bibliotecas e hospitais.[16] Mas naquele tempo o governo cristão-liberal da Alemanha ainda não via nenhuma necessidade para uma iniciativa desse tipo. O ex-chanceler Helmut Kohl chegou a confundir o termo “Infovia/Datenautobahn” com as políticas de transportes e seu então “ministro do futuro”, Jürgen Rüttgers, questionava nas entrevistas dos jornais a possibilidade de convencê-lo da utilidade das áreas de multimídia e internet.[17] Nem por isso é possível querer comparar o atual chanceler Schröder com o candidato à presidência dos EUA, Al Gore, que deu nome já nos anos 70 ao conceito do “Information Superhighway” e que, desde então, se destacou como “e-ministro”.

 

Por isso não deve causar espanto que em países chamados “em desenvolvimento”, como p. ex. no Brasil, as possibilidades de aplicação das novas tecnologias de informação e da internet tenham progredido mais rapidamente do que num país como a Alemanha.[18] No Brasil, as eleições são realizadas com o uso de urnas eletrônicas, os contribuintes podem entregar a sua declaração de imposto de renda via internet em qualquer parte do mundo, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal informa a população de modo abrangente sobre o andamento dos processos e sentenças. Em meados do ano 2000 foi lançado o programa “Governo Transparente” via internet. Pode-se mencionar também as formas de democracia direta em Porto Alegre com o assim chamado “Orçamento Participativo”. Há sete anos, os cidadãos da capital do Estado do Rio Grande do Sul podem votar em questões de ordem orçamentária. Para que os cidadãos disponham de informações adequadas, o governo e o câmara fazem com que todos os dados pertinentes do orçamento estejam disponíveis na internet.[19] Em países industrializados do ocidente, como p. ex. na Alemanha, tais variantes de e–government ainda estão em fase de testes. Em setembro deste ano, o chefe do governo alemão pelo menos já anunciou – conforme mencionamos no início da palestra – que até 2005 todos os serviços federais compatíveis com a internet deverão estar disponíveis on-line.

 

Será que iniciativas como a administração de cursos gratuitos de internet para desempregados conseguirão neutralizar o risco de uma divisão da sociedade alemã em uma elite on-line e em um novo tipo de proletariado off-line? Além disso, a introdução apressada do futuro on-line constitui-se em ameaça à democracia liberal, já que, entre outras conseqüências, leva à perda da privacidade do ser humano pela redução do sigilo de dados na internet. Uma solução para os problemas de distribuição da riqueza – também na Alemanha se registra há dez anos um aumento contínuo da pobreza – não poderá ser substituída por ofensivas no campo da internet.

 

Segundo a opinião de Jeremy Rifkin, professor da Wharton-School e assessor do governo norte-americano, na economia de rede da Nova Economia, o velho problema da distribuição de renda será ampliado por mais uma variante da divisão social: o direito do indivíduo ao acesso e às possibilidades de acesso. “Acesso” passa a ser a palavra-chave. Na era dos meios de comunicação digitais, o computador, o telefone, a difusão de rádio e tv, as editoras e a indústria de entretenimento abrem caminhos totalmente novos para a organização das relações inter-humanas. Tudo o que é oferecido no mundo ilimitado do cyberspace, como p. ex. estilo de vida, aventura, informação e assessoria,  pode levar a uma situação em que as pessoas só poderão dispor das coisas de que necessitam em forma de serviço pago. A nova forma de capitalismo já não consistirá então, como na Velha Economia, em comprar e possuir, e sim em alugar e utilizar. A ameaça é uma economização totalmente nova do ser humano e de suas relações e necessidades.[20]

 

A natureza problemática da comercialização da informação, da principal matéria prima do futuro, já fora descoberta antes de Rifkin. O comunicólogo Herbert I. Schiller advertiu, em meados dos anos 90, que a interligação global e a liberalização dos mercados poderia levar não a uma maior igualdade de oportunidades e, sim, a mais desigualdade ainda.[21]Ao menos por enquanto, a orientação para o caráter social do uso das novas tecnologias I+C permanece para Schiller meramente no plano do desejável. O que prevaleceria seriam os interesses das empresas. Qualquer governo que queira forçar com a ajuda da indústria o acesso de seus cidadãos à internet deve convencer-se antes do princípio de que os investidores particulares nunca agirão sem pensar no próprio proveito. O cientista político Benjamin R. Barber alerta inclusive contra um “totalitarismo comercial”.[22]

 

Por isso, não basta que o estado queira garantir a todos os cidadãos o acesso à internet. O aumento da presença da população na rede apenas transferiria o desnível social para dentro do espaço virtual. Caso a comercialização da informação no cyberspace continue progredindo, o cidadão conectado à rede experimentará uma nova forma de marginalização. Para resolver esse problema, o Estado precisa oferecer, ao lado dos sites gratuitos de e-government, as possibilidades de criação de redes livres para os cidadãos. Esse aspecto, descrito como “more community” e “more content” no World Development Report de 1999, deveria ter a finalidade de franquear a todos os cidadãos, independentemente de sua situação econômica, o acesso gratuito a todas as informações sobre questões de natureza econômica e cultural de seu entorno. É um aspecto que aqui precisa ser destacado, uma vez que costuma ser negligenciado sempre que se trata de anunciar medidas governamentais para a ampliação do acesso à internet. Esse “serviço universal” que ofereça em qualquer lugar do país informação e comunicação a todos os cidadãos a preços compatíveis nunca poderá atingir o nível de qualidade necessário se não houver uma participação política ativa da parte dos próprios envolvidos.

 

 

Considerações finais

 

Podemos concluir que as áreas de engenharia genética, robótica e nanotecnologia, abordadas inicialmente, possibilitam um “uso dual” com potencial de risco anteriormente inexistente. Esse termo usado pelo Pentágono implica que, antes do desenvolvimento de uma arma perigosa, é necessário mostrar a possibilidade de seu uso pacífico. O passado ensina que a humanidade não foi capaz de chegar a um uso responsável do produto de “uso dual” que foi a bomba atômica. Foram cometidos todos os erros imagináveis, só faltou mesmo a destruição da humanidade por uma guerra nuclear. No fim, chegou-se a um Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares e à convicção tardia de governos, como o dos EUA e da Alemanha, de que é preferível abandonar definitivamente essa tecnologia na geração de energia. Mas antes que se chegasse a esse ponto houve Hiroshima, a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, Tchernóbil e o afundamento de vários submarinos nucleares russos que continuam no fundo do mar como verdadeiras bombas-relógio. E ainda existem regimes questionáveis que não desistem de sua aspiração à posse de bombas nucleares.

 

Diante desse cenário, as novas tecnologias relativamente inofensivas de I+C poderiam até contribuir hoje em dia para a criação nos cientistas, nos detentores do poder político e na crescente comunidade dos internautas de uma consciência de responsabilidade global para os problemas de um futuro previsível. O uso das tecnologias descritas precisa revestir-se de mais cuidados do que foi possível praticar no caso da energia nuclear. A poderosa tampa da caixa de pandora continua fechada. Segundo a lenda grega, Zeus enviou essa caixa aos homens para castigá-los pelo roubo do fogo por Prometeu. Mas a caixa foi aberta e todos os males e sofrimentos se espalharam pelo mundo. Só sobrou dentro da caixa a esperança.

 

 

Tradução Alfred Keller, São Paulo 16/10/2000. Agradeço a Marcelo Gross Villanova pelas sugestões e pela revisão final do texto.



[1] Professor de Ciência Política e de Relações Internacionais (Dr. phil. habil.), Universidade Católica de Eichstätt/Baviera (Alemanha). Professor visitante (DAAD) da Universidade Federal de Pernambuco, Recife. Veja www.ccba.com.br (Intercâmbio) e christiano.german@ku-eichstaett.de - Recife 10/11/2000

[2] Cf. Rifkin, Jeremy: “Genetische Diskriminierung. Eine neue Form des sozialen Vorurteils”, in Süddeutsche Zeitung, 29 de junho de 2000, p. 17, e Tenbrok, Christian: “Vorsicht, Kamera! Unglaubliche Geschichten aus der Arbeitswelt in den Vereinigten Staaten” in Die Zeit, 8 de junho de 2000, p. 28.

[3] Cf. Mieth, Dietmar: “Ethik angesichts der Beschleunigung  der Biotechnik” in Aus Politik und Zeitgeschichte, B 33-34/2000, 11 de agosto, pp. 3-9.

[4] Cf. Baer, Tina: “Gute Gene, schlechte Gene” in Süddeutsche Zeitung, 27 de junho de 2000, p. 2.

[5] Cf. Kurzweil, Ray: “Die Maschinen werden uns davon überzeugen, dass sie Menschen sind” in Frankfurter Allgemeine Zeitung, 5 de julho de 2000, p. 51, e seu livro The Age of Spiritual Machines, Nova York, 1999.

[6] Sobre esse debate, ver www.wired.com, www.edge.org e a mailing-list de whythefuture@wired.com. Além disso www.foresight.com, www.perlentaucher.de e www.stepping-stones.de

[7] Cf. Süddeutsche Zeitung Magazin: Entrevista com Freeman Dyson, pp. 31-33. Além disso: Dyson, Freeman J., Die Sonne, das Genom und das Internet, Frankfurt a. M., 2000.

[8] Já em meados dos anos 60, o ex-chefe do fabricante de processadores Intel, Gordon Moore, previu acertadamente que a capacidade dos computadores duplicaria a cada 18 meses.

[9] Cf. a esse respeito German, Christiano: “Caminhos e descaminhos políticos para a sociedade de informação” em Perspectivas Globais da Sociedade de Informação, Centro de Estudos/Konrad-Adenauer-Stiftung, São Paulo, Papers No. 31, 1997,  pp. 31-51.

[10] Cf. “Ingenieure haben die Büchse der Pandora geöffnet”, in VDI-Nachrichten, 23 de julho de 2000, p. 13.

[11] Ver UNDP: Human Development Report, Globalization with a Human Face, Londres, 1999, especialmente os capítulos “Overview” e “New technologies and the global race for knowledge”. Cf. também www.undp.org/hdro/99.htm

[12] Sobre a situação na América Latina ver Gómez, Ricardo: “The Hall of Mirrors: The Internet in Latin America” in Current History, No. 634, Fevereiro de 2000, pp. 72ss. e Valenti, Esteban: Internet al Sur, Montevidéu : Cal e Canto, 1999.

[13] Ver o estudo da “Initiative D 21” que é usado pelas principais empresas alemãs de computação e software para impulsionar a transformação em sociedade de informação. Cf. www.d21.de e os artigos “Zwei-Klassengesellschaft in den Industrieländern, in Süddeutsche Zeitung, 27 de março de 2000, p. 24 e “Internet-Lücke spaltet Deutschland, in VDI-Nachrichten, 1, setembro de 2000, p. 1.

[14] Cf. “Betrüger setzen auf Karte” in Süddeutsche Zeitung, 19 de setembro de 2000, p. 1.

[15] Cf. “Schröder kündigt große Internet-Offensive an” in Süddeutsche Zeitung, 19 de setembro de 2000, p. 5.

[16] Cf. “Sorge um Habenichtse” in Die Zeit, 16 de junho de 1995, p. 27, e Gerhard Krüger, “Zur Zukunft der Datenverarbeitung” in Forschung & Lehre, No. 9 (1994), p. 373.

[17] Cf. “Die neue Technik darf uns nicht euphorisch machen” in Rheinischer Merkur, 24 de março de 1995, p. 2, e “Aufbruch ins Ungewisse” in Die Zeit, 17 de fevereiro de 1995, p. 37.

[18] Ver a esse respeito German, Christiano: O caminho do Brasil rumo à era da informação, São Paulo (Fundação Konrad-Adenauer), 2000, 132 p. Em alemão: Der Weg Brasiliens in das Informationszeitalter, Sankt Augustin, 1999, 110 p.

[19] Cf. Kaufmann, Bruno: “Die Welt der direkten Demokratie” in Die Zeit, 16 de dezembro de 1999, p. 47.

[20] Ver a esse respeito Rifkin, Jeremy: Das Verschwinden des Eigentums. Warum wir weniger besitzen und mehr ausgeben werden, Frankfurt a. M., 2000.

[21] Cf. Schiller, Herbert I.: “Die Kommerzialisierung von Information” in: Leggewie, Claus / Maar, Christa, Internet & Politik. Von der Zuschauer- zur Beteiligungsdemokratie, Colônia, 1998, pp. 134-141.

[22] Cf. Barber, Benjamin R.: “Wie demokratisch ist das Internet? Technologie als Spiegel kommerzieller Interessen” in: Leggewie, Claus / Maar, Christa, Internet & Politik, 1998, p. 120-133.

Retirado de http://www.fes.org.br