É necessário, primeiro, pensar um pouco sobre a natureza da Internet para, em seguida, perguntar o que ela teria de específico que necessitasse de um capítulo à parte, pelo menos no que diz respeito aos direitos de autor.
Embora recente, a rede já superou uma certa fase romântica do "democrático", do "aberto a todos", do "toda informação disponível o tempo todo". Depois de algum tempo, ficou claro que se trata de mais um meio de divulgação de informações; de duas vias, é verdade, mas com uma delas extremamente mais potente que a outra. E a menos poderosa é, claro, a do usuário.
Manter um site é relativamente caro e implica a posse de computador, telefone, capital disponível a fundo praticamente perdido, tempo e alguma expertise. Isso parece irrisório para os poucos que lêem este texto, mas exclui, de saída, pelo menos 90% do planeta.
Isso poderia
ser passageiro, como foi o caso com a TV. Quando a Tupi começou
a funcionar em São Paulo, fazia sua precária programação
para poucas centenas de aparelhos. E sabemos no que isso foi dar. E na
Internet? Provavelmente, os 10% logo logo sentirão a aproximação
de parte dos outros 90%. Mas será sob a forma de espectadores de
TV. Exatamente como ela. Exatamente? Não, não é bem
verdade. A Internet popular será a Internet das megacorporações,
do planeta integrado, dos
oligopólios
invisíveis sob o manto de uma perigosa e desigual "globalização".
A Internet é —assim como aconteceu com tantos outros avanços tecnológicos— um meio de expressão de poucos para inicialmente poucos. No estágio seguinte, o segundo conjunto (o dos usuários) se amplia enquanto o primeiro não só não se amplia, retrai-se. Nas fases iniciais de um empreendimento, muitos são os que se empolgam e tentam a sorte. Isso aconteceu com rádio, TV, BBS. Quem se lembra dos precocemente falecidos BBS, que havia às centenas no país e passaram, cerca de 1994, para meia dúzia de profissionais e, depois, desapareceram? Pouco tempo depois, em 1995 / 96, todos que dispusessem de alguns reais a mais e se considerassem capazes queriam ser provedores de acesso. Isso já se foi, também. A coisa é para profissionais e, com a integração econômica do planeta, para um conjunto muitíssimo seleto deles.
Isso é suficiente para indicar que a Internet não difere, como empreendimento de comunicação, de outros aos quais estamos mais acostumados.
Então, por que vemos tantas diferenças? Proximidade, basicamente. Nos anos 60, surgiam as primeiras máquinas Xerox (quando as xerox ainda eram só da Xerox). Era a liberdade. Como o foi também outra máquina duplicadora, o mimeógrafo, para a geração dos poetas de mimeógrafo, nos anos 60. Eram máquinas liberadoras de informação. Nada de grandes aparatos gráficos, nada de preços altos e da exclusão social implicada por eles, nada de identificação. Um mimeógrafo (ou uma xerox, para os mais endinheirados) era todo o material necessário para invadir o planeta com a "sua" versão dos fatos, desprezando e, idealmente, competindo, com a versão "deles". Excessivamente 68 para seu gosto? E a "liberdade e democracia e anonimato da Internet"? Excessivamente 98 para o meu.
As máquinas
xerox continuam por aí, embora seus passos iniciais tenham desaparecido
da memória coletiva. As fotocópias? Esqueça. Pergunte
quantos sabem o que é isso e veja o resultado. Mas tudo isso, quando
foi novo, despertou o mesmo interesse e pareceu ter algum brilho específico.
Riríamos complacentemente de quem, hoje, nos dissesse que achou
a fotocópia uma tecnologia democratizante de difusão e reprodução
de informação. "Quanta ingenuidade", diríamos nós,
os não-ingênuos, os
pós-alguma
coisa.
Assentadas as
coisas, passada a novidade, passada a fase heróica dos empreendedores
locais, a Internet deve sedimentar como apenas mais um meio de informação
e entretenimento, isso se não for ultrapassada pelas tecnologias
que usam o cabo de TV e não o telefônico. Se isso acontecer,
a rede atual será, quase de um dia para o outro, algo tão
distante quanto a hectografia (mais uma deusa morta) e o prompt do DOS.
Independentemente dessa pendência técnica, o fato é
que ela perderá sua
especificidade
e proximidade e, com elas, as polêmicas aparentemente sérias
que existem hoje.
Claro que o tema de direitos autorais é difícil, seja moral, seja legalmente. Do ponto de vista moral, podemos perguntar que direito têm alguns desocupados de ganharem o dinheiro de todos, simplesmente por serem netos ou bisnetos de um produtor de cultura. O que pode ser respondido com qual o direito de um meio de comunicação de ganhar o dinheiro de todos com base numa fugidia (e, no mais das vezes, oportunista) argumentação de que está cumprindo a alta missão de difundir cultura. Estabelecidos os pólos, resta a argumentação jurídica, de cujos tediosos meandros todos nós, os leigos, deveríamos ser poupados. Tediosos, mas necessários sem dúvida, pois é nisso que assenta a civilidade.
Seja qual for a direção que a discussão legal sobre direitos de autor assuma, parece razoável pensar que a Internet não deverá constituir (deixadas de lado questões puramente técnicas) um capítulo à parte nessa questão.
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Jesus de Paula
Assis
é jornalista
e membro do grupo de trabalho de estatística do Comitê Gestor
da Internet, ligado ao IBGE.
retirado da Internet:
http://www.ici.org.br/1197/jesus.htm