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A Possibilidade de Utilização de Software de Domínio Público segundo as Leis

9.609/98 e 9.610/98



João Paulo Rossi Paschoal



jprp@adv.oabsp.org.br



Face à promulgação das Leis nºs 9.609/98 e 9.610/98, os usuários dos softwares de domínio público estariam à mercê de serem autuados pela fiscalização dos direitos autorais? É possível a utilização de softwares de domínio público hodiernamente?

Inicialmente, vale esclarecer que a denominação "domínio público", em se tratando de direito autoral, possui sentido diverso do comumente empregado no direito administrativo, em que aparece com maior prolixidade.

Como cediço, para o direito administrativo, a expressão domínio público traduz a idéia de um conjunto de bens públicos, sejam eles bens imóveis ou mesmo móveis1.

Por sua vez, como alerta o festejado jurista Carlos Fernando Mathias de Souza, "em direito autoral, a expressão domínio público refere-se em geral às obras que se constituem em uma espécie de res communis omnium (coisa comum de todos), de modo que podem ser utilizadas livremente por quem quer que seja, com ou sem intuito de lucro (...). Em direito autoral é a obra caída no domínio comum e por isso não depende de que seja autorizada a sua utilização. Em termos práticos é o que ocorre com a obra não protegida, ressalvados alguns direitos morais, que compete ao estado por eles velar"2.

Desde logo, se vê que em direito autoral, mormente quando o assunto é informática, o conceito de "domínio público" possui conotação específica.

Pois bem, feita a diferenciação elementar supra, cumpre dizer que o direito autoral do Brasil é regido atualmente pela Lei nº 9.610/98, norma contemporânea à Lei nº 9.609/98, que trata especificamente sobre a política nacional de informática, como consta de sua ementa, sendo por isso, indigitada como Lei do Software.

A Lei nº 9.609/98 visa proteger a criação da propriedade intelectual dos programas de computador (software), bem como a sua comercialização, tendo revogado expressamente a Lei nº 7.646/87 (artigo 16º), que tratava do mesmo assunto.

Destarte, relativamente ao software, o Brasil possui uma norma de direito autoral de cunho geral que é a Lei nº 9.610/98, e outra com caráter específico, a saber, a Lei nº 9.609/98.

E as hipóteses que caracterizam uma obra intelectual como de domínio público encontram-se dispostas no artigo 45 da Lei nº 9.610/98, quais sejam:

- obras em relação às quais decorreu o prazo de proteção aos direitos patrimoniais3;

- obras de autores falecidos que não tenham deixado sucessores;

- obras de autores desconhecidos, sendo ressalvada a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais.

No mesmo diapasão, o artigo 33 da mesma lei, ao ser lido em ordem inversa, evidencia a mantença no direito brasileiro da possibilidade de uso ou reprodução de obra tida como de domínio público, independentemente da permissão do autor, verbis:

"Lei nº 9.610/98

Artigo 33. Ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor."

Entendemos que além das hipóteses relacionadas no artigo 45 da Lei nº 9.610/98 também são enquadradas como obras de domínio público aquelas cujos autores, apesar de conhecidos, de forma livre, espontânea e expressa, abrem mão do prazo de proteção concedido pela lei, ou mesmo, que as atribuam a característica de "domínio público", como são exemplos claros algumas músicas disponibilizadas por formato MP3 na rede mundial ou mesmo certos softwares operacionais, que de forma alternativa, concorrem com programas comerciais.

Curiosamente a Lei nº 9.609/98, específica sobre software, nada diz a respeito de obra de domínio público, prevalecendo, portanto, os preceitos gerais supramencionados.

Questão interessante ligada às obras de domínio público é a utilização de softwares estrangeiros, através dos famosos downloads de programas via internet.

A solução deste dilema é encontrada no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 9.610/98, ad litteram:

"Lei nº 9.610/98

Artigo 2º. (...)

Parágrafo Único. Aplica-se o disposto nesta lei aos nacionais ou pessoas domiciliadas em país que assume aos brasileiros ou pessoas domiciliadas no Brasil a reciprocidade na proteção aos direitos autorais ou equivalentes".

Com efeito, os softwares estrangeiros somente serão protegidos pelo direito brasileiro caso não se enquadrem nas hipóteses do artigo 45 da Lei nº 9.610/98, bem como desde que haja reciprocidade legislativa entre os países no tocante à proteção dos programas de computador.

Conclui-se, assim, que a utilização ou reprodução de obra de domínio público não configura "pirataria", não é crime e não é ato ilegal, de forma que o ordenamento jurídico pátrio permite seu pleno uso. Mesmo as obras estrangeiras obtidas na rede mundial (internet) que se enquadrem como sendo de domínio público, podem ser utilizadas sob o mesmo princípio desde que haja reciprocidade entre os países envolvidos. Não pode tal utilização ou reprodução ser motivo para autuação pelos fiscais de direito autoral.

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Notas:



1 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11ª Ed. São Paulo : Malheiros, 1999, p. 611.



2 SOUZA, Carlos Fernando Mathias de. Direito autoral: legislação básica : Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1998, p. 36-72.



3 O prazo de proteção do software é de cinqüenta anos, contados a partir de 1º de janeiro do ano subseqüente ao da sua publicação ou, na ausência desta, da sua criação (cf. artigo 2º, § 2º, da Lei nº 9.609/98).



Texto retirado de: http://www.ufsm.br/direito/artigos/informatica/software.htm