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A INTERNET E A QUESTÃO DOS DIREITOS AUTORAIS

Alexandre Sobrino Ganança

A Internet vem firmando-se, ano após ano, como um autêntico e expressivo veículo de comunicação. Segundo estudos recentes, a rede está tirando aproximadamente três porcento do público brasileiro da frente da TV - e levando-o para a frente do monitor de computador. Particularmente, penso que isto é ótimo - renovam-se, enfim, as minhas (poucas, confesso) esperanças de presenciar o fim da verdadeira imbecilização coletiva que toma, à título de exemplo, nossas tardes de domingo. Porém, com a explosiva ascensão desta mídia, um delicado e polêmico assunto tem vindo à tona: a questão dos direitos autorais.

Dada à sua dimensão, fica realmente impossível o exercício de qualquer tipo de fiscalização relativa à reprodução de material de terceiros sem prévia autorização na rede Internet. E é justamente disso que muita gente está se aproveitando para apoderar-se da propriedade intelectual alheia, levando ainda o leitor, na imensa maioria das vezes, a considerar que tais conteúdos são originais e inéditos, concedendo desta forma inevitável crédito às pessoas erradas.

Há pouco mais de um ano, conta Adamopoulos (1996), uma empresa portuguesa, atuante na área de desenvolvimento gráfico, descobriu que seis ícones de sua criação foram, literalmente, copiados e utilizados sem qualquer tipo de autorização em uma home page também produzida por portugueses (hospedada, porém, em domínio norte-americano). Apurada a denúncia, e sob ameaça de processo judicial, os acusados imediatamente retiraram as imagens do site, alegando "motivos de remodelação do serviço" e, questionados sobre o assunto, declararam (pasmem): "os ícones tinham de fato um aspecto agradável. Aliás, francamente, não entendemos como se revelam tão importantes na estratégia da referida empresa". Sim, você não leu errado: além de se apropriarem indevidamente da obra intelectual de terceiros, ainda se acharam no direito de colocar em xeque a importância que a empresa concedia à sua própria criação !

Este exemplo serve bem para ilustrar a que ponto chega a mentalidade de grande parte do público publisher da Internet - e não se iluda pensando que estes representam uma inexpressiva minoria. Eu inclusive poderia citar exemplos de empresas de porte - incluindo multinacionais e, até mesmo, instituições educacionais de renome - que se utilizam ilegalmente de conteúdos gráficos e textuais que, definitivamente, não são de domínio público, mas são tidos por elas como se fossem. E já que a rede Internet não tem uma sede, tampouco um responsável direto, é tida como um verdadeiro Reino da Fantasia, um mundo sem lei, onde tudo é possível e permitido.

Defendo esta colocação citando que, no último semestre de 1997, propus aos meus alunos um Trabalho de Conclusão de Disciplina, que consistia no desenvolvimento de uma home page completa para posterior publicação na Internet. Desnecessário dizer que grande parte da sala se sentiu fortemente inclinada em pesquisar o material na própria rede. Diante desta possibilidade, fiz questão de ressaltar a importância da catalogação e respectiva citação de toda e qualquer bibliografia consultada e utilizada nos referidos trabalhos. Ainda assim, com todas as recomendações, grande parte das páginas não continha qualquer citação às fontes consultadas, deixando claro que a questão dos direitos autorais, na imensa maioria das vezes, transcende os limites financeiros, traduzindo-se numa questão puramente cultural e, algumas vezes, não intencional. Ou seja: já que o material está publicado na Internet, pensa-se que deve ser public domain e ponto final.

Aliás, já que tocamos no assunto domínio público, vamos falar um pouco sobre o mundo da música e sua conexão com a Internet. O que agora será relatado está acontecendo, de forma absolutamente corriqueira, às vistas de toda a comunidade e, inexplicavelmente, ainda não mereceu atenção da mídia. Quando isso acontecer, estejam certos de que presenciaremos a maior avalanche de processos judiciais da história da indústria fonográfica mundial.

Há poucas semanas, fui à casa de um amigo e ele me mostrava, orgulhoso, seu numeroso conjunto de arquivos musicais padrão MP3. Para quem não sabe, esta recente tecnologia permite que possamos armazenar e reproduzir músicas em nosso microcomputador pessoal com qualidade digital e utilizando pouquíssimo espaço para o armazenamento, graças às altíssimas taxas de compactação proporcionadas. Apenas para fins comparativos, eu diria que você poderia carregar, em um simples disquete de computador, uma música de, aproximadamente, três minutos de duração com qualidade de CD - suponha, portanto, que, gravada em disquete, poderia ser copiada quantas vezes fosse desejada.

Se você acha que isso que eu estou falando é privilégio de poucos (e quiser conferir de perto este assunto), convido-lhe a visitar qualquer mecanismo de buscas presente na rede Internet e incitar uma pesquisa pela sentença-chave "MP3 Files" ("Arquivos MP3"). Eu aposto um CD (original !) do Rick Astley que você terá, como retorno imediato, o endereço de várias dezenas de páginas que disponibilizam para cópia, destaco, de forma absolutamente gratuita, milhares de músicas nacionais e internacionais - desde as mais recentes às mais raras - convertidas para este formato e prontinhas para serem copiadas e ouvidas em seu computador. E, cá entre nós: publicadas em uma rede de âmbito mundial. Imagine quanto o artista e sua gravadora deixam de arrecadar com a pirataria.

Alguns certamente alegarão que a pirataria fonográfica sempre existiu, porém, a estes, lembro que uma das principais características do material ilegalmente copiado é a sofrível qualidade e edição, empecilho que agora não mais existe, já que todas as cópias possuem o mesmíssimo som cristalino e estão disponíveis gratuitamente, para quem quiser ouvir... e copiar. E mais: possuindo-se uma simples e caseira unidade de CD-R (que custa cerca de oitocentos dólares), pode-se imprimir um destes arquivos direitamente em CD - ou seja: você pode montar a sua própria coletânea de sucessos, com qualidade digital, sem sair de casa !

A bandalheira é tamanha e o assunto tão delicado que muitos sequer conseguem distinguir (e, consequentemente, desvincular) um simples tributo publicado na rede da palavra "pirataria". Os herdeiros do saudoso poeta Vinicius de Moraes, responsáveis pela administração de sua obra através da empresa VM Produções (que é conduzida por seus muitos herdeiros), resolveram implicar com uma home page que simplesmente procurava prestar uma homenagem ao trabalho do poeta, fornecendo, sem ônus algum, diversas informações sobre sua vida e obra. Contatada pela VM, a pessoa responsável pela página, assustada pela ameaça de processo judicial, resolveu imediatamente retirar o conteúdo do ar.

Curiosa e explosiva foi a inusitada iniciativa do brasileiro Areal (1997), que chegou a publicar na Internet uma home page cujo título é: Casos de plágio e de cópia não autorizada que já presenciei ou das quais já fui vítima. O conteúdo, bastante inflamado, relata a indignação de Augusto ao se deparar com uma cópia-espelho de seu próprio trabalho, assinada por um indivíduo que jamais conheceu e que não teve sequer o trabalho de alterar o aspecto visual da página. O autor, conforme relata em sua home page, não perdeu tempo: "escrevi imediatamente um mail com tudo o que tinha direito. Não achei que eu tivesse qualquer obrigação de ser educado com alguém que me plagiou. Além de dizer tudo o que pensava, ameacei-lhe inclusive com possível processo judicial". O acusado, conta, imediatamente tratou de retirar o site do ar e sequer se deu ao trabalho de responder às acusações. Augusto termina seu inflamado discurso deixando uma pergunta no ar: "dá para acreditar que ele não sabia que estava fazendo algo errado ?".

De qualquer forma, embora impere, a falta de respeito aos direitos autorais não pode ser generalizada. Já tive provas disso quando fui contatado por usuários interessados em replicar - com autorização - artigos meus em suas páginas e sei que, muitas vezes, até há a intenção de se agir dentro da lei, porém, por falta de conhecimento dos supostos orgãos responsáveis, o fato não se concretiza, o que acaba levando muita gente a adotar posições, muitas vezes, alternativas.

No ano passado, a menina Renata Pulcheri Ramos, então com 12 anos, desenvolveu e estava prestes a disponibilizar na Internet um serviço intitulado Musical Cards, que permitia que qualquer usuário da rede pudesse enviar um simpático cartão musical a quem desejasse. Tomando uma decisão exemplar, a menina resolveu telefonar para o orgão responsável pela arrecadação dos direitos autorais, visando obter maiores informações sobre como pagar aos compositores pelas músicas que utilizaria em seu site.

O trecho mais hilário do diálogo, publicado com destaque em uma revista de informática de circulação nacional - Desencontros no ECAD (1996) - deu-se quando a funcionária do referido orgão insistiu que, como simples usuária da Internet, a menina não teria que pagar absolutamente nada por se utilizar das peças musicais de terceiros. E mais: que, neste caso, seria melhor que a menina pedisse para o representante da Internet (?!) vir diretamente ao escritório da instituição, alegando que "fica muito mais fácil negociar com uma empresa". A hilariedade - e a falta de conhecimento - atingiram o seu ápice quando a simpática funcionária afirmou que a assessoria jurídica do orgão já havia entrado na Justiça e que levaria a Internet ao banco dos réus por outros motivos (cá entre nós: haja banco !).

Na edição seguinte da mesma revista, a empresa responsável pela arrecadação de direitos autorais publicou uma carta, assinada pela sua Assessoria de Imprensa, prometendo estudar o assunto. De qualquer forma, a última resposta que o pai da menina, Juarez Ramos, teve foi a de que nada seria cobrado de ninguém da Internet, "pela controvérsia que isso poderia causar". Ainda assim, visando evitando dissabores futuros, Juarez conseguiu que uma rádio local assumisse o pagamento dos direitos autorais, caso fosse necessário.

Em e-mail dirigido diretamente à minha pessoa, Renata mostrou-se otimista quanto à repercurssão do assunto: "Serviu para ‘despertar’ muitas pessoas e mesmo empresas e entidades que tem o péssimo hábito de ‘piratear’ coisas como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Recebi muitos e-mails de pessoas (muitas delas, webmasters de empresas) que manifestavam ignorância a respeito deste assunto. Serviu também para que a imprensa se voltasse para o tema e publicasse artigos a respeito. Na verdade, a Internet, bem como tudo a ela ligada, é coisa nova e ainda causa perplexidade. E a Lei brasileira não prevê este tipo de violação de direitos". Ainda segundo ela, "a Internet veio trazendo consigo a necessidade de uma nova ética. Uma ética que cultive valores humanos superiores, onde assuntos aparentemente banais, como o uso de músicas numa simples home page, pode fazer brotar nas pessoas o senso do respeito ao trabalho alheio".

E esta é realmente a palavra-chave que melhor define este assunto: respeito. Definitivamente, é preciso que as leis relativas aos direitos autorais sejam revistas e adaptadas aos sistemas on line com a máxima urgência possível, sob pena de presenciarmos uma forma totalmente nociva (ainda que não intencional) de democratização das informações.

Retirado de http://www.persocom.com.br