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Direito Agrário no
século XVI e o desenvolvimento rural brasileiro atual
Ismael Marinho Falcão *
RESUMO
O autor aborda o problema do direito rural no Século XVI
tal como era ele tratado pelas Ordenações do Reino e legislação da época,
perpassando pelos séculos seguintes em que o Brasil viveu diferentes formas de
repartição de suas terras, até chegar aos nossos dias, quando faz uma
apreciação crítica sobre o desenvolvimento rural brasileiro e o grave problema
fundiário nacional, responsável maior pela tensão social que tem feito vítimas
fatais no campo e se responsabilizado pelo surgimento dos movimentos de
trabalhadores rurais sem terra para reivindicação de uma urgente e imediata
reforma agrária que atenda aos anseios gerais da nação, até mesmo como forma de
saneamento do panorama sócio-econômico nacional.
1. – SURGIMENTO DO DIREITO AGRÁRIO
A história do direito agrário, ainda que tivesse essa
nomenclatura, remonta aos primórdios da humanidade e ninguém mais tem dúvida de
que suas primeiras raízes foram fincadas com o início do aparecimento do homem
sobre a face da terra, pensamento esse que encontra guarida nas lições de Del
Veccio quando afirma que "a agricultura é contemporânea, se não do
homem, mas certamente da civilização humana" e, prosseguindo, diz o mestre
que "quem diz agricultura, diz também direito agrário", por isso o
homem jamais pode ser dissociado desse ramo da ciência do direito,
constituindo-se no seu objetivo primeiro.
O direito agrário, pois, inquestionavelmente, está ligado
diretamente à atividade agrária, à agricultura, para dizer melhor, que é a ação
exercida diretamente pelo braço humano sobre a terra a fim de que ela produza
os gêneros alimentícios indispensáveis à sobrevivência mesma do homem. Não se pode
compreender direito agrário sem que a primeira figura que nos venha à mente
seja a agricultura, logo, para que se tenha um direito agrário vivo, atuante,
realista, cogente e coercitivo, temos que ter uma agricultura forte, pujante,
viva, dinâmica, assistida e bem sustentada técnica, econômica e
financeiramente, do contrário haverá o fracasso, a falta de alimentos, a
miséria, enfim, a fome – senhora soberana de todas as desgraças.
Ninguém sobrevive na face da terra sem a agricultura. Ela
é básica, fundamental, para a sobrevivência humana. Nenhum rei, nenhum
imperador, nenhum papa, nenhum governante, enfim, nenhum ser, pensante ou
irracional, conseguirá sobreviver na face deste globo terrestre sem uma
agricultura sustentável. E foi essa atividade, que retira da terra o sustento
de todos os seres humanos, que levou o homem a instituir o conceito de
propriedade, pois aonde estava o homem lavrando, aí estaria a sua propriedade,
conceito que se alargou ao longo do tempo até chegar aos nossos dias, não mais
como um produto de mero deleite pessoal, de status de grandeza entre os iguais,
mas como autêntico bem de produção, regrado, assim, pelo princípio da função
social da propriedade.
2. - FORTE EXPLORAÇÃO DO BRAÇO ESCRAVO
A propriedade entre nós brasileiros sofreu forte
influência do colonizador. Nasceu ela sob o signo do capitalismo europeu. O
Brasil passou, então, a fazer parte das colônias que forneciam matérias primas
às metrópoles européias. O colonizador queria tão somente aquele produto que
lhe proporcionasse grandes lucros, como forma de justificar e consolidar sua
permanência e a posse das terras da colônia. Como não encontraram, de imediato,
as riquezas minerais que ambicionavam e procuravam, como o ouro, a prata e as
pedras preciosas, a partir de 1530 introduziram aqui o cultivo da
cana-de-açúcar, e isto porque Portugal já possuia grande experiência no cultivo
e na industrialização dessa planta tropical, mercê de sua atividade nas ilhas
da Madeira e de Cabo Verde e, também, pelo alto valor comercial do açúcar no
mercado europeu, acenando-lhe com grandes lucros e acumulação de capital.
Portugal experimentou dias nebulosos com a profunda recessão que sobre ele se
abateu e a fórmula mágica encontrada seria a exploração sucro-açucareira da
Colônia e a exploração mineral em todo o seu território, a fim de que a
Metrópole pudesse sair do embróglio em que se encontrava, sem o que não pagaria
suas dívidas e a recessão lusitana não seria espancada.
A experiência brasileira, que se iniciara com a
implantação do primeiro engenho de cana-de-açúcar em 1506, era deveras
insipiente, somente se desenvolvendo depois da implantação dos engenhos de São
Vicente em 1532, fundada que fora a Vila em 22 de janeiro daquele ano. Em 1535,
fundada a Vila de Olinda, em Pernambuco, nasce aí o primeiro engenho para
produção em escala comercial, fazendo explodir maravilhosamente o comércio para
a Colônia, superando em muito e admiravelmente o que produziam os engenhos de
São Vicente. Essa exploração comercial do solo brasileiro criou outros tantos
problemas, merecendo destaque a fuga de indígenas para as terras da Amazônia,
provocando rebelião sangrenta em várias partes, como em Ilhéus com os
Tupinambá. O indígena não concebia ser expulso de suas terras para deixa-las
ocupar pelo braço escravo trazido pelo colonizador alienígena. Em 1652
registra-se o pico da exportação de açúcar, em decorrência de uma produção
jamais verificada em todo o período colonial. Isso provocou euforia na órbita
governamental, entretanto, no seio do povo, a fome despontava como o mais
assustador de todos os fantasmas a ponto de forçar o Governo, oito anos mais
tarde, através de Carta Régia, proibir a instalação de novos engenhos no
território da colônia e em 1701, para que houvesse um ameno combate a esse
horrível fantasma, Carta Régia concede aos escravos o sábado livre para que
possam cuidar do seu sustento, trabalhando na lavoura de subsistência sem o
tacão do seu senhor e dono. Em que pese tais providências, Goiás registra, em
1730, a pior crise de fome de toda a sua história.
A legislação da época, toda ela calcada no Direito
Canônico, pouco regrava ou disciplinava a posse e o uso da terra, daí a força
do direito consuetudinário herdado do conquistador romano, de quem Portugal
guardou fortes reminiscências. Privilégios só os possuía a Igreja Católica e o
Estado, ainda que contra isso alguns Reis tenha se rebelado a ponto de serem
diminuídos sensivelmente após a codificação do processo criminal nos reinados
posteriores ao de D. Manuel. A legislação regulava o instituto da compra e
venda, tanto dos bens de raiz quanto dos escravos e demais
bens móveis e semoventes, consoante se poderá ver do Livro IV das Ordenações
Filipinas. Para a compra e venda dos bens de raiz muito pouco se regrava,
exigindo-se, apenas, que se estipulassem de modo expresso a condição, a cautela
e o pacto, sob pena de nulificação. Exigência maior, no entanto, se fazia
quando à compra e venda de escravos, em cujos documentos o vendedor poderia
deixar estipulado que o comprador podesse ou não conceder liberdade ao escravo
bem como vende-lo para fora do Império, condições que somente foram supressas a
partir de 1769 em virtude da pressão religiosa e política que contra isso se
arquitetou.
A avidez do lucro levou à preocupação incessante de
somente se plantar cana-de-açúcar, deixando para plano secundário a produção de
gêneros alimentícios de subsistência, que eram produzidos por pequenos
agricultores em terras arrendadas e pelos escravos em seus tempos livres, ou
seja, nos feriados, domingos e após o trabalho diário e obrigatório na lavoura
canavieira.
À medida em que o preço do açúcar aumentava no mercado
internacional, a lavoura de subsistência diminuía, já que toda a força de
trabalho era concentrada na lavoura canavieira, daí a produção de gêneros de
subsistência rarear e a fome graçar assustadoramente, sobretudo no seio da
população escrava. A agricultura de subsistência, nesse período, atingiu tão
graves proporções que a metrópole teve de intervir através de uma legislação
que tornava obrigatório ao proprietário de terras destinar uma parte de seu
domínio ao plantio de gêneros alimentícios de subsistência. É nessa época que
surgem os pequenos produtores dedicados à agricultura de subsistência praticada
em terras não doadas pela Coroa, mas cuja posse dentro dos critérios oficiais
era ilegal. Nasce, assim, a pequena propriedade rural no Brasil, como
autênticos apêndices da grande propriedade.
3. - FRACASSO DO REGIME SESMARIAL
O regime sesmarial introduzido na colônia, diferentemente
do que ocorria em Portugal, além de em nada ter contribuído, não trouxe nenhum
desenvolvimento à agricultura de subsistência, considerando que essa atividade
muito pouco representava em termos de rendimento econômico para os grandes
senhores de terras, daí ter a aristocracia colonial passado do cultivo da
cana-de-açúcar, nos fins do século XVII, para ao cultivo intensivo da lavoura
do café, que apresentava fabulosos lucros, aliada à atividade mineradora,
acirrando, ambas, as crises de falta de alimentos, daí, com o tempo, a
mineração acabou estimulando o desenvolvimento do setor agrícola de
subsistência, não só com a participação do pequeno produtor, mas também com
atuação do grande proprietário.
O regime sesmarial, tal como concebido na Corte, guardava
em si a grande preocupação do Monarca em fazer com que as terras do seu reinado
fossem produtivas, para não faltar legumes e gêneros alimentícios nas mesas de
todos os povos, consoante minuciosamente disso cuidou o Título XLIII do Livro
IV das Ordenações Filipinas, a ponto de ficar autorizada a concessão da terra
de quaisquer Grandes e Fidalgos a quem as quizesse trabalhar e nelas produzir.
Mas isso era viável em Portugal, aonde as áreas dadas em sesmaria eram
relativamente pequenas, e bem mais fácil de serem cultivadas, o que não
acontecia nas bandas brasileiras, aonde as sesmarias eram descomunais, tendo de
frente 10 (dez) léguas para o mar e para os fundos "enquanto a vista
alcançar o horizonte".
A extinção do regime sesmarial em 1822, pela Carta Régia
de 17 de julho, e a ausência de uma legislação regulamentadora da posse sobre
as terras brasileiras estimularam, consideravelmente, o aparecimento de
pequenos produtores rurais, entretanto, diante desse fato e com o surgimento da
Lei Eusébio de Queiroz proibindo o tráfico de escravos, a aristocracia rural
cafeeira muito contribuiu para a elaboração, em 1850, da primeira Lei de Terras
do Brasil – a Lei nº 601, que disciplinava as questões da terra e do trabalho
rural, estabelecendo que as terras devolutas somente poderiam ser adquiridas
por compra. A lei de terras, sem dúvida, constituiu-se num entrave ao
crescimento da pequena propriedade destinada à agricultura para produção de
alimentos, ao tempo em que favoreceu o grande proprietário rural, pois somente
ele tinha recursos financeiros para efetuar a compra de grandes áreas. O
simples colono e o escravo não possuíam dinheiro. O grande proprietário rural,
além desse favorecimento, contava, ainda, com a força de trabalho do imigrante,
submetido à condição de servidão nas grandes lavouras de café.
A política agrícola brasileira, desde o século XVI, tem
sido voltada exclusivamente para a exportação, ora por interesse da metrópole
durante o período colonial, ora por interesses da União para gerar divisas,
depois da independência. Com a crise do petróleo, esse interesse voltou-se para
o campo com vistas ao desenvolvimento do cultivo da cana-de-açúcar, como forma
de incentivar a produção de álcool combustível a fim de limitar a importação de
petróleo e aumentar drasticamente a exportação de gasolina, fazendo com que
milhares de hectares agrícolas deixem de ser ocupados com agricultura de
subsistência, afastando o trabalhador rural da produção de alimentos e
forçando-o a permanecer na região como bóia-fria ou morando perto da área urbana
mais próxima, ou, então, migrar para os grandes centros urbanos do país, em
busca de melhores condições de emprego, forçados a viverem na periferia, sem
assistência, sem emprego, como autênticos parias nacionais, engrossando a
fileira dos marginais e criminosos que hoje atemorizam todos os grandes centros
do País.
Juntamente com a cana-de-açúcar, as plantações em grande
escala de laranja e soja, voltadas ambas para o mercado de exportação, ocuparam
o solo anteriormente usado para a plantação de alimentos, forçando o Brasil a
ser importador de produtos agrícolas que deveriam ser produzidos em larga
escala em solo nacional. Em 1960 o Brasil possuía excedentes na produção de
alimentos; apenas 20 anos depois, foi obrigado a importar arroz e feijão para
abastecer o mercado interno. Nesse período, 50% das famílias que viviam da
terra perderam seu meio de subsistência.
4. - REFLEXOS DA CRISE DO PETRÓLEO
Com o aumento considerável do preço internacional do
petróleo e seus derivados em 1973 e, depois, em 1978 e 1980, o governo passou a
exercer uma grande pressão sobre os plantadores de cana-de-açúcar a fim de que
se transmudassem de senhores de engenho à moda antiga em autênticos produtores
de açúcar e álcool, em escala industrial, fazendo aumentar ainda mais a produção
no final da década. Com a queda do preço internacional do petróleo, nos anos
seguintes, o etanol perdeu seu lugar no mercado interno.
Os produtores de álcool exigiram, então, como não poderia
deixar de ser, garantia de mercado para o seu produto e, a partir desse
momento, o governo passou a subsidiar a indústria automobilística, como forma
indireta de proteção à industria suco-alcoleira, com vistas ao aumento da
produção de carros movidos a álcool. O cultivo da cana-de-açúcar ficou
garantido sobretudo nos Estados de São Paulo e Pernambuco, com forte degradação
do solo, mercê do seu empobrecimento, o que força o uso excessivo de nutrientes
químicos e as queimadas assustadoras e destruidoras da camada de terra aonde
esses nutrientes se depositam e que antecedem a colheita, com utilização de
centenas de bóias-frias, assalariados temporários que constituem um grupo
humano altamente vulnerável à desnutrição, à fome e à miséria mais absoluta.
Por conta disso, cada vez mais as áreas agricultáveis eram
abandonadas, crescendo o desabastecimento dos mercados consumidores, à falta de
produção de gêneros alimentícios de subsistência, forçando o país a lançar mão
da exportação para ir buscar na Argentina, Chile e demais produtores desses
gêneros os artigos necessários ao abastecimento da rede consumidora nacional,
tornando-se comum vermos nas prateleiras dos super-mercados e até nas feiras
livres das grandes cidades, artigos como cebola, alho, etc., produzidos fora do
país, quando temos condições extraordinárias de produção suficiente em solo
nacional.
5. - RECURSOS PARA A AGRICULTURA
Na década de 70, entraram no país cerca de 18 bilhões de
dólares em créditos para o desenvolvimento da agricultura. Esse capital visava
transformar o Centro-Sul do Brasil numa das regiões mais ricas do hemisfério
sul, e efetivamente a transformou, ainda que à custa do empobrecimento da
mão-de-obra agrícola e do intenso crescimento urbano que levou ao favelamento
dos grandes centros populacionais do país, como servem de exemplo São Paulo,
Rio de Janeiro e, mais recentemente, Brasília, fazendo crescer assustadoramente
a orda de criminosos, pelos assaltos constantes a bancos, supermercados, casas
comerciais e, nos últimos dias, até mesmo às residências de aparência mais
cuidada, com requintes de crueldade sobre seus moradores.
Nessa mesma década, o Banco do Brasil oferecia empréstimos
generosos para aqueles que quisessem mecanizar suas lavouras, e o Governo
oferecia incentivos fiscais para os que plantassem milho, soja e laranja,
garantindo um preço mínimo para os produtores. Os empréstimos, no entanto, não
vinham acompanhados de orientações sobre mecanização e modernização da
agricultura, tampouco foram oferecidos prazos suficientes para que os pequenos
e médios trabalhadores rurais aprendessem e aplicassem as novas técnicas em
suas propriedades. Esse incentivo, em vez de ajudar os pequenos e médios
agricultores, ajudou os grandes proprietários e produtores que, por terem
instrução e capital, puderam rapidamente se familiarizar com as técnicas da
mecanização. O resultado disso tudo foi que, nessa década, diminuiu a produção
de alimentos para o consumo interno e aumentou a produção de commodities
alimentícias para a exportação. A terra mudou de dono e, a partir de então,
intensificaram-se as tensões sociais e agravaram-se os conflitos de terra em
todo o País, dando ênfase ao movimento migratório rumo às regiões
metropolitanas, que experimentam um intenso crescimento populacional,
principalmente em suas periferias.
6. - CONCENTRAÇÃO DA PROPRIEDADE RURAL
Hoje, 9% dos proprietários de terra, em todo o país, são
donos de 82% das terras agricultáveis ou de pastagens. Possuímos, atualmente,
no quadro de "distribuição de terras" no Brasil, a seguinte
amostragem:
a)- Latifúndios - 409,5 milhões de hectares
b)- Terras públicas - 114,6 milhões de hectares
c)- Estrangeiros - 6,9 milhões de hectares
d)- Igreja - 0,18 milhões de hectares
Essa população marginalizada teria, fatalmente, que
reagir, até mesmo por uma questão de sobrevivência, mesmo porque nada é mais
doído aos olhos de qualquer pai do que a fome estampada no rosto inocente de um
filho que chora à falta de um pedaço de pão, e quem não tem trabalho, quem não
possui terra para cultivar, outra coisa não vislumbra senão protestar, gritar,
reagir. Surgiram, daí, os movimentos mais variados para congrega-la. Para
amenizar os conflitos que estouravam aqui e ali, o governo incentivou esses
trabalhadores, principalmente na região Sul, a migrar para a Amazônia, criando
uma nova "fronteira agrícola" com os seus projetos de assentamento e
de colonização, atraindo trabalhadores também do polígono das secas e de todo o
Nordeste, iniciando-se a produção de alimentos que logo fracassou dentro de
poucos anos, pois não se levou em conta o tipo de solo e o clima característico
da floresta tropical úmida, inadequados ao tipo de agricultura instalada em
larga escala na região desses projetos de assentamento.
Esse fato trouxe graves conseqüências ao meio-ambiente. É
que os projetos governamentais e privados desse período foram os grandes
responsáveis pela quase totalidade dos desmatamentos ocorridos na região
amazônica, principalmente porque o Estado brasileiro obrigava cada proprietário
a manter 50% de suas glebas desmatadas. De 1960 a 1999, 12% da floresta
amazônica foi desmatada em decorrência das mudanças no uso do solo. O fracasso
da produção agrícola elevou os trabalhadores rurais a venderem suas terras aos
grandes pecuaristas, que passaram a usar o frágil solo da região com pastos,
obtendo baixos índices de rendimento: menos de 50 kg de carne por hectares por
ano, enquanto em fazendas do norte da Europa, por exemplo, a produção anual de
carne atinge 600 kg por hectare, além de 4 a 5 mil litros de leite/hectare. Nas
fazendas da Amazônia brasileira não há produção de leite.
Os conflitos de terra na região amazônica também
aumentaram, pois os projetos de colonização desconsideraram os povos da
floresta que ali viviam há séculos. A entrada maciça de migrantes na região
gerou conflitos com posseiros, índios, seringueiros, etc. Núcleos urbanos da
região amazônica, como Porto Velho, Vilhena, Guajará-Mirim, Manaus, Humaitá,
Manacapuru, Boa Vista, Caracaraí, Rio Branco, Sena Madureira, Tarauacá,
Cruzeiro do Sul, Altamira, Paragominas, Rio Maria, Santarém, Marabá,
Imperatriz, cresceram rapidamente, enfrentando o agravamento de problemas
sociais, como violência e prostituição. Em resumo, no período em que entraram
18 bilhões de dólares em crédito para o desenvolvimento da agricultura, ou
seja, da década de 70 aos nossos dias, o Brasil:
a)- tornou-se importador de cereais para o consumo
doméstico e o quinto exportador mundial de oleaginosas, especialmente de soja;
b)- foi palco de intensa migração interna, inchando os
núcleos urbanos e empobrecendo a população de várias regiões;
c)- viu crescer os conflitos de terra em vários pontos do
país, especialmente nas áreas de fronteira agrícola;
d)- teve 12% de sua floresta tropical desmatada para dar
lugar a uma agricultura que faliu em menos de uma década e foi substituída por
fracas pastagens.
7. - ESFORÇO PELA REFORMA AGRÁRIA
O atual governo da República, no entanto, tem anunciado a
disposição de adotar medidas de soerguimento da agricultura nacional, merecendo
destaque o anúncio da criação do Banco da Terra, como instrumento de agilização
dos projetos de reforma agrária de forma mais rápida, barata e democrática,
financiando, diretamente a quem precisa, a compra do imóvel rural escolhido e a
infraestrutura básica comunitária para seu desenvolvimento, trabalhando com
juros baixos e prazo de pagamento de até vinte anos, com três anos de carência.
O Banco da Terra vem funcionando como um novo e poderoso
instrumento de distribuição fundiária ou, diríamos melhor, de fortalecimento da
agricultura familiar e desenvolvimento econômico sustentável do campo, pois,
segundo suas diretrizes, está voltado para os trabalhadores rurais,
parceleiros, posseiros e arrendatários, de modo geral, que comprovem, pelos
menos, cinco anos de experiência em atividades agropecuárias.
Segundo a legislação reguladora do funcionamento do Banco
da Terra, a gestão financeira dos recursos será assegurada pelo Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, que credenciará os agentes
financeiros encarregados dos repasses relativos aos financiamentos concedidos
para aquisição de imóveis e para os projetos de infraestrutura.
8. – REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA:
MECANISMO DE REFORMA AGRÁRIA
A reforma agrária, todavia, não se faz, apenas, com o uso
de recursos financeiros, empréstimos a futuros posseiros ou desapropriações de
áreas rurais para redistribuição. É necessário que tenhamos adequação de
medidas segundo os usos e costumes da cada região, posto que um país-continente
como o nosso não pode contemporizar com medidas uniformes para aplicação de
norte a sul como se vivêssemos uma só e única realidade regional em todo o
país. Isso é que levou ao fracasso irremediável dos projetos de assentamento
dirigido implantados pelo INCRA em vários pontos da Amazônia Legal e à morte
definitiva das agro-vilas em toda a Amazônia, com remanejamento de colonos
gaúchos, catarinenses e paranaenses do extremo sul para o extremo norte, aonde
a diferença de clima, os hábitos regionais, os produtos agrícolas e as frutas
nativas completamente diversas das de suas regiões de origem faziam com que o
sofrimento dessa gente fosse sobremodo penoso, sobretudo quando tinham, por
cima de tudo, como péssimo aliado à aclimatação no novo habitat a
malária a castigar e dizimar famílias inteiras.
Urge dinamizar o trabalho de regularização fundiária em todos
os Estados da Federação, a fim de que se possa saber quem-é-quem no solo
brasileiro, expungir os vícios que enodoam os títulos de propriedade da terra,
e, finalmente, tornar conhecido o patrimônio público nacional para que se
possa, com acerto e retidão, fazer uma destinação em lotes àqueles
verdadeiramente vocacionados para o amanho da terra, uma fez implantada toda a
infra estrutura necessária ao apôio imprescindível ao rurícola, como escola,
hospital, centro de lazer, habitação, estrada para escoamento da produção,
enfim, equipamentos de economia agrícola e política rural, para que sejamos,
realmente, o Brasil do Terceiro Milênio, autosuficiente também na produção de
alimentos.
É preciso enfatizar que as ações de reforma agrária, mesmo
que agilizadas por nova legislação, não contemplam a necessidade de terras de
agricultores que já têm terra, ainda que insuficiente, precisando, portanto,
aumentar as dimensões de seus estabelecimentos para que possam se tornar unidades
familiares de produção realmente viáveis. Daí o interesse de uma ação
complementar e que um Grupo de Trabalho constituído por técnicos da FAO e do
INCRA, recentemente, entendeu de denominar de "ordenamento agrário".
É muito comum que terras ofertadas no mercado fundiário
rural por agricultores que estão se transferindo para outra região, ou que
estão saindo do ramo (caso típico dos que se aposentam sem ter sucessores),
sejam adquiridas por agentes não-agrícolas (como comerciantes, imobiliárias,
profissionais liberais, etc), ou ainda grandes fazendeiros, sem que seja
oferecida qualquer oportunidade de compra aos que mais necessitam desses ativos
que são os agricultores familiares vizinhos. No entanto, a sociedade ganharia
muito mais se houvesse alguma forma de aumentar as chances de que essas terras
fossem transferidas a agricultores da categoria transitória (familiar não
consolidada), principalmente aos mais jovens.
Inexistem, no Brasil, bases institucionais para
estabelecer ações de controle das estruturas agrícolas, muito embora esse
problema tenha sido explicitamente reconhecido sempre que se mencionou a
necessidade, por exemplo, de uma "aglutinação dos minifúndios".
Trata-se, portanto, de uma proposta que exigirá muita inovação legislativa e
organizacional.
Para que um programa de ordenamento agrário tenha
eficácia, os governos federal e estaduais devem ter um papel estritamente
normativo, deixando a competência operacional para iniciativas intermunicipais
que favoreçam a participação ativa das organizações da sociedade civil na
esfera local. Ou seja, o controle efetivo da evolução agrária de uma micro
região deve ser exercido pela sociedade, por meio de suas organizações locais,
governamentais e não-governamentais. Para isso é imprescindível, entretanto,
que tais iniciativas tenham, não só legitimidade, mas, também, efetiva
capacidade de intervenção no mercado de terras rurais.
Esperamos que essas providências frutifiquem e realmente
se instale entre nós um autêntico desenvolvimento agrário, para que o Brasil
possa despontar no cenário internacional, particularmente sul-americano, como
uma verdadeira potência capaz de fazer felizes todos os que aqui tiveram o
privilégio de verem a luz do sol pela primeira vez.
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UNIÃO, Serviço de Patrimônio da – "Legislação
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* advogado e jornalista em João Pessoa (PB), professor de
Direito no Centro Universitário de João Pessoa
Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1666>. Acesso em: 23 mai. 2006.