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Governo descarta revogar medida anti-invasões

 

Após polêmica entre o ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o ministro do Desenvolvimento Agrário Miguel Rossetto e o movimento sem-terra, governo descarta qualquer modificação na MP 2.183


Caio Quero

Depois das polêmicas e mal-entendidos das últimas semanas o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, parece ter encerrado o assunto. Segundo o ministro, a Medida Provisória 2.183, mais conhecida como medida "anti-invasões", não será mais revogada pelo governo Lula.

Alguns setores do governo que antes defendiam a revogação da medida , agora parecem ter mudado de lado. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, que no domingo último (16/03) declarou não concordar com diversos artigos da MP e deixou claro que pensava ser sua modificação urgente, afirmou na última terça-feira (18/03) ao programa Bom Dia Brasil (Rede Globo) não ter intenção de apresentar projeto de mudança à MP editada por Fernando Henrique Cardoso.

A tensão entre aqueles que lutam pela reforma agrária aumentou e o medo de que a política fundiária adotada por Lula não diferir muito da de FHC continua.

Origens

A Medida Provisória 2.027 surgiu em um momento de intensas atividades do MST no Brasil inteiro. Com o objetivo de dificultar as ocupações e acampamentos que se proliferavam pelo país, o governo Fernando Henrique produziu um pacote de medidas chamadas à época de "anti-invasão". Dentre estas medidas, uma das mais importantes foi a MP 2.027/2000 que previu que o imóvel rural objeto de esbulho possessório não será vistoriado nos dois anos seguintes à sua desocupação e que a entidade ou organização que de qualquer forma colaborar com ocupação de terra não receberá qualquer tipo de recursos públicos. Tal MP foi atualizada pela MP 2.183/2001 que trata da mesma matéria e ainda acrescenta que aquela pessoa que for identificada como participante direto ou indireto de ocupação deve ser excluído do Programa de Reforma Agrária.

Para João Pedro Stédile, coordenador do MST, a MP 2.027 faz parte de um "entulho autoritário" herdado do governo FHC e mostra o quanto o ex-presidente não estava comprometido com a luta camponesa por terra e trabalho. Stédile diz que, no entanto, a medida não chegou a comprometer de modo drástico as ações do movimento. "A MP inibiu o próprio governo, pois deu uma desculpa aos funcionários do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) a não fazerem mais nada do pouco que já vinham fazendo. FHC, apesar de sociólogo, não entende nada de movimentos sociais, (pois) as únicas medidas que tomou em relação ao problema em seu governo foram meramente repressivas" diz o líder dos sem-terra.

Aspectos legais

Mas quais os aspectos legais da MP que podem ser considerados uma afronta aos princípios constitucionais? Ney Strozake, advogado do MST, é taxativo, diz que a MP fere a Constituição Federal na medida em que viola seus artigos 184, 186 e 5º, todos tratando da função social da propriedade privada. Além disso, segundo Strozake a medida fere os princípios da livre iniciativa e da livre associação, ao criminalizar o movimento social e punir seus integrantes.

Para o juiz do 2º Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo (2º TAC-SP), Dyrceu Aguiar Dias Cintra Junior, a medida provisória é claramente inconstitucional e deve ser revogada mais rápido possível. Cintra Jr. ressalta que as ocupações não podem ser tipificadas como casos de esbulho possessório ou crime contra o patrimônio, pois os sem-terra não tem por finalidade tomar a propriedade ocupada, mas sim chamar atenção das autoridades públicas para o problema da reforma agrária. Daí o motivo das ações do movimento sem-terra serem denominadas ocupações, e nunca invasões de terra, pois não há intenção dolosa de se usufruir de qualquer um dos atributos da propriedade. No mesmo sentido vai a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que diz que as ocupações de movimentos populares visando implementar reforma agrária não podem ser caracterizadas como crime contra o patrimônio. Tais manifestações configurariam direito coletivo, expressão da cidadania, visando implantar programa constante na Constituição da República, um artifício de pressão típico dos Estados democráticos. Tal decisão encontra-se no habeas corpus impetrado pelo deputado federal Luís Eduardo Greenhalgh pela libertação de líderes sem-terra presos em 1997 (STJ. 6ª Turma. HC 5.574/SP).

O professor da Faculdade de Direito da USP Régis de Oliveira, no entanto, discorda desta visão. Para ele, apesar de a ocupação da terra ser um instrumento de protesto, ela caracteriza esbulho possessório."Mesmo que protestando, eles (sem-terra) ocuparam uma área, e isto caracteriza a chamada posse nova, cabendo ao juiz dar a reintegração liminar." Mas Oliveira alerta que o juiz não pode dar esta liminar sem pensar na situação de conflito social que ela acarretaria.

Régis de Oliveira lembra que, à época da promulgação do Código Civil (1916) e do Código de Processo Civil (1973), a situação social era diferente. Ao tratar da reintegração de posse, o legislador tinha em mente casos isolados de um indivíduo invadindo a terra alheia, aproximando-se do banditismo, e não ocupações coletivas de terra por parte de pessoas carentes lutando por seus direitos. "A solução hoje dada a este tipo de situação é uma solução de cem anos atrás" diz Régis de Oliveira. Segundo o professor, o papel do juiz é o de adaptar a norma velha aos novos tempos. Assim, ao deparar-se com uma situação de ocupação, o juiz, antes de dar uma liminar de reintegração de posse deve comunicar o Incra para que seja feito um estudo que averigúe a produtividade da terra. No caso de terra improdutiva, o juiz deve alertar o Executivo para que este a desaproprie em prol daqueles que a ocuparam.

 

Fonte:http://www.cartamaior.com.br