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Vilian Bollmann*
Resumo
O estudo aborda a competência da Justiça Federal em sede de ações não
penais de proteção ambiental. A partir do princípio federativo, são analisadas
tanto a possibilidade quanto os limites da intervenção do Ministério Público
Federal e do IBAMA para fixar a competência federal para processar e julgar a
demanda. A partir desta análise, demonstra-se que a repartição constitucional
de atribuições entre os poderes federados não permite que a simples presença de
órgão federal na demanda implique, só por este fato, a competência da Justiça
Federal Comum para processar e julgar uma lide judicial ambiental.
Palavras-chave:DIREITO AMBIENTAL – JUSTIÇA FEDERAL –
COMPETÊNCIA – PRINCÍPIO FEDERATIVO.
1 Nota introdutória.
A proteção ambiental foi erigida a um princípio constitucional que
ordena a todos o dever de garantir e tutelar a o meio que nos cerca (art. 225,
da Constituição da República – CR), assegurando não só a sobrevivência dos
seres vivos, mas também a própria vida das gerações futuras.
No plano prático, porém, a superposição de tarefas pode levar à omissão,
seja pela ausência de conseqüências e responsabilização de quem faltou com seu
dever, seja pela participação simultânea de vários agentes, induzindo não só à
falta de coordenação entre os agentes (para economizar esforços e concentrá-los
onde necessário), como também a falta de segurança jurídica para a Sociedade,
que já não sabe a quem prestar contas e nem se licenças administrativas
concedidas por um ente valerão perante outros.
Uma das situações reveladoras desta necessidade de coordenação de
esforços é o elevado número de Ações Civis Públicas discutindo danos ambientais
em que há [1] duplicação de demandas por conta de ajuizamento simultâneo pelos
Ministérios Públicos Estadual e Federal ou intervenção da autarquia federal
IBAMA ou [2] desconsideração de atos de um destes órgãos por outros, tornando
inócuos os termos de ajuste de conduta realizados e licenças ambientais
expedidas.
Por isso, é necessário saber se a simples presença de um ente federal,
como MPF ou IBAMA, é capaz, por si só, de atrair a competência da Justiça
Federal para processar e julgar uma lide ambiental não penal.
É dizer: o fato, por exemplo, de o MPF ingressar como assistente numa
ação de divórcio entre dois particulares implicaria a incidência do art. 109,
da Constituição ? Ou, ainda, o fato de o IBAMA lavrar um auto de infração por
um corte de uma única árvore em um terreno particular, sem qualquer ofensa a
bem federal, traz a lide de fundo para a competência da Justiça Federal ? Se
uma prisão em flagrante realizada pela Polícia Federal num crime entre
particulares não implica, por si só, a competência da Justiça Federal, por que
a constatação de um ilícito ambiental pelo IBAMA implicaria ? Se um policial
militar estadual lavrar um auto de infração por um dano ambiental que ofende
bem da União a competência será da Justiça Estadual ? Pode a competência da
Justiça Federal para demandas ambientais ter como único pressuposto ou condição
a simples intervenção de um agente administrativo de órgão federal ?
O aparente absurdo desses resultados exige a explicitação de quando,
como e porquê um ente federal pode ingressar numa causa para deslocar o
processo da Justiça Estadual para a Federal ou mesmo ajuizá-la desde o seu
início nesta esfera.
A resposta para estes questionamentos passa pelo exame [1] do princípio
federativo e da [2] natureza da competência cível da Justiça Federal comum,
para, em seguida, abordar tanto [3] a natureza e limite da intervenção do
Ministério Público Federal como causa de competência da Justiça Federal, quanto
[4] a possibilidade e efeitos da atuação do IBAMA.
2 Desenvolvimento
2.1 Do princípio federativo.
A Federação é uma associação de estados que coordena dois eixos: a
autonomia dos estados federados e a sua participação política na formação da
vontade da Federação. Essa autonomia implica [1] possibilidade de produção de
normas próprias, obedecendo aos princípios constitucionais sensíveis; [2]
autogoverno, ou seja, o povo local escolhe os seus representantes; [3]
auto-administração e [4] auto-organização, mediante Constituição Estadual ou
Lei Orgânica.
A federação desenhada pela Constituição da República de 1988 – CR – é
dimensionada a partir de uma matriz que, de um lado, prevê a divisão dos
poderes em três (Executivo, Judiciário e Legislativo) e, de outro, desdobra a
atuação estatal em três níveis (Federal, Estadual e Municipal), gerando oito
centros de atividade (não foi previsto um judiciário municipal). Para
coordená-los, a Constituição prevê a repartição de competências entre os
legislativos (federal, art. 22; estadual, art. 25; e municipal, art. 30, I e
II), executivos (federal, art. 21; estadual, art. 25; e municipal, art. 30) e
judiciário (federal, comum – art. 109 – e especiais – art. 114, 118 e 122 - e
estadual, art. 125), que, em alguns casos, pode ser comum (artigos 23 e 24).
Assim, o fato de haver competência federal para um tipo de atividade –
tal como legislar – não implica que seu desdobramento – executar – também seja
federal. Assim é que, por exemplo, o competência federal para legislar sobre
direito civil (art. 22, I) não implica que a aplicação do direito civil seja
feita exclusivamente pela União e nem tampouco que divergências judiciais sobre
ela sejam resolvidas na Justiça Federal; caso contrário, as ações de separação
de corpos entre duas pessoas não seriam ajuizadas nas varas de família da
Justiça Estadual.
A importância do princípio federativo é facilmente mensurável a partir
da percepção de que ela é um das cláusulas pétreas da Constituição (art. 60,
§4º, I, da CR).
2.2 Da natureza da Competência da Justiça
Federal.
A competência da Justiça Federal, por ser determinada pela Constituição,
é considerada absoluta (STF: RE 88688, RTJ 98-01/217).
Nos dizeres do ministro Celso de Mello:
O ingresso da União Federal numa causa, vindicando posição processual
definida (RTJ 46/73 - RTJ 51/242), gera a incompetência absoluta da Justiça
local (RT 505/109), pois não se inclui na esfera de atribuições jurisdicionais
dos magistrados e Tribunais estaduais o poder para aferir a legitimidade do
interesse da União Federal, em determinado processo (RTJ 93/1291 - RTJ 95/447 -
RTJ 101/419). A legitimidade do interesse manifestado pela União só pode ser
verificada, em cada caso ocorrente, pela própria Justiça Federal (RTJ 101/881),
pois, para esse específico fim, é que ela foi instituída (RTJ 78/398): para
dizer se, na causa, há ou não há interesse jurídico da União (STF, RE
183188/MS, DJ, 14/02/1997, p. 1988).
Portanto, por ser absoluta, a competência da Justiça Federal pode ser
conhecida de ofício, em qualquer grau de jurisdição, e também pode ser argüida
em qualquer momento, até por simples petição (art. 113, do CPC), mas, se não
argüida no momento em que a parte tiver para se manifestar, sujeita quem lhe
deu causa às custas pelo processo inutilmente realizado (art. 113, §1º, do
CPC). A declaração de incompetência absoluta só nulifica os atos decisórios
(art. 113, §2º, do CPC), e, por isso, os demais atos processuais são
aproveitados.
Da mesma forma que ocorre com a divisão de competências legislativas, em
que são enumeradas as hipóteses de atuação do legislativo federal e o
remanescente é de competência dos Estados, a competência judiciária federal
comum é prevista de forma enumerada, no caso, pelo art. 109, da CR.
Veja-se, no que se refere às causas cíveis:
Art. 109 - Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública
federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou
oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à
Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e
Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado
estrangeiro ou organismo internacional;[...]
V-A - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º
deste artigo; [...]
VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de
autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais
federais;[...]
XI - a disputa sobre direitos indígenas.
No tocante às questões que envolvem Direito Ambiental não-penal,
vislumbra-se que, salvo expressa fundamentação envolvendo grave violação a
direitos humanos (art. 109, §5º, da CR) ou lide decorrente de tratado
internacional (art. 109, III, da CR), a competência da Justiça Federal poderia
ser decorrente apenas das hipóteses contidas nos incisos I (interesse federal)
ou VIII (mandado de segurança ou habeas data).
Como a segunda hipótese é de indiscutível competência da Justiça Federal
(por exemplo, mandado de segurança questionando legalidade de embargo
administrativo imposto por servidor do IBAMA), a indagação persiste apenas
quanto à existência da "condição de interessada", prevista no
primeiro caso (art. 109, I, da CR).
2.3 Do interesse federal.
Segundo Carvalho, a jurisprudência já fixou que o interesse federal hábil a deslocar o
processo da justiça estadual para a federal tem que ser qualificado,
em feito capaz de causar benefício ou prejuízo à União (ou autarquia), de forma
direta, sendo que o interesse genérico no exato cumprimento de leis federais
não é bastante a legitimar a competência da Justiça Federal [01].
Em outras palavras, este interesse deve ser concreto, objetivo, direto,
imediato, autêntico, demonstrando que as entidades privilegiadas com foro
federal possam ser beneficiadas, prejudicadas ou haja repercussão sobre os
entes com a decisão final. O interesse jurídico tem de ser analisado sob o
ponto de vista prático, não se admitindo interesses de ordem reflexa ou remota.
Neste sentido é a Súmula n. 61, do extinto Tribunal Federal de Recursos:
Para configurar a competência da Justiça Federal, é necessário que a
União, entidade autárquica ou empresa pública federal, ao intervir como
assistente, demonstre legítimo interesse jurídico no deslinde da demanda, não
bastando a simples alegação de interesse na causa.
2.4 Da competência da Justiça Federal em
relação à participação do MPF.
No que se refere à competência da Justiça Federal pelo simples
ajuizamento pelo Ministério Público Federal, já decidiu o Superior Tribunal de
Justiça que:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA DE DIREITOS
TRANSINDIVIDUAIS. MEIO AMBIENTE. COMPETÊNCIA. REPARTIÇÃO DE ATRIBUIÇÕES ENTRE O
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E ESTADUAL. DISTINÇÃO ENTRE COMPETÊNCIA E
LEGITIMAÇÃO ATIVA. CRITÉRIOS. 1. A ação civil pública, como as demais,
submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I, da
Constituição, segundo a qual cabe aos juízes federais processar e julgar
"as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal
forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes,
exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça
Eleitoral e a Justiça do Trabalho". Assim, figurando como autor da ação o
Ministério Público Federal, que é órgão da União, a competência para a causa é
da Justiça Federal. 3. Não se confunde competência com legitimidade das partes.
A questão competencial é logicamente antecedente e, eventualmente, prejudicial
à da legitimidade. Fixada a competência, cumpre ao juiz apreciar a legitimação
ativa do Ministério Público Federal para promover a demanda, consideradas as
suas características, as suas finalidades e os bens jurídicos envolvidos. 4. À
luz do sistema e dos princípios constitucionais, nomeadamente o princípio
federativo, é atribuição do Ministério Público da União promover as ações civis
públicas de interesse federal e ao Ministério Público Estadual as demais.
Considera-se que há interesse federal nas ações civis públicas que (a) envolvam
matéria de competência da Justiça Especializada da União (Justiça do Trabalho e
Eleitoral); (b) devam ser legitimamente promovidas perante os órgãos
Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da Justiça Federal (Tribunais
Regionais Federais e Juízes Federais); (c) sejam da competência federal em
razão da matéria — as fundadas em tratado ou contrato da União com Estado
estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III) e as que envolvam
disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); (d) sejam da competência
federal em razão da pessoa — as que devam ser propostas contra a União, suas
entidades autárquicas e empresas públicas federais, ou em que uma dessas
entidades figure entre os substituídos processuais no pólo ativo (CF, art. 109,
I); e (e) as demais causas que envolvam interesses federais em razão da
natureza dos bens e dos valores jurídicos que se visa tutelar. 6. No caso dos
autos, a causa é da competência da Justiça Federal, porque nela figura como
autor o Ministério Público Federal, órgão da União, que está legitimado a
promovê-la, porque visa a tutelar bens e interesses nitidamente federais, e não
estaduais, a saber: o meio ambiente em área de manguezal, situada em terrenos
de marinha e seus acrescidos, que são bens da União (CF, art. 20, VII),
sujeitos ao poder de polícia de autarquia federal, o IBAMA (Leis 6.938/81, art.
18, e 7.735/89, art. 4º ). 7. Recurso especial provido [02].
Poder-se-ia cogitar, portanto que, nos termos o verbete n. 150 da súmula
de jurisprudência dominante no STJ (= "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse
jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou
empresas públicas"), não havendo a competência da Justiça Federal,
a solução processual seria a remessa dos autos ao Juízo original, sem suscitar
conflito negativo, até porque "A
decisão do Juízo Federal que exclui da relação processual ente federal não pode
ser reexaminada no Juízo Estadual" (verbete n. 254 da súmula do
STJ).
Porém, no curso da fundamentação do voto acima
citado, o relator afirmou que:
[...] Põe-se em foco, no presente caso, um tema freqüente em nossos
pretórios, nem sempre enfrentado com clareza, que é o da distribuição da
competência, entre justiça federal e justiça estadual, para processar e julgar
ações civis públicas destinadas a tutelar direitos transindividuais (coletivos
e difusos). As dificuldades para encontrar linha objetiva de orientação se
agravam porque, no geral dos casos, não se dá ênfase ao problema que subjaz à
questão competencial, que é o da
repartição de atribuições entre o Ministério Público Federal e o Ministério
Público Estadual. Realmente, também a ação civil pública, como as
demais, submete-se, quanto à competência, à regra estabelecida no art. 109, I,
da Constituição, a saber: cabe aos juízes federais processar e julgar "as
causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem
interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as
de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e a
Justiça do Trabalho". Ocorre que, nessa espécie de ação, o direito
tutelado tem natureza transindividual, a significar que são indeterminados os
titulares do direito material. Não estando legitimado, para o pólo passivo,
nenhum ente federal, estaria descartada a competência da Justiça Federal? Esta
pergunta envolve não uma questão de competência, e sim de legitimidade.
Com efeito, para fixar a
competência da Justiça Federal, basta que a ação civil pública seja proposta
pelo Ministério Público Federal. Nesse caso, bem ou mal, figurará como autor um
órgão da União, o que é suficiente para atrair a incidência do art. 109, I, da
Constituição. Embora sem personalidade jurídica própria, o Ministério
Público Federal está investido de personalidade processual, e a sua condição de
personalidade processual federal determina a competência da Justiça Federal. É
exatamente isso o que ocorre também em mandado de segurança, em habeas-data e
em todos os demais casos em que se reconhece legitimidade processual a entes
não personalizados: a competência será fixada levando em consideração a
natureza (federal ou não) do órgão ou da autoridade com personalidade apenas
processual, e essa natureza é a mesma da ostentada pela pessoa jurídica de que
faz parte.
Figurando o Ministério Público Federal, órgão da União, como parte na
relação processual, a um juiz federal
caberá apreciar a demanda, ainda que seja para dizer que não é ele, e sim o
Ministério Público Estadual, o que tem legitimação ativa para a causa. Para
efeito de competência, como se sabe, pouco importa que a parte seja legítima ou
não. A existência ou não da legitimação deve ser apreciada e decidida
pelo juiz considerado competente para tanto, o que significa que a questão
competencial é logicamente antecedente e eventualmente prejudicial à da
legitimidade das partes. Para efeito de competência, o critério ratione
personae (que é o estabelecido no art. 109, I, da CF) é considerado em face
apenas dos termos em que foi estabelecida a relação processual. Em outras
palavras, para efeito de determinação de competência, o que se leva em
consideração é a parte processual, o que nem sempre coincide com a parte
legítima. Parte processual é a que efetivamente figura na relação processual,
ou seja, é aquela que pede ou em face de quem se pede a tutela jurisdicional
numa determinada demanda. Já a parte legítima é aquela que, segundo a lei, deve
figurar como demandante ou demandada no processo. A legitimidade ad causam,
conseqüentemente, é aferível mediante o contraste entre os figurantes da
relação processual efetivamente instaurada e os que, à luz dos preceitos
normativos, nela deveriam figurar. Havendo coincidência, a parte processual
será também parte legítima; não havendo, o processo terá parte, mas não terá
parte legítima.
Reafirma-se, assim, que a simples circunstância de se tratar de ação
civil pública proposta pelo Ministério Público Federal é suficiente para fixar
a competência da Justiça Federal. Por isso mesmo é que se enfatiza que a
controvérsia posta não diz respeito, propriamente, à competência para a causa e
sim à legitimidade ativa. Competente, sem dúvida, é a Justiça Federal. Cabe
agora, portanto, investigar se, à luz do direito, o ajuizamento dessa ação,
consideradas as suas características, as suas finalidades e os bens jurídicos
envolvidos, é atribuição do Ministério Público Federal ou do Estadual. Concluindo-se pela ilegitimidade daquele, a
solução não será a da declinação de competência, mas de extinção do processo
sem julgamento de mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC. (GRIFEI)
Em resumo: o simples ajuizamento
da ação pelo Ministério Público Federal implica a competência da Justiça
Federal para o exame da causa, que inclui, também, o exame da atribuição daquele
órgão para ter legitimidade ativa; se for parte ilegítima, a solução é a
extinção do processo.
Assim, nestes casos (Ações ajuizadas pelo Ministério Público Federal) é
necessário examinar se há substrato material que indique a sua legitimidade
ativa.
Com relação à matéria ambiental, bem leciona a doutrina que:
Ainda no campo da competência genérica, no caso de ação proposta pelo
Ministério Público Federal contra pessoas não contempladas nos incisos I e II
do artigo 109 da CF, a competência da Justiça Federal somente se configurará
quando presente o substrato material (legítimo interesse da União, empresa
pública, autarquia ou fundação pública federal). A simples presença do
Ministério Público no pólo ativo da relação processual (circunstância sujeita apenas
à vontade do agente) não pode ter o condão de alterar a sistemática
estabelecida na constituição, determinando nova hipótese de competência da
Justiça Federal, com o risco inclusive de aniquilamento da competência da
Justiça Estadual. Em outras palavras: o
Ministério Público somente pode propor perante a Justiça Federal ação civil
pública em matéria ambiental, contra pessoa não contemplada nos incisos I e II
do artigo 109 da CF, quando houver "interesse federal" a ser
resguardado. É que nesta hipótese, mas somente nesta hipótese, a referida
instituição, excepcionalmente, estará a tutelar também interesse de uma das
pessoas jurídicas elencadas no inciso I do artigo 109 da Constituição Federal -
mesmo porque vocacionada a fazê-lo, por ser órgão integrante da estrutura
política da União de modo que restará preenchido também o requisito formal e,
em conseqüência, completado o rol de requisitos necessários à caracterização da
competência da Justiça Federal [03] (GRIFEI).
Este substrato material é a presença do
interesse federal qualificado, ligado, agora, às atribuições do Ministério
Público previstas no art. 129, da CR, cumuladas, no âmbito federal, com o
regramento dado pela Lei Complementar 75/1993, ligado, sempre, à violação a
bens, serviços ou interesses da União.
Assim, do precedente do STJ acima citado, colhem-se as hipóteses de
interesse federal de cunho ambiental hábeis a indicar a atribuição do
Ministério Público Federal nas ações civis públicas que [1] devam ser
promovidas perante os órgãos Judiciários da União (Tribunais Superiores) e da
Justiça Federal (Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais); ou [2] sejam
da competência federal em razão da
matéria por [2.1] serem fundadas em tratado ou contrato da União com
Estado estrangeiro ou organismo internacional (CF, art. 109, III), [2.2]
envolvam disputa sobre direitos indígenas (CF, art. 109, XI); [3] ou em razão da pessoa, como as [3.1]
propostas contra a União, suas entidades autárquicas e empresas públicas
federais, ou [3.2] em que uma dessas entidades figure entre os substituídos
processuais no pólo ativo (CF, art. 109, I) e [4] as demais causas que envolvam
interesses federais em razão da natureza dos bens e dos valores jurídicos que se visa tutelar.
2.5 Da competência da Justiça Federal em relação
à participação do IBAMA.
É necessário distinguir que a competência da Justiça Federal não decorre
das atribuições do IBAMA e vice-versa, pois uma decorre da atividade do Poder
Executivo e a outra do Judiciário, no caso, federais. Logo, o âmbito de competência
de um não interfere necessariamente no outro.
É possível que o IBAMA não tenha atribuição legal para apreciar um
pedido de licenciamento (de competência de órgão Estadual) e, mesmo assim, se
deflagrada uma lide, a Justiça Federal ser competente para julgá-la. Isso
ocorreria, por exemplo, se uma simples casa fosse construída sobre terreno de
marinha, atividade não fiscalizada ou licenciada pelo IBAMA; no caso, ao
atingir bem da União (art. 20, VII, da CR), está configurado o interesse
federal direto e qualificado previsto no art. 109, I, da CR, mas não
necessariamente o interesse da autarquia (poder executivo federal).
As atividades de fiscalização e licenciamento são as principais causas
de intervenção do IBAMA em ações perante o Judiciário.
No que se refere ao licenciamento,
o art. 10, da Lei 6938/1981, estabelece que a atuação do IBAMA é supletiva quanto à aprovação de obras de
construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e
atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e
potencialmente poluidores. Recentemente, o Ministério do Meio Ambiente, na
qualidade de órgão central do SISNAMA (art. 6º, III, da Lei 6938/1981), decidiu
conflito positivo de atribuições entre o IBAMA e a FATMA/SC, argumentando que o
fato de a atividade licenciada atingir ou se localizar em bem da União não
caracteriza a competência da autarquia federal para efetuar o licenciamento
ambiental, pois este se dá em razão da abrangência do impacto ao meio ambiente,
e não em virtude da titularidade do bem atingido (Despacho 2176/2004 –
PROGE/GABIN, Parecer MMA 312/2008). Logo,
quanto ao licenciamento, as atribuições do IBAMA são consideradas restritas e
quando lhe faltar a atribuição a sua intervenção será considerada nula, por
vício de incompetência (art. 37, da CR, c/c, art. 2º, "a", da
Lei 4717/1965 [04]), não se
permitindo o ingresso na lide como pretenso órgão licenciador.
Neste ponto, vale apontar os argumentos bem lançados pelo Juiz Federal
Julio Schattschneider, que, sentenciando os autos 2005.72.00.013828-2, em
31/03/2008, afirmou:
A competência para "proteger o meio ambiente e combater a poluição
em qualquer de suas formas" e para "preservar as florestas, a fauna e
a flora" é comum entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal (incisos
VI e VII do artigo 23 da Constituição). O parágrafo único deste dispositivo
estabelece que "[l]eis complementares fixarão normas para a cooperação
entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista
o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional".
É evidente que este equilíbrio não seria
alcançado se todos fossem responsáveis por tudo e, principalmente, se a
atividade de um ente da Federação pudesse ser ignorada pelo outro. Em suma: a Constituição ao prever a competência comum
em matéria ambiental não pretendeu transformar a União em fiscal dos Estados
e vice-versa. Ao contrário, o objetivo é que eles ajam em harmonia, formando um
sistema.
Por isso é que a Lei n. 6.938/1991 estabelece, no seu artigo 10, que
"[a] construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos
e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e
potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar
degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual
competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em
caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis".
Este "caráter
supletivo" atribuído à atuação do IBAMA, entretanto, ocorre apenas no caso
de inexistência ou incapacidade técnica do órgão estadual
responsável pelo licenciamento.
"Compete ao CONAMA", de fato, conforme dispõe o inciso I do
artigo 8º da Lei n. 6.938/1991 "estabelecer [...] normas e critérios para
o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser
concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA". No contexto da Lei,
tendo em vista o princípio constitucional da cooperação (parágrafo único do
artigo 23) e o próprio equilíbrio da Federação, é evidente que supervisão
não é sinônimo de hierarquia. Tanto que a exigência de homologação do
licenciamento pelo IBAMA ocorre apenas nos casos previstos em Resolução do CONAMA
(§ 2º do artigo 10).
Os dispositivos citados, então, não conferem à Autarquia Federal o poder
de fiscalização da própria atividade administrativa desenvolvida no âmbito do
Estado. Afinal, se ela pudesse, a pretexto de nulidade ou divergência de
critério, embargar uma obra licenciada pela FATMA, por qual motivo a
Fundação Estadual, com fundamento no artigo 23 da Constituição, não poderia
embargar uma obra licenciada pelo IBAMA sob a justificativa de que age com
vistas à preservação do meio ambiente?
E mais: se um pudesse declarar a
nulidade do ato praticado pelo outro, este então poderia declarar a nulidade do
ato praticado pelo primeiro e que declarou a nulidade do seu, dando início a
uma espiral sem fim e com conseqüências catastróficas - tudo com fundamento
na preservação do meio ambiente.
É preciso, então, estabelecer corretamente o campo de atuação de cada
órgão, a fim de evitar a verdadeira confusão em que se transformou o
licenciamento e a fiscalização ambiental.
A regra geral, portanto, é o licenciamento ocorrer sempre
por meio de ato emitido pelos órgãos estaduais (caput do artigo 10 da Lei n.
6.938/1991), exceto "no caso de atividades e obras com significativo
impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional" (§ 3º), quando a
competência é privativa do IBAMA. Assim, pouco importa quem seja o
proprietário do imóvel (terrenos de marinha, por exemplo) em que esteja
localizada a obra ou atividade a ser licenciada, pois o que determina a
competência da Autarquia é a magnitude do impacto ambiental que elas possam
causar.
A competência fiscalizadora genérica, entretanto, não segue a mesma
lógica. O IBAMA DEVE - assim como todos os demais órgãos integrantes do SISNAMA
(estaduais ou municipais) - fiscalizar de ofício QUALQUER agressão ao meio
ambiente, por mais insignificante que seja. Porém, se uma obra ou
atividade estiver licenciada pelo órgão estadual, o IBAMA não pode embargá-la
por discordar da licença emitida.
O licenciamento, como ato administrativo que
é, dispõe de presunção de legitimidade. Se o próprio órgão ambiental do Estado
- ainda que mediante provocação - não o declarar nulo, nos termos da primeira
parte da Súmula n. 473 do Supremo Tribunal (A administração pode anular seus
próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não
se originam direitos), é necessária a intervenção judicial.
Em face disso, é evidente que ao IBAMA não pode ser imputada qualquer
responsabilidade, ainda que omissiva, pelos fatos decorrentes deste processo,
visto que não lhe competia licenciar a obra (é incontroverso que ela não
produzirá significativo impacto nacional ou regional, nos termos do § 3º do
artigo 10 da Lei n. 6.938/1991) ou homologar a licença concedida (§ 2º do
artigo 10). Também não há qualquer prova de que, antes do ajuizamento da
demanda, a Autarquia tenha sido formalmente instada a realizar alguma atividade
relativa ao caso e efetivamente tenha se omitido [05].
Com relação à atividade de fiscalização,
porém, a atribuição legal do IBAMA é
genérica, nos termos do art. 2º, I, da Lei 7735/89: "É criado o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, autarquia federal dotada
de personalidade jurídica de direito público, autonomia administrativa e
financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, com a finalidade de:
[...] exercer o poder de polícia ambiental;[...]". E, pelo
Regulamento Interno da Fiscalização do IBAMA, aprovado pela portaria IBAMA n.
53: "(...) Art. 7º As ações
fiscalizatórias terão as seguintes classificações: (...) V - Supletiva: quando
em razão da inércia do Órgão Ambiental do Estado ou Município; VI - Emergência:
para coibição de infrações de alto impacto ambiental; VII - De Ofício: por
iniciativa própria".
Logo, quanto à atividade fiscalizatória, embora geral, ela sofre a
restrição: o IBAMA não tem atribuição
para revisar licença concedida por outro órgão; se o fizer, praticará ato nulo (art.
37, da CR, c/c, art. 10, §3º, da Lei 6938/1981, e art. 2º, "a", da
Lei 4717/1965).
Disso podem surgir duas questões distintas: [1] a primeira, saber se o
IBAMA poderá, por conta própria, alegar nulidade do licenciamento realizado por
outro órgão ambiental, Estadual ou Municipal, e [2] independente de nulidade da
licença (ou seja, ainda que válida a licença), saber se o IBAMA pode fiscalizar
e aplicar sanções a quem executa a obra licenciada pelo órgão Estadual.
Com relação à primeira questão, a resposta só pode ser negativa. A uma,
porque se o princípio federativo não impõem hierarquias, mas apenas repartição
de competências, então não há submissão de órgãos estaduais e municipais a
federais; logo, o IBAMA não tem a atribuição de controle de legalidade dos
outros órgãos ambientais, já que estes não são seus subordinados. A duas, a
presunção de legitimidade do ato administrativo faz impor a fé pública aos
demais entes federados (artigos 19, II; 37; da CR). A três, a função de
controle de legalidade externa à Administração Pública é função eminentemente
jurisdicional, que não está na atribuição do IBAMA. Portanto, ainda que
houvesse previsão legal desta possibilidade, ela seria inconstitucional por
ferir o pacto federativo (art. 1º, "capu", e 18, ambos da CR)
[06], a vedação à recusa de fé pública (art. 19, II, da CR) [07]
e a divisão de poderes (art. 2º, da CR) [08].
Como conseqüência das razões acima apresentadas, o IBAMA só poderá
fiscalizar e exercer o poder de polícia se a obra estiver sendo executada fora
dos parâmetros determinados pela licença estadual ou municipal. Acrescente-se,
ainda, que, de um lado, há o princípio da boa-fé objetiva daquele que executa
obra que está licenciada; e, de outro, o descumprimento dos limites da licença
administrativa ou a sua execução além do que ela estabelece podem configurar
ilícito, seja por absoluta ilegalidade (por exemplo, construir em área diferente
da que consta na licença, atingindo zona protegida) ou por abuso de direito.
Logo, quanto à segunda questão, o IBAMA só poderá fiscalizar e punir a execução
de obras licenciadas no âmbito estadual ou municipal se a ação desbordar dos
limites autorizados administrativamente, embargando somente aquilo que exceder
a licença deferida pelo outro órgão; caso contrário, sua atuação será nula,
pois estaria agindo como revisora ou fiscalizadora direta da atuação do outro
ente. O fundamento da ação do IBAMA não é a suposta ilegitimidade da licença
estadual ou municipal, mas sim a sua própria atribuição de fiscalização geral
para reprimir atividade desconforme com aquela autorização, que se presume
válida.
Isso não significa que eventual percepção de nulidade por ato estadual
ou municipal ficaria isento se percebido pelo IBAMA. O remédio, nesta hipótese,
não é a atuação "sponte sua" pelo IBAMA, mediante o embargo ou outra
sanção administrativa (conduta que quebraria o pacto federativo), mas sim o ajuizamento
de Ação Civil Pública pela autarquia federal, já que detém a legitimidade ativa
para isso (art. 5º, da Lei 7347/85) [09]. Neste caso, o fundamento
da ação do IBAMA é a nulidade da licença administrativa e a sua legitimidade
decorre do seu poder de fiscalização geral; porém, como lhe falta a atribuição
de controle externo administrativo, este é realizado pelo Poder Judiciário.
Dessas conclusões decorre outro questionamento: [3] o simples fato de o
IBAMA ter lavrado, quando autorizado, auto de infração ou termo de embargo por
conta do dever geral de fiscalização implica, só por si, o deslocamento da lide
da esfera jurisdicional estadual para a federal, ainda que não haja ofensa a
bens ou serviços federais ?
A resposta é, em regra, negativa, pelos seguintes argumentos, cada um
capaz de fundamentar esta conclusão.
A uma, essa questão é análoga a de um Policial Federal que tenha
flagrado um crime de competência da Justiça Estadual; por exemplo, estupro. A
competência jurisdicional para processar e julgar o crime permanece estadual,
mesmo que o crime tenha sido flagrado por agente federal e ainda que a
lavratura do auto de prisão (procedimento administrativo) tenha sido efetivada
pelo órgão federal. Como se vê, as duas situações são praticamente idênticas,
pois o julgamento do ilícito é da Justiça Estadual e a intervenção federal se
deu somente por interesse geral e comum a todas as esferas federativas
(exercício do poder de polícia na proteção de um bem juridicamente relevante
que não é federal). Logo, aplica-se a regra "ubi eadem ratio, ibi eadem
jus".
A duas, é necessário distinguir o interesse público primário do
interesse público secundário, ou seja, o interesse de resguardar os valores
caros à Sociedade como um todo e o interesse exclusivo da Administração, tal como
o patrimonial ou mera defesa do seu ato (vide, dentre outros, STJ, REsp
787.967/SE, Rel. Ministro LUIZ FUX, j. 07.08.2007; e TRF4, AG
2007.04.00.026118-5, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. 12/09/2007). No
caso, a proteção ambiental é o interesse público primário (art. 225, da CR),
enquanto que a simples defesa do ato administrativo é interesse público
secundário. Logo, a proteção ambiental, no caso, não é interesse federal direto
e qualificado, mas sim interesse público primário de todas as esferas da
coletividade (inclusive dos Estados), circunstância que, administrativamente
justifica a competência comum e concorrente (art. 23, VI, da CR), mas, na
jurisdicional, observa a repartição de atribuições prevista no art. 109, da CR.
A três, o interesse direto do IBAMA só ocorrerá se o seu ato for
questionado diretamente no feito, isto é, se o objeto da demanda for o auto de
infração ou embargo contido num pedido de anulação (se o particular for o
autor) ou execução (se a Administração postular a efetivação da
auto-executoriedade do seu ato). Portanto, assim como o auto de prisão em
flagrante realizado pela Polícia Federal não é o objeto da conseqüente ação
penal por crime de estupro (exemplo dado acima), o auto de infração do IBAMA
também não será o objeto de uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério
Público estadual; em verdade, será uma simples prova (se usado como laudo) ou
elemento deflagrador da persecução ministerial, mas não o fundamento único e
exclusivo da demanda ambiental; esta é fundada na prática do ilícito em si
(corte de vegetação, construção em área proibida etc). Nesta hipótese, ainda
que haja pedido de Ação declaratória incidental (art. 325, do CPC) [10]
ou posterior ajuizamento de Ação anulatória ou Mandado de segurança, não há reunião
de processos pela conexão (art. 102, do CPC) [11], pois a
competência para apreciar as demandas é distinta e absoluta, impedindo sua
união (art. 292, §1º, II, do CPC, ou seja: "É permitida a cumulação, num único processo, contra o mesmo réu, de
vários pedidos, ainda que entre eles não haja conexão. [...] São requisitos de
admissibilidade da cumulação: [...] que seja competente para conhecer deles o
mesmo juízo"). Ocorrerá, apenas, a existência de questão
prejudicial externa, que, se preenchidos os demais requisitos, permitirá, se
for o caso, a suspensão da demanda prejudicada (art. 265, IV, "a", do
CPC) [12].
Por cada uma dessas razões, a questão [3] é respondida: o ato
administrativo sancionador exarado pelo IBAMA em razão de sua atribuição
fiscalizatória geral sobre fato que não prejudica bem ou serviço federal só é
de competência federal se ele for o objeto do pedido judicial.
3 Considerações finais.
A partir do texto apresentado, é possível traçar algumas premissas que,
embora não conclusivas no sentido de uma verdade inalcançável, permitem supor
que o simples ajuizamento da ação pelo Ministério Público Federal e pelo IBAMA
implica a competência da Justiça Federal para o exame da causa, que inclui,
também, o exame da atribuição daquele órgão para ter legitimidade ativa. Porém,
não haverá legitimidade ativa (com conseqüente extinção do processo por
carência de ação): [1] quando o MPF ajuizar demanda sem que haja interesse
federal qualificado e direto, consistente em violação a bens, interesses ou serviços
federais; [2] ou se o IBAMA pretender licenciar obras ou atividades que atinjam
bens da União única e exclusivamente por este simples fato ou [3] fiscalizar ou
embargar obra licenciada por órgão ambiental estadual ou municipal, salvo se a
sua execução estiver em desconformidade com a licença concedida, e, mesmo
assim, [4] a simples existência do ato administrativo sancionador exarado pelo
IBAMA em razão de sua atribuição geral de fiscalização não implica competência
da Justiça Federal para exame do litígio ambiental se aquele ato não for o
objeto do pedido processual e se não houver ofensa direta a bem ou serviço
federal.
Por fim, é relevante apontar que eventual efeito declaratório da
sentença que reconhecer a nulidade de atos do IBAMA por conta das situações [2]
e [3] não implicará, por si só, a nulidade e o desfazimento dos efeitos da
sanção administrativa, porquanto isso dependerá de [a] a autarquia federal
figurar na lide processual (o que não ocorre nos casos em que houve o embargo e
somente o MPF ajuíza a ação) e de [b] haver pedido de reconvenção ou ação
declaratória incidental por parte do particular. Isso porque, reconhecida a
ilegitimidade de parte (MPF ou IBAMA), a ação será extinta, sem julgamento do
mérito (art. 267, VI, do CPC), e a questão da nulidade da sanção é mero
fundamento que não faz coisa julgada (art. 469, do CPC) [13]. Assim,
para que sejam suspensos os efeitos práticos da sanção administrativa (multa,
interdição ou embargo), é necessário que o particular demande contra o auto de
infração, seja pelas vias endoprocessuais da Ação Declaratória Incidental (art.
5º, c/c, art. 325, do CPC) e da reconvenção (art. 297, c/c., art. 315, do CPC),
seja pela via processual autônoma da ação conexa ou contida (art. 102 a 105, do
CPC); caso contrário, manter-se-ão os efeitos do ato administrativo, ainda que
nulos, já que os planos da existência, validade e eficácia não se confundem.
4 Bibliografia utilizada.
CARVALHO, Vladimir Souza. Competência
da Justiça Federal. Curitiba: Juruá, 2004.
PEREIRA, Ricardo Teixeira do Valle. Competência da Justiça Federal em
Direito Ambiental. Direito Federal:
Revista da AJUFE, v. 74, 2º semestre/2003, p. 278-301.
Notas
01 CARVALHO, Vladimir Souza. Competência da Justiça Federal, p. 46-47.
02 REsp 440002/SE, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA,
julgado em 18.11.2004, DJ 06.12.2004 p. 195.
03 PEREIRA, Ricardo Teixeira do Valle. Competência da Justiça Federal em
Direito Ambiental, p. 299-300.
04 "Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades
mencionadas no artigo anterior, nos casos de: a) incompetência;[...] Parágrafo
único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes
normas: a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas
atribuições legais do agente que o praticou".
05 Sentença obtida no site da Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina
(www.jfsc.gov.br),
em 28/05/2008.
06 "Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[...]
Art. 18 - A organização político-administrativa da República Federativa
do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
todos autônomos, nos termos desta Constituição".
07 "Art. 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:[...] II - recusar fé aos documentos públicos".
08 "Art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".
09 "Art. 5º A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo
Ministério Público, pela União, pelos Estados e Municípios. Poderão também ser
propostas por autarquia, empresa
pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação que[...]"
(GRIFEI).
10 "Contestando o réu o direito que constitui fundamento do pedido, o
autor poderá requerer, no prazo de 10 (dez) dias, que sobre ele o juiz profira
sentença incidente, se da declaração da existência ou da inexistência do
direito depender, no todo ou em parte, o julgamento da lide (art. 5º)".
11 "Art. 102. A competência, em razão do valor e do território,
poderá modificar-se pela conexão ou continência, observado o disposto nos artigos
seguintes.
Art. 103. Reputam-se conexas duas ou mais ações, quando lhes for comum o
objeto ou a causa de pedir".
12 "Art. 265. Suspende-se o processo: [...] IV - quando a sentença de
mérito: a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da
existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto
principal de outro processo pendente".
13 "Art. 469. Não fazem coisa julgada:
I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte
dispositiva da sentença;
II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença;
III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no
processo"
* juiz federal em
Itajaí (SC), mestrando em Ciência Jurídica
Disponível em:
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11424&p=2
Acesso em: 04 jul.
2008.