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Reforma agrária e a revolução

 

Cristiane Rozicki*

cr.rozik@brasilnet.net

crozicki@hotmail.com

 

 

Eu estava, aqui, lembrando da história do Brasil e de nossa Constituição da República.

A Reforma Agrária é tema muito explorado, durante os períodos eleitorais há muitas décadas... Se não me falhar a memória, já nos idos tempos de Getúlio Vargas...

Por que será?

Estranho. Estranho é verificar que, desde o tempo de meus bisavós, até os dias de hoje, a Reforma Agrária não se realizou.

Existiram projetos no passado. Há o projeto atual, há capítulo especial na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, mas tudo foi sempre deixado para logo mais... Logo mais na próxima década?

Sim, é verdade... Estamos assistindo as notícias, políticas, que anunciam "mais mil e tantas famílias de sem-terra estarão sendo assentadas... Ou, mais 10.000"?...

Parece um número grande de pessoas, não é mesmo?

Parece, apenas parece.

Se considerarmos os milhões de lavradores que subsistem no meio rural, com suas famílias --20.000.000 (milhões), talvez quase 30.000.000- poderemos discernir bem melhor o significado dos números.

A este respeito, convém lembrar, um dado importante, que o Brasil encontra-se entre as 4 nações mais miseráveis do planeta, no âmbito rural, com índices abaixo da pobreza. No que diz respeito ao meio rural, o Brasil consiste um gigantesco exemplo de desumanidade.

Aqui se conhece o trabalho escravo. Notadamente no que tange à população rural.

E que, como outras três nações, Índia, Peru e outro país do continente africano, o Brasil é um dos grandes exemplos de vida escrava neste meio.

Trabalha-se por comida unicamente. Homens, mulheres e crianças. Crianças!?! Que vivem em idênticas condições à vida daqueles trabalhadores do início da Revolução Industrial na Inglaterra, movida pela burguesia que, de classe de comerciantes, passou a explorar a mão-de-obra escrava para produzir mais, a nova fonte de lucro.

Durante a Primeira Revolução Industrial não havia direito à coisa alguma para os trabalhadores.

Afinal, estávamos no mundo liberal, cujas preocupações estavam limitadas à liberdade e propriedade. Resta ver quem é que era livre...

A realidade do meio rural, notadamente nos países menos desenvolvidos, é assustadora e deprimente...

Distantes de essenciais meios para garantir direitos fundamentais dos mais básicos, direitos de civilidade que bom número de trabalhadores rurais nem pôde, ainda, experimentar, a respeito da falta de dignidade das condições do exercício do trabalho humano que, nesta área de exploração dos recursos naturais, é, mesmo agora, muito similar ao modo de trabalho e vida dos idos tempos da Idade Média e primórdios da Industrialização.

É sabido que a mão-de-obra do meio rural de países pouco desenvolvidos, e do Brasil, ainda é desprovida das mínimas condições de trabalho digno e adequado a um ser humano.

Ali verifica-se o permanente desrespeito às leis internacionais relativas ao trabalho humano, que passa por situações vexatórias de tão subumanas, que ocorrem e são praticadas regularmente, animalizando o homem, desrespeitando-o e desvalorizando-o como pessoa útil, inteligente e criativa.

Tem-se conhecimento da regularidade do cativeiro da dívida alimentar, da servidão familiar e da exploração de menores, verdadeiros exemplos de escravidão à poucos palmos (? Meses!) do século XXI, em fazendas de criação de gado e de plantações de erva-mate, cana, algodão, fumo e por aí afora. A OIT cita outros exemplos de países, além do Brasil, que escravizam seus trabalhadores para o pagamento de dívidas: o Paquistão, a Índia e o Peru.

Agora, voltando à norma constitucional. Não farei referência às passadas Cartas constitucionais que também mencionaram a Reforma Agrária, uma reforma que nunca saiu do papel.

Os estudantes mui jovens do Direito talvez não tenham tido a oportunidade de juntar os pequenos cacos de nossa história, para uma análise crítica das informações que hoje são divulgadas pela imprensa.

A Constituição Federal indica uma vida muito diferente.

E eu fico indagando, comigo mesma, porque será?

Quais seriam as razões de um Estado constitucionalmente destinado à realização da plenitude da democracia (que não é somente política, é social, cultural e econômica), ainda ver seus problemas tão mal administrados e seus objetivos, há décadas da história brasileira, distantes da possível conclusão?

Está escrito, na CF/88, começando pelos termos do Preâmbulo, que o Estado democrático de direito brasileiro está "...destinado a assegurar o exercícios dos direitos sociais ..., o bem-estar ... como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social ..."; e, que são fundamentos do Estado a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (art. 1o, incisos II, III, IV).

Objetivando, escreve o art. . 3o:

"I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; ...

III - erradicar a pobreza e a marginalização ...;

IV - promover o bem de todos sem preconceitos ... e quaisquer outras formas de discriminação".

E, sendo, a todos (Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais), assegurado o direito de propriedade, que atenderá a sua função social (art. 5o, incisos XXII e XXIII).

Para tanto, para que o direito de propriedade atenda a sua função social, "Compete à União desapropriar por interesse social`, para fins de reforma agrária..." (art. 184, caput).

Complementando: FUNÇÃO SOCIAL da propriedade, consoante o art. 186 da CF: "A função social é cumprida quando a propriedade rural atende...aos seguintes requisitos:

I-(omissis)...;

II- utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III- observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV- exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.

Eu recordo das palavras de Dom Ladislau Biernaski, sob o título "Luta pela terra, luta pela vida", publicadas em Opinião, Cascavel, domingo, 30 de maio de 1999 - Ano VIII - Nº 2.467.

Diziam suas palavras, que apontavam os dramas dos sem terra paranaenses, mas que designam breve retrato do que vem ocorrendo em nosso país:

 

"Segundo dados da CPT, foram mais de 200 trabalhadores presos desde 1994, seis torturados, 15 assassinados, 30 atentados, 41 ameaçados. Esta é a face mais terrível da miséria e da violência que estamos vivendo no Paraná nos últimos anos. Toda esta violência objetiva claramente o desmantelamento da organização dos trabalhadores (as) paranaenses, e a criação de um clima de hostilidade contra os movimentos populares e especialmente contra o MST. Não podemos aceitar esta estratégia. Queremos o fim da violência e dos conflitos e para isso, acreditamos que a única saída está na reforma agrária ampla e integral, que garanta a democratização da terra e as condições necessárias para que os camponeses nela vivam com dignidade, produzindo alimentos em abundância. Estamos chocados com os depoimentos de vários trabalhadores: crianças, jovens, idosos... tratados com violência, machucados, torturados física e psicologicamente, espancados, humilhados... A evidência da gravidade destes depoimentos é o sinal mais claro da urgência de uma solução para estes problemas. Não podemos aceitar que os poderes Executivo e Judiciário, que constitucionalmente devem ser instâncias de garantia dos direitos dos cidadãos, sejam parciais e, infelizmente, indiferentes à imensa dívida social da reforma agrária."

 

E agora, depois disso tudo, ainda cabe falar em revolução?

Sim, tudo o que tende à mudança, à alteração de um padrão é revolucionário.

Em relação aos seus avós, seus netos quebram tabus, desrespeitam os costumes...Em relação aos pais, os filhos são uns perdidos, as "ovelhas negras". Apenas uso estes exemplos analogicamente.

E, os sem-terra, agora chamados de revolucionários, unicamente porque, requerendo o respeito aos fundamentos políticos constitucionais, pretendem ver a concretização dos trâmites da Reforma Agrária, prevista na Constituição Federal da República de 1988.

Sem dúvida que a pretensão é a revolução: pretende-se a efetivação do programa de Reforma Agrária proposto na CF/88; sim, quer-se a eficácia dos dispositivos constitucionais na vida real, e deseja-se a eficiência de toda a decisão que for tomada participativamente, como comanda a democracia.

A revolução (?) é ver respeitada nossa Constituição da República Federativa do Brasil.

 

Cristiane Rozicki

Florianópolis, em 05 de setembro de 1999.

 

** Cristiane Rozicki é

-Bacharel em Ciências Jurídicas desde dezembro de 1990, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com habilitação em Direito Civil;

-Prêmio "Nereu Ramos", em dezembro de 1990, instituído pela Federação das Indústrias de Santa Catarina (FIESC), por melhor aproveitamento em Direito Constitucional no curso de graduação em Direito;

-Pós-graduada pelo Curso de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (CPGD/UFSC) como Mestre em Direito em Instituições Jurídicas e Políticas, tendo defendido a dissertação, "Do conteúdo da liberdade sindical consoante o direito internacional do trabalho ao estudo do exemplo espanhol e análise do caso brasileiro", no dia 14 de abril de 1997, julgada adequada, por todos os membros da Banca Examinadora, para a obtenção do título de Mestre em Direito e aprovada com Mérito em sua forma final pelo Curso de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina;

-Doutoranda, em Teoria do Estado, no Curso de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (CPGD/UFSC);

-Desde março de 1998, pesquisadora do CNPq;

-Concluiu, em junho de 1998, seminário do Prof. Dr. Luís Alberto Warat, "Mediação", oferecido na Universidade Federal de Santa Catarina;

-Concluiu o seminário "Acesso à Justiça", do Prof. Dr. Moacyr Motta da Silva, oferecido em estudos programados, no período de agosto de 1998 a março de 1999, no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina;

-Concluiu, em março de 1999, seminário "Validez y Vigencia: La aportación garantista a la teoria del derecho", do Prof. Dr. José Luis Serrano, de Granada, oferecido no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina;

-Tem trabalhos publicados em revistas jurídicas especializadas, jornal e sites jurídicos na www, além de "Aspectos da Liberdade Sindical", 208 p., editora LTr, lançado em dezembro de 1998;

-Conferencista, no dia 20 de maio de 1999, no VI Congresso Internacional de Educação, no Anhembi, em SP.

 

 

 

 

Retirado de: http://www.apriori.com.br