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Objeto do litígio da arbitragem
Leon
Frejda Szklarowsky*
O objeto do litígio está
plenamente delimitado na Lei 9307, de 1996, ou seja, somente podem ser objeto
da arbitragem conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. O artigo
1º é claro e não dá margem a qualquer dúvida.
Em
face dessa lei, fica excluída qualquer matéria que não seja pertinente à
restrição imposta. O artigo 25 esclarece que, se no curso da arbitragem
verificar o juiz arbitral ou tribunal arbitral que a matéria se refere a
direitos indisponíveis, deverá remeter as partes ao Poder Judiciário,
suspendendo-se imediatamente o procedimento arbitral.
O
artigo 39 impede a homologação de sentença arbitral estrangeira, se o Pretório
Excelso confirmar que o objeto do litígio não pode ser solucionado por
arbitragem, segundo o Direito nacional.
Direito
patrimonial é o conjunto de regras reguladoras das relações jurídicas que
se referem a bens suscetíveis de formar o patrimônio da pessoa. Patrimônio,
na linguagem jurídica, é o conjunto ou complexo das relações jurídicas
suscetível de apreciação econômica (Clóvis Beviláqua).
A
lei restringiu bastante o âmbito de sua abrangência, só permitindo a arbitragem
de conflitos relativos aos direitos patrimoniais disponíveis, isto é, aqueles
que possam ser objeto de transação, apropriação, comércio, alienação e outros
que tais. Excluídas estão, a rigor, as questões de família ou de estado
(capacidade, filiação, pátrio poder, casamento etc.).
John
W. Cooley e Steven Lubet ensinam que a arbitragem tradicionalmente tem sido
voluntária; no entanto, a tendência é adotar-se também a arbitragem e a
mediação obrigatórias, em virtude da morosidade da Justiça comum, do acúmulo de
processos, dos gastos excessivos com a demanda e, seguramente, da demora em
obter a resposta adequada. (01)
No
Brasil, esta orientação também se está firmando, de forma positiva, conquanto
ainda a passos de tartaruga!
O
direito brasileiro vem ampliando, com muita pertinência, a abrangência da
arbitragem, de sorte que os entes públicos também poderão utilizar-se do juízo
arbitral para solução de litígios decorrentes de contratos entre elas e outras
pessoas ou entidades.
A
lei matriz de regência da arbitragem deve, pois, ser lida e interpretada, em
consonância com o sistema jurídico e não isoladamente (02).
A
Lei 8987/95, que regula o regime de concessão e permissão de serviços públicos
previstos no artigo 175 da CF, estabelece como cláusula essencial, portanto,
obrigatória, necessária, a que diz respeito ao foro e ao modo amigável de
solução das divergências contratuais (artigo 23, XV), aplicando-se a
esses contratos administrativos também a Lei 8666/93 (artigo 2º).
A
Lei 9472, de 16 de julho de 1997, dispõe sobre a organização dos serviços de
telecomunicações, cria a ANATEL, sob regime autárquico, no artigo 93, e trata
do contrato de concessão, do foro e do modo amigável para a solução
extrajudicial dos conflitos contratuais.
A
Lei 9478, de 6 de agosto de 1997, dispõe sobre a política energética e cria a
Agência Nacional do Petróleo, sob regime autárquico especial, e, ao tratar do
contrato de concessão, especifica que, entre as cláusulas essenciais, há que
conter a regra sobre a solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e
sua execução, inclusive a conciliação e a arbitragem internacional.
A
Lei 10233, de 5 de junho de 2001, que dispõe sobre os transportes aquaviário e
terrestre, cria a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência
Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de
Infra-estrutura de Transportes, também prevendo, como cláusula essencial do
contrato de concessão, a solução de controvérsias relacionadas com o contrato e
sua execução inclusive a conciliação e arbitragem.
A
Lei 10343, de 24 de abril de 2002, adotando a Medida Provisória 29, de 2002,
cria o Mercado Atacadista de Energia Elétrica, como pessoa jurídica de direito
privado, e manda aplicar a arbitragem, para a solução de divergências.
O
Decreto 2521, de 20 de março de 1998, que dispõe sobre a exploração, mediante
permissão e autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e
internacional de passageiros, ao tratar do contrato de adesão (gênero do
contrato administrativo, in casu), impõe como cláusula essencial a que
diz respeito ao modo amigável para solução de divergências contratuais (artigos
19 e 20).
Os
contratos internacionais, regidos pela Lei 1518, de 1951, e pelo Decreto-lei
1312, de 1974, deverão conter cláusula arbitral, para a solução de conflitos.
(03)
É
de José Carlos Magalhães a opinião abalizada de que os citados diplomas legais
autorizam o Tesouro Nacional a inserir, nos contratos internacionais, a
cláusula arbitral, reconhecendo a plena capacidade do Estado de submeter-se à
arbitragem, no âmbito interno e internacional. (04)
Carlos
Pinto Coelho Motta, citando Almiro Couto e Silva, opina que a Administração não
fica inibida de utilizar a arbitragem e prossegue ensinando que a arbitragem
vem sendo utilizada também no âmbito das licitações e dos contratos. (05)
Muito
feliz é o pronunciamento da Ministra Nancy Andrighi, no Mandado de Segurança
1998002003066-9, j. em 18-5-99, ao lecionar que: "pelo artigo 54 da Lei
8666/1993, os contratos administrativos regem-se pelas cláusulas e preceitos de
direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios do direito
privado, o que vem reforçar a possibilidade de adoção do juízo arbitral para
dirimir questões contratuais".
No
âmbito do Estado do Rio de Janeiro e do Estado de São Paulo, as leis que regem
as concessões – Lei 1481, de 21 de junho de 1989, e 7835, de 8 de maio de 1982,
respectivamente, contêm expressa determinação para que os conflitos se resolvam
pela arbitragem.
O
Projeto de Lei do Executivo - PL 2546/2003, na Câmara dos Deputados, e 10/2004,
no Senado Federal, dispõe sobre a instituição de normas gerais para licitação e
contratação de parceria público-privada no âmbito da Administração Pública. O
projeto originário previa, entre as cláusulas necessárias, a submissão dos
contratantes à arbitragem, para solução de dissidências decorrentes da execução
do contrato, acompanhando a evolução positiva da doutrina e do Direito pátrio e
alienígena. O Senado, porém, injustificadamente, apenas facultou o uso da
arbitragem, o que representa um retrocesso em relação ao texto substituído.
Sem
embargo de algumas opiniões em contrário, a doutrina já se vem pacificando,
neste sentido, consoante demonstra, ex abundantia, Carlos Pinto Coelho
Motta, em sua mais recente obra, Aplicação do Código Civil às licitações e
contratos (06), citando Gordillo, Selma Ferreira Lemes, Ada
Grinover, Dallari, Moreira Neto, Menezello, Tibúrcio, Tácito, Wald, Almiro
Couto e Silva, Diogo Figueiredo Moreira. (07)
A
Lei de Sociedade por Ações - Lei 6404, de 15 de dezembro de 1976, com a
alteração introduzida pela Lei nº 10303, de 31 de outubro de 2001(artigo 109, §
3º), permite a utilização da arbitragem, para a solução dos conflitos, entre os
acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas
minoritários, desde que haja previsão nos estatutos.
A
Lei 9099/95 – Juizados Especiais Cíveis e Criminais – permite a submissão ao
Juízo Arbitral. A Seção VIII trata da Conciliação e do Juízo Arbitral. Cabe ao
juiz togado ou leigo encaminhar as partes para a conciliação, demonstrando-lhes
que o litígio não constitui a melhor opção, mercê das vantagens que lhes advém
da conciliação.
Portanto,
matéria submetida a esses Juizados poderá ser objeto de arbitragem, seguindo o
procedimento traçado pelo citado diploma legal. A União Européia acolhe com
entusiasmo a solução de conflitos, por meio da arbitragem, notadamente no que
diz respeito às relações de consumo.
A
Lei espanhola (08) permite que as pessoas naturais ou jurídicas
submetam, a um ou a vários árbitros, os litígios oriundos de direitos de que
possam dispor.
A
arbitragem constitui, na expressão dos comentadores da citada lei (09),
o equivalente jurisdicional, em que as partes podem atingir os mesmos objetivos
que conseguiriam com a jurisdição estatal, ou seja, a decisão que ponha fim ao
conflito com efeito de coisa julgada. Os árbitros julgarão, segundo o direito
ou a eqüidade.
A
Constituição portuguesa, atualizada, de acordo com a Lei Constitucional 1/97,
de 20 de setembro, autoriza a instituição de tribunais arbitrais, cometendo à
lei a disciplina sobre os casos e as formas em que estes tribunais se podem
constituir. A arbitragem voluntária é regida pela Lei 31, de 29 de agosto de
1986, e a institucional pelo Decreto-lei 425, de 27 de dezembro de 1986,
(10) e admite a arbitragem, também, nos litígios de consumo, segundo
lição do Professor Mário Frota.
O
Projeto de Emenda Constitucional 96/92, relatado pela Deputada Zulaiê Cobra, na
Câmara dos Deputados, atualmente no Senado Federal, à semelhança do Direito
Português, se aprovado o projeto na forma proposta, constitucionaliza a
arbitragem, concedendo-lhe majestade constitucional (11). Contudo,
inadvertidamente, dá um golpe de morte, na arbitragem, entre entes de direito
público e outras entidades privadas ou públicas, e até mesmo em relação às
concessões e permissões da Administração direta, ao excetuar do juízo arbitral
as entidades públicas.
Com
isso, produz um retrocesso tão grave, que deve ser corrigido, sob pena de
afastar da cena um instrumental que teve a adesão da jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal e da Suprema Corte de Contas, desde que lei autorizasse.
(12)
PARTE
PRÁTICA
Na
hipótese de sobrevir, no curso da arbitragem conflito acerca de direitos
indisponíveis e, verificando o árbitro ou o tribunal arbitral que, de sua
existência ou não, dependerá o julgamento, deverá remeter, desde logo, as
partes para o órgão competente do Poder Judiciário e suspenderá o procedimento
arbitral.
O
árbitro ou o Tribunal apreciará a questão e motivará o despacho. Aguardará o
pronunciamento judicial para prosseguir ou não no procedimento.
O
texto legal é bastante expressivo, ao determinar a suspensão e não a extinção
da arbitragem, dando a entender que o juízo final caberá ao Judiciário, para
decidir se se trata de direitos indisponíveis.
Não
obstante, este dispositivo deve se interpretado, em consonância com o sistema
legal vigente, que admite expressamente a solução de conflitos, via arbitragem,
ainda que uma das partes seja entidade de direito público e se trate de
contrato de direito público regulado, por exemplo, pela Lei 8987/95, Este
diploma legal disciplina o regime de concessão e permissão de serviços
públicos.
Questões
práticas:
1.Qual
o foro competente para apreciar a questão acima?
2.Redigir
o despacho do juiz arbitral remetendo as partes para a autoridade judicial
competente e suspendendo o procedimento arbitral, na hipótese do artigo 25 da
Lei de Arbitragem.
3.Estudar
qual a postura do árbitro, no caso de o Judiciário decidir pela incompetência
do juízo arbitral, em face da matéria.
4.Desenvolver
e estudar a possibilidade ou não de matéria atinente a direitos indisponíveis
poder ser solucionada por meio de arbitragem.
Notas
1
Cf. Advocacia e Arbitragem, tradução de René Loncan, Editora UNB, Imprensa
Oficial, 2001. Nesta obra, o autor comenta a atuação e a importância do
advogado na mediação e na arbitragem. Consulte-se também Arbitragem – Primeiras
noções, in Prática Jurídica nº 27, de 30 de junho de 2004.
2
Sobre A Arbitragem e o Direito Tributário, consulte-se nosso artigo,publicado
na Revista Jurídica Consulex nº 177, de 31 de maio de 2004).
3
Luiz Alberto Americano sustenta que os contratos celebrados pelo Brasil com
entes internacionais podem conter a cláusula permissiva de sujeição das partes
ao juízo arbitral, não vendo inconstitucionalidade nessa autorização (cf.. O
julgamento das questões oriundas dos contratos celebrados pelo Brasil com
entidades estrangeiras ou internacionais, in Revista de Direito Tributário
4/81-83). Sem embargo de ter escrito o trabalho, sob a égide da Constituição
passada, permanecem atuais e válidos os argumentos do ilustre procurador da
Fazenda Nacional.
4
Cf. O Estado na arbitragem privada, Revista de Direito Público, 71/168.
Consulte-se, também, Arbitragem e Administração Pública, de Júlia Raquel de
Quiroz Dinamarco, Revista do Advogado, AASP, nº 51, outubro de 1997.
Consulte-se ainda Arbitragem no Mundo Moderno, de Frederick Woodbridge,
Apostila do Segundo Curso de Arbitragem, promovida pela Câmara de Arbitragem da
Associação Comercial do Distrito Federal.
5
Cf. Perspectivas na implantação do sistema parcerias público-privadas, in
Boletim de Direito Administrativo, Editora NDJ, nº 2, fevereiro 2004.
6
Del Rey, Belo Horizonte, 2004, pp. 190 e segs.
7
Consulte-se, de Caio Tácito, A arbitragem nos litígios administrativos, in RDA
210/111.
8
Cf. Lei 36, de 1988.
9
Cf. Legislación arbitral (interna e internacional), 1ª edição, por José Garberí
Llobregat, Ángel Sánchez Legido e Javier Vacina Cifuentes, Editorial COLEX,
1998, Madrid, Espanha. Esta obra contém a legislação interna, os tratados
internacionais e toda matéria referente à arbitragem, tais como: instituições
nacionais de arbitragem comercial, no âmbito interno e internacional.
10
Sobre a arbitragem no direito comparado, consulte-se a obra citada do
magistrado Vítor Barboza Lenza e, no direito espanhol, Legislación Arbitral,
edición a cargo de José G. Llobregat, Editorial Colex, 1998, Madrid.
11
Cf. artigo 10 da Proposta aprovada pela Câmara dos Deputados. Cf. § 4° ao artigo
98 da Constituição.
12
Cf. nossos artigos A Arbitragem e sua evolução, in REVISTA JURÍDICA CONSULEX
174, de 15-4-2004; A Reforma do Judiciário e as Cortes Arbitrais, in Revista
Prática Jurídica 23, Editora Consulex, de 29 de fevereiro de 2004.
*
Advogado e consultor jurídico em
Brasília (DF), subprocurador-geral da Fazenda Nacional aposentado, editor da
Revista Jurídica "Consulex".
Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6840
>. Acesso em: 01/11/06.