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Paulo de
Bessa Antunes
Advogado
Dannemann Siemsen Meio Ambiente Consultores
A cultura jurídica brasileira tem entendido que o meio ambiente integra um
dos chamados interesses difusos e que, em tal condição, está
catalogado entre os direitos indisponíveis, visto que não pode ser
objeto de negociação entre partes, sejam elas públicas ou privadas. Ora, dentro
de tal concepção e em razão de sua natureza indisponível não se poderia, em
tese, dele tratar sob o ponto de vista da arbitragem, visto que esta última
está direcionada essencialmente para matérias de direito privado e, portanto,
disponível.
A partir do
raciocínio que acabo de expor, é indiscutível que um dos aspectos mais
relevantes do moderno direito - a proteção ambiental - ficaria inteiramente
alheio ao universo da arbitragem. Entretanto, a experiência prática demonstra
que o mundo teórico e ideal da indisponibilidade dos interesses difusos não se
materializa e, efetivamente, inúmeras questões nas quais a proteção do meio
ambiente é o elemento central têm sido resolvidas entre partes privadas. A bem
da verdade, sou da opinião de que a "indisponibilidade" traz em seu
bojo a idéia de que qualquer negociação que envolva interesses difusos seria,
em princípio, gravosa para o meio ambiente. Paralelamente a tal
concepção acredita-se que a simples propositura de uma ação perante o Poder
Judiciário é suficiente para que, mecanicamente, ela seja julgada procedente.
Entretanto, não é assim que as coisas se passam e, não com pouca freqüência, a
"indisponibilidade" serve como um obstáculo concreto para que
soluções sejam encontradas e as ações judiciais ambientais se eternizarem sem
que uma definição seja encontrada.
As cláusulas
ambientais estão cada vez mais presentes nos diferentes contratos celebrados
entre empresas. A compra e venda de ativos, a incorporação, a fusão e todo e
qualquer tipo de operação financeira, contábil ou comercial entre empresas que,
por um motivo ou por outro, sejam capazes de gerar impactos no meio ambiente,
são operações que não se realizam sem a prévia existência das chamadas Due
Dilligences ambientais; isto é, sem que um levantamento prévio dos
passivos seja efetuado por uma empresa isenta e da confiança dos contratantes.
Em função daquilo que constar do relatório, o impacto dos passivos ambientais,
o valor da transação comercial poderá ser maior ou menor. A Due Dilligence
serve, também, para demonstrar o nível de conhecimento que as partes têm sobre
as condições ambientais dos ativos envolvidos na operação comercial.
Entretanto, várias questões posteriores à Due Dilligence podem se
apresentar, gerando divergências entre os contratantes. Um primeiro tipo de
questão é o que se refere a passivos que não tenham sido identificados pela Due
Dilligence. Já um segundo tipo de questão é aquele que tem origem na
chamada incerteza regulatória, ou seja, no aparecimento súbito e inesperado de
normas que venham a impor responsabilidades sobre passivos e que não tinham
previsão durante o período de celebração do contrato entre as partes.
Muito embora o
Brasil seja signatário de diferentes tratados e convenções internacionais que
dispõem sobre a arbitragem em matéria ambiental, em termos de direito interno
tem havido uma fortíssima resistência à adoção da arbitragem como forma célere
e segura para a solução de disputas ambientais que, quando levadas ao Poder
Judiciário, tendem a se eternizar em função de uma série de questões bastante
complexas. Ocorre que, modernamente, a arbitragem tem passado por uma
revalorização em conseqüência de uma série de novas situações, das quais
algumas podem ser alinhadas: (i) excesso de demandas perante as cortes de
justiça; (ii) especialização crescente dos temas e maior dificuldade para que
os juízes tenham conhecimento sobre os aspectos peculiares do direito
aplicável; (iii) grande internacionalização dos contratos, gerando dificuldades
para a identificação do foro competente e da lei aplicável.
A Lei de
Arbitragem (Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996) foi declarada
constitucional pelo Supremo Tribunal Federal em decisão proferida aos 12 de
dezembro de 2001. Conforme se sabe, o seu artigo 1º dispõe que: "as
pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir
litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis". A interpretação
de tal artigo tem levado muitos juristas a considerarem que a arbitragem não é
aplicável a questões referentes ao meio ambiente.
No mundo real, a
indisponibilidade de direitos difusos tem levado à criação do conceito de
obrigatoriedade da ação civil pública (ACP), mediante o qual a ACP ambiental
deve ser sempre proposta, a menos que um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)
que antecipe os resultados de uma provável procedência seja firmado entre as
partes. Como se sabe, nas ACPs ambientais, o ponto crucial é a concessão, ou
não, de uma medida liminar ou de uma tutela antecipada, dependendo daí o êxito
da demanda. O fato objetivo é que a "indisponibilidade" funda-se no
ingênuo pressuposto de que tais direitos são mais bem protegidos se não forem
"disponíveis". Na prática, tal doutrina leva ao perecimento dos
direitos difusos (indisponíveis), pois justiça ambiental que não se faça
célere, injustiça é.
É importante
observar que a existência de "direitos indisponíveis" em matéria
ambiental é um elemento com validade apenas para a ordem jurídica interna, pois
no plano internacional, o Brasil aceita tranqüilamente a existência de
arbitragens - e outros meios pacíficos - para as diferentes questões
ambientais.
Um novo
horizonte, no entanto, se vislumbra. A Emenda Constitucional nº 45, de 2004,
que deu nova redação ao artigo 5º da Lei Fundamental da República, acrescentou
o § 3º que determina que os tratados e convenções "internacionais sobre
direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão
equivalentes às emendas constitucionais". Tal parágrafo veio
constitucionalizar a internacionalização dos direitos humanos, dentre os quais
se inclui o de desfrutar de um meio ambiente saudável. Muito antes desta
disposição constitucional, há que se anotar que o artigo 98 do Código
Tributário Nacional já dispunha que: "Os tratados e as convenções
internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão
observados pela que lhes sobrevenha". Não é ocioso relembrar que, assim como
direito tributário, o direito ambiental se fundamenta em diversos compromissos
internacionais firmados pelos países e que, portanto, a analogia é
perfeitamente válida. Ademais, a legislação ambiental é específica e como tal
deve ser interpretada em relação à LA, guardando-se as determinações do § 2º do
artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, cujo teor é o
seguinte: "A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a
par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior". Desta forma,
não se pode pretender a aplicação do artigo 1º da Lei de Arbitragem (direitos
patrimoniais indisponíveis), vez que os Tratados e Convenções Ambientais,
expressamente, admitem a arbitragem. É curial que não se pode ter um direito
simultaneamente disponível (ordem internacional) e indisponível (ordem
interna). Vejamos, rapidamente, alguns tratados e convenções internacionais
firmados pelo Brasil que admitem a arbitragem: (a) Convenção de Viena para a
proteção da Camada de Ozônio, artigo XI, 3, a; (b) Convenção sobre Mudança de
Clima, Artigo 14, 2, b; (c) Convenção sobre Diversidade Biológica, Artigo 27,
a; (d) Convenção de Basiléia sobre o controle de movimentos transfronteiriços
de resíduos perigosos e seu depósito, artigo 20, 3, b. Quanto aos demais artigos
da LA, entendo-os perfeitamente aplicáveis às demandas ambientais.
As normas acima,
integradas ao Direito Brasileiro, admitem a conciliação e a arbitragem em
matéria ambiental. Mas esta não é apenas uma questão teórica. Na prática, os
TACs ou Termos de Compromisso (TC) têm sido celebrados entre órgãos ambientais,
empreendedores e o próprio Ministério Público, assim como em transações
judiciais. Trata-se de um direito costumeiro cuja importância na proteção
ambiental é cada vez maior. De fato, há uma tendência crescente nos órgãos
ambientais e no próprio Ministério Público em evitarem soluções judiciais para
os problemas ambientais, dando-se preferência aos entendimentos
extra-judiciais.
Ocorre que os
TACs, tal como vêm sendo elaborados, são produzidos por partes
"desiguais", pois os órgãos ambientais e o próprio Parquet entendem o
TAC como uma antecipação daquilo que, em tese, poderiam auferir mediante uma
sentença judicial. Pressionam as terceiras partes a aceitarem condições
unilaterais, sob pena de "ajuizamento do feito". Diga-se, a bem da
verdade, que tal prática não é unânime, embora seja muito difundida. A adoção
de mecanismos de arbitragem seria extremamente vantajosa, pois o árbitro
poderia decidir o litígio em termos imparciais e eqüidistantes, assegurado o
contraditório de argumentos, a ampla defesa, a produção de provas e chegando-se
a uma solução aceita pelas partes.
O
árbitro, ou os árbitros, podem ser escolhidos pelas partes, dentre pessoas que
conheçam os aspectos técnicos, legais e sociais das questões a serem submetidas
à arbitragem; o que substitui - com vantagem - o processo judicial, pois o
magistrado deverá se socorrer de peritos para a causa e dificilmente terá
condições de decidir "contra" a perícia. É importante ressaltar que o
árbitro está submetido a comandos legais e é um "juiz de fato e de
direito", não se limitando a decidir por eqüidade. O mais importante, no
entanto, é que as partes estipulam o prazo no qual o árbitro deve proferir a
sentença arbitral. A sentença arbitral se faz dentro dos princípios do estado
de direito e, portanto, não significa renúncia de nenhuma das partes aos seus
"direitos", mas a submissão da avaliação da sua extensão e existência
a uma pessoa ou grupo de pessoas capacitadas a entendê-los. A diferença, em
relação à apreciação judicial, é que eles são decididos por um particular, de
livre escolha, que é investido de poderes legais específicos e que tem
conhecimento do tema sob análise.
A
proteção do meio ambiente, como regra geral, é considerada matéria de ordem
pública e, portanto, não submetida à arbitrabilidade (1), isto é, à possibilidade de ser
passível de submissão à arbitragem. Entretanto, a questão não é tão simples,
como poderia parecer à primeira vista. Com efeito, um dano ambiental é
necessariamente um fato da vida complexo e que se compõe de diversos
"subdanos". Explico-me melhor. O dano ambiental existe como uma
categoria geral que busca englobar uma macro-situação negativa ao meio ambiente.
Esta, entretanto, ao sofrer danos, não pode ser reparada globalmente, pois é
composta de realidades submetidas às regras do direito privado e às regras do
direito público. A característica ambiental do dano - isto é, diferenciadora
com relação ao dano civil - reside na interpenetração dos aspectos públicos e
privados de tal forma que identificar cada um de per si se torna extremamente
difícil e muitas vezes impossível. A doutrina jurídica, especialmente aquela
voltada para o Direito Ambiental, tem tido muita dificuldade em perceber que a
solução do enigma está em retornar à clássica divisão do direito em público e
privado e, a partir dela, desconstruir o dano ambiental em tantos
danos singulares quantos se façam necessários. A recomposição do dano
ambiental será, portanto, uma decorrência da recomposição dos diferentes danos
que o componham.
Dano
ambiental não se confunde com o mero dano ecológico, no sentido em que o dano
ambiental não é, simplesmente, o resultado de uma agressão injusta ao bem
ecológico (flora, fauna, recursos hídricos, recursos minerais), mas é a
conseqüência de uma agressão aos bens ambientais que, como se sabe, são
constituídos pelo conjunto de bens ecológicos acrescidos com o conjunto de bens
pessoais, econômicos, materiais e morais que dependem de um determinado
ecossistema para subsistirem. Resulta inquestionável, em meu ponto de vista,
que o macrobem meio ambiente é constituído por microbens que
tanto podem integrar o rol de direitos disponíveis ou indisponíveis. Pensemos
nos danos (i) à propriedade privada decorrentes de poluição atmosférica
(paredes e janelas enegrecidas de uma habitação), ou da (ii) falta de água pura
(diminuição da produção de uma empresa). Tais hipóteses configuram, sem a menor
sombra de dúvida, atentados a direitos patrimoniais disponíveis e, portanto,
compreendidos no conceito de arbitrabilidade. Por outro lado, a mesma poluição
atmosférica que gerou o enegrecimento de paredes pode ter (iii) gerado doenças
pulmonares em menores de idade, repercutindo na esfera de direitos
indisponíveis e, desta forma, não suscetíveis de apreciação por corte arbitral.
É evidente que, nas situações acima aventadas, a arbitragem é aplicável nas
situações (i) e (ii), não sendo válida para a situação (iii).
As
hipóteses acima narradas se enquadram muito adequadamente no comentário de Lee
(2): "Se partirmos do
princípio de que todas as relações litigiosas de caráter pecuniário são
disponíveis, as matérias extrapatrimoniais são, ao contrário, consideradas
indisponíveis e, conseqüentemente, inarbitráveis. Ora, as questões de estado e
de capacidade das pessoas, de direito de família e das sucessões não são de
natureza a ser resolvida pela via arbitral. Entretanto, se o problema é a determinação
do quantum, isto é, a fixação do valor de uma pensão alimentar, por exemplo, o
litígio deveria ser arbitrável". Veja-se que nas hipóteses que
apresentamos em (i) e (ii) os danos patrimoniais são inteiramente disponíveis
e, portanto, plenamente submetidos à arbitragem, ainda que, no caso concreto, sejam
danos ambientais derivados ou de segunda linha.
1.
Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996" Art.1º - As pessoas capazes de
contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos
patrimoniais disponíveis".
2.
VER: LEE, João Bosco. O conceito de arbitrabilidade nos países do mercosul, in,
SP:RT, Revista de Direito Bancário, do Mercado de Capitais e da Arbitragem, nº
8, pg. 354.
Disponível em : <http://www.dannemann.com.br/site.cfm?app=show&dsp=pba35&pos=5.15&lng=pt>
Acesso: 20/07/06