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O Futuro do Estado: a necessidade da Construção de um Conhecimento Transdisciplinar que Promova a Religação de Saberes e a Junção da Teoria e Prática, do Local e do Global na Construção de uma Nova Economia

 

 

José Luiz Quadros de Magalhães*

 

 

O Direito Constitucional contemporâneo passou a incorporar a idéia de democracia como essencial a qualquer ordem constitucional. Entretanto a democracia vem sofrendo ataques, colonizações e adaptações, transformada em uma marca ao ser seqüestrada pelo capitalismo e mais recentemente pelo projeto neoconservador. O grande desafio é resgatar este conceito do cativeiro e deixar que seja novamente, livremente construído e reconstruído nos espaços dialógicos nas diversas sociedades contemporâneas. Para mim este conceito deve estar conectado à idéia de justiça social e econômica, sem o que a democracia efetiva não é possível.

Podemos assim dizer que ao libertar o conceito de democracia iremos perceber que democracia não é um lugar onde se chega, a democracia é sempre um caminho. È ainda necessário construir um novo papel a ser desempenhado pela Constituição, pelo Direito, não como ordem reacionária, conservadora, que reage às mudanças fora dos limites constitucionais, mas como mecanismo transformador, que atua no sentido de colocar toda a estrutura do Estado a serviço das transformações democraticamente construídas pela sociedade, entendendo-se não só a democracia como processo, mas a Constituição como asseguradora destes processos de transformação. Nesta nova construção, nesta ruptura com o conservadorismo, uma ciência psi não conformista mas revolucionaria passa a ser uma necessidade. O Direito estabelece muros que a psiquiatria do século dezenove ajudou a construir. A mensagem é: adapte-se, conforme-se, enquadre-se. Para os que não se enquadram a normalidade e a legalidade o manicômio ou presídio. Para os pecadores o inferno. O século XXI reedita a farsa do século XIX. Mais presídios, mais direito penal e para os que não se conformam ansiolíticos e antidepressivos em massa. São milhões de consumidores só no Brasil. A mensagem é: conforme-se, adapte-se, o problema é com você e não com a sociedade, não com o sistema econômico, não com os valores preponderantes da sociedade de consumo, não com o materialismo e o egoísmo privado. Na academia brasileira, no espaço da educação superior, mencionar nomes como Marx e Lênin é impensável. Diversos adjetivos surgem na boca de doutores: arcaico; ultrapassado; antigo; ideológico como se a ideologia não mais existisse. Importante resgatar Slavoj Zizeck: quando as opções são muito claras ou deixam de existir vivemos a ideologia em estado puro. Estes são os novos teóricos do totalitarismo. O novo nome do totalitarismo é deturpação da democracia na sua forma mais avançada: a democracia dialógica desde que não se mencione as idéias proibidas, os nomes proibidos e desde que se negue a ideologia.

A paixão pelo real (como diria Alain Badiou) foi substituída pela adoração do discurso permitido, politicamente correto e longe das ideologias, como se isto fosse possível. Aos que insistem em discutir livremente procurando mexer com o imobilismo complexo da ausência de ideologia resta um monte de adjetivos. Resta a propaganda sistemática pela desqualificação do discurso. A paixão pelo irreal venceu a paixão pelo real. É preferível ser miserável, excluído e humilhado mas poder sonhar com um Mercedes Benz, do que ser cidadão em uma sociedade sem sonho, sem a matrix.(1) Daí o titulo do livro de Salvoj Zizeck: bem vindo ao deserto do real. Muitos vivem a seguinte idéia: é melhor ser mendigo na Califórnia que cidadão em Havana. Porque? Qual a razão de se preferir a projeção de um futuro pouco provável do que um presente possível? Inspirado em uma palestra de Frei Beto em Brasília, podemos dizer que o socialismo socializou os bens materiais e os direitos sociais e econômicos mas privatizou o sonho, o desejo; o capitalismo concentrou riquezas, privatizou os bens materiais e até mesmo imateriais, mas socializou o desejo, a crença na possibilidade de realização de sonhos, mesmo que totalmente improváveis, impossíveis ou meramente sonhos de consumo, poder e dinheiro.

E a democracia representativa? Uma vez que o diálogo da democracia dialógica é dirigido, e idéias muito antigas são apresentadas como novas e as idéias posteriores são apresentadas como muito antigas, o que dizer da democracia representativa? Em uma democracia representativa baseada em partidos políticos ideológicos, com programas definidos e coerência, o que implica em fidelidade partidária, devemos buscar construir uma cultura política onde o eleitor vote não em nomes, mas, em propostas. Em uma democracia representativa devemos buscar construir uma cultura política onde o eleitor vote em um grupo de pessoas integrantes dos partidos políticos capazes de aprovar estas propostas, transformá-las em leis (se no parlamento) e de implementá-las (se no executivo).

Assim, coerentes com as propostas e o programa de seu partido, os seus membros filiados ocupando cargos ou funções no executivo e no legislativo, terão suas atuações pautadas pela fidelidade às propostas e às diretrizes político-ideológicas de seu partido político.

Sabemos, entretanto, da dificuldade contemporânea de se implementar políticas, principalmente na área econômica, que sejam dissonantes da vontade e dos interesses das grandes corporações capitalistas. O grande capital conservador, especialmente no setor financeiro tem hoje força superior a muitos estados nacionais e tem distorcido a vontade popular e comprometido a democracia representativa quando financia campanhas milionárias ou através da mídia privada distorce fatos, fabrica heróis e destrói pessoas..

Podemos dizer que a dificuldade maior para que o governo e os legisladores tenham coerência com suas propostas reside no leque político-ideológico de esquerda, uma vez que as políticas conservadoras do grande poder econômico são hoje capazes de construir de forma majoritária e eficaz o censo comum.

Existe hoje uma grande insatisfação com os governos que se mostram impotentes para modificar uma ordem econômica excludente o que tem levado a um desinteresse com a democracia representativa, com índices de abstenção cada vez maiores nas eleições. Este fenômeno pode ser relacionado a dois aspectos interessantes: a) as políticas de direita se vinculam aos interesses do capital conservador que tem levado à exclusão, desemprego, desigualdade e logo à insegurança, criminalidade crescente e violência. Interessante ser justamente a direita que baseia as suas campanhas eleitorais em construção de políticas de segurança. Ou seja: gera violência com políticas econômicas excludentes e promete mais direito penal e mais polícia para oferecer segurança. Hoje, como não há praticamente mais políticas de esquerda moderada ou centro-esquerda, pois esta abandonou a busca de modelos econômicos alternativos (o que sempre foi característica essencial da esquerda), parte da esquerda também assumiu o discurso policial repressor, ainda com algum pudor em algumas circunstancias; b) as políticas de centro-esquerda têm cada vez menor espaço para a construção de modelos alternativos, especialmente por que diante das políticas econômicas globais neo-conservadoras (chamadas de neoliberais) ditadas pelo grande capital corporativo, a centro-esquerda perde sua razão de ser, oferecendo no máximo algum tipo de assistencialismo com um discurso um pouco mais charmoso (por vezes), mas sem poder, ou sem querer, ou sem acreditar que pode, desafiar o grande poder econômico, modificando o modelo econômico, proposta histórica de todos os partidos de esquerda.

O pano de fundo ideológico que sustenta a hegemonia neo-conservadora na contemporaneidade começou a ser construído a partir da década de 1970. Parte da criação da ideologia do fim da história, inicialmente na área econômica e agora chegando ao constitucionalismo, onde o modelo econômico neo-conservador (chamado para efeito de marketing de neoliberal), é posto como o grande modelo vitorioso, o único modelo possível, discurso este que veio ser fortalecido com o fim da União Soviética e simbolicamente com a queda do muro de Berlim.

Portanto, a idéia que se constrói a partir da ascensão conservadora e o fim do socialismo real na Europa oriental, é o da vitória do liberalismo e o fim da história (o que é uma gigantesca bobagem). Esta estratégia discursiva é seguida de uma outra construção ideológica da direita conservadora: a idéia de que a economia é uma ciência que mostra respostas técnicas exatas aos problemas diários de produção, consumo, emprego, desenvolvimento, inflação, tecnologia e bem-estar, e, sendo este discurso técnico-científico, quase matemático, não podem, os políticos e os juristas, se insurgirem contra ele.

No momento que aceitamos a mentira de que a economia não pode ser subordinada ao Direito e seus imperativos de justiça social e econômica, e logo à política, que produz o Direito na instância parlamentar, desautorizamos a democracia, que agora nada pode diante dos (pseudo) imperativos econômicos. Desautorizamos o Direito (que não deve regulamentar a economia) e a política (feita por não técnicos).

Assistimos assim o comprometimento da democracia, quando governos eleitos se abstêm de modificar o modelo econômico, assistimos o comprometimento ou o suicídio da centro-esquerda, que ao chegar ao poder mantém os mesmos modelos econômicos conservadores excludentes. Ora se a esquerda não mais representa uma alternativa econômica no poder, não há mais esquerda, mas sim um grupo de homens que se dizem bons e bem intencionados, que infelizmente não podem fazer nada para mudar o perverso quadro que nos cerca, decorrente de um modelo econômico não menos perverso, mas complexo e poderoso.

Enfim assistimos ao comprometimento do Estado de Direito, quando os Juízes e Tribunais não aplicam a lei e a Constituição pois estas podem comprometer a estabilidade econômica, o investimento estrangeiro e o risco país.

Um dos fundamentos desta opção está no argumento de alguns defensores de uma ordem econômica conservadora, que exige estabilidade e previsibilidade nas decisões judiciais. Assistimos mais uma vez a perigosa submissão do Judiciário as imposições do modelo econômico adotado nos anos noventa no Brasil.

Ora, a grande conquista do século XX consistiu na construção do Estado de bem-estar social que surge como resposta à miséria e à crise gerada pelo liberalismo atacado pelo capital conservador. O Estado de bem-estar social, fundado na democracia representativa e na garantia de direitos sociais, individuais, políticos e econômicos, tinha (ou tem, pois embora em crise ainda existe, e em alguns casos até se fortalece) como principal característica a existência de uma Constituição que deve conter uma ordem econômica que se submete aos imperativos de justiça social e econômica. Logo, temos a economia (que é uma ciência social), se subordinando aos imperativos do Direito e da Política. Esta lógica do Estado Social decorre do pensamento de esquerda do século XIX e XX e que sustenta, com mudanças mais radicais, o pensamento socialista nos Estados Socialistas, no século XX, que buscam justamente um novo modelo econômico, capaz de eliminar as desigualdades socio-econômicas, levando justiça, emprego, saúde, educação e, portanto, bem-estar a todos.

Com a ascensão dos neo-conservadores ao poder (1980 com Reagan, Tatcher e Kohl como suas maiores expressões) afirma-se o discurso único econômico e transforma-se a economia, para o senso comum, em um ciência exata, por intermédio de maciça propaganda na grande mídia. Agora a economia é uma questão técnica e seus problemas devem ser resolvidos por técnicos e não por políticos ou juristas. Repetem em nossas cabeças que existe um modelo técnico infalível, que garante o sucesso, e todos devem adotá-lo. O falso discurso batido em nossas cabeças durante mais de vinte anos diariamente nos diz que "não devemos permitir que os políticos e os juristas atrapalhem a construção de um modelo econômico de sucesso, pois este modelo trará riquezas, desenvolvimento, com acesso a toda a parafernália tecnológica, com carros que falam e celulares que tiram fotos e passam filmes, nos fazendo felizes".

No momento que aceitamos a mentira de que a economia não pode ser subordinada ao Direito e seus imperativos de justiça social e econômica, e logo à política, que produz o Direito na instância parlamentar, desautorizamos a democracia, que agora nada pode diante dos (pseudo) imperativos econômicos. Desautorizamos o Direito (que não deve regulamentar a economia) e a política (feita por não técnicos). Desautorizamos o Poder Judiciário, que deve se submeter aos falsos imperativos econômicos.

Assistimos o comprometimento da democracia, quando governos eleitos se abstêm de modificar o modelo econômico, assistimos o comprometimento ou o suicídio da esquerda, que ao chegar ao poder mantém os mesmos modelos econômicos conservadores excludentes.

Esta séria situação pode ser retratada por dois episódios recentes ocorridos na Itália e na França. Na Itália, após a primeira experiência de dois anos de um governo neo-fascista de Berlusconi, os italianos escolheram uma aliança de centro-esquerda para governá-los. Esperavam mudanças, principalmente no modelo econômico excludente. Veio o governo Prodi que nada mudou substancialmente, seguido do governo Massimo Dalema, este com grande alarde da imprensa mundial, pois tratava-se de um ex-comunista no poder. Entretanto, novamente não ocorreram mudanças econômicas. O desencanto com a política fez com que o eleitorado de centro-esquerda em boa parte se abstivesse nas eleições seguintes, o que permitiu o retorno do projeto neo-fascista, autoritário, com Berlusconi. Na França um fenômeno semelhante. Depois de um governo de direita conservador, que começou a privatizar empresas, permitindo a concentração de riquezas e a eliminação de postos de trabalhos (Jupé e Chirac), os franceses escolhem uma maioria de esquerda para governá-los, maioria parlamentar esta que impõe ao Presidente conservador (Chirac) a escolha de um primeiro ministro socialista, com apoio do parlamento (Jospin). Com Jospin e os socialistas no poder, entretanto, não houve grandes mudanças, sendo que o modelo econômico de privatização pouco mudou. Mudou o ritmo, mudou o discurso (em parte, pois Jospin fez por vezes um discurso de direito penal e de polícia típico da direita), mas a política econômica substancialmente continuou a mesma. Findo quatro anos como primeiro ministro, Jospin se candidata a Presidente da República e sequer consegue ir para o segundo turno, perdendo para o fascista Le Pen e para Chirac, que se candidatou para a reeleição.(2) O que aconteceu foi que o eleitorado de centro-esquerda, mais politizado se recusou a votar, desencantado com a ausência de uma política de esquerda na área econômica, cedendo espaço para a direita, e como em todo o momento de crise, para os fascistas, que apelam para um discurso emocional fácil, fundado no carisma pessoal de um líder e em apelos racistas simplificadores como explicação dos problemas.

Este é o quadro de uma democracia representativa em crise em boa parte do mundo. Quadro este perigoso, pois, leva ao descrédito a política, e logo a democracia, e o Direito, e logo o Estado de Direito e tudo o que isto representa: a Constituição como limitadora do poder do estado e do poder econômico privado e a proteção dos Direitos Humanos como garantia de dignidade. O nó da questão consiste na transformação da economia em um espaço para técnicos, onde a política e o Direito não entram. É fundamental desconstruir esta ideologia para que visualizemos os problemas concretos: a) o antagonismo vertical entre capitalismo conservador versus a possibilidade de dignidade e inclusão; b) o antagonismo vertical entre fundamentalismo religioso cristão conservador(3) que sustenta ideologicamente o projeto econômico conservador versus a tolerância, a diversidade horizontal(4) e a democracia; c) finalmente visualizar com clareza a manipulação ideológica das massas pelo meios de comunicação em mãos do capital conservador ou a serviço deste.(5)

Slavoj Zizek, um dos importantes interlocutores sobre o debate do pensamento político da esquerda contemporânea, nos lembra que não devemos embarcar no convite da direita conservadora que nos diz que devemos simplesmente escolher um dos dois lados na guerra contra o terrorismo. Existem vários lados e o mundo é extremamente mais complexo do que o maniqueísmo simplificador do pensamento fundamentalista conservador. Segundo Zizek, "quando as escolhas são muito claras a ideologia se encontra em seu estado mais puro e as verdadeiras alternativas se tornam obscuras." A democracia liberal não é a alternativa ao fundamentalismo.

Não devemos abandonar a busca por uma sociedade justa e democrática e isto implica também na existência de um Poder Judiciário independente e fiel a defesa do Estado de Direito e da democracia, fiel, portanto, à constituição, inclusive nos seus mandamentos econômicos de repartição de riqueza e valorização das formas de ganho com trabalho.

Para nós no Brasil, que não vivemos um Estado Social efetivo, que fosse capaz de oferecer saúde, educação e previdência de qualidade para todos, o caminho para a inclusão e efetiva participação do nosso povo como cidadãos é o da fragmentação coordenada do poder, a descentralização radical de competências fortalecendo os estados e, principalmente, os municípios, assim como tornar permeável o poder, com a criação de canais de participação popular permanentes, como os conselhos municipais, o orçamento participativo e outros mecanismos de participação, assim como o incentivo permanente a organização da sociedade civil, e o fortalecimento dos meios alternativos de comunicação como as rádios, jornais e televisões comunitárias. Podemos, e assim lentamente vai acontecendo, construir uma democracia social e participativa a partir do poder local.

No Brasil, menos de um ano após a promulgação da Constituição democrática e social de 1988, assistimos o início do desmonte da nova ordem econômica e social prevista pela Constituição. Nesse mesmo momento, como suporte teórico do desmonte do estado social, cresceu a crítica simplificadora e reducionista, importada dos Estados Unidos e de alguns autores europeus, proveniente do novo pensamento neoliberal e neo conservador e ratificada por parte nova esquerda (como o novo trabalhismo de Tony Blair). Esta crítica ao estado social que vem dar suporte ao seu desmonte, aponta o caráter assistencialista como gerador de um exercito de clientes que se amparam no estado, não mais produzindo, não mais criando, enfim, o estado social de caráter autoritário por retirar espaços de escolha individual é gerador de não cidadãos, ao incentivar as pessoas a viverem às custas do estado. Esta crítica extremamente simplificadora e parcial, que toma uma parte de um problema pontualmente localizado no tempo e no espaço como sendo regra para explicar a crise do estado social, ganhou força inclusive à esquerda, o que muito contribuiu para a desconstrução do Estado-de-bem-estar-social em diversas partes do globo. Afirmam os arautos do velho travestido de novo, que o estado não deve sustentar os que não querem trabalhar pois esta postura do estado incentiva a expansão dos não cidadãos e sobrecarrega os que trabalham e o setor produtivo com uma alta carga tributária. O pobre deve trabalhar para ter acesso ao que necessita e como não há trabalho para todos, (nem mesmo o trabalho indesejável e mal pago destinado a estes excluídos) aumenta a população carcerária. O estado social assistencialista é substituído pelo estado penal da era neoliberal. O criticado cliente do assistencialismo da segurança social foi transformado em cliente do sistema penal da segurança policial.

Neste novo paradigma a pobreza não decorre das barreiras sociais e econômicas mas sim do comportamento do pobre. O Estado não deve atrair as pessoas a uma conduta desejável através de reconhecimento, mas, deve punir os que não agem como o desejado. O não trabalho passa a ser um ato político que exige o recurso à autoridade. O estado social passa a ser visto como permissivo pois não exigia uma obrigação de comportamento a seus beneficiários. A direita conservadora mais reacionária e a autoproclamada vanguarda da nova esquerda dão eco a vozes como a de Charles Murray que afirma que as uniões ilegítimas e as famílias monoparentais seriam a causa da pobreza e do crime, e por sua vez, o estado social com sua política permissiva incentivava estas práticas. Além disto, afirmam, a classe média produtiva se revoltava cada vez mais com a obrigação de pagar tributos para sustentar estas práticas.(6) Esta absurda tese sem nenhuma base científica defendia cortes radicais nos orçamentos sociais e a retomada por parte da polícia dos bairros antes operários, hoje ocupados pelos clientes preferenciais do sistema social que tem de deixar de existir.

O resultado destas políticas (tanto da direita conservadora como da autoproclamada nova esquerda) é conhecido nosso no século XXI: mais exclusão, mais concentração econômica, mais violência, mais controle social, mais desemprego, menos estado de bem estar e mais estado policial. O mais grave é o fato de que, ainda hoje, vozes que se dizem democráticas e à esquerda, continuam sustentando o mesmo discurso contra o estado social, defendendo uma sonhada e desejável democracia dialógica construída pela sociedade civil livre, sem perceber que os novos excluídos social e econômicos estão excluídos do diálogo democrático, passando a fazer parte da crescente massa de clientes do sistema penal em expansão.(7)

Importante notar que esta sociedade civil que hoje se organiza em nível local e global, e se comunica, organiza e age local e globalmente, em muitas manifestações resiste ao desmonte do estado de direito, das conquistas dos direitos sociais e busca uma nova ordem econômica onde não haja exclusão econômica.

Com menos vigor e contundência que os movimentos sociais, mas com importante papel no cenário de resgate de um paradigma social, o discurso e a prática de novos governos de centro esquerda na América Latina como na Venezuela e Uruguai, e de forma mais tímida no Chile e Argentina, demonstram uma retomada do papel do estado na economia e na questão social, abandonando gradualmente o modelo neoliberal.

No Brasil, o caminho para construção de uma democracia participativa e dialógica, de resistência ao desmonte do estado social e democrático de direito para pela questão local.

Como já mencionamos anteriormente, a crise da democracia representativa tem demonstrado como é possível a utilização de mecanismos, que foram criados para a democracia, a favor da perpetuação do poder.

As constantes reconstruções conceituais históricas da idéia de democracia e a manipulação da opinião pública através da propaganda e da criação de sentimentos comuns com o fortalecimento da emoção sobre a razão, não é um tema novo, e para aprofundar a questão é importante conhecer a obra de Carl Schimitt e a crítica que se tem construído sobre esta obra.

Citando Marcia Felicíssimo,(8) entre Hitler e Schimtt existem acordos significativos mas a teoria de Schimitt é mais ampla, pois se adequa a diversas situações de controle e de construção da inclusão e da exclusão, portanto teoria que pode se revestir de diferentes formas e estéticas, sendo clara a sua vivência até os dias de hoje. Nas palavras da pesquisadora: Para Schimitt este (a questão da superioridade da raça em Mein Kampf) é apenas um expediente, dentre muitos outros possíveis, a idéia de povo ou nação deve ser trabalhada, manipulada, pelo líder, tal como Hitler estava a fazer dentro da herança germânica específica que recebeu identificando o inimigo que possibilitaria a união de pessoas tão diversas e de interesses tão distintos quanto as que compunham a Alemanha de então, pra torná-la uma unidade, uma totalidade política, mediante a exclusão de alemães da própria condição de alemães. A teoria schimittiana não tem bases biológicas e nem o anti-semitismo é o seu centro, pelo contrário, para Schimitt é importante apenas que o líder seja hábil o bastante para manipular os ódios e idiossincrasias herdadas na construção do inimigo que poderá politizar as relações(9) e criar o ambiente totalitário da comunidade política orgânica, unitária do povo verdadeiramente alemão contra outros alemães considerados agora inimigos infiltrados.(10)

Em outro momento a autora ressalta que pode-se ver o influxo da teoria de Schimitt diretamente na concepção de Hitler na unidade do povo: Se para Hitler a unidade do povo se funda no sangue é apenas porque o inimigo eleito pela tradição requeria e tornava plausível essa escolha. Para Schimitt o elemento determinante é que o sentimento de pertinência seja trabalhado de forma ativa pelo líder valendo-se concretamente das herança recebida capaz de fornecer um sentimento de naturalidade e de enraizamento no passado da noção de povo, estratégia autoritariamente reconstruída. A Gemeinschaft, a comunidade orgânica surge na medida em que se criam politicamente as condições de plausibilidade para opor drasticamente o compartilhamento de valores,(11) o cultivo das tradições e a comunhão da forma de vida existencial da maior parcela da população às das minorias, pintando-as como inimigas. Esses são os elementos que para Schimitt podem e devem ser manipulados para promover a integração, podendo permitir a constituição do povo-nação pelo líder, núcleo da verdadeira democracia para aquele autor. Como Hitler, Schimitt duvida radicalmente da utilidade da discussão pacífica. Contra a discussão ele propõe a decisão.(12)

A crise da democracia representativa se agrava com a cada vez maior influência do poder econômico nas campanhas eleitorais e a resistência que assistimos vêm com a força dos fóruns populares dialógicos e democráticos, onde a partir de organizações que surgem em torno de questões locais, ganha-se a perspectiva da indissociabilidade dos níveis territoriais das soluções, ou seja, a construção de um novo ser humano, que perceba a precariedade do materialismo, do consumismo e do desenvolvimentismo capitalista frente as necessidades ambientais, ecológicas e espirituais

Hoje, em varias democracias representativas, vende-se um representante como se vende um sabão em pó. Quem fabricar melhor seu representante, tiver mais dinheiro para contratar uma boa empresa de "marketing" e conseguir muito tempo de mídia, conquista e mantém o poder. Nos Estados Unidos, um Senador democrata gastou 60 milhões de dolares para se eleger nas eleições de 2000. Nos EUA o salário de um Senador é de 150.000 dolares ano, para um mandato de seis anos. (informação disponível no site "cnnenespanol.com" em Dezembro de 2000). Quais interesses sustentam este Senador? Quem ele representa? O povo? Hoje se sabe que nos Estados Unidos da América, só tem chance de chegar ao poder quem tem atrás de si os milhões de dólares das mega corporações da industria armamentista, da industria de tabaco, da industria farmacêutica e outras.

Qual a alternativa para este mega poder global? Podemos dizer que a resistência ocorre hoje em dois flancos: a sociedade global e a sociedade local, duas faces de uma mesma moeda. O cidadão é hoje global e local. A sociedade de comunicação deve fincar suas bases em um território, núcleo de organização social e de criação de modelos econômicos e sociais alternativos capazes de gerar novos valores alternativos ao materialismo da sociedade de consumo e a lógica perversa da concorrência. O núcleo local é o principal na transformação de valores e de realização de justiça social e econômica. Simultaneamente, este núcleo local deve estar em comunicação permanente com outros núcleos (organizações sociais; ONG’s, municípios, comunidades de bairro, rádios, jornais e televisões comunitárias, etc) de todo o mundo. A inserção destes núcleos na comunicação global garante seu arejamento e evolução constante, afastando o perigo ultra-nacionalista, a exclusão étnica, racial, religiosa, cultural ou a mais sofisticada forma de exclusão ainda nascente mas não menos assustadora, a exclusão genética.

O contato com o diferente, com valores e fórmulas de busca da felicidade diferentes, ou seja, o pluralismo e a diversidade cultural nos permite evoluir e resistir a massificação das empresas globais, onde em qualquer parte do globo se come o mesmo sanduíche, a mesma pizza ou o mesmo frango frito.

A pergunta que se segue é a seguinte: como criar uma sociedade reflexiva no Brasil? Esta pergunta pode ganhar diversas formas diferentes com o mesmo sentido, mudando entretanto o referencial teórico: Como construir uma democracia dialógica? Como construir uma democracia radical? Enfim, qual caminho devemos seguir para efetivar no Brasil a democracia participativa efetiva?

A construção de uma democracia dialógica, radical, participativa no Brasil passa, por este motivo, por uma discussão territorial, e especialmente no nosso caso pela discussão do pacto federativo. Só no nível local conseguiremos incluir uma população que deseja e luta por justiça.

A sociedade pode e deve indicar o caminho a ser seguido. Todos os discursos podem ser iguais, mas poucos tem um projeto e uma prática de libertação política e de libertação da miséria. A pessoas, em sua maioria, podem ainda não saber a diferença teórica entre neoliberalismo e socialismo, mas sabe a diferença entre ser escravo e ser dono da sua própria vida. Se a discussão teórica a respeito do neoliberalismo está distante da compreensão de muitos no Brasil, ao trazermos esta discussão para a concretude do município ela fica clara para todos: neoliberalismo significa a má qualidade do ensino ou a falta da escola; a má qualidade da saúde ou a falta do posto de saúde e do hospital; a falta de saneamento e etc. No Município as teorias ganham concretude.

O caminho que tem sido trilhado tem sido até o momento é o da busca da descentralização radical. Entretanto, esta descentralização de nada adianta sem a mudança das bases de poder no município, criando mecanismos de participação popular como os conselhos municipais ou o orçamento participativo.(13)

A democracia participativa no Brasil não pode esperar a construção de um Estado Social, improvável, se não for construído de maneira participativa.

Um conjunto de reformas que atenuem os problemas da democracia representativa no Brasil, no âmbito da reforma política como fidelidade partidária; limitação da reeleição de legisladores e chefes dos executivos; financiamento público de campanha; clausula de barreira e outras, se faz necessária para facilitar o processo de transformação social e econômica.

Entretanto este conjunto de reformas por si só não tem a força de transformação da realidade uma vez que elas são, principalmente, estruturais. Nada ocorrerá sem uma sociedade civil ativa e organizada, o que vem ocorrendo de maneira crescente na história recente do Brasil.

Em Porto Alegre a democracia local começou a ser construída a partir da administração do PT, com a importante experiência do orçamento participativo. Excluindo-se os recursos constitucionalmente vinculados a determinados serviços como saúde, educação e o pagamento do funcionalismo público todos os outros recursos da Prefeitura eram destinados para discussão popular.

A peculiaridade da experiência de Porto Alegre foi o fato da existência de uma sociedade civil com grau de organização já bastante desenvolvido. Existia portanto uma comunidade de moradores já organizada que realizou o diálogo com o executivo municipal nessa primeira experiência.

Existia por parte da associação dos moradores e do de setores do Partido dos Trabalhadores uma proposta da formação de conselhos populares. A nova administração local entretanto apresentou uma proposta fechada. Neste ponto, a proposta das associações dos moradores rejeitando o modelo pronto e propondo a construção do processo de participação a partir dos próprios morados foi fundamental para se evitar um equívoco inicial. Se a proposta é participação popular, como já chegar com tudo pronto, estabelecendo a forma como o povo deve participar? Esse é um dado importante na história da construção do orçamento participativo. A partir desta experiência, a forma de iniciação do processo é através do diálogo que permita atrair a população para participar na construção das regras que servirão para normatizar o próprio processo de participação popular. Em outras palavras a população irá dizer como se dará a sua participação. É o processo de construção das regras que regulamentam o processo participativo da construção do orçamento.

Nessa primeira experiência e a partir desse conflito inicial foi estabelecida uma das mais importantes características do orçamento participativo de Porto Alegre: as comunidades populares devem se auto-regulamentar. Não existe um regulamento previamente elaborado pela Prefeitura, nada é imposto. Em cada regional será organizada uma Assembléia Popular convocando o povo para o debate de criação das regras de funcionamento do processo de orçamento participativo. Portanto são as assembléias populares que fazem o regulamento para seu próprio funcionamento. Eles se auto-regulamentam sendo dever da Prefeitura fornecer os dados técnicos indicando o recurso disponível e as carências de cada região do município.

Em muitos casos, na votação popular o governo não dispõe de representante. Entretanto há experiências diferenciadas. No que diz respeito ao processo de auto-regulamentação, um novo regulamento será elaborado todo ano, iniciando-se o processo em Dezembro e Janeiro, no final do ano fiscal e inicio do outro ano.

Após este processo inicial, em Março será o momento onde o Governo, através de uma Secretaria (pode-se criar uma secretaria especial para o orçamento participativo, ou pode o orçamento estar ao encargo da secretaria de planejamento, ou na secretaria da fazenda) levará às diversas regionais, às diversas assembléias populares, a disponibilidade de recursos, as obras necessárias, as obras em curso, o custo para cada obra, enfim, os dados técnicos para a tomada de decisão popular. Serão então discutidos quais os critérios para se repartir recursos entre as diversas regiões. Posteriormente serão escolhidos os conselheiros em cada uma dessas regiões para participar de uma reunião específica para a discussão da repartição dos recursos entre as diversas regionais. Os critérios têm que observar os aspectos técnicos e democráticos.

Os critérios normalmente adotados levam em consideração aspectos demográficos, a carência territorial de bens, a existência ou não de uma estrutura de saneamento melhor, existência de estrutura de saúde e educação e por fim é observada a exeqüibilidade da demanda, ou seja, se o que a população deseja é possível ser feito.

É necessária portanto uma assessoria técnica por parte da Prefeitura com relação á exeqüibilidade da obra. No município de Belo Horizonte inseriu-se, a partir de 1993, o novo mecanismo chamado de caravana do orçamento participativo, quando os conselheiros escolhidos em cada regional(14) vão estar discutindo a repartição dos recursos entre as regionais. A decisão da divisão de recursos é precedida de visitas às várias regiões e bairros da cidade, verificando de perto as carências, necessidades e infra-estrutura existente.

Este mecanismo tem se mostrado eficaz, permitindo aos conselheiros, originários de diferentes regiões, que conheçam a realidade do todo, (lembrem-se que estamos falando de cidades de doze milhões de habitantes como São Paulo, dois e meio milhões de habitantes como Belo Horizonte ou dois milhões como Porto Alegre). Os conselheiros que representam regiões distintas, podem com isto conhecer a realidade de todas as regiões do município, processo que tem tido resultados interessantes, pois gera conhecimento e sensibilidade dos problemas locais, permitindo a superação de um sentimento egoísta. No momento da votação é costume se estabelecer três prioridades de intervenção do estado municipal.

A democracia participativa tem de se inserir dentro das reflexões sobre a ruptura com (e não mais resistência ao) o poder econômico global, ao neo-liberalismo, uma vez que o grande capital, as grandes corporações globais detêm um enorme poder de propaganda; eles detêm os meios de comunicação detêm o poder econômico e impõe aos estados nacionais, uma situação de exclusão e de miséria.

A ideologia conservadora-liberal preponderante nos faz desacreditar no ser humano. Ela parte do pressuposto da descrença no humano, na descrença na possibilidade de construção de um outro mundo pela insuficiência do ser humano. Para que uma instituição funcione, acreditam os conservadores que ela tem que trabalhar com prêmios para os humanos, que só trabalham em busca de prêmios. Sem a busca do lucro não há crescimento cientifico ou tecnológico. Para a ideologia conservadora-liberal preponderante o ser humano é corrupto. Logo é inerente ao Estado a corrupção, o Estado sempre será corrupto pois o ser humano é corrupto. Para a ideologia conservadora-liberal preponderante o ser humano não pode ter direitos sociais, segurança no emprego, pois assim ele sempre vai se acomodar, se encostar, pois é inerente ao ser humano a preguiça e a corrupção, logo para que a economia e a sociedade funcionem o ser humano tem que ser atormentado permanentemente com a possibilidade de perda do emprego e logo a miséria, caso contrario ele não trabalha. O ser humano tem que ser ameaçado, controlado, incentivado com prêmios de sucesso, poder e dinheiro. Triste a sociedade que se funda neste egoísmo, nesta imitação trágica do humano.

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(1) O sonho não é apenas sinônimo de ilusão como na referencia a matrix, o sonho pode e deve ser fator de mobilização, o sonho, ou voltar a acreditar na utopia, pode ser o pressuposto necessário que falta, para transformar a sociedade em que vivemos.

(2) A França é um sistema semi-presidencial, o que implica em governo bicéfalo, onde primeiro-ministro e presidente governam

(3) Em obra editada pela Editora Cortêz, o educador norte americano Michael Apple (Educando à Direita, Michael Apple, Editora Cortez, coleção Biblioteca Freiriana, São Paulo, 2002) explica com clareza a relação entre as religiões fundamentalistas cristãs, mais fortes no sul do Estados Unidos e o fortalecimento do projeto econômico conservador de Reagan, Bush pai e Bush filho. Segundo o autor, para os fundamentalistas cristãos, o espaço público se tornou o espaço de destruição da família. As conquistas constitucionais históricas como igualdade entre homens e mulheres, o reconhecimento de direitos para os homossexuais, o aborto e outros direitos conquistados depois de muita luta social são a prova de que o espaço público (representado por estas conquistas) é o grande inimigo da moral e da família. Esta relação entre o público como representando o mal e o privado, a família, representando o bem (numa tacanha compreensão maniqueista do mundo), serve ao combate que o capital concentracionista conservador faz ao setor público na sua desenfreada destruição do Estado e dos direitos sociais conquistados no século vinte e representados pela construção do Estado Social. Reagan, Bush pai e especialmente Bush filho foram eleitos com o decisivo apoio de igrejas "cristãs" fundamentalistas. A cruzada de Bush contra o fundamentalismo islâmico e a simplificação do mundo entre o bem e o mal são expressões desta perigosa aliança.

(4) O filósofo esloveno Slavoj Zizek (Bem Vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas correlacionadas, Salavoj Zizek, São Paulo, Boitempo Editorial, 2003, coleção Estado de Sitio) estabelece uma importante diferença entre os antagonismos verticais e os antagonismos horizontais. Segundo o Autor há uma simplificação do mundo presente na defesa do pluralismo, diversidade e antagonismo segundo o pensamento liberal vigente, naturalizando toda a diferença. Todo antagonismo é natural e como tal deve existir, como por exemplo, ocidente e oriente; bem e mal; patrão e empregado; grande e pequeno; rico e pobre; incluído e excluído; bons e brutais; vitimas e torturadores e etc. Até onde devemos chegar na manutenção ou aceitação da alteridade? São necessários todos os tipos de antagonismo ou alguns ou vários devem ser combatidos enquanto outros preservados. O problema não é o oriente versus ocidente, esta é uma diversidade ou por vezes um antagonismo que deve ser preservado, porque complementar, horizontal, o problema contemporâneo portanto não é ocidentalizar o oriente para que este seja democrático. Há um universal comum entre oriente e ocidente que é o antagonismo vertical do fundamentalismo versus a democracia e a tolerância. O fundamentalismo assim como a tolerância e a democracia estão presentes em conflito tanto no oriente como no ocidente. Esta luta é universal. Vemos portanto que não podemos admitir todos os antagonismos e nem tampouco reduzir o outro ao antagônico, pois há sempre um algo em comum com o outro, um antagonismo vertical de que compartilhamos. Verificar as paginas 85,86 e 87 do livro acima mencionado.

(5) A situação na Venezuela nos mostra que a democracia representativa ou qualquer outra forma de democracia são simplesmente toleradas pela elite econômica, sempre pronta a uma ruptura violenta se necessário quando os instrumentos democráticos afetam seus interesses egoístas. Hugo Chaves foi democraticamente eleito (uma eleição);convocou uma Constituinte que foi democraticamente eleita (duas eleições); a Constituição Bolivariana da Venezuela (democrática) elaborada pela Assembléia Constituinte foi referendada pelo povo (três eleições); daí foram convocadas novas eleições onde Chaves foi reeleito (quatro eleições) e um novo parlamento, governadores e prefeitos foram eleitos (cinco, seis e sete eleições), tendo contra o seu governo todos os meios de comunicação privados (não pode ser acusado de manipulação da opinião pública). Mesmo depois de tudo isto Chaves é apresentado pela imprensa conservadora como um coronel autoritário, e a direito Venezuelana com medo de perder privilégios históricos tenta o golpe de estado com o apoio do governo dos EUA. Esta é uma história que se repete no mundo e na América Latina onde podemos lembrar os tristes episódios do Brasil 1964; Chile 1973 e muitos outros (Argentina, Uruguai, Bolívia, Nicarágua, El Salvador, Panamá, etc).

(6) Esta crítica esta muito bem construída no livro de LOIC WACQUANT, Prisões da Miséria, editora Jorge Zahar editor, Rio de Janeiro, 2001.

(7) O excluído hoje de oprimido ou explorado tornou-se desnecessário. Não precisam nem mais explorar seu trabalho.

(8) FELICISSIMO, Márcia Regina. O Conceito de representação política na teoria de Carl Schimitt, Belo Horizonte: UFMG, 2001.

(9) A realidade política do Estados Unidos da América pós 11 de setembro retrata a utilização de todos estes mecanismos, como a criação do inimigo (o radical islâmico e não mais o comunista embora as referencias a esquerda continuem muito presentes), a restrição da liberdade de imprensa com a crítica aos não patriotas como sendo todos os que criticam a nação, criando uma unidade, excluindo todos os norte americanos que se coloquem contra a posição do governo, do líder, fato bem marcante no já referido Ato Patriótico II antes mencionado. Em documento intitulado Em defesa da civilização publicado nos EUA após o atentado de 11 de setembro encontramos o seguinte escrito: Os ataques a Nova York e ao Pentagano reacenderam o respeito por nosso país. Acadêmicos que ignorem isso arriscam-se a tornar-se tão irrelevantes quanto os sovietólogos do passado(...) A América é mais do que a soma de seus problemas. A alguns dos intelectuais da nação pode faltar esta perspectiva sobre o onze de setembro, mas é uma preciosa parcela de sabedoria que podemos tirar do atentado. ( SCOWEN, Peter. O livro negro dos Estados Unidos. São Paulo: Record, 2003).

(10) FELICISSIMO, Márcia Regina. Op.cit. pág 15.

(11) Geralmente esta homogeneidade de valores é simplificada da massa de absolutamente iguais, mas pode ser construída numa massa de absolutamente diferentes. A igualdade de todos reside no fato do egoísmo de cada um na construção de sua vida segundo os valores comuns baseados no egoísmo, materialismo, individualismo e na negação do comunitarismo e de todo aquele que negue estes valores. Portanto, os diferentes são incluídos desde que se adequem ao que pode ser tolerado como diferente. Os diferentes iguais (segundo o paradigma vigente) são aceitos, os diferentes que negam este paradigma de diferença não são aceitos, portanto são excluídos.

(12) FELICISSIMO, Márcia Regina, op.cit.pág.16.

(13) Sobre o tema ver: DOWBOR, Ladislaw. A reprodução social: propostas para uma gestão descentralizada. 2. ed. Petrópolis; Vozes, 1999. TEIXEIRA, Elenaldo. O local e o global: limites e desafios de participação cidadã. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2001. SANTOS, Milton. Território e sociedade. 2. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. CAMPOS FILHO, Candido Malta. Reinvente seu bairro. São Paulo: Ed. 34, 2003. FREITAG-ROUANET, Bárbara et al. Cidade e cultura: esfera pública e transformação urbana. São Paulo Ed. Liberdade, 2002. CASTELLS, Manuel. Cidade, democracia e socialismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. TOTORELLO, Luiz Olinto (Org.). Retratos metropolitanos: a experiência do Grande ABC em perspectiva comparada. São Paulo: Editora Fundação Konrad Adenauer, 2002. DUTRA, Olívio; BENEVIDES, Maria Vitória. Orçamento participativo e socialismo. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001.

(14) As regionais são divisões administrativas geralmente desconcentradas, portanto submetidas hierarquicamente ao executivo municipal. Entretanto começam experiências de descentralização administração o que implica em criação por lei de um ente territorial autônomo com competências administrativas próprias.

*Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG, Diretor Geral do Centro de Estudos Estratégicos em Direito do Estado

 

Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_75/index.htm > / Acesso em : 18 out. 2006