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Prescrição e Direitos Autorais
por Eliane Yachouh Abrão

 

A Lei nº 9610 de 19.02.98 que altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais, e que revogou a Lei 5988 de 14.12.73, com ressalvas, foi publicada com o veto presidencial ao art.111, relativo à prescrição do exercício do direito de ação no que tange aos direitos patrimoniais, instituto que a lei anterior contemplava no art.131.

O que se verificou com o veto da lei foi a omissão do legislador em matéria relevante, tratando-se os direitos patrimoniais, de direitos disponíveis. Mas, e como se demonstrará, o prazo prescricional das ações intentadas por violação a direitos patrimoniais de autor é o de cinco anos contados a partir da data da ocorrência da violação.

Inicie-se pela regra contida no art. 4º da Lei, de Introdução ao Código Civil que, em caso de omissão da lei, determina ao juiz seja considerada em sua decisão a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. É regra obrigatória de uso do intérprete.

Sobre a "analogia legis" ensina Limongi França (Formas e Aplicação do Direito Positivo, RT, SP, 1969, fls.71), que se trata da "extração da igualdade de tratamento", para certos casos, de uma norma legislativa existente para outra similar.

Como se situa a disciplina Direito de Autor (e conexos) no quadro geral do direito civil (comercial para países de sistema anglo-saxão) como espécie do gênero Propriedade Intelectual, tem ela na Propriedade Industrial o seu "outro similar".

Ora, a conduta prescricional adotada pelo legislador da propriedade industrial é o de cinco anos. O art. 225 da Lei nº 9279 de 14/05/96, a lei da propriedade industrial, é expresso: prescreve em 5 (cinco) anos a ação para reparação de dano causado ao direito de propriedade industrial. A norma consolida jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de que prescreve também em cinco anos a ação de perdas e danos pelo uso indevido de marca comercial. O mesmo prazo, cinco anos vigia no Código anterior, Lei nº 5772 de 21/12/71 art. 98, parágrafo único, no respeitante à ação de nulidade de marca.

Todas as disposições já vigentes no Brasil sobre direitos de autor, como o Código Civil e a lei 5988/73 seguiram a mesma linha: não há, nem houve lei ou norma reguladora do lapso temporal que a fixasse em dois, dez ou quinze anos.

Portanto, tanto a analogia como os usos e costumes em matéria de propriedade intelectual apontam para os cinco anos do prazo prescricional.

Onde, então, a controvérsia? Aparentemente, na fixação do termo inicial, isto é, no ponto de partida para a contagem desse prazo: se na data da ocorrência do dano (violação, contrafação), se, na da ciência dele por parte do titular do direito.

Para solucionar a questão, nada mais indicativo que as próprias razões ao veto, transcritas por Plinio Cabral em "A nova lei de direitos autorais" (Ed. Sagra - Luzzatto, RS, 1998, pg 248). Justifica-o a Presidência da República, alegando que "o dispositivo modifica o art. 178, § 10, inciso VII, do Código Civil, já alterado anteriormente pelo art. 131 da Lei 5988/73. A perda do direito de ação por ofensas a direitos de autor, por decurso do prazo, está melhor disciplinada na legislação vigente. O prazo prescricional de cinco anos deve ser contado da data em que se deu a violação, não da data do conhecimento da infração, como previsto na norma projetada".(grifo)

Da "mens legis", então, extraem-se as seguintes conclusões: a) que o texto faz referencia à alteração a disposição específica do Código Civil, para reafirmá-la e não para revogá-la; b) que prazos não foram aventados no texto para sustentar a rejeição, mas, sim, o seu ponto de partida; c) ambos os textos citados, o art. do Código Civil e a lei especial (5988/73), falam no prazo prescricional de cinco anos (a lei especial, mais técnica, limitou-os aos direitos patrimoniais); d) os textos citados expressamente dizem do início da contagem a partir da ocorrência do dano (o Código Civil "da contrafação", a Lei 5988, "da data em que se deu a violação"); e) que nunca se cogitou da imprescritibilidade uma vez que o veto se deu exatamente em função da proposta rejeitada (data do conhecimento da infração) que reconhecia, na prática a imprescritibilidade desse exercício.

O próprio Superior Tribunal de Justiça já reconheceu a compatibilidade entre os dois textos no julgamento do Recurso Especial nº64.747-9, sob a égide da lei especial ora revogada.

Bastariam os argumentos acima para sustentar que o prazo prescricional do exercício do direito de ação relativo aos direitos patrimoniais de autor é o de cinco anos e que se inicia na data da violação, e não no de sua ciência. Mas, a leitura atenta dos três textos de lei em questão (Código Civil, Lei 5988/73 e Lei 9610/98), sujeita às regras jurídicas da interpretação sistemática, remetem a outras conclusões, todas no mesmo sentido.

A lei nova, a de nº 9610 de 19/02/98, revogou expressamente a lei 5988/73, mantendo em vigor, unicamente, o seu art.17 que cuida dos registros (facultativos e meramente declaratórios) das obras autorais. Não ressalvou o art. 131 que tratava da prescrição. Revogou, também, expressamente os artigos 649 a 673 e 1346 a 1362 do Código Civil. Mas não revogou o parágrafo 10º inciso VII do art.178 deste. Ora, a disposição prescricional não foi deixada de lado por mera negligencia do legislador, mas, porque havia solução sistemático- legislativa, para a questão: o último artigo, o 134 da lei especial revogada, a 5988/73, ao invés do tradicional "revogam-se as disposições em contrário", dispôs, com absoluta originalidade: "esta lei entrará em vigor a 1º de janeiro de 1974 ressalvada a legislação que com ela for compatível".

E com ela era compatível o inciso VII do § 10 do art. 178 (prescreve ... em cinco anos... a ação civil por ofensa a direitos de autor contado a prazo da data da contrafação) pois vinha assim expresso o seu art. 131: "prescreve em cinco anos a ação civil por ofensa a direitos patrimoniais do autor ou conexos, contado o prazo da data em que se deu a violação".

Desde, portanto, 1º de janeiro de 1974, data do início da vigência da lei n5988/73 coexistiam pacificamente no universo autoral as duas normas, porque compatíveis entre si.

A lei nova (9610/98), portanto, não revogou o inciso VII do § 10º do art. 178 do Código Civil, como o fez com os demais artigos, atinente à matéria, do Código Civil.

Além disso, o prazo prescricional de cinco anos contados da data da violação (contrafação) nunca foi incompatível com o texto da Lei 5988/73 e como a Lei 9610, não versou sobre o prazo prescricional, não deu nova regulamentação à matéria de que tratava a lei geral anterior, o Código Civil.

De outro lado, as exigências contidas no § 1º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, de sujeição obrigatória pelo intérprete, não se verificaram na espécie ("a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior").

Com efeito, a lei posterior (9610/98) revogou a anterior (5988/73), mas não à anterior, isto é, o Código Civil, que permaneceu intacta, até porque ressalvada por esta "naquilo que com ela fosse compatível". E, também, porque como um corpo geral de leis, não regulava, apenas, a matéria autoral, e nem foi expressamente revogada em nenhum texto posterior.

Do exposto, conclui-se, pois, que a regra interpretativa da compatibilidade determinada pelo art. 134 da lei anterior com o art. 178 do Código Civil, permanece intacta: mesmo prazo (cinco nos) e mesmo fato gerador (a data da ocorrência da violação), prestando-se a suprir a lacuna da lei vigente.

© por Eliane Yachouh Abrão, São Paulo, Brasil, setembro, 1999.
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Artigo retirado de: http://www.uol.com.br/direitoautoral/artigo06.htm